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<P>Mulheres no ‘mundo’ da violência e do crime: </P>
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<P> </P>
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<P>Algo fora de lugar? </P>
<P>(Comarca de Guarapuava/PR, 1965-1980) </P>
<H1>Valdemir Paiva </H1>
<H1>Mestrando do PPGHIS/UFPR </H1>
<H1>Claudia Priori </H1>
<H1>Professora da Unespar </H1>
<P> </P>
<P>Recebido em: 05/03/2018 Aprovado em: 04/09/2018 </P>
<P> </P>
<Table>
<TR>
<TH>
<P>Este artigo aborda a presença das mulheres no “mundo” da violência e do crime, destacando os lugares que a violência feminina ocupa no imaginário social, nos discursos jurídicos e na historiografia, quase sempre vista como algo fora de lugar, o que pressupõe uma não violência feminina. Realizamos análise de processos-crimes contra o patrimônio e contra a fé pública no contexto de 1965 a 1980, que tiveram mulheres como autoras dos delitos, na comarca de Guarapuava, Paraná. Com base nisso e nas contribuições teóricas da história das mulheres e dos estudos de gênero, delineamos perfis e o envolvimento nas práticas delitivas, desmistificando discursos naturalizados da feminilidade passiva e de estereótipos idealizados e atentando-nos para as construções de gênero presentes na documentação. </P>
</TH>
<TH>
<P>Women in the ‘World’ of Violence and Crime: Something Out of Place? (Region of Guarapuava/PR, 1965-1980) discusses the presence of women in the" world "of violence and crime, highlighting the places that female violence occupies in the social imaginary, legal discourses and historiography, almost always seen as out of place, which presupposes a non-female violence. We conducted analysis of crimes against the patrimony and public faith from 1965 to 1980 that had women as authors in the Guarapuava County, Paraná. Based on this and on the women’s history and gender studies, we delineated profiles and the involvement in criminal practices, demystifying naturalized discourses of passive femininity and idealized stereotypes, and looking at the gender constructs present in the documentation. </P>
</TH>
</TR>
<TR>
<TH>
<P>Palavras-chave: mulheres, violência, criminalidade, justiça, gênero </P>
</TH>
<TD>
<P>Keywords: women, violence, crime, justice, gender </P>
</TD>
</TR>
</Table>
<P> </P>
<P> </P>
<P>As mulheres na escrita da história: espaços e representações </P>
<P> </P>
<P>
<DropCap>
<ImageData></ImageData>
A </DropCap>
</P>
<P>s conquistas de direitos igualitários entre homens e mulheres ainda estão em processo, esbarrando muitas vezes em raízes patriarcais e sexistas, pois na maioria das vezes alcança-se igualdade no acesso a oportunidades, lugares e posições, mas isso não significa igualdade, equidade, equiparação no tratamento e respeito a homens e mulheres nos mesmos espaços. As hierarquias e desigualdades de gênero ainda são muito fortes na sociedade e resistem às transformações socioculturais. </P>
<P>Não precisamos ir muito longe, no tempo e no espaço, para constatarmos como na sociedade brasileira atual a predominância do masculino está ainda cristalizada no imaginário social, tendo repercussão na linguagem, nos discursos, nas práticas e nas relações sociais de gênero, nas quais preconceitos, estereótipos e discriminações se reproduzem. Historicamente, os papéis sociais atribuídos às mulheres foram de submissão, recato, matrimônio e maternidade, ocupando o âmbito privado, doméstico e familiar. </P>
<P>No discurso histórico, as tendências historiográficas, principalmente até meados do século XX, excluíram as mulheres enquanto sujeitas, partícipes, omitindo suas experiências, ações, lutas e resistências nos mais diversos contextos. Com o advento da história cultural e a valorização da pluralidade de objetos históricos, “as mulheres são alçadas à condição de objeto e sujeito da história”, como afirma Rachel Soihet (1989, p. 275). Com isso, emergia o campo da história das mulheres, que ganhou fôlego nos anos 1960, em consonância com as lutas dos movimentos feministas que se destacavam nos EUA, na França, na Inglaterra e na América Latina, inclusive no Brasil. As ações feministas geravam interesse nas comunidades universitárias, por exemplo, que ansiavam compreender as reivindicações das mulheres, e com isso foram sendo criados cursos, grupos de estudos e reflexão, boletins e jornais para proporcionar espaços de debate e conhecimento do assunto. </P>
<P>Para esse processo de surgimento do campo da história das mulheres, teve grande contribuição a terceira geração do movimento dos Annales, com a história das mentalidades, e também a Nova Esquerda inglesa, com estudos da história social de grupos excluídos, de pessoas comuns. A ênfase na história cultural e a interdisciplinaridade – diálogo com outras disciplinas como antropologia, sociologia, literatura, linguística, entre outras – foram ampliando o espaço para a investigação de novos objetos de estudos, temas e abordagens que se desenvolveram após os anos 1970. Soihet e Pedro (2007) destacam que temáticas e grupos sociais até então excluídos dos estudos históricos tornaram-se objeto de análise e contribuíram para a emergência da pesquisa da história das mulheres e para os estudos de gênero. </P>
<P>O conceito de gênero foi adotado a partir da década de 1970 para teorizar a questão das diferenças entre os sexos, como salienta Joan Scott (1992). A partir daí, a adoção do gênero como uma categoria de análise histórica possibilitou pensar uma história das mulheres não de forma isolada, mas como uma nova história, na qual se equalize a presença dos gêneros – rejeitando o caráter de oposição binária baseada no sexo, nas diferenças biológicas entre o masculino e o feminino – dando maior atenção às construções sociais e culturais e buscando demonstrar que os elementos patriarcais, caracterizados pela “supremacia do homem”, nada têm de natural, sendo construções sociais e variando com o contexto cultural e político, conforme destaca a autora. </P>
<P>A categoria de gênero é uma categoria de análise histórica interseccionada com outras preexistentes, como classe e raça/etnia, que contribui para a abordagem das relações sociais perpassadas por relações de poder. Com o avanço dos estudos e pesquisas, gênero passou a ser utilizado para também investigar novos(as) sujeitos(as), identidades e corporeidades, interseccionando-se com outras categorias como sexualidade, geração e territorialidade. </P>
<P>Nessa perspectiva, podemos buscar na historicidade as subjetividades vigentes e presentes no cotidiano de mulheres e nas relações de gênero, segundo os apontamentos de Margareth Rago: </P>
<P> </P>
<P>Mais do que a inclusão das mulheres no discurso histórico, trata-se, então, de encontrar as categorias adequadas para conhecer os mundos femininos, para falar das práticas das mulheres no passado e no presente, proporem novas e possíveis interpretações inimagináveis na ótica masculina (RAGO, 1998, p. 92). </P>
<P> </P>
<P>E ainda, prossegue Rago: </P>
<P> </P>
<P>Entendo também que a categoria de gênero não vem como substituir nenhuma outra, mas atende à necessidade de ampliação de nosso vocabulário para darmos conta das multiplicidades das dimensões constitutivas das práticas sociais e individuais (Idem, ibid., p. 93). </P>
<P> </P>
<P>Rago utiliza como definição de gênero o estudo da “construção social e cultural das diferenças sexuais” (Idem, ibid., p. 89). Como a autora menciona, a categoria de gênero é utilizada para entender as construções históricas no que diz respeito à relação entre homens e mulheres, e também entre outras identidades de gênero, que, ao serem analisadas em um contexto, permitem a melhor compreensão de como essas relações se organizam, se legitimam e se reproduzem socialmente. </P>
<P>A produção historiográfica da história das mulheres nos mostra como historiadoras e historiadores têm buscado encontrar a presença feminina nos registros históricos possíveis, mesmo que não tratem delas de forma direta. Para a historiadora Michele Perrot, “o silêncio envolto da história das mulheres era um silêncio profundo que estava submerso ao esquecimento, anulando um importante objeto da história” (PERROT, 2007, p. 249). </P>
<P>Tendo como base os aportes teórico-metodológicos da história das mulheres e dos estudos de gênero, nosso objetivo neste artigo é colocar em evidência a presença e a atuação de mulheres no “mundo” da violência e do crime na comarca de Guarapuava, Paraná, entre 1965 e 1980, mediante a análise de processos-crimes
<Link>1</Link>
, dando visibilidade às trajetórias, ações, estratégias, experiências, práticas e representações e buscando tirar o véu do silêncio que ainda paira sobre elas na escrita da história. </P>
<Endnote>
<P>Notas </P>
<P> </P>
<P>1 Os processos-crimes analisados estão arquivados no Centro de Documentação e Memória (Cedoc) da Universidade Estadual do Centro-Oeste (Unicentro), campus de Guarapuava. Este artigo é fruto de pesquisa contemplada com auxílio </P>
</Endnote>
<Endnote>
<P>financeiro da Fundação Araucária, pelo Edital 10/2013, Chamada Pública Universidade Estadual do Norte do Paraná (Uenp)/ Universidade Estadual do Paraná (Unespar). </P>
<P>2 Para a jurisprudência, configura-se crime de latrocínio sempre que o roubo tenha sido o objetivo do crime de homicídio, pouco importando que este tenha sido praticado antes, durante ou depois da subtração. O crime de latrocínio (art. 157 do CPB, parágrafo 3º, in fine) é tipificado como crime hediondo pela lei nº 8.072/90, de 25 de julho de 1990 (Lei de Crimes Hediondos) no art. 1º, inciso II (BRASIL, 1990). </P>
<P>3 Os nomes utilizados neste artigo para se referir às pessoas envolvidas nos processos-crimes analisados são fictícios, com o objetivo de preservar suas identidades. </P>
<P>4 A menoridade cessava aos 21 anos de idade, conforme o antigo Código Civil de 1916. Com o novo Código Civil, lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, art. 5º, “A menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil” (BRASIL, 2002). </P>
<P> </P>
</Endnote>
<P>Nosso recorte temporal contempla anos de importantes mudanças socioculturais na vida das mulheres, como maior presença no mercado de trabalho, ampla participação na sociedade, em movimentos políticos, conquista de direitos, entre outros aspectos, o que nos instiga a entender as manifestações e a atuação dessas mulheres no “mundo” do crime e da violência. Além disso, se pauta também no acesso, no mapeamento e na disponibilidade da documentação, abarcando o período estudado e possibilitando a análise das fontes. </P>
<P> </P>
<P>Violência feminina: uma questão de gênero? </P>
<P> </P>
<P>Nas últimas décadas tem havido uma grande inserção das mulheres no “mundo” da violência e do crime. As mulheres passaram a ganhar com mais assiduidade os holofotes dos meios de comunicação, possibilitando a circulação de informações mais rápida a cada dia. No entanto, os veículos midiáticos estão dando repercussão para a atuação delas em ambiente já ocupado, mas pouco tratado, como é o caso de crimes contra o patrimônio, homicídios e tráfico de drogas, este último em número considerável. Isso ajuda a desmistificar o imaginário social de que a agressividade, a violência, a crueldade, o sadismo, a humilhação, entre tantos outros atributos de força e brutalidade, também são práticas femininas, e não somente masculinas, como nos ensinam a acreditar e incentivar culturalmente sua produção e reprodução. </P>
<P>Entre as temáticas estudadas pela história das mulheres e os estudos de gênero estão as pesquisas acerca da violência de gênero, que atinge majoritariamente as mulheres – pois é praticada em grande maioria por homens – mas afeta também outras identidades de gênero, em suas várias intersecções. O estudo da temática da violência contra as mulheres tem aumentado no Brasil desde os anos 1980, diante de tantas práticas violentas cometidas contra elas todos os dias, como agressões físicas, morais, estupros e feminicídios, para citar apenas algumas. </P>
<P>No entanto, há outro tipo de violência, a violência feminina, isto é, cometida por mulheres, ainda carente de discussão no debate histórico e social e que tem chamado nossa atenção, uma vez que entre as historiadoras e historiadores, especialmente entre as feministas, </P>
<P> </P>
<P>O tema em questão é tabu, não é abordado de forma direta. A ideologia dominante nos discursos e representações é a de uma feminilidade passiva e amistosa em oposição a uma masculinidade ativa e violenta. Um dualismo que coloca a mulher sempre como vítima e o homem sempre como o agressor, o algoz (PRIORI, 2012, p. 26). </P>
<P> </P>
<P>A violência feminina no debate historiográfico é pouco estudada, como já salientamos, embora outras áreas como a sociologia, o serviço social, a psicologia e o direito já possuam maior número de referências. No entanto, na história das mulheres e nos estudos de gênero essa é uma temática ainda relegada às penumbras. Haveria alguma posição hierárquica – enquanto objeto de estudo – mais privilegiada para as mulheres na história do que a prática de violência e de crimes? Em que isso desabonaria a experiência e participação das mulheres enquanto sujeitas da história, se em relação aos “grandes homens” sua heroicização pela história aconteceu justamente por terem cometido imensas violências? Não são os homens comuns – todos os dias – que ganham notoriedade por cometerem violências, quando as mulheres vítimas são culpabilizadas? </P>
<P>Inúmeras lutas foram travadas para alçar as mulheres como protagonistas, autoras da história. Então por que ainda a temática da violência feminina – que representa força, coragem, ousadia, protagonismo, resistência – é tão esquecida, deixada de lado? Acreditamos ser hora de evidenciar as mulheres no processo histórico, com todas as suas subjetividades, variáveis, concedendo às suas trajetórias e vivências as posições e lugares dos quais elas foram excluídas, reconhecendo nelas atributos historicamente renegados. </P>
<P>Entendemos que essa não atenção à temática carrega algumas questões de gênero: primeiramente, retira-se o protagonismo das mulheres que cometem violência, quando se nega a elas o reconhecimento de suas histórias. Em segundo lugar, parece haver certo receio, certa resistência, de que as representações sociais das mulheres, calcadas em atributos de mansidão, delicadeza e passividade, sejam desconstruídas e que haja, por parte das próprias mulheres, a perda de seus referenciais de existência histórica: submissa, passiva, boa mãe, boa esposa, delicada, portanto, violenta e criminosa jamais! Em terceiro lugar, o não estudo da temática demonstra valorização e fortalecimento dos discursos biológicos, sobre os quais se ancoram o feminino e o masculino de forma dicotômica: sexo frágil e sexo forte, respectivamente, colocando as mulheres na condição de inferioridade, subalternidade – vítimas – e os homens no patamar de superioridade, de hegemonia do poder, pois têm a força, que pode ser utilizada tanto para proteção quanto para agressão – algozes. </P>
<P>Outra questão que se deve destacar é a ampliação da noção de violência de gênero para entender também nesse processo a violência feminina, e não somente a masculina. Romper com o tabu, com o dualismo mulher-vítima e homem-algoz, é compreender a complexidade que a violência assume nas relações entre os gêneros. Não estamos, com isso minimizando ou retirando a importância de se estudar o problema da violência contra as mulheres, pois sabemos a dimensão e a gravidade que a violência de gênero provoca na vida delas. Mas chamamos a atenção para o fato de que em uma organização social na qual as mulheres foram criadas para assumir papéis secundários e aos homens foram dados papéis de dominação, as relações sociais de gênero são atravessadas por poder, e, como afirma Michel Foucault (1979, p. 183), </P>
<P> </P>
<P>O poder deve ser analisado como algo que circula, ou melhor, como algo que só funciona em cadeia. Nunca está localizado aqui ou ali, nunca está nas mãos de alguns, nunca é apropriado como uma riqueza ou um bem. O poder funciona e se exerce em rede. Nas suas malhas os indivíduos não só circulam, mas estão sempre em posição de exercer este poder e de sofrer sua ação, nunca são o alvo inerte ou consentido do poder, são sempre centros de transmissão. Em outros termos, o poder não se aplica aos indivíduos, passa por eles. </P>
<P> </P>
<P>É essa volatilidade do poder, essa inconstância, que nos faz enxergar a violência feminina dentro dessa complexidade da violência de gênero, já que o poder circula e ora está nas mãos de um, ora nas mãos de outro. Seja na perspectiva da resistência, da contra-violência ou do contra-poder, ou então nas significações de força e violência apropriadas para si, dentro dos referenciais dicotômicos da organização social das hierarquias de gênero e suas implicações na vida e no cotidiano. </P>
<P>Negar a violência feminina, a força e a agressividade como características possíveis das mulheres, carrega a imposição de atribuir a elas a ideia de incompletude, não sendo capazes de tramar, premeditar, agir com a razão – capacidades essas que socialmente são atribuídas aos homens – e isso é uma questão de gênero que deve ser refletida. Pois as meninas, desde crianças, são educadas para serem contidas, meigas, não pronunciarem palavrões, não brigarem com as amiguinhas, não praticarem esportes radicais, não baterem... Já os meninos são estimulados desde cedo às disputas, competições, lutas de braços com os amigos, a promoverem “guerrinhas” – basta atentarmos para a indústria de brinquedos que oferece às nossas meninas e meninos tipos distintos de possibilidades de brincadeiras, promovendo diferenças entre os gêneros desde a primeira infância. </P>
<P>Segundo Thomas W. Laqueur (2001), os processos de construção dos gêneros são também gerados em meio ao cruzamento de uma série de elementos normativos e resistências, nos quais se articulam a afirmação e contraposição de estereótipos de masculino e feminino. Atributos sociais como passividade, sensibilidade e reprodução são frequentemente compreendidos como expressões “naturais” de características femininas, e a virilidade, a agressividade, a racionalidade e o prazer, como masculinas. Aliado a esses processos de naturalização, as mulheres foram posicionadas como as responsáveis pela educação das crianças e pelos cuidados com a família, e os homens, situados como gerentes da vida pública e mantenedores do lar. </P>
<P>Dialogando com a historiografia e com base na análise documental – processos-crimes –, abordamos a violência feminina por essa ótica de gênero, apontando como as atitudes femininas, os atos e crimes cometidos, extrapolam o molde discursivo de gênero, ou seja, vão além dos estereótipos e imagens idealizadas socialmente e apresentam outras formas, não se pautando em um modelo único de feminilidade. </P>
<P>Surpresa e assombro são algumas reações que vêm à tona quando o assunto abordado é a ação criminosa e violenta cometida por mulheres, e, comumente, são atribuídas a elas pela sociedade qualificações depreciativas como “monstro”, “louca”, “histérica”, “bruxa”, “vagabunda”, “mãe desnaturada”, “mulher sem coração”, entre inúmeras outras, que buscam demonstrar a violência feminina como sendo algo fora do lugar, ou seja, práticas que não competem, não cabem às mulheres. E se elas as praticam, é porque estariam “fora de si”, fora do juízo perfeito, de seu papel “natural”. Contudo, as práticas sociais diferem bastante da idealização do feminino, pois as mulheres cometem – e sempre cometeram – os mais variados tipos de crimes, tanto na esfera doméstica como na pública. </P>
<P> </P>
<P>As relações de gênero: recompondo as tramas sociais nos processos-crimes </P>
<P> </P>
<P>Guarapuava está localizada no interior do estado do Paraná e teve sua emancipação como Comarca em 1859 (WACHOWICZ, 1995). A grande maioria dos habitantes é imigrante de origem europeia, sobretudo alemã, polonesa e italiana. O município se destacou no setor primário da economia por ter sido um entroncamento tropeiro até o início do século XX, deixando como legado grandes latifúndios que passaram a constituir lavouras a partir dos anos 1940, coincidindo com a decadência da exploração de erva-mate e madeira, tida como principal atividade nessa época. </P>
<P>Como salienta Francisco Carlos Teixeira da Silva (1990, p. 273), “entre 1950 e 1980, ocorreu no Brasil o mais intenso processo de modernização pelo qual o país já passou, alterando profundamente a fisionomia social, econômica e política”. Conforme assinala Marcia Tembil (2007), no contexto espacial de Guarapuava, a Comarca apresentou consideráveis alterações no plano político, econômico e urbano, com a instalação de casas comerciais, instituições financeiras e pequenas indústrias do ramo agrícola que se integraram nesse ambiente e contribuíram para a alteração dos hábitos e do espaço urbano. No entanto, e ainda como aponta a autora, o rústico e o rural congregam no espaço urbano, imprimindo ao cenário um antagonismo entre as políticas: de um lado, discursos que indicavam o rumo da modernização, de outro, a resistência de raízes conservadoras. </P>
<P>Chegaram nessas décadas, à pequena cidade de Guarapuava, pessoas de outros países e também advindas da área rural local que buscavam melhorias na condição de vida. Agregavam-se também costumes, ideias e culturas variadas para compor a formação da rede urbana, ou das periferias que se moldavam com a formação urbana de Guarapuava e as demais ao seu redor, constituídas em sua grande maioria por mão de obra operária. Como qualquer outro lugar, a região apresentava manifestações de violência e crimes, o que nos impulsionou a contribuir para a ampliação das discussões concernentes ao assunto, problematizando e buscando investigar a presença e a participação das mulheres nessas práticas. </P>
<P>Para a recomposição das relações de gênero em uma perspectiva histórica, partimos de nossa problemática e hipóteses buscando perceber como as tramas sociais e de poder são constituídas e perpassam a vida das mulheres, seu cotidiano, sua inserção e participação no “mundo” do crime e da violência. </P>
<P>Para nossa investigação, adotamos uma metodologia que utiliza tanto análise quantitativa como qualitativa para o tratamento e a sistematização dos dados levantados nas fontes escritas – os processos-crimes. Como já apontado, pesquisamos processos-crimes arquivados no Centro de Documentação e Memória (Cedoc) da Universidade Estadual do Centro-Oeste (Unicentro), campus de Guarapuava. O levantamento e a análise dos dados foram feitos com o intuito de delinear o perfil das pessoas envolvidas nos casos analisados, bem como as circunstâncias e os cenários dos delitos em que as mulheres tiveram atuação. Buscamos apresentar suas ações, estratégias e vivências e ampliar o leque de possibilidades da discussão acerca da relação entre gênero e violência, dialogando com o referencial teórico-metodológico e com a historiografia. </P>
<P>Utilizamos como fonte para nossa pesquisa um conjunto de 10 processos-crimes que tratam de crimes contra o patrimônio (apropriação indébita, furto, latrocínio, invasão de domicílio) e contra a fé pública (falsificação de dinheiro/moeda falsa) cometidos por mulheres, sozinhas ou em parceria, e que foram submetidas à justiça criminal por tais atos na comarca de Guarapuava, no recorte temporal proposto. </P>
<P>Os processos-crimes como fontes históricas proporcionam episódios, detalhes, cenários, motivações, discursos e representações, posições sociais e ações cotidianas de contextos específicos. O uso dessas fontes criminais para abordar a violência feminina tem nos possibilitado dar visibilidade às mulheres no processo histórico, bem como traçar um panorama dos perfis, analisarmos discursos, julgamentos, agenciamento do crime e representações sociais que se revelam nas falas presentes nos processos, trazendo para a cena sujeitos históricos antes relegados à margem. </P>
<P>Regina Célia de Lima Caleiro (2002, p. 304), ao analisar processos-crimes cujas autoras são mulheres, corrobora com o explanado acima: </P>
<P> </P>
<P>desmistificar estereótipos femininos de docilidade, submissão, mãe exemplar e esposa dedicada, permitiu o reconhecimento das mulheres como sujeitos históricos capazes de adequar comportamentos idealizados com atitudes alternativas e estratégias de sobrevivência, resistência e rebeldia, sem, contudo, tentar eximi-las de seu papel de criminosas. </P>
<P> </P>
<P>Com isso, os processos-crimes deixam de ser simplesmente documentos calcados em procedimentos técnicos e burocráticos, passando a ser objeto de investigação, nos levando a encontrar pessoas, sentimentos, vivências na história. Além disso, melhoram a compreensão da atuação feminina na violência e nos crimes, permitindo conhecer suas reentrâncias, os espaços de atuação e as pessoas envolvidas nas práticas delituosas. Em consonância com Sidney Chalhoub (2001), os processos-crimes como fontes ajudam a fundamentar historicamente a ideia de que haveria uma pluralidade de sujeitos políticos na sociedade, lutando a seus modos para atingir objetivos que lhes eram caros e assim governar a própria vida. </P>
<P> </P>
<P>Os processos revelam de forma notória a preocupação dos agentes policiais e jurídicos em esquadrinhar, conhecer e dissecar mesmo, os aspectos mais recônditos da vida cotidiana. Percebe-se, então, a intenção de controlar, de vigiar, de impor padrões e regras preestabelecidos a todas as esferas da vida. Mas a intenção de enquadrar, de silenciar, acaba revelando também a resistência, a não-conformidade, a luta (CHALHOUB, 2001, p. 53). </P>
<P> </P>
<P>As tramas sociais e de poder que perpassam as relações de gênero são esquadrinhadas, devassadas, trazidas à tona pelos agentes policiais e judiciários e também pelas pessoas envolvidas nos processos, que expõem aspectos privados, íntimos, segredos, sentimentos e subjetividades. E ainda, nota-se no corpus documental analisado uma vigilância constante da vida e do comportamento social, de modo particular, das mulheres protagonistas dessas histórias. </P>
<P>Os processos-crimes carregam um tom judiciário e social, denotando traços de valores morais e sociais, narrativas e discursos de várias práticas sociais, hierarquizações de gênero, relações de poder, estereótipos e idealizações do imaginário social. Carregam uma intenção de “fazer justiça”, de punição, e nesse âmbito esquadrinham, provocam devassas na vida das pessoas envolvidas, principalmente daquelas cujas condutas e valores são considerados “estranhos” ao status quo. </P>
<P>O crime é caracterizado como complexo e construído em diversos contextos, se manifestando de várias formas, uma vez que um ato só passa a ser considerado ilícito, ou seja, crime, a partir do momento em que são criadas as leis que o coíbe. Foucault (2005) assinala que a lei penal é criada no interior de uma sociedade pelo lado legislativo do poder político, e que para a lei existir tem de haver um poder político que a crie, a efetive. Portanto, o indivíduo só é passível de penalidades se suas condutas são definidas como repreensíveis pela lei. Para o autor, “uma lei penal deve simplesmente representar o que é útil para a sociedade. A lei define como repreensível o que é nocivo à sociedade, definindo assim negativamente o que é útil” (FOUCAULT, 2005, p. 81). </P>
<P>Nessa ótica, o indivíduo que rompe com a lei, praticando crime ou infração penal, comete algo que danifica a sociedade, e seu ato é um dano social, uma perturbação, um incômodo para toda essa sociedade, se tornando, para ela, um inimigo social. Em referência a isso, Boris Fausto (1984, p. 226) destaca que os juízes, os chamados “homens bons”, julgam determinados comportamentos tendo em vista as normas escritas do Código Penal Brasileiro (CPB) e as normas sociais mais amplas que se corporificam em identidades sociais. </P>
<P>A exposição de atos criminosos cometidos por mulheres ganhou maior visibilidade com os meios de comunicação (rádio, televisão e internet), sobretudo na esfera pública. É perceptível que no “mundo” do crime se acentua a visão dicotômica entre o masculino e o feminino construída socialmente, e nesse prisma – do crime e da violência – as mulheres não caberiam nos estereótipos idealizados. Tatiana Moura (2007) afirma que as guerras e os conflitos armados contribuem para a produção e legitimação de um modelo masculino e dominante (heterossexual, homofóbico, misógino e violento). Nessa compreensão, esse modelo se contrapõe ao modelo feminino, dócil, obediente, do lar, em que as mulheres são vistas sempre como a negativa do masculino, como aquilo que não é (do homem, do macho). </P>
<P>Na historiografia, as mulheres que cometeram violências ocuparam espaços periféricos, e na grande maioria das vezes elas foram descritas como auxiliadoras de crimes cometidos por homens, ou até mesmo vítimas passivas e sem “voz”. No entanto, com a produção historiográfica específica acerca da temática – embora ainda rara – tem sido evidenciado, como aponta Claudia Priori (2012, pp. 134-135), que </P>
<P> </P>
<P>A violência feminina vai se revelando por várias faces: astúcia, força, coragem, insensibilidade, ousadia, crueldade, entre tantos outros atributos. A premeditação e a ação em conjunto, ou então, o crime cometido pelas próprias mãos demonstra que essas mulheres sabiam muito bem o que estavam fazendo e isso vale tanto para os crimes de homicídio, quanto para os de furto, roubo e tráfico. </P>
<P> </P>
<P>Isso acentua a pluralidade de identidades pela qual transita a feminilidade, denotando multiplicidade, e não apenas uma ideia absoluta, fechada, rígida, da ação, participação e presença das mulheres no processo histórico. No caso de autoria e envolvimento em violências e crimes, as mulheres agem sozinhas e/ou em parcerias, são mentoras de crimes, mandantes, executoras, premeditam, matam por suas próprias mãos, comandam quadrilhas, trapaceiam, enganam, furtam, roubam, traficam... </P>
<P> </P>
<P> </P>
<P>Ampliando as lentes sobre as fontes: delineando perfis e espaços de agenciamento dos crimes </P>
<P> </P>
<P>A riqueza de informações trazida pelos processos-crimes merece extrema atenção e minuciosidade para ser selecionada e agrupada com outros elementos que de alguma forma se aproximam. Entre os dez processos analisados, destacam-se mulheres – autoras dos crimes – e homens – geralmente as vítimas – com naturalidade dos municípios de Guarapuava, Campo Mourão, Prudentópolis, Cambará, Canta Galo, Jaboticabal, Cruzeiro do Oeste, Chopenzinho, Laranjeiras do Sul, Entre Rios e Faxinal dos Elias, que estiveram envolvidos(as) em processos julgados entre 1965 e 1980 e residiam na comarca de Guarapuava. </P>
<P>A diversificação de pessoas com naturalidade de outros municípios do Paraná denota a atração pelo polo comercial e industrial que começava a se formar na cidade de Guarapuava, favorecendo o desenvolvimento urbano. Ainda que de forma tímida, algumas fábricas começaram a se instalar na região, como fábricas de fósforo, madeireiras, erva-mate, cevada e frigoríficos. </P>
<P>O conjunto de pessoas acusadas nos autos são 18, sendo que dessas, 12 são mulheres e 6 são homens. Metade dessas mulheres agiu sozinha e/ou em parceria com outras mulheres, e a outra metade na companhia dos homens. Em relação às ocupações profissionais, encontramos as seguintes profissões declaradas pelas mulheres: duas cabeleireiras; duas comerciantes; uma doméstica, fazendo faxina; uma do lar, trabalhando na própria casa; uma professora; quatro meretrizes; e uma sem ocupação declarada. </P>
<P>No que se refere aos homens que agiram em parceria com as mulheres nos crimes, foram mencionadas as seguintes ocupações nos inquéritos policiais: um carpinteiro; dois comerciários; um operário; e não constam informações para três deles. Ao delinearmos os perfis, outro quesito que contribui para o melhor entendimento dos homens envolvidos no crime são os locais de trabalho apresentados no momento dos depoimentos revelados nos autos, chamando a atenção para os três que não declararam profissão mas afirmaram ter alguma ocupação no momento, como operário, carpinteiro e servente de pedreiro – no tocante aos três que não declararam ter profissão na abertura do inquérito, mas no momento do depoimento afirmaram estar desenvolvendo algum trabalho, no intuito de não serem entendidos como desocupados. </P>
<P>A não exatidão entre as ocupações profissionais declaradas e os locais de trabalho informados nos autos em três casos verificou a ocorrência de muitas vezes omitirem esses dados, ou então de fato não possuíam o trabalho no momento. Dessa forma, a omissão parecia ser melhor opção do que assumirem que estavam desempregados(as) e serem alvo de juízo de valores, por não trabalharem e estarem envolvidos(as) em crimes, ou ainda por desempenharem ocupações não aprovadas pela sociedade. </P>
<P>A Tabela 1 nos indica que do total de 12 mulheres envolvidas, a maioria (quatro) é bem jovem, prevalecendo a faixa etária entre 18 e 24 anos; duas entre 25 e 31 anos; duas entre 32 e 38 anos; duas entre 39 e 44 anos; e duas cujas idades não constam na documentação. Isso revela que a faixa etária das mulheres envolvidas nos crimes é muita variada, e nos mostra também que são mulheres jovens, em idade economicamente ativa, ou seja, inseridas no mercado de trabalho. E muitas estavam, uma vez que poucas são as que não declararam ocupação. </P>
<P>O estado civil que predomina entre as mais jovens é o de solteira (três), sendo apenas uma mulher casada, nessa faixa entre 18 e 24 anos. No entanto, declarar-se solteira não quer dizer que de fato o fossem, pois algumas viviam em união estável. As mulheres acima de 25 anos (seis) também eram solteiras ou casadas, e a idade de duas não consta. </P>
<P>Quanto aos homens que atuaram junto com as mulheres no crime, os dados da Tabela 1 revelam que a maioria deles (quatro) também são jovens, entre 18 e 24 anos, e dois têm acima de 45 anos, e, em consonância com as mulheres, estão também em idade economicamente ativa. Já o estado civil que prevalece é o de solteiro (três), seguido de casado (um), nessa faixa de idade mais jovem, até 24 anos. E dois são casados e acima de 45 anos de idade. </P>
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<P>Tabela 1: Faixa etária das pessoas envolvidas na autoria do crime </P>
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<Artifact></Artifact>
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<Artifact></Artifact>
<P>Idade </P>
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<Artifact></Artifact>
<P>Autoria e parceria no crime </P>
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<Artifact></Artifact>
<P>Quantidade </P>
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</TR>
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<TD></TD>
<Artifact></Artifact>
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<Artifact></Artifact>
<P>Homem </P>
</TD>
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<Artifact></Artifact>
<P>Mulher </P>
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<Artifact></Artifact>
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<P>18-24 </P>
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<P>4 </P>
</TD>
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<P>4 </P>
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<P>8 </P>
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<Artifact></Artifact>
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<P>25-31 </P>
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<P>0 </P>
</TD>
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<P>2 </P>
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<P>2 </P>
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<Artifact></Artifact>
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<P>32-38 </P>
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<P>0 </P>
</TD>
<TD>
<P>2 </P>
</TD>
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<P>2 </P>
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<Artifact></Artifact>
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<P>39-44 </P>
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<P>0 </P>
</TD>
<TD>
<P>2 </P>
</TD>
<TD>
<P>2 </P>
</TD>
</TR>
<TR>
<Artifact></Artifact>
<TD>
<P>Acima de 45 </P>
</TD>
<TD>
<P>2 </P>
</TD>
<TD>
<P>0 </P>
</TD>
<TD>
<P>2 </P>
</TD>
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<Artifact></Artifact>
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<P>Não consta </P>
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<P>0 </P>
</TD>
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<P>2 </P>
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<P>2 </P>
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<Artifact></Artifact>
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<P>Total </P>
</TD>
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<P>6 </P>
</TD>
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<P>12 </P>
</TD>
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<P>18 </P>
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<P> </P>
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<TR>
<TH>
<P>Fonte: Elaborada pelos autores a partir dos processos-crimes (1965-1980) analisados no Cedoc da Unicentro, campus de Guarapuava. </P>
</TH>
</TR>
</Table>
<P> </P>
<P>A faixa etária jovem das pessoas acusadas, tanto mulheres como homens, nos remetem às colocações feitas por Rachel Soihet (1989), ao destacar que na nossa cultura, na qual a mulher é valorizada por sua juventude e seu corpo, envelhecer constitui uma razão de forte preocupação e ameaça. O homem se sente estimulado nesses momentos a buscar outras experiências, a trocar um objeto do qual já está saciado por outro mais jovem que seja uma fonte de prazeres. Além disso, Soihet salienta também que a procura de casas de prostituição possui, em suma, a finalidade de saciar prazeres sexuais já não saciados na vida matrimonial. </P>
<P>A Tabela 2 apresenta que a maioria das vítimas da violência cometida por mulheres (oito), são homens, sendo que dois são solteiros e seis são casados. E apenas duas mulheres foram alvos da atuação delituosa de outras mulheres. </P>
<P> </P>
<Table>
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<TH>
<P>Tabela 2: Perfil das vítimas por estado civil, sexo e tipo de crime </P>
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<Table>
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<Artifact></Artifact>
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<Artifact></Artifact>
<P>Estado Civil </P>
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<Artifact></Artifact>
<P>Quantidade por sexo </P>
</TD>
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<Artifact></Artifact>
<P>Tipo de crime </P>
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<Artifact></Artifact>
<P>Quantidade </P>
</TD>
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<TD></TD>
<Artifact></Artifact>
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<Artifact></Artifact>
<P>Masculino </P>
</TD>
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<Artifact></Artifact>
<P>Feminino </P>
</TD>
</TR>
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<Artifact></Artifact>
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<P>Solteiro (a) </P>
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<P>2 </P>
</TD>
<TD>
<P>1 </P>
</TD>
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<P>Furto e Apropriação indébita </P>
</TD>
<TD>
<P>3 </P>
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</TR>
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<Artifact></Artifact>
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<P>Casado (a) </P>
</TD>
<TD>
<P>6 </P>
</TD>
<TD>
<P>1 </P>
</TD>
<TD>
<P>Furto, Latrocínio, Apropriação Indébita, Invasão de domicílio e falsificação de dinheiro </P>
</TD>
<TD>
<P>7 </P>
</TD>
</TR>
<TR>
<Artifact></Artifact>
<TD>
<P>Total </P>
</TD>
<TD>
<P>8 </P>
</TD>
<TD>
<P>2 </P>
</TD>
<TD>
<P> </P>
</TD>
<TD>
<P>10 </P>
</TD>
</TR>
</Table>
<P> </P>
</TH>
</TR>
<TR>
<TH>
<P>Fonte: Elaborada pelos autores a partir dos processos-crimes (1965-1980) analisados no Cedoc da Unicentro, campus de Guarapuava. </P>
</TH>
</TR>
</Table>
<P> </P>
<P>Na Tabela 2 fica evidente também a predominância de homens casados (seis) entre as vítimas de crimes cometidos por mulheres, e em menor quantidade (dois) de homens solteiros. Isso se entrelaça com a frequência de visitas que esses homens casados e solteiros faziam a locais de meretrício, uma vez que a maior parte dos furtos (quatro) ocorreu nesse ambiente, conforme mostra a Tabela 3, espaços os quais eles frequentavam e foram alvos dos delitos. </P>
<P>Entre os crimes cometidos por mulheres e associados a homens, o furto é o que aparece com maior número, como já evidenciamos. Os desfechos dos processos criminais demonstram uma pequena e quase nula condenação nos casos analisados, é apresentada apenas uma condenação e outra, onde apenas um caso teve condenação e outra com a concessão de pena em liberdade e pagamento de fianças. Outros tipos de resolução dos processos são apresentados, tais como arquivamento do processo por falta de provas, absolvição e acordo entre as partes. </P>
<P>Conforme dados dispostos na Tabela 3, constata-se uma pequena variedade nos locais onde aconteceram os crimes cometidos por mulheres, no entanto, demonstra também que a violência e o crime estão presentes em todos os lugares, seja nos espaços domésticos, relações de trabalho, nas ruas, no trânsito, nos campos de futebol, nas periferias e grandes centros, na política, instituições governamentais e não governamentais, instituições religiosas, entre outros. A violência se manifesta em diversas formas e em vários lugares do convívio social. </P>
<P> </P>
<Table>
<TR>
<TH>
<P>Tabela 3: Tipificação do crime por local do acontecido </P>
</TH>
</TR>
<TR>
<TH>
<Table>
<TR>
<Artifact></Artifact>
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<Artifact></Artifact>
<P>Artigo do Código Penal Brasileiro </P>
</TD>
<TD>
<Artifact></Artifact>
<P>Crime </P>
</TD>
<TD>
<Artifact></Artifact>
<P>Local do acontecido </P>
</TD>
<TD>
<Artifact></Artifact>
<P>Quantidade </P>
</TD>
</TR>
<TR>
<Artifact></Artifact>
<TD>
<P>Art. 155 </P>
</TD>
<TD>
<P>Furto </P>
</TD>
<TD>
<P>Meretrício </P>
</TD>
<TD>
<P>4 </P>
</TD>
</TR>
<TR>
<Artifact></Artifact>
<TD>
<P>Art. 157 c/agravante Art.44 Inciso II </P>
</TD>
<TD>
<P>Latrocínio
<Link>2</Link>
</P>
</TD>
<TD>
<P>Rodovia (BR) </P>
</TD>
<TD>
<P>1 </P>
</TD>
</TR>
<TR>
<Artifact></Artifact>
<TD>
<P>Art. 155 e Art. 150 </P>
</TD>
<TD>
<P>Furto/ Invasão de Domicílio </P>
</TD>
<TD>
<P>Propriedade rural </P>
</TD>
<TD>
<P>2 </P>
</TD>
</TR>
<TR>
<Artifact></Artifact>
<TD>
<P>Art. 168 </P>
</TD>
<TD>
<P>Apropriação Indébita </P>
</TD>
<TD>
<P>Bar </P>
</TD>
<TD>
<P>1 </P>
</TD>
</TR>
<TR>
<Artifact></Artifact>
<TD>
<P>Art. 289 </P>
</TD>
<TD>
<P>Falsificação de dinheiro </P>
</TD>
<TD>
<P>Rua/Local público </P>
</TD>
<TD>
<P>1 </P>
</TD>
</TR>
<TR>
<Artifact></Artifact>
<TD>
<P>Art. 168 </P>
</TD>
<TD>
<P>Apropriação Indébita </P>
</TD>
<TD>
<P>N/C </P>
</TD>
<TD>
<P>1 </P>
</TD>
</TR>
<TR>
<Artifact></Artifact>
<TD>
<P>Total </P>
</TD>
<TD>
<P>10 </P>
</TD>
</TR>
</Table>
<P> </P>
</TH>
</TR>
<TR>
<TH>
<P>Fonte: Elaborada pelos autores a partir dos processos-crimes (1965-1980) analisados no Cedoc da Unicentro, campus de Guarapuava. </P>
</TH>
</TR>
</Table>
<P> </P>
<P>Verifica-se na tabela acima que a maioria (quatro) dos crimes de furto praticados por mulheres, aconteceu em zonas de meretrício, ou seja, casas de prostituição. O protagonismo feminino nesse tipo de crime e local específicos nos remete não somente ao cenário, mas também às circunstâncias do episódio, um espaço em que as mulheres tomam a cena, seja como objeto de realização de desejos e prazeres, seja como ativas na arte dos delitos, especialmente os furtos. </P>
<P>No caso dos homens que foram vítimas de furto (art. 155 do CPB) cometido por elas nas casas de prostituição, os processos-crimes revelam que eles lá estavam por motivações diversas, conforme declarado nas fontes: diversão com amigos, curiosidade, vontade de outras aventuras sexuais fora do relacionamento e pelo bel-prazer de relações sexuais. </P>
<P>Margareth Rago, ao analisar o processo de formação dos grandes centros, como São Paulo no fim do século XIX e início do XX, destaca a prostituição como sendo um “cancro social ou mal necessário” (RAGO, 2014, p. 296). A autora está se referindo à ambiguidade com que a prostituição sempre foi tratada: de um lado é um “cancro social”, isto é, um problema social, e de outro, é tolerada como prática na sociedade, pois é um “mal necessário”, haja vista o forte discurso advindo do positivismo que descrevia a natureza da sexualidade masculina como sendo mais “aflorada” e “intensa”, e para contê-la, ou satisfazê-la, haveria de ter esses momentos de extravasamento. As “mulheres de família” – mães e do lar – correspondiam apenas à necessidade de procriação e coordenadoras do lar, se contrapondo às “mulheres públicas”, isto é, que se colocavam a vender o próprio corpo, se prostituindo e sendo prostituídas nas casas de tolerância. </P>
<P>No Brasil e em muitos outros países a prostituição não é crime, portanto, a atividade profissional não é passível de punição, embora as profissionais sejam punidas socialmente pelos julgamentos, preconceitos, discriminação e violência que sofrem cotidianamente. Porém, no CPB, é crime manter casa de prostituição, estabelecimento em que ocorra exploração sexual, e favorecer a sua exploração, incorrendo no crime de lenocínio, conforme art. 229 previsto no CPB: “Manter, por conta própria ou de terceiro, estabelecimento em que ocorra exploração sexual, haja, ou não, intuito de lucro ou mediação direta do proprietário ou gerente: Pena - reclusão, de dois a cinco anos, e multa”. </P>
<P>Na Comarca de Guarapuava, no contexto analisado, existiam vários lupanares tais como os mencionados nos processos: Fogo Azul, Luz Vermelha, Zona do Morro Alto, e que eram negligenciados pela sociedade, sendo ambientes que existiam, mas que não eram reconhecidos. As pessoas que se dedicavam para esses estabelecimentos se situam na margem da sociedade, fugindo dos parâmetros normativos e sendo alvo de críticas por não estarem de acordo com as “normas”. </P>
<P>Um dos casos analisados e que merece destaque na cidade de Guarapuava é um furto ocorrido em 1969, cometido por Lucimara
<Link>3</Link>
, e que teve como alvo um homem solteiro, Valdir, com 23 anos de idade, lavrador e morador na zona rural de Cruzeiro do Oeste. Por ocasião da Páscoa, ele se dirigiu à cidade e ficou na casa de familiares. No dia 4 de abril daquele ano, por volta das 20h, Valdir foi até à zona de meretrício e no caminho encontrou um amigo que também ia para o local. Entre uma bebida e outra, Valdir notou que lhe faltava dinheiro, retornando à casa dos familiares para buscar mais, onde havia deixado um montante ganho à custa do trabalho na lavoura. De posse do dinheiro, voltou à casa de prostituição e notou que sua acompanhante Lucimara, meretriz, estava com outro homem. </P>
<P>Segundo os autos: </P>
<P> </P>
<P>Valdir, se exaltar e sacar [sic] uma arma da cinta. Os ânimos foram acalmados pelo seu amigo que lhe acompanhava. Com os ânimos acalmados, Valdir ainda pagou bebida para todos ali presentes. No fim das festividades, a vítima se dirige para o quarto com Lucimara, ocasião na qual se aproveita e efetua o roubo de 270 cruzeiros novos. Após se deitar com Valdir, Maria contrata um taxi que a leva até a casa de seu amasio e açougueiro Bruno, que morava aos fundos do seu estabelecimento comercial (PROCESSO-CRIME, furto, Guarapuava, 1969, s/p). </P>
<P> </P>
<P>Ao perceber que havia sido alvo de furto, Valdir se dirigiu à delegacia, registrou queixa e uma investigação se iniciou. Embora os autos afirmem que houve “roubo”, o crime cometido foi furto, art. 155 do CPB, e por isso foi aberto um inquérito. Diligências feitas, o produto do furto foi encontrado na casa do “amásio” (termo utilizado nos autos) de Lucimara, e com isso ela confessou o crime, foi presa em flagrante e se iniciou o processo contra ela. </P>
<P>Lucimara, no ato de flagrante, apresentou nome falso para proteger a reputação de sua família que morava na cidade de Laranjeiras do Sul. Tinha apenas 19 anos, sendo menor de idade
<Link>4</Link>
, exercia atividades na casa de prostituição e vivia em união estável com o açougueiro Bruno. Contudo, na ficha de identificação de Lucimara, aparece que ela não tinha moradia fixa. </P>
<P>Esse caso nos chama a atenção inicialmente pelo medo que a autora do furto demonstra ao informar um nome falso para a polícia, buscando preservar a reputação da família, residente de uma pequena cidade. Conforme consta no auto de declaração: </P>
<P> </P>
<P>(...) quando interrogada pela autoridade, a declarante omitiu seu nome verdadeiro que é Lurdes dizendo ser Lucimara, que é declarante assim disse chamar-se Lucimara porque temia seus pais que residem em Laranjeiras do Sul e por se tratar de um delito desmoralizante e que não viria traduzir um bom conceito perante ao seio de sua família que neste ato quer retificar a sua verdadeira nome por efeitos legais (PROCESSO-CRIME, furto, Guarapuava, 1969, s/p). </P>
<P> </P>
<P>No relatório final, que a declarava na condição de presa por furto em flagrante, aparecem os seguintes dizeres: </P>
<P> </P>
<P>A conduzida não negou sua autoria [no crime], porém negou sua identidade dizendo chamar-se Lucimara, quando na verdade chama-se Lurdes conforme certidão anexada do Cartório Registro Civil do distrito de Cantagalo (...) (PROCESSO-CRIME, furto, Guarapuava, 1969, s/p). </P>
<P> </P>
<P>Lucimara, que na verdade se chamava Lurdes, almejava desse modo não macular a honra da família, que não sabia da “vida pregressa que levava no meretrício” (como mencionado nos autos) negando até mesmo a sua identidade, mas assumindo o crime. </P>
<P>A conjuntura do julgamento de Lurdes é complexa e não se limita a apenas julgar o ato delituoso em si. Ocorre por parte de seu advogado de defesa construir uma narrativa, elaborando uma argumentação que coloca a ré em uma condição de “flagrante desespero” para ter cometido tal ato, como se pode constatar na seguinte fala: </P>
<P> </P>
<P>Nota-se pelo seu interrogatório, o flagrante desespero que se encontrava a denunciada quando da prática do fato delituoso, sendo ainda jovem, exercia o cargo de professora estadual, se viu da noite para o dia envolvido em condições como esta. Seu delito fora praticado mais em estado de necessidade, do que talvez por parte do álcool, despertando seu “ego” o lugar em que se encontrava. Regrediram seus pensamentos quando ainda prestava os seus ensinamentos nas casas escolares, no convívio de sua família, daí um passo do delito. </P>
<P>A denunciada face a instrução que tem poderá recuperar-se definitivamente. Em tais condições compete ao M.M Dr. Juiz, com humanidade absolvê-la (PROCESSO-CRIME, furto, Guarapuava, 1969, s/p). </P>
<P> </P>
<P>O jogo de argumentação apresentado pelo advogado de defesa é baseado nos bons antecedentes de Lurdes, que “sendo ainda jovem, exercia o cargo de professora estadual”, portanto, era instruída e de boa conduta, e da noite para o dia se viu envolvida nessas condições de prostituição. A defesa trilha o caminho do furto por necessidade, uma vez que “seu delito fora praticado mais em estado de necessidade”. É interessante destacar que o advogado busca mostrar que sua inteligência, seus ensinamentos como professora e aqueles recebidos pela família haviam sido esquecidos por ela, ou melhor, que, longe do esteio da família, “regrediram seus pensamentos”, e nesse caso pode-se entender isso como uma conotação à condição de incapaz, aquela que havia perdido a razão, e que, ao regredir em seus pensamentos, teria se tornado infantil novamente, ficando assim vulnerável, frágil, e a “um passo do delito”. A única menção sobre a trajetória de vida de Lurdes até o meretrício é a declaração do próprio advogado de defesa ao salientar que ela foi seduzida por um rapaz da cidade e por consequência foi enxotada pela família de casa, indo parar em um meretrício sem ter para onde ir. Esse tipo de trajetória era comum às “moças desgraçadas”, “perdidas” em sua pureza e ingenuidade, mas também parecia ser o destino das “mulheres largadas”, “abandonadas”, ou seja, das separadas ou divorciadas. </P>
<P>É perceptível como a defesa coloca a ré, menor de idade, na condição de vítima de sua própria história. De professora estadual, abandona a casa familiar e seus ensinamentos e chega àquela condição – de prostituta – e, mais que isso, de alguém que comete um delito por necessidade, é presa e julgada. Com base nos bons antecedentes de Lurdes, a defesa apela para sua absolvição, uma vez que “face a instrução que tem poderá recuperar-se definitivamente”. Certamente, nesse caso, o advogado se refere ao recuperar-se tanto da prostituição – o termo usado, “recuperar-se”, traz em seu bojo todas as significações que a prostituição teve ao longo da história, ao ser tratada como doença, e que a prostituta carregava em si a possibilidade de cometer crimes –, quanto do delito que recaiu sobre ela. E implora pela humanidade do juiz para que a mesma seja absolvida. </P>
<P>No momento de proferir a sentença, na leitura do relatório lavrado pelo juiz, a argumentação levada em consideração por ele também não deixa de lado alguns parâmetros sociais de conduta, chegando a citar o conceito de “repouso noturno”, como um agravante. </P>
<P> </P>
<P>(...) Foi inserida [Lurdes] na qualificação de ter sido o crime praticado durante o repouso noturno 1º do Art. 155, tal circunstâncias agravadora do crime de furto. Traçado por Magalhães Noronha, segundo o esclarecimento que Nelson Hungria em seu comentário no código penal V. folhas 31 na qual é o seguinte: </P>
<P>“É o tempo em que a vida das cidades e dos campos desaparece, em que os seus habitantes se retiram e as ruas estrada se despovoam facilitando essas circunstâncias para práticas do crime”. </P>
<P>Tal ensinamento do jurista Magalhães Noronha referido pelo saudoso mestre Nelson Hungria, nos leva à conclusão de que a qualificadora do repouso noturno não pode prevalecer no caso, em tê-la como já afirmamos o delito praticado em um lupanar. Esses locais mantem a modalidade de vida completamente anormal é justamente á noite que tais locais passam a ter praticamente vidas, ao contrário se faz durante o dia. </P>
<P>Assim diante do exposto e de ser julgada procedente em partes a denunciada a fim de se condenar a acusada Lurdes, nas sanções do Art. 155 do Código Penal como medida de justiça (PROCESSO-CRIME, furto, Guarapuava, 1969, s/p). </P>
<P> </P>
<P>Após a leitura do relatório de sentença, em que Lurdes foi considerada culpada, o advogado de defesa novamente intervém com uma nova argumentação: a denunciada jovem, ainda em face ao desespero que se encontrava abandonada do lar paterno, veio parar no local onde se deram aos fatos da denúncia. Em relação às narrações das testemunhas, parece que não se pode leva-las em conta, visto que nenhuma delas encontrava-se presente – a não ser a confissão espontânea da denunciada, na qual nota-se perfeitamente o estado de desespero que se encontrava após o delito, em verdadeiro contraste com sua vida anterior, mimando e educando crianças na qualidade de mestre. </P>
<P> </P>
<P>Nada mais nos resta MM. Dr. Juiz a não ser pedir a absolvição da denunciada, restituindo-lhe a liberdade para que possa ser útil à sociedade. Haja vista tratar-se de uma pessoa de bons princípios, podemos ainda, sem leiva de culpa recuperar-se por si só com a condição de constitui lá e voltar ministrar os seus conhecimentos de professora a tantas orientações que necessitam de estudos e constituir um lar (PROCESSO-CRIME, furto, Guarapuava, 1969, s/p). </P>
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<P>Nota-se que, mais uma vez, a defesa argumenta sobre os bons antecedentes da ré, o desespero da mesma por ter se encontrado “abandonada do lar paterno”, e exalta a condição da “vida anterior, mimando e educando crianças na qualidade de mestre”, ou seja, o oposto da condição de prostituição na qual estava no momento do delito. E por fim, reitera que Lurdes, se absolvida, poderia se recuperar, ser útil à sociedade, voltar a exercer a profissão de professora e constituir um lar digno das “mulheres honestas”. </P>
<P>A sentença proferida foi pela condenação de Lurdes que recebeu a pena de três meses de reclusão, no qual já havia sido retida, pois foi presa em flagrante, mais o pagamento de três cruzeiros novos para a Justiça. Sobretudo, o caso de Lurdes abre um horizonte para se entender como a moral e a sexualidade feminina eram levadas em consideração nos processos judiciais, exercendo formas de julgamentos e controle social. </P>
<P>Além dos lupanares, outros ambientes, como a área rural, e outros espaços de sociabilidade também tiveram a atuação de mulheres no crime. Um caso ocorrido no ambiente rural foi um crime de latrocínio (art. 157 do CPB com agravante), na estrada conhecida como “Curva Seca”. Situado entre as cidades de Laranjeiras do Sul e Guarapuava, Jéssica, Pedro e Carlos arquitetaram matar e roubar o jipe do taxista que prestava serviço a eles. Agindo como premeditado, Jéssica pediu para João, dono do táxi, parar o veículo sob a justificativa de querer ir urinar. Acatando o pedido, João, um senhor com idade avançada (não especificada) recebeu um tiro à queima roupa de Pedro ainda dentro do carro e Carlos assumiu a direção do carro após arremessar morro abaixo o corpo da vítima. </P>
<P>Assim como o caso de latrocínio ocorrido no meio rural, um roubo (art. 157 do CPB) também ocorreu na propriedade conhecida como “Rio das Pedras”, na cidade de Guarapuava. Acusadas de terem roubado alguns pinos (árvore para lenha), as irmãs Tayssa e Maria foram acusadas por Flávio. Após esclarecimentos junto a Justiça, as irmãs foram obrigadas a restituir o proprietário com um valor estipulado por essa. </P>
<P>Assim sendo, notamos que a diversidade do agenciamento do crime cometido por mulheres, no ambiente comercial, rural e até mesmo nas zonas de meretrício, evidenciam a violência feminina e os crimes, agindo sozinhas ou em parceria. </P>
<P>O envolvimento e ação das mulheres no “mundo” do crime e da violência, de tipos variados, sejam aqueles cometidos em esfera privada ou pública, nos faz problematizar também o crescente encarceramento feminino no Brasil, especialmente por crimes de furto e tráfico de drogas. A prisão e condenação de mulheres que cometeram atos violentos apontam para as desigualdades de gênero muito presentes no sistema prisional, que não está preparado para receber as mulheres em suas especificidades e fases da vida como a menstruação, a gravidez, o parto, o puerpério, a amamentação e a maternidade. </P>
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<P>Considerações finais </P>
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<P>Os processos-crimes como fontes históricas nos proporcionam um repleto conjunto de episódios, detalhes, cenários, motivações, discursos e representações, posições sociais e ações do cotidiano de contextos específicos. A partir da análise de processos registrados e julgados na Comarca de Guarapuava entre 1965 e1980, notamos a atuação de mulheres no “mundo” do crime e da violência, sozinhas ou acompanhadas. Mulheres que romperam com os discursos forjados e consolidados pelas relações de gênero perpassadas por poderes, relações construídas historicamente, o que nos possibilita ampliar as versões no que se refere às diversas feminilidades que encontramos na sociedade. </P>
<P>Entre os crimes arrolados em nossa pesquisa, destacamos a preponderância de um perfil que chama a atenção: os furtos cometidos em meretrícios por mulheres entre 18 e 24 anos, dos quais os homens são os principais alvos, as vítimas e, em sua maioria, declararam possuir uma relação estável, ou seja, o estado civil de casado. </P>
<P>A despeito dos desfechos mencionados nos processos, apenas um caso teve condenação e pena em reclusão; os demais crimes apresentaram acordos, arquivamento por falta de provas e absolvição, fato que cabe aqui duas evidências que podemos apontar. A primeira seria a desatenção por parte do Judiciário ao investigar crimes sem muito “dano” às vítimas, ou por conseguinte, podemos destacar também o sucesso, as artimanhas e estratégias bem elaboradas por parte das autoras nos atos criminosos, nos quais a Justiça não consegue provas suficientes para uma sentença que leve à punição dessas mulheres. </P>
<P>Nossa intenção com este trabalho foi analisar a violência feminina e a atuação das mulheres no “mundo” do crime, muitas vezes vista como algo fora do lugar, uma vez que a elas foram atribuídos socialmente os espaços domésticos e de cuidado, zelo, mansidão, e não os de vida pública, violências e crimes. Conseguimos demonstrar que as mulheres atuam em vários lugares, cometendo todo tipo de violência e delitos, e precisam ser enxergadas por esse prisma; suas experiências, táticas e vivências precisam ser problematizadas no contexto histórico. Buscamos com isso ampliar as perspectivas concernentes às mulheres e suas subjetivações enquanto sujeitas da história, trazendo esse debate à baila para contribuir para o debate historiográfico acerca da temática, abordando a conjugação entre mulheres e violência, haja vista a carência de atenção desse assunto na historiografia. </P>
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<P>CLAUDIA PRIORI (claudiapriori@bol.com.br) é professora do curso de história e do Mestrado Profissional em Ensino de História (ProfHistória) da Universidade Unespar/Campo Mourão. Possui doutorado pelo PPGHIS da UFPR, mestrado pelo Programa de Pós-Graduação em História (PPH) da Universidade Estadual de Maringá (UEM, Brasil) e licenciatura em história pela UEM. </P>
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