v. 1 n. 2 (1994)

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Apresentação

Ao contrário do primeiro número, cujas contribuições exibiam uma certa unidade temática, oriundas que eram em sua maioria de um colóquio sobre O Cepticismo e a Questão do Sujeito, o presente número da revista Analytica percorre na história da Filosofia um arco que se estende de Aristóteles a contemporânea Filosofia analítica. Ordenados segundo a ordem do tempo, o primeiro artigo versa sobre os problemas envolvidos na concepção aristotélica da eudaimonia como o "bem supremo",  quer interpretado como um bem "inclusivo" (a harmonia dos fins), quer como um bem "dominante" (a vida contemplativa). Marco Zingano (UFRGS) faz aí uma revisão dos trabalhos mais importantes sobre o tema e, apoiando-se numa leitura original do critério formal da perfeição como um modo particular de ser das virtudes, propõe uma  nova versão para a interpretação "inclusivista". 

No segundo artigo, consagrado a Descartes, Raul Landim (UFRJ) também propõe uma maneira original de abordar os problemas envolvidos na concepção cartesiana da união da alma e do corpo. Ao invés de questionar diretamente a viabilidade de uma doutrina que parece incoerente -admite-o o próprio Descartes - na medida em que exige que alma e corpo sejam pensados ao mesmo tempo como substancialmente distintos e substancialmente unidos, Raul Landim propõe que se pergunte que referente pode ter o termo "eu", no quadro da exposição "analítica" do sistema cartesiano, quando esse termo designa 0 sujeito de propriedades anímicas (por exemplo, "eu penso"), de propriedades corporais (por exemplo, "eu ando") e de propriedades que dependem da união da alma com 0 corpo (por exemplo, "eu sinto dor"). 

Valerio Rohden (UFRGS) ocupa-se no terceiro artigo do conceito de "sociabilidade legal" (gesetzliche Geselligkeit), que Kant trata de vincular aos conceitos de humanidade e sociabilidade, no contexto da fundamentação do juízo de gosto na terceira Crítica. Sem desconhecer o contexto estético em que é introduzido, V. Rohden propõe-se mostrar que o conceito de "sociabilidade legal" remete, para além da terceira Crítica, a uma compreensão mais ampla do conceito de humanidade, que ainda não recebeu a atenção dos estudiosos de Kant. Com efeito, argumenta V. Rohden, essa compreensão não envolve apenas a ideia de que 0 homem só realiza sua humanidade em sociedade com os demais e na medida em que a sociedade, movida por ideais morais, se reconhece esteticamente; ela envolve ademais a ideia de que a elevação a moralização e ao mútuo reconhecimento por parte dos homens é condicionada por uma transformação das relações políticas. 

Também da filosofia kantiana se ocupa no ensaio seguinte Denis L. Rosenfield (UFRGS), que visa no entanto um objetivo ligado ao seu projeto filosófico pessoal, a saber, mostrar a importância filosófica do conceito de mal pela demonstração de que também este ocupa um lugar entre as condições de possibilidade da experiência e da compreensão do mundo em geral. Neste ensaio, D. Rosenfield investiga os pressupostos da concepção kantiana da Metafísica e se propõe mostrar a "estrutura necessariamente prática da Metafísica ", como um preâmbulo dessa determinação do lugar filosófico do conceito de mal. Devido à sua extensão, publicamos agora apenas a primeira parte do texto, reservando a continuação para o próximo número. 

O trabalho seguinte é uma tradução anotada, por Marcos L. Müller (UNICAMP), da Introdução às Grundlinien der Philosophie des Rechts de Hegel. Não é preciso encarecer a importância para a pesquisa filosófica de traduções cuidadosas dos autores clássicos. A publicação de uma "prova", antes da edição definitiva, da tradução completa dessa obra tem por objetivo propiciar uma discussão entre os conhecedores de Hegel das soluções encontradas por M. Muller para os inúmeros e difíceis problemas da tradução de Hegel. O autor espera encontrar nessa discussão uma contribuição positiva para o aperfeiçoamento de seu trabalho. 

Last but not least, o texto que vem a seguir é um capítulo da tese de doutorado que Paulo Faria apresentou na UFRGS em 1994 sobre o Mundo Exterior: Uma investigação Gramatical. Alegando que "as razões que levaram Frege a postular sentidos (Sinne) como a referencia de expressões em discurso indireto sao as  mesmas que levaram os filósofos modernos a postular ideias (impressões, representações, dados sensíveis) como o correlato objetual dos verbos intensionais -e assim, a inventar a distinção filosófica entre o interior e o exterior que confere sentido à ideia de um mundo exterior", Faria procede a uma avaliação nuançada da crítica de Austin à epistemologia cartesiana e trata de mostrar que, mesmo que essa não faça inteira justiça a esta, ao fim e ao cabo esta muito próximo de fazê-lo. 

Com a publicação deste segundo número, que, como a do primeiro, não teria sido possível sem o apoio decisivo do Vice-Reitor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, prof. dr. José Henrique Vilhena de Paiva e do Decano do Centro de Filosofia e Ciências Humanas, prof. dr. Carlos Alberto Messeder Pereira, esperamos estar encerrada a fase heroica da fundação. Dois números publicados, tornamo-nos elegíveis para o apoio das agendas financiadoras de projetos acadêmicos, com o que podemos pensar em dar uma periodicidade regular à nossa revista, com a publicação, a partir de 1996, de dois números anuais.

A partir do terceiro número, estaremos acolhendo em nossas páginas contribuições não solicitadas e oferecidas espontaneamente à consideração de nossa Comissão Editorial. Chamamos a atenção dos interessados para as normas publicadas ao fim deste número. 

Os Editores
e a Comissão Editorial