<H2>Sociabilidade violenta, o bandido e Deus: Considerações sobre a gramática da violência urbana </H2>
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<H4>Cesar Pinheiro Teixeira </H4>
<P>Pesquisador da UFRJ </P>
<P>Neste artigo, propomos analisar crime e violência como dois eixos de uma gramática específica cujos repertórios encontram-se em torno de um personagem central desse cenário, o bandido. Essa gramática da violência urbana delineia um conjunto de imperativos que configuram grande parte da sociabilidade urbana no Rio de Janeiro. Ela orienta as qualificações e reações de diversos atores no labiríntico circuito de acusações por ela própria gerada. Para esclarecer alguns movimentos importantes nesse circuito, exploramos nosso material empírico a partir de alguns distanciamentos e aproximações entre a sociabilidade violenta e a sujeição criminal. Palavras-chave: sociabilidade violenta, sujeição criminal, mundo do crime, familiares de vítimas, favela In the article Violent Sociability, the 'Bandido' and God: Considerations on the Grammar of Urban Violence we intend to analyze crime and violence as two axes of a specific grammar whose repertoires lie around an essential character of this environment, the bandit. This grammar of urban violence delineates a set of imperatives that establishes a large part of urban sociability in Rio de Janeiro. It guides the qualifications and reactions of various social actors in the labyrinthine circuit of accusations it has generated. To clarify some essential movements in this circuit, we explore our empirical material based on some departs and dialogues between violent sociability and criminal subjection. </P>
<P>Keywords: violent sociability, criminal subjection, crime world, victims’ families, favela </P>
<P>Recebido em: 11/01/2019 Aprovado em: 17/01/2019 </P>
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categoria bandido é certamente central no complexo cenário de violência urbana do estado do Rio de Janeiro. Trata-se de uma representação social que organiza boa parte das experiências de suas cidades através de um labiríntico circuito de acusações, com consequências devastadoras para uma significativa parcela das populações carioca e fluminense. O termo conta com um grande potencial de poluição moral, atingindo, seletivamente, tanto pessoas quanto lugares. Ele compõe uma parte importantíssima de um poderoso repertório de justificação de prisões, ações policiais violentas e produção de mortes. E incide ainda nas qualificações ordinárias de moradores de cidades, metropolitanas ou não metropolitanas. </P>
<P>De um modo bastante geral, podemos dizer que a categoria bandido é constituída, no mínimo, por dois eixos distintos: por um lado, ela é diretamente associada a práticas incrimináveis, define-se em contraponto com a lei; por outro, também é completamente atravessada pela expectativa da ação violenta. Assim, não se espera apenas que o bandido aja fora da lei, operando em mercados ilegais; espera-se que o faça por meios baseados na força, notadamente na física. Nesse sentido, a categoria bandido articula dinâmicas de criminalização e de violência – o que geralmente aparece sintetizado na expressão criminalidade violenta. </P>
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<P>DILEMAS: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social – Rio de Janeiro – Vol. 12 – no1 – JAN-ABR 2019 – pp. 124-150 </P>
<P>Neste artigo, em vez de apenas considerar crime e violência como dois correlatos genéricos da violência urbana (e muitas vezes utilizados como sinônimos na vida cotidiana), propomos analisar como essas categorias representam dois eixos de uma gramática1 específica, cujos repertórios encontram-se centralmente em torno do personagem do bandido. Essa gramática da violência urbana delineia um conjunto de imperativos que configuram grande parte da sociabilidade urbana de vários municípios do estado do Rio de Janeiro, metropolitanos ou não. Em particular, ela orienta as qualificações e reações de diversos atores no complexo circuito de acusações por ela própria gerada. Para esclarecer alguns movimentos importantes nesse circuito, propomos explorar a noção de sociabilidade violenta em diálogo, por um lado, com nosso material empírico, e, por outro, com outro dos principais conceitos do repertório sociológico que versa sobre a violência urbana no Rio de Janeiro, a sujeição criminal, proposta por Michel Misse. </P>
<P>Produzidos durante a década de 1990 – período de consolidação da temática da violência urbana nas ciências sociais brasileiras –, esses dois conceitos miram objetos de um mesmo campo de observação (o narcotráfico varejista de áreas pobres, sua relação com instituições de controle social e as consequências para a daí advinda vida cotidiana, a local e a estendida). No entanto, partem de enquadramentos bastante diferentes, articulando crime e violência de maneiras distintas. Se a sujeição criminal dá ênfase aos processos de subjetivação produzidos em consonância com processos de criminalização, a sociabilidade violenta deposita sua atenção em um exercício específico da violência física que, no limite, orientaria os processos de criminalização da pobreza. A fricção entre a sociabilidade violenta e a sujeição criminal nos ajuda a esclarecer tanto os processos de construção social da criminalidade violenta quanto suas principais consequências sociológicas para a vida urbana no Rio de Janeiro. </P>
<P>Pretendemos explorar as articulações entre diferentes gramáticas do bandido a partir de algumas tensões entre a sociabilidade violenta e a sujeição criminal utilizando, para isso, um conjunto de exercícios analíticos construídos a partir de pesquisas realizadas separadamente por cada um de nós – principalmente Teixeira (2013) e Freire (2015, 2017). A partir de dois objetos distintos, a saber, narrativas de bandidos e de ex-bandidos sobre suas entradas e suas saídas do mundo do crime e narrativas de familiares de vítimas da violência sobre suas experiências de perda e recuperação, procuraremos mostrar como, embora partam de enquadramentos consideravelmente distintos, esses dois conceitos, em conjunto, dão conta de aspectos da violência urbana que, na empiria, aparecem de maneira articulada. </P>
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<H4>Crime e violência: os fundamentos sociológicos da violência urbana em questão </H4>
<P>Machado da Silva (1993, 1995, 1997, 2008, 2010) e Misse (1999, 2010) constroem dois influentes modelos teóricos da violência urbana no Rio de Janeiro, ambos a tomando como representação social. Enquanto o primeiro aposta que essa violência urbana deve ser compreendida a partir de uma ruptura nos padrões de sociabilidade de narcotraficantes varejistas atuantes nas áreas da pobreza urbana, o segundo compreende a violência urbana como produto de um longo processo de acumulação social de práticas e de significados. De forma geral, podemos dizer que a diferença básica entre seus modelos está no reconhecimento da dimensão fundamental dessa violência urbana. Para Machado, os fundamentos sociológicos dessa representação estão na emergência (no final dos anos 1970 e início dos anos 1980) de uma sociabilidade violenta entre narcotraficantes, que produz uma alteração consistente na vida urbana do Rio de Janeiro, modificando agendas públicas (o fortalecimento da pauta da segurança pública) e a rotina de moradores de favelas e periferias (que passam a ser identificados pela mídia, pelas polícias e por uma parcela da classe média como uma extensão mais ou menos definida das práticas da criminalidade violenta). Para Misse, esses fundamentos são encontrados na dinâmica processual de acumulação social de práticas normalizadoras que terminaram por produzir também o seu inverso (o que o autor chama de desnormalização). De acordo com ele, o processo de desnormalização está diretamente associado à não assimilação de valores básicos da sociedade burguesa (como a família monogâmica, o trabalho como valor moral e o autocontrole das emoções), relacionados, por sua vez, à civilidade pressuposta na vida urbana. A desnormalização é algo como um efeito colateral do processo de normalização (FOUCAULT, 2004) e do processo civilizador (ELIAS, 1993). Vejamos, então, em detalhes, algumas características importantes dos principais conceitos que orientam seus modelos teóricos. </P>
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<H4>A sociabilidade violenta e sua atual extensão espacial </H4>
<P>Segundo Machado da Silva, a ruptura protagonizada pelos traficantes de drogas estaria localizada em um novo padrão de sociabilidade cujo princípio de coordenação seria a própria violência física. Nessa sociabilidade violenta, a alteridade seria constantemente colocada à prova. Assim, no limite, o outro passaria a ser apenas um obstáculo ou um recurso para atores que se guiariam por um individualismo extremamente egoísta e só seria poupado diante de limitações físicas ou bélicas. O autor, no entanto, reconhece que o chamado “mundo do crime” não se resumiria à sociabilidade violenta. Esta seria, por outro lado, o seu núcleo duro. Esse mundo seria composto também por uma nebulosa de relações sociais orientadas tanto pela sociabilidade convencional – baseada em valores morais, justificações e críticas – quanto pela violenta. De todo modo, seria a prática da violência física que desenharia os limites do mundo do crime como algo à parte, mesmo que esses limites não sejam facilmente definíveis. </P>
<P>Com o surgimento da sociabilidade violenta, uma série de práticas adquiririam forte legitimidade, inicialmente na cidade do Rio de Janeiro, notadamente o extermínio dos bandidos empreendido pelas forças policiais. Na chamada “linguagem dos direitos”, tensionada por aquela da violência urbana, os bandidos seriam vistos da mesma maneira que os demais cidadãos, portadores de direitos: seus crimes deveriam ser julgados e punidos em estrita conformidade com os dispositivos legais. Para Machado da Silva, a sociabilidade violenta emerge no interior da linguagem da violência urbana2, a qual contribui por sua vez para o reforço da concepção cada vez mais generalizada dos bandidos como seres matáveis: indesejáveis, inimigos, irrecuperáveis, desumanos etc. </P>
<P>Para o autor, então, essa sociabilidade emergente não é uma mera representação da violência urbana; ela é de fato um novo padrão de sociabilidade. É a representação da “violência urbana” que se constrói a partir desse novo fato – o que inaugura, por sua vez, a distinção entre uma linguagem dos direitos e uma linguagem da violência urbana (entendidas como um conjunto de práticas, gramáticas) na vida urbana carioca. Analisando a produção da “violência urbana” em diferentes momentos, o autor observa um “enclave de significado” que dissocia a linguagem dos direitos das problematizações sobre a manutenção da ordem pública. Ele situa esta dissociação, em primeiro lugar, a partir do início do primeiro Governo Brizola no Rio de Janeiro (1983-1986). Para o sociólogo, dessa maneira a distinção entre a linguagem dos direitos e a linguagem da violência urbana se solidifica em função da emergência de uma sociabilidade violenta entre os traficantes de drogas que atuam nas favelas do Rio. </P>
<P>Evidentemente, todo esse processo tem drásticas consequências. Por um lado, os moradores se orientariam a partir de uma sociabilidade convencional; por outro, os bandidos se orientariam a partir da sociabilidade violenta. Mas, dada a contiguidade socioespacial entre esses dois personagens, teria lugar a formação da citada nebulosa de relações sociais em que essas diferentes formas de sociabilidade se misturariam – o que produziria um interstício no qual esforços de desqualificação e de requalificação podem ser observados. Isso, por sua vez, causaria um efeito letal: orientando-se pela linguagem da violência urbana, a polícia e muitos dos segmentos de moradores de cidades do estado do Rio de Janeiro passariam a ver toda a população favelada como potenciais portadores da sociabilidade violenta – o que legitimaria, e legalizaria, na maior parte das vezes por meio de mecanismos como o chamado “auto de resistência” (MISSE, GRILLO, TEIXEIRA e NERI, 2013), a morte de favelados identificados socialmente como/com bandidos. </P>
<P>Desse modo, o “enclave de significado” e o abandono do universalismo são marcados pelo questionamento da dignidade (CARDOSO DE OLIVEIRA, 2011) dos atores, aproximados aos bandidos, passando a não ser, assim, considerados como humanos (FREIRE, 2014; FREIRE E TEIXEIRA, 2017) ou como portadores simétricos de direitos em relação a outros, tratados, por sua vez, por categorias como “cidadãos decentes” ou “cidadãos de bem” (LEITE, 2000). Nesse quadro, observamos uma série de avaliações da arena que legitima os tratamentos diferenciados diante de direitos, como o bordão “direitos humanos para humanos direitos” (repetida e crescentemente acionado no debate público, âmbito no qual um amplo espectro de atores opina sobre operações policiais). Observa-se, assim, a extensão de uma arena composta por alguns segmentos de classes médias e de agentes do Estado, entre outros, que se esforçam rotineiramente em hierarquizar os seres a partir do trabalho de definição daqueles que seriam mais ou menos dignos de serem considerados a partir da linguagem dos direitos humanos (FREIRE, 2014; FREIRE E TEIXEIRA, 2017), para isso mobilizando recorrentemente a “metáfora da guerra” (LEITE, 2000). Com isso, forma-se, aproximadamente desde a década de 1980, uma arena pública (CEFAÏ, 2009) que vem se ampliando para justificar o recurso à força policial letal contra moradores de favela, uso da força aprovado e avaliado como adequado por aquela para a resolução do problema público (GUSFIELD, 1981) insegurança, arena sustentada na gramática da “violência urbana”. </P>
<P>Em suma, então, no contexto do primeiro mandato de Leonel Brizola, teria tido lugar uma conversão, retomando ainda o recorte analítico de Gusfield (Idem), do problema social (até então difuso) da violência para o problema público da insegurança na cidade. A “violência urbana” tornou-se, na trama da elaboração desse problema público, um dispositivo normativo a partir do qual se desqualificou a pertinência do tratamento de moradores de favelas por uma linguagem de direitos – com o debate público associando os moradores de favelas a “bandidos” ou “quase bandidos” (MACHADO DA SILVA e FRIDMAN, 2006). Como caixa de ressonância, retomando o que ouvimos com frequência em nossas pesquisas de campo, em tal contexto, sob o ângulo da ação coletiva, tal dispositivo teve implicações no que tange aos modos de requalificar aqueles que procuram tematizar o “desrespeito” (FREIRE, 2018) – repertório acionado em referência à desconsideração de seus direitos. </P>
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<H4>A sujeição criminal </H4>
<P>A sujeição criminal funciona como um dispositivo, bastante específico, de criminalização da pobreza: ela separa e distancia as pessoas, dividindo-as, estamentalmente, em bandidos e não bandidos. A fim de apresentá-la em seus aspectos mais gerais, utilizamos a esclarecedora distinção, construída por seu próprio proponente (MISSE, 1999), entre o processo social de sujeição criminal e o processo legal de criminação-incriminação. Neste, temos um curso de ação que pode ser enquadrado em códigos específicos que classificam as ações como criminosas ou não (criminação) e que as atribuem a alguém em particular (incriminação). Por sua vez, a sujeição criminal diz respeito à construção social de uma subjetividade ela própria reconhecida (e que, em muitos casos, reconhece a si mesma) como criminosa. Neste caso, o curso de ação classificado como crime já não é capaz, por si só, de definir o criminoso. Na sujeição, tem lugar um processo de inversão da incriminação: não é a imputação de um ato criminado que faz de alguém um criminoso, e sim uma suposta condição subjetiva peculiar. Aqui, a representação do criminoso é bastante específica: ele é visto como um sujeito, como alguém que carregaria o crime “dentro de si”, alguém cuja regularidade comportamental seria baseada no crime. </P>
<P>Como um de nós demonstrou em outros trabalhos (TEIXEIRA, 2011a, 2011b), a relação dos criminosos com o mundo do crime, especialmente no contexto do tráfico de drogas nas favelas cariocas, é bastante complexa. A sujeição criminal consiste tanto em um olhar sobre o outro quanto em um olhar sobre si – e essas duas dimensões da ideia podem aparecer de forma desconectada. Analisando alguns casos empíricos, Teixeira percebeu que o simples fato de alguém estar envolvido com o tráfico não era suficiente para que houvesse a subjetivação do crime (a sujeição criminal como um olhar sobre si), embora ela pudesse estar presente em sua dimensão de olhar sobre o outro. Com isso, queremos dizer que, para os atores diretamente envolvidos com o tráfico de drogas nas favelas, é possível estar no crime e não “ser bandido”. Porém, também foi observado que, uma vez que a pessoa estivesse inserida no mundo do crime, havia a expectativa de que ela atuasse como bandido, isto é, havia a expectativa da subjetivação de algumas normas e valores utilizados nesse mundo: seria preciso ter, por exemplo, disposição para castigar e matar os vacilões e os inimigos, e seria preciso dar provas das competências necessárias à atividade no crime. Também foi possível observar como algumas pessoas envolvidas com o tráfico diziam ter de simular o comportamento esperado de um bandido, mas que não viam a si mesmas dessa forma. A subjetivação do crime ocorria, ainda de acordo com os casos empíricos a que Teixeira teve acesso, em situações nas quais a experiência no mundo do crime era considerada mais intensa, nas quais havia um engajamento mais aberto e comprometido com a atividade ilícita. Por exemplo, há o caso do rapaz que se tornou bandido após participar de uma guerra e o de uma pessoa que, após ser acusada de traição na própria quadrilha, transformou-se em bandido para se defender das perseguições de seus próprios companheiros. De acordo com os relatos, é exatamente no decorrer dessas experiências que o ator se transforma e radicaliza a sua relação com o mundo do crime. Nessa radicalização, emergiria, então, um sujeito, mais precisamente um sujeito criminal, alguém cuja trajetória individual é reconhecida justamente por uma internalização do crime como uma verdade de si, alguém que se constrói como pessoa a partir dos elementos disponíveis no mundo do crime – categorias sociais que comporiam uma visão de mundo supostamente específica: revolta, disposição para matar, disposição para castigar; mas também ser sujeito-homem, ter humildade, entre outras características que poderiam compor um tipo-ideal nativo do bandido. </P>
<P>Em sua tese de doutorado, Misse (1999) estuda detalhadamente o desenvolvimento da sujeição criminal na história do Rio de Janeiro a partir do período republicano. Ele nos mostra de que modo cada configuração sócio-histórica produz tipos distintos de sujeições criminais. A relação entre contextos históricos mais amplos e a sujeição é atravessada por processos de normalização e desnormalização, isto é, por processos de criminalização e repressão de práticas consideradas perigosas e incivilizadas. Assim, teríamos o malandro, o grande personagem perigoso da cidade do Rio de Janeiro no início do século XX, cujo comportamento era associado às habilidades sociais que usava para viver às margens do mundo burguês do trabalho; o marginal, de meados do mesmo século, cujo traço distintivo era a prática de assaltos a bancos e a outros estabelecimentos comerciais; e o vagabundo (ou simplesmente, bandido), do final da década de 1970 e início da de 1980, associado, entre outras coisas, à expansão do tráfico de cocaína nas favelas cariocas e à difusão da arma de fogo como instrumento indispensável para o funcionamento do negócio (ZALUAR, 1985). </P>
<P>Misse argumenta que não são apenas a expansão do mercado de cocaína e a concorrência que se acirrou em torno dele que explicam o surgimento de um novo tipo de sujeição criminal. Para que essa expansão tivesse alguma influência nas novas representações sociais em torno do crime e da violência urbana, precisaram ser observadas uma série de continuidades com os períodos anteriores – e só assim as novas representações a emergirem podiam fazer sentido para as pessoas3. Assim, a partir do final da década de 1970, tem lugar o processo de construção de uma representação genérica da sujeição criminal, com base no modelo do traficante de drogas de áreas pobres e que se acumulara sobre os tipos anteriores. </P>
<P>Em relação aos crimes que caracterizam os dois primeiros períodos históricos construídos típico-idealmente por Misse, o movimento ganha uma dimensão até então bastante incomum e que o caracteriza de modo peculiar: a territorialidade. De acordo com o autor (1999, p. 347), “as antigas ‘bocas’ saem da posição intersticial por elas ocupada até os anos [19]50 e passam a se organizar em ‘territórios’ guarnecidos por ‘pistoleiros’ apenas a partir de meados dos anos [19]60”. Trazemos para a discussão o termo utilizado por Misse (o movimento) para tentar desfazer uma certa ambiguidade relativa ao uso da expressão tráfico de drogas – ou simplesmente tráfico. Este se refere, simultaneamente, tanto ao mero comércio ilegal de drogas quanto à forma particular (territorializada) por meio da qual esse comércio se organizou nas favelas e periferias do Rio. Obviamente, a venda ilegal de substâncias entorpecentes ocorre não apenas no Rio de Janeiro, mas em todo o Brasil, há bastante tempo4. Nesse sentido específico, podemos dizer que o comércio ilegal de drogas é uma prática bem mais antiga que o movimento. Mas é justamente com a territorialização desse comércio que o movimento ganha os traços peculiares que caracterizam </P>
<P>o terceiro período histórico do processo de acumulação social da violência. </P>
<P>Mais recentemente, alguns autores (HIRATA, 2010; FELTRAN, 2011; LOPES, 2011; GRILLO, 2013; LYRA, 2013; TEIXEIRA, 2013; MATTOS, 2014) passaram a destacar que, nesse contexto, o crime se torna uma importante categoria nativa – ultrapassando significativamente os limites de um campo semântico jurídico –, capaz de denotar algo reconhecido pelos próprios atores como uma vida ou um mundo com características práticas, morais e éticas (GRILLO, 2013) razoavelmente definidas (a vida do crime e o mundo do crime). O processo de sujeição criminal faz com que o tipo social bandido seja reconhecido como algo para além de alguém que pratica crimes; ele é reconhecido como um sujeito: alguém que possuiria um modo específico de agir, pensar, sentir e ser, e que emergiria, no caso do mundo do crime, das fortes e violentas experiências vividas no movimento, isto é, no tráfico de drogas que se desenrola nas áreas pobres da cidade. </P>
<P>Entrar no crime, sair do crime: narrativas de bandidos e ex-bandidos </P>
<P>– Eu estudava, completei meu segundo grau, normal, com eu fazendo minhas coisas, minhas atrocidades, eu fazendo [os assaltos] e estudava, estudava à noite e fazia as coisas de dia. Eu cheguei a investir meu dinheiro em Kombi, transporte alternativo. Eu queria investir pra sair, pra parar. Eu cheguei a comprar duas Kombis, eu e um parceiro. Aí eu tive uma perda. Os polícias foram na minha casa e é aquilo... é perder dinheiro mesmo. Aí vieram outras perdas. Eu tive que vender uma Kombi. Aí foi ficando difícil. </P>
<P>Marcos, conhecido como Orelha, morava em um bairro periférico do Rio de Janeiro, próximo a uma favela na qual o movimento estava estabelecido. Iniciou sua carreira fazendo pequenos furtos. Logo depois começou a realizar assaltos à mão armada a pedestres e motoristas na Zona Sul da cidade. Porém, insatisfeito com a quantidade de dinheiro obtida, decidiu investir na lida de assaltante de cargas. Orelha morava fora da favela, mas fazia questão de se relacionar bem com seus vizinhos traficantes. Muitas vezes compartilhava as cargas roubadas com os moradores do lugar ou as oferecia aos líderes do tráfico, como um presente – e desse modo ganhava a consideração dos bandidos locais. Noutras vezes, a pedido dos chefes do tráfico e de outras pessoas, realizava assaltos sob encomenda. Contudo, ele afirma que jamais pensou em entrar para o tráfico, pois, frisa ele, ainda estudava, trabalhava e seu único objetivo era apenas ganhar dinheiro. A prática de assaltos permitiria uma margem maior de autonomia (e de manipulação do estigma) que a dinâmica assalariada (LYRA, 2013) do narcotráfico varejista nas áreas pobres. </P>
<P>Outro aspecto importante para compreendermos melhor como os atores se movimentam em torno do mundo do crime é o papel desempenhado por agentes do Estado (quase sempre policiais). O caso de Marcos, o Orelha, é bom para desenvolvermos esse tópico. Após a realização de muitos roubos, ele já estava sendo visado pela polícia. Apesar de ele não entrar em muitos detalhes em suas falas, é possível inferir que ele tivesse um mandado de prisão decretado ou que estivesse sendo perseguido pelos policiais por estes saberem de suas ações e enxergarem o potencial para capitalizá-las por meio de suas mercadorias políticas5 (MISSE, 1997). De todo modo, a perseguição policial faz com que Orelha tema por seu futuro. De certo modo, aqui sua própria sujeição criminal torna-se uma mercadoria política – o que o faz migrar das margens para o núcleo do chamado mundo do crime. Com medo de ser preso ou de perder muito dinheiro, decide se esconder nos recônditos da favela, pedindo asilo aos traficantes locais. Mas, afirma, sua intenção era apenas se manter por lá durante um tempo e, por isso, ele diz que somente “convivia com os traficantes, mas não vivia o tráfico”. </P>
<P>– Aí, chegando aqui, o responsável da favela na época, que hoje em dia também trabalha nessa ONG, me deu total apoio na época, disse que o que eu precisasse eu podia falar com ele. Eu disse: “Pô, cara, dinheiro não é nem </P>
<P>o problema. O negócio era eu arrumar uma casa pra poder tirar minhas paradas de lá hoje, porque de repente os caras podem chegar lá e quebrar tudo, sei lá”. Aí, no mesmo dia eu mandei fazer a mudança, arrumei uma casa aqui e trouxe tudo pra cá. Sendo que minha meta era ficar aqui uns dois ou três meses, até esperar a poeira baixar. Porque, tipo assim, se os caras viessem aqui dentro me buscar eu teria uma defesa. E se viessem aqui seria mais difícil, né? Aqui é outro mundo: teriam que passar por diversas atividades, diversas pessoas, quem sabe até um tiroteio. Eu não vivia o tráfico, eu só convivia com a rapaziada: jogar futebol, sair pra zoar, churrasco pra caralho, várias paradas. Então, nessa proteção que eu pensei em obter, e que eu estava obtendo realmente, eu fiquei quase um ano. Sendo que o responsável pela favela, nesse tempo, chegou pra mim e me fez uma proposta – que foi a segunda proposta que eu tive na minha vida dentro dessa vida errada [a primeira teria sido pra praticar seu primeiro assalto]: ele queria me dar uma responsa de uma gerência aqui dentro. Aí eu peguei e aceitei. Eu já tinha até participado de tiroteio e essas paradas – até porque eu tava vivendo na comunidade. Mas estava por estar. Nunca tive nenhuma responsa. E aí nesse sim que eu falei pra ele, foi uma parada que começou a mudar a minha vida legal, porque eu aí comecei a ter responsabilidades aqui dentro. </P>
<P>A metáfora teatral goffmaniana (GOFFMAN, 2010[1963], 2011[1967]) é perfeita para interpretar essa passagem: o esconderijo de Orelha acaba se tornando o palco principal de sua vida. Com o convite do dono para assumir uma responsa como gerente, Orelha se engaja plenamente na rotina do movimento local. É importante destacar que ele já estava presente nessa rotina, inclusive participando de tiroteios durante o período em que ainda estava lá apenas para se esconder da polícia. Mas é somente a partir do momento em que ele aceita a responsa, isto é, que firma um compromisso com o dono e com o movimento, é que se dá o engajamento pleno no mundo do crime. A partir daquele momento, o tráfico seria a sua ocupação cotidiana. É desde aí que ele sente uma mudança drástica em sua história: “Foi uma parada que começou a mudar a minha vida legal”. Aqui, a sujeição criminal deixa de ser apenas um olhar sobre o outro e se torna também um olhar sobre si. </P>
<P>Agora, Orelha tinha responsabilidades, prestava contas a seus superiores e fiscalizava seus subordinados; cobrava de quem devia e gerenciava diversos conflitos do cotidiano. Havia uma rotina administrativa da qual ele se tornara peça fundamental. Ele, em outros trechos da entrevista, diz que sentiu a mudança sobretudo na recorrência de práticas violentas que lhe vieram junto com a nova vida. A possibilidade de traições, a constante demanda para cobrar vacilos de outrem, sem mencionar as guerras, que quase sempre estavam na iminência de acontecer – principalmente com seus vizinhos rivais –, tudo isso diferia profundamente do cotidiano com o qual Orelha estava acostumado a viver fora do movimento. Mesmo que a sociabilidade violenta seja recusada por muitos pesquisadores como algo que seja um padrão de sociabilidade de fato, é notório que ela habita as narrativas desses atores, como, no mínimo, uma representação importante para organizar suas próprias experiências pessoais (ver WERNECK e TALONE, 2019, neste dossiê)6. </P>
<P>Diferentemente da relação que mantinha com a prática de assaltos, e também daquela mantida com o tráfico antes de assumir a responsa, a rotina criminosa o absorvia agora por inteiro: </P>
<P>o crime já não se resumia apenas àqueles minutos de adrenalina nos quais ele abordava motoristas de caminhão e os fazia entregar suas mercadorias para depois vendê-las a outros criminosos, nem aos tiroteios esporádicos e à convivência com a rapaziada. Agora ele ocupava a maior parte de seu tempo e, mesmo nos horários de lazer, como nos bailes funk, havia uma forte marca da vida do crime: nas letras das músicas, nas armas empunhadas durante a festa, nas conversas nas rodas de amigos. Ele havia realmente entrado para o crime: estava em seu núcleo. Por mais que Orelha conhecesse bem a dinâmica do tráfico e seus personagens, experimentar aquela rotina dava-lhe a sensação de que ele havia se aprofundado no crime. Trata-se de uma categoria nativa bastante recorrente nessas narrativas de ingresso (com correlatos como ficar mais acelerado e aumentar o ritmo) que denotam um momento de inflexão da experiência no qual parecem ser articular tanto a sujeição criminal quanto a sociabilidade violenta. Aprofundar-se no crime significa, em geral, a entrada para um complexo circuito de violência que, ao mesmo tempo, permite ao ator objetivar-se na categoria bandido. Quando os atores narram suas histórias sobre como se tornaram bandidos produzem justamente uma narrativa sobre seu aprofundamento no crime. </P>
<P>Lucas tem uma história similar. Esse rapaz tinha uma trajetória de sucesso no crime, tendo conquistado dinheiro, poder, respeito e admiração dos amigos – sobretudo pela sua disposição para o confronto e para a utilização da violência física. Contudo, diferentemente da história de Orelha, Lucas nos conta como justamente seu aprofundamento no crime produziu seu rompimento com o mesmo – o que estaria ligado aos impactos que as dinâmicas de violência produziam em sua subjetividade. Ele nos conta essa história no contexto de sua segunda passagem por um centro de recuperação evangélico. </P>
<P>– Minha diversão era enfrentar a equipe rival. Eu tava ali pra se divertir. Mas mesmo assim jogando a minha vida fora também, porque a qualquer momento eu poderia levar um tiro. Alguém poderia me pegar, me esquartejar, qualquer hora eu poderia sofrer alguma coisa. Minha família pediu pra que eu viesse a sair dessa vida. Porque eu já tava me aprofundando de uma certa forma que já não tava mais respeitando mais ninguém. Meu negócio era... eu só queria saber de ir pra guerra. Eu já tava sério. Eu tava num certo ritmo que era só guerra... eu só queria ver sangue. Tinha uma certa parte de cobrança que eu tinha que matar pessoas. Então aquilo já estava bagunçando a minha mente. Tinha parte da noite, quando eu dormia, que eu acordava vendo as pessoas... que eu próprio tinha matado as pessoas. Aí minha família veio e pediu pra que eu viesse a sair daquela vida, porque se eu saísse daquela vida eles poderiam me ajudar. E eu disse que eu aceitava. Aí eu falei com o patrão e ele falou: “Ó, Lucas, tá liberado. Até porque seu padrinho mesmo tava quase pedindo pra você sair porque você tava se aprofundando de uma forma muito séria”. Na verdade, eu tava num certo ritmo que de um tempo pra cá eu entrei num centro psiquiátrico e tudo. Eu tava tão acelerado que eu mesmo queria me matar. Eu quis me matar. Teve um certo tempo que eu mesmo não estava aguentando mais minha própria vida. O que mais me doeu foi a perda da minha ex-mulher. Porque ela não queria me ver no tráfico e eu não conseguia largar. </P>
<P>O rapaz rompe com o crime para tentar sair do ritmo acelerado que sua vida havia tomado – e também com a intenção de reconquistar sua ex-mulher, que o havia deixado por conta da forma intensa como ele vivia o crime. Conforme a narrativa, após a separação ele também se aprofunda no uso de drogas, fato que é interpretado pelo rapaz como um sinal de decadência moral, como perda do controle sobre suas vontades. A partir daí, sua vida torna-se cada vez mais difícil, e ele vira morador de rua. </P>
<P>– Eu tava querendo largar a droga, o crack, a cocaína, tá entendendo, o ecstasy. Eu fui se esforçando, se esforçando, mas mesmo assim eu não conseguia. E foi onde eu tava me aprofundando. Minha família me abandonou, fechou as portas pra mim. E eu fui morar na rua, igual a um mendigo, comendo comida do lixo, resto de comida das outras pessoas. E eu tinha tudo na minha mão. Depois que eu larguei tudo, aí que a minha vida se aprofundou de vez. </P>
<P>Lucas era umbandista nessa época e participava ativamente no terreiro que frequentava. No entanto, o rapaz começa a realizar interpretações pentecostalizadas de seu passado (BIRMAN, 2009), associando suas antigas crenças com o mal considerado responsável por sua decadência moral. Quando se deu a entrevista, já não era a primeira vez que passava pelo centro de recuperação. Sua conversão havia acontecido alguns anos antes, quando esteve lá pela primeira vez. No trecho abaixo, ele conta como decidiu se tornar evangélico. </P>
<P>– Eu senti dentro de mim que eu tinha que mudar. Porque desde quando eu tava servindo a outros deuses, eu tava servindo a parte de umbanda, eu não tava sendo feliz. Tava com dinheiro, tava ganhando muito dinheiro. Quem bate tambor ganha um dinheiro, e eu batia tambor pra três santos diferentes. Então eu ficava a noite toda. Tinha dia que eu ficava três, quatro dias, tinha que dormir dentro do terreiro pra que aquela festa viesse a continuar, porque eu é que dava o início da festa. Mas eu não tava sendo feliz, não tinha espaço pra mais nada. Minha vida era só aquilo. Tinha dia que eu tava cansado, mas eu tinha que continuar. Eu senti um certo poder diferente no meu corpo, porque quando o pastor me orou eu recebi uma certa entidade no meu corpo e aquela entidade, quando o pastor expulsou ela de mim, eu me senti diferente. É como eu tinha falado antes: antes eu tava cego e aí eu passei a enxergar. Quando eu passei a enxergar eu vi onde é que eu tava entrando, onde é que eu tava me afundando. Porque cada culto eu tinha que fazer um corte, dar sangue pra aquela certa entidade, aquele certo espírito, eu tinha que cumprir com as obrigações, senão eu era cobrado. No tráfico era cobrança, no terreiro era cobrança, então eu tava sempre apertado em áreas diferentes. </P>
<P>O entrevistado constrói ligações muito estreitas entre suas obrigações na umbanda, sua rotina no tráfico e a dinâmica de cobranças que o levou a romper com o mundo do crime, lançando-o em uma trajetória de decadência moral. É diante desse quadro, que envolve uma trama complexa de representações sociais, que a ida para o centro de recuperação se torna, para ele, uma opção que realmente poderia provocar transformações positivas em sua vida. Dito de outro modo: aqui a gramática da violência urbana é tecida a partir de distintas práticas e representações, envolvendo o mundo do crime e uma leitura pentecostal das religiões de matriz africana, especificamente a umbanda, neste caso. </P>
<P>Dessa maneira, a ida para o centro de recuperação aparece como uma solução possível, uma forma para fazer com que Lucas interrompa a trajetória de declínio moral. Aqui, a sociabilidade violenta produz um questionamento da sujeição criminal, que passa ser interpretada por meio de representações religiosas. Diferentemente da história de Orelha, neste caso a sociabilidade violenta produz uma desarticulação da sujeição criminal como um olhar sobre si e não sua consolidação. Diante do que ele reconhece como um quadro de decadência moral, associado ao ritmo acelerado que sua vida tomara, Lucas julgou necessário mudar de vida, engajar-se completamente em algo que fosse capaz de resgatar a dignidade perdida. E é justamente na vida evangélica que ele reconhece a possibilidade de lidar com os efeitos do aprofundamento no crime7 . Nessa narrativa, a sociabilidade violenta – ou no mínimo uma experiência bastante próxima daquilo que Machado da Silva nomeou como tal – media a conexão entre o mundo do crime e o centro de recuperação pentecostal, entre o bandido e o deus cristão. </P>
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<H4>A sociabilidade violenta, a justiça dos homens e a justiça divina: o ponto de vista de mães de jovens assassinados em contexto de ‘violência urbana’ </H4>
<P>Jussara Freire vem analisando os efeitos da gramática da violência urbana no tocante às formas de acesso ao espaço público e mobilizações coletivas na capital (FREIRE, 2008), na Baixada Fluminense (FREIRE, 2015) e, mais recentemente, no interior do estado do Rio de Janeiro (FREIRE et al., 2017). Os diferentes locais e temporalidades de pesquisas de campo permitem mapear as ressignificações do problema público violência urbana em contextos urbanos distintos daqueles da capital. </P>
<P>Com efeito, se esse problema público era razoavelmente circunscrito à cidade do Rio de Janeiro até o final da década de 1990, nos últimos anos, alguns estudos sugerem uma extensão geográfica da linguagem da violência urbana na Região Metropolitana do Rio de Janeiro (RMRJ) – ver, por exemplo, Miagusko (2012) –, ou ainda na área não metropolitana do estado (FREIRE et al., 2017). Na RMRJ, além do trabalho de Miagusko citado, observou-se o aumento de queixas e indignações referentes à “migração dos bandidos do Rio na Baixada” após 2008 – ano de implantação da primeira Unidade de Polícia Pacificadora (UPP), na favela Santa Marta – em uma pesquisa sobre mobilizações coletivas realizada na cidade de Nova Iguaçu, na Baixada (FREIRE, 2015). Do mesmo modo, no interior, mais especificamente no Norte Fluminense, semelhantes queixas e indignações de moradores podiam ser ouvidas, porém desta vez associadas às “novas” populações “perigosas”, aqueles que passaram a morar em conjuntos habitacionais construídos também a partir de 2008 – por exemplo, no quadro de um programa habitacional da Prefeitura de Campos dos Goytacazes denominado Morar Feliz. Assim, os sentidos conferidos à “nova” sociabilidade nessas duas regiões, em ambos os casos após às UPPs, agenciaram repertórios da gramática da “violência urbana” carioca – tradicionalmente associada à cidade do Rio e, desde 2008 em contexto marcado pelas UPPs –, com aqueles da “violência política” 8 (categoria com que se aludia aos conflitos que seriam específicos à Baixada Fluminense, por exemplo, mas que também podiam ser empregado em Campos como forma de se caracterizar conflitos rurais, por vezes associados aos “milicianos da roça”). Vale ainda destacar que, no caso dos municípios do Norte Fluminense, observou-se uma avaliação bastante generalizada de que a “tranquilidade” supostamente característica de uma cidade interiorana teria desparecido após as UPPs terem sido criadas na capital, configurando uma expansão do marco discursivo do mundo do crime (FELTRAN, 2011) da capital para o interior. </P>
<P>Em Campos dos Goytacazes, cidade média do interior do estado do Rio de Janeiro, o debate público vem dando cada vez mais visibilidade ao “aumento de homicídios”, que seriam provocados por novas modalidades de conflitos entre narcotraficantes e esses ocorreriam principalmente em bairros periféricos, favelas e em novos conjuntos habitacionais edificados no quadro do supracitado programa habitacional municipal. A “violência urbana” é, neste caso, associada exclusivamente aos confrontos entre personagens tidos como “traficantes de drogas” ou “bandidos”. Diferentemente do caso da cidade do Rio de Janeiro, o personagem do policial é também ausente das formas de tematizar o problema “violência urbana” na cidade do interior aqui em pauta, outro importante contraste em relação aos modos segundos os quais essa questão se configura no contexto extrametropolitano do Rio de Janeiro (Campos se tornando, no caso desta análise, um caso particular de uma cidade média e não metropolitana possível). Nos jornais locais, nas bases estatísticas levantadas no quadro de um projeto de pesquisa em andamento9, bem como nas conversas cotidianas da cidade, a categoria “auto de resistência”, por exemplo, não é apresentada como “um problema na/da cidade”. </P>
<P>Paralelamente, no debate público recente, em escalas estadual e nacional, Campos era apresentada, pelo então Secretário de Segurança do Rio de Janeiro (2007-2016), José Mariano Beltrame, artífice das UPPs (NF NOTÍCIAS, 20/05/2016), como uma das cidades “mais violentas do estado”. Tal pauta adquiriu mais recentemente maior visibilidade após um programa do jornalista Fernando Gabeira (11/06/2017) no canal de TV (por assinatura) Globo News, com a exibição de uma reportagem sobre a “violência em Campos”. Gabeira destaca o “ranking” das “cidades mais violentas” do mundo (“Campos dos Goytacazes é a 19a no ranking mundial de violência”) e a taxa de homicídio da cidade é de “47 por 100 mil habitantes” (número citado sem referência às fontes), o que tornaria “proporcionalmente” uma cidade “mais violenta” do que a do Rio de Janeiro. Destacamos ainda outra série de matérias na imprensa nacional e regional que a apresentam como uma “das cidades mais violentas do interior”, e, em alguns casos, “do mundo”, como, por exemplo, em uma edição local do noticiário televisivo RJTV, em sua versão da Inter TV/Região Serrana (26/01/2016), afiliada da Rede Globo da região, na qual ela é classificada em um ranking internacional de cidades violentas como 39a e são apresentados dados do Instituto de Segurança (ISP) de 2016 em tom alarmante: o número de homicídios dolosos em 2015 foi de 168 casos na localidade (36,16/100 mil). </P>
<P>Na imprensa local, os assuntos “criminalidade” e “violência” são fortemente associados a áreas específicas do município: favelas, bairros mais distantes (como o bairro Travessão, situado a cerca de 30 km do centro da cidade) e os conjuntos habitacionais localizados em diversas áreas periféricas. Com efeito, entre estas e outras matérias da imprensa local e regional analisadas, as notícias sobre criminalidade violenta se referem recorrentemente ao distrito de Guarus (pejorativamente qualificado como “do outro lado” por muitos moradores da cidade); a favelas não necessariamente ali localizadas, mas próximas ao centro (como a da Baleeira, a da Margem da Linha da Tapera e a do Tira-Gosto); a outras áreas periféricas da cidade situadas na “Baixada Campista” da planície e/ou a conjuntos habitacionais Morar Feliz nestas regiões. São ainda nítidas a criminalização e a sujeição criminal (MISSE, 2010) desses moradores na opinião pública. Por exemplo, quando os mesmos são apontados como população mais “agressiva”. Assim, em uma matéria de 2016 do jornal Terceira Via, intitulada “Confira o mapa da violência em Campos”, o comandante do 8o BPM, Marco Aurélio Pires Louzada, afirma: </P>
<P>– Os bandidos de Guarus são mais agressivos entre si. Na área da Delegacia do Centro existe mais uma coordenação dos criminosos. Eles agem de maneira mais ordenada porque têm os freios inibitórios. Aqui, eles podem sair pela rua atirando. Os moradores veem, conhecem quem atirou e conhecem quem morreu, mas não falam nada porque têm medo. Aqui, eles são mais agressivos entre si e com a população também (GOMES, 19/12/2016). </P>
<P>Em continuidade com pesquisas anteriores que tratavam de contextos metropolitanos do estado do Rio de Janeiro, Freire (2010, 2014, 2016 e 2017) descreveu e interpretou alguns dos resultados da pesquisa sobre as experiências públicas de familiares de vítimas de homicídios “no interior”, cujas mortes são também problematizadas “como consequência da violência urbana”. Propôs-se ali se descrever e interpretar as experiências públicas de familiares após a perda de seus entes queridos (DIAZ, 2016), como filhos, irmãos, sobrinhos assassinados por narcotraficantes. Tratou-se de se analisar a natureza dos engajamentos dos familiares em um contexto urbano marcado pela ausência de arena de publicização das mortes violentas. Em suma, propôs-se uma descrição interpretativa de formas de experimentar o espaço público sob o ângulo de atores que se encontram na contramão do debate público, o qual encoraja amplamente e assim legitima as mortes daqueles que caracteriza como “bandidos” além de considerar os familiares dos mortos como “geradores de bandidos”. Aqui, articula-se essa pesquisa (ainda em andamento) com observações de pesquisas anteriores. Integrante do Coletivo de Estudos sobre Violência e Sociabilidade (Cevis), Jussara Freire participou de duas pesquisas coordenadas por Luiz Antonio Machado da Silva cujos resultados foram publicados no livro Vida sob cerco (FREIRE, 2008). </P>
<P>Analisou, com outros integrantes do Cevis, os engajamentos, recursos e competências políticas de “líderes comunitários” de favelas do Rio de Janeiro e de mães de vítimas de violência policial para acessar o espaço público. Em diálogo com esses trabalhos anteriores, deu-se continuidade às observações para a compreensão das consequências dos pontos de interseção entre o espaço público e a “sociabilidade violenta” por integrantes de diferentes arenas de publicização mobilizadas na contracorrente das formas predominantes de problematizar a “violência urbana”. Este é também o principal motivo pelo qual os principais interlocutores das atuais pesquisas são familiares de vítimas acusadas de ser “envolvidas no tráfico”. Interessava compreender, neste caso, como se configurava a associação entre filhos e familiares e como ela incidia no debate público, que frequentemente resultava na qualificação dos segundos como “geradores de bandidos”. </P>
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<H4>Breves digressões sobre as experiências públicas e a sociabilidade violenta </H4>
<P>A discussão que colocamos em pauta a partir das pesquisas com os familiares de vítimas dialoga proximamente com as contribuições de Gusfield (1981) e Cefaï – em particular, entre outros, Cefaï (1999, 2013a e 2013b), Cefaï e Joseph (2002), Cefaï e Trom (2001), Cefaï e Terzi (2012) – sobre as experiências dos públicos, bem como aquelas de Quéré e Terzi (2015) e Diaz (2014) sobre a sociologia da experiência pública. Considerando o “público” como uma forma e uma modalidade de experiência (QUÉRÉ e TERZI, 2015), essa sociologia se concentra no estudo empírico da organização prática da experiência. Como é também o caso desses autores, inspiramo-nos ainda em diversas contribuições de Dewey (notadamente em The Public and its Problems, de 1927), porém levando em consideração recentes críticas de pesquisadores em relação a essa obra, reações que dialogam com o trabalho de Paul Ricœur. Alguns desses pesquisadores, como Breviglieri (2017), observam em algumas pesquisas pragmatistas (mesmo se reconhecendo integrantes dessa abordagem) certa naturalização em relação aos modos de se tomar como pressuposto o sentido (a direção) do agir em público, que dialogaria com as obras de Dewey e de Goffman no que tange ao pressuposto das competências ou das capacidades dos atores. A principal crítica se centra nas formas como vem sendo problematizado o agir em um horizonte de reconhecimento. Nesse caso, “o público” emerge, se constitui e se organiza em torno de uma investigação (inquiry) a partir de uma situação indeterminada. No entanto, diferentemente da “sociologia dos problemas públicos”, iniciada por Gusfield (1981), frequentemente voltada para os modos de perceber, identificar e problematizar uma situação indeterminada, há alguns anos diferentes autores vêm questionando “o otimismo” dessa sociologia. Nesse sentido, Quéré e Terzi (Idem) avaliam que Dewey supervalorizou “os choques” (cognitivos) que gerariam uma ruptura nas rotinas dos atores e orientariam, então, a operação de definição de uma “situação problemática em sua qualidade imediata” – isto é, “embaralhada, conflituosa, desordenada etc.” (DEWEY, (1983 [1938]). </P>
<P>Como destaca Stavo-Debauge (2012), aqueles que sofrem esse “choque” não seriam sempre capazes de avaliar, em momentos indeterminados, uma positividade associada ao estímulo gerado pela situação problemática. Em outros termos, os atores nem sempre teriam aptidões para se tornar “problematizadores” e “exploradores” (aludindo-se aqui aos modos segundo os quais Dewey percebe o público como uma “comunidade de exploradores”). Stavo-Debauge e os autores supracitados destacam as situações em que as pessoas podem se mostrar profundamente incapazes de se deparar com tal “choque” e de então encontrarem a energia que despertaria o início de uma investigação. Além disso, a percepção, identificação e problematização de uma situação tida como problemática não se encerra necessariamente em um processo de publicização. Em diálogo com os citados trabalhos de Stavo-Debauge e Breviglieri, mas partindo de um contexto carioca e fluminense da ação coletiva, Freire (2017) observou que em situações de mobilizações coletivas marcadas pelo uso da força desmedida (BRODEUR, 2006), muitos dos atores que defendem causas em prol de moradores de favelas e de periferias se deparam com uma série de obstáculos e ameaças de represálias que tornam árduo um esforço associativo na forma de uma arena “pública” (por este motivo, preferimos o termo “arena de publicização”). </P>
<P>Quéré e Terzi (2015, p. 8), por sua vez, observam que as situações indeterminadas não resultam sempre na constituição de um público de investigadores, dispostos a questionar e experimentar soluções inéditas. Afirmam que as situações indeterminadas podem ainda atiçar temores, mais ainda quando são suscitadas pela ameaça de um conflito interno, como poderia se articular com o problema “violência urbana” no estado do Rio de Janeiro: “Quando tal maneira de se deparar com problemas transforma-se em rotina, a coletividade tende a se instalar em uma postura defensiva de encolhimento de modo que os problemas que emergem, longe de desestabilizá-la, apenas conforta mais ainda os preconceitos os mais enraizados e nos costumes mais rotineiros”. Essas observações conduzem os autores (Idem, p. 17) a se concentrar na noção de situação indeterminada e no conjunto de “dinâmicas experimentais” durante as quais o que denominam de “comunidades desestabilizadas” se converte paulatinamente em público para reconfigurar instituições e engajar “um trabalho de valoração (valuation) e de avaliação” (Idem) – reorientando assim o problema de Dewey –, trabalho não mais taken for granted. Dessa forma, os autores sustentam que o público é indissociável da experiência de problematicidade, cuja compreensão partiria da inteligibilidade endógena das atividades pelos quais os atores organizam e geram as situações da vida cotidiana, em suma da “accountability”, tal como proposto por Garfinkel (1967). </P>
<P>Assim, ainda segundo Quéré e Terzi (Idem, p. 20), “[t]oda experiência, desde que seja inteligível, pode ser tida como pública no sentido de que ela pode estruturar, encobrir uma forma inteligível e logo observada e descrita enquanto tal apenas se ela incorpora mediações públicas”. Para fundamentar essa afirmação, os autores recorrem a Wittgenstein, que negava a possibilidade de existir uma linguagem privada, e lembram que o próprio Dewey preconizava que a observação de um evento era necessariamente associada “às características publicamente determinadas na linguagem, algo ‘apreendido sob condições sociais e públicas’” (DEWEY, 1993[1938], 1943 apud QUÉRÉ e TERZI, 2015, p. 21). Dessa forma, o que une os autores supracitados é que esta sociologia “da experiência pública” toma como cerne modalidades de organização social em conjunto, o que implica problematizar a ordem pública a partir do esforço de descrever modalidades de coordenações do ponto de vista dos atores e de suas “accountabilidades”. </P>
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<H4>Sociabilidade violenta, a fé e a salvação: engajamentos em públicos religiosos </H4>
<P>No caso da pesquisa sobre as experiências públicas de familiares, analisamos a plasticidade do público considerando as diferentes configurações de associações e copresenças a serem descritas, bem como suas variações quando estas estão atravessadas pelo temor de perder a vida (a sua e/ou de um ente querido), isto é, pelo uso da força ou de sua ameaça cotidiana. Os relatos dos familiares com os quais conversamos apontam para uma recusa de orientar suas ações, após as mortes dos filhos e/ou irmãos, na direção de denúncia pública ou de participar da arena de publicização “dos familiares de vítimas”. Em quase todos os casos das conversas desta atual pesquisa, mães e/ou irmãos problematizaram os modos de lidar com suas perdas a partir de novos investimentos, em comunidades pentecostais, ou da intensificação de outros já estabelecidos (para aqueles já participantes desses cultos). Algumas mães ainda associam a entrada do filho no “mundo do crime” a seu afastamento paralelo da igreja, em uma oposição rua/perigo/crime x igreja/proteção/Bíblia: </P>
<P>– A palavra de Deus nos diz que o Senhor tem compromisso com aqueles que têm compromisso com Ele. Eu não vou dizer que ele era desamparado do Senhor porque Deus não desampara ninguém. Nós que nos afastamos do Senhor, né? O Senhor não desampara ninguém, mas ele, indo à igreja, eles estavam vendo que [ele] não estava praticando nada errado, ele estava na igreja; saindo da igreja, passou a usar droga; ele estava praticando coisa errada; aí eles viram que não estava na igreja, e dentro da igreja ele tinha amparo porque ele não estava praticando atos, nada, ele não bebia, nada disso, era só de casa para a igreja e da igreja para casa, era conversando com a gente, era lendo a Bíblia. E foi se afastando, passou a ficar no meio de colegas, na rua (Suellen, agosto de 2016). </P>
<P>Por esse motivo, se seguirmos uma definição de “público” elaborada a partir de eixos analíticos predefinidos normativamente, perderíamos a possibilidade de compreender outras modalidades de engajamentos públicos de familiares que evitam planos de denúncia pública ou de outras formas de ação coletiva (como seria o caso, por exemplo, de atores integrarem a arena de publicização ou movimentos sociais contra os públicos mais fortes que problematizam “a violência urbana” e articulam tal assunto como combate aos “bandidos”). </P>
<P>Diante de represálias e ameaças permanentes, além da desatenção pública generalizada quanto à experiência do filho assassinado e da dor de seus familiares, a busca pela “justiça dos homens” é rapidamente descartada pelos familiares que foram interlocutores de Freire. Eles aludem constantemente a “descrença”, “resignação” e abandono de esperança quanto à “justiça dos homens”, preferindo investir na “justiça divina” (e logo em engajamentos religiosos, pentecostais em particular) para lidar com a dor gerada pela perda do ente querido. O investimento em comunidades religiosas torna-se, então, um dos poucos meios para “seguir a vida” e compartilhar com os “irmãos” das igrejas um luto de um filho que se não for reconhecido pelos homens, o será por Deus. A igreja e mais amplamente Deus representam, nesse sentido, um amparo diante da repetição contínua de experiências de criminalização do morto. Deus ainda é um protetor que permite suportar o medo dos “bandidos” voltarem e atacar outros membros da família. Diante da acumulação da experiência de perda, do medo de haver represálias e/ou recaídas e da impossibilidade de se mudar de casa, Deus é também o personagem que se opõe ao do bandido, o único em que a confiança pode ser depositada em tal situação: </P>
<P>– A gente nem comenta, a gente não fala mais sobre isso, e a parte da gente ser evangélicos nos deu, assim, um apoio espiritual, né? Porque de uma tal maneira que tem pessoas que não são evangélicos que eu vejo que filho já morreu um ano, dois anos e sofre como se tivesse acontecido ontem, entendeu? E nessa parte aí espiritual que a gente vem orando, pedindo Deus pra nos confortar, pra nos acalentar. Ele tem confortado... Eu, no início, fiquei com medo de ficar em casa, de dormir em casa, deles voltarem, entendeu? E graças a Deus hoje não, o Senhor já confortou, entendeu? O pessoal fala assim: “Eu nem sei como vocês conseguem ficar dentro dessa casa”. Se fosse outras pessoas já tinham ido embora. Não fomos porque é Deus na nossa vida, porque realmente, se nós não tivéssemos Deus, a gente estaria com aquele assombro, com medo. Mas a gente vem orando e entregando na mão do Senhor e tem pessoas que passam e acha que nem aconteceu nada com a gente. Pelo fato de estar a família unida, a gente vai pra igreja, volta pra casa, a gente sorri, coloca som alto, louvor, entendeu? Tem pessoas que não entende, acha que a gente não amava pelo fato da gente não parecer que está de luto, né? Mas como nós temos um Deus tão grande que nos dá força que nos fortalece e isso... a gente seguindo em frente, orando buscando ao Senhor, e quando a gente escuta que outra família aconteceu isso a gente ora pedindo a Deus pra dar o mesmo conforto que nós tivemos, né? Porque se não fosse Deus na nossa vida não sei o que seria de nós, não sei, sinceramente. </P>
<P>Dessa forma, o investimento em uma comunidade religiosa é quase literalmente uma entrega de si a Deus que possibilita dar continuidade às rotinas desses atores após a interrupção brutal e insuportável da vida de, por exemplo, um filho. </P>
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<H4>Considerações finais </H4>
<P>Na literatura pragmatista, a questão da incapacidade dos atores tende a ser eventualmente associada à ideia de um encolhimento (repli), de isolamento, de se fechar em uma comunidade. Por exemplo, Quéré e Terzi (2015) procuram demonstrar que algumas situações indeterminadas e os modos de se deparar com problemas se convertem em rotina: “[A] coletividade tende e se instalar em uma postura defensiva de encolhimento de modo que os problemas que emergem, longe de desestabilizá-la, como vimos, a conforta mais ainda nos seus preconceitos os mais enraizados e nos seus hábitos mais rotineiros” (Idem, p. 8). </P>
<P>No entanto, nos relatos, o engajamento na comunidade religiosa não se apresenta como um fechamento, mas antes como uma modalidade de se conseguir “seguir a vida” paralelamente à dor insuportável da perda (da vida de um ente querido, da perda da dignidade, da perda do controle sobre si). O engajamento religioso ou sua intensificação parecem corresponder a uma série de ajuntamentos de pessoas e da divindade que reestabelecem equivalências entre os humanos e, portanto, uma humanidade comum cujo acesso pode ser árduo em outras instâncias da vida social. Nesta última, o morto e o familiar não são mais alvos de acusação mas, por meio da misericórdia, são recebidos com hospitalidade. No caso dos jovens qualificados como “envolvidos no tráfico”, este mundo social ainda restaura e restitui a humanidade dos “bandidos” questionada no debate público (TEIXEIRA, 2011, 2016). Dessa forma, essas comunidades religiosas podem ser também compreendidas como tipos de públicos no sentido acima apresentado na medida em que elas são os palcos de experimentações de problematicidade da morte estruturadas em torno da justiça divina e da fé iniciadas após a perda. </P>
<P>Articulando nossas observações com os trabalhos sobre a temática das mobilizações em torno de vítimas de violência institucional, podemos observar pelo menos duas modalidades de públicos de familiares: em primeiro lugar, uma arena de publicização que agrega diferentes movimentos de vítimas cujos membros se mobilizam para a denúncia e reconhecimento público dos autores dos assassinatos. Neste caso, o meio da ação coletiva é fundamentalmente o da denúncia pública (BOLTANSKI, 1990). Em segundo lugar, contrastando com a exigência de reconhecimento diante dos outros humanos, há este outro público paralelo (que pode por vezes se encontrar com o anterior), composto de pessoas e de seres divinos, no qual o bandido é problematizado como um ser que pode ser salvo por Deus e cuja humanidade pode ser restituída. O meio dessa ação coletiva, nesse plano, é a oração, a introspeção e a redenção, mas também a prática do testemunho (TEIXEIRA, 2016) e da exemplaridade (DULLO, 2011). No caso dos familiares, os públicos religiosos oferecem assim um horizonte de “reumanização” do morto diante de Deus sem que esse reconhecimento passe necessariamente pela equação do morto como vítima. Em outros termos, se a justiça dos homens pode ser cega diante da morte do ente querido reduzido “a bandido”, aquela de Deus é de certa forma muito mais humana, na medida em que nela há uma garantia bem maior da exequibilidade da humanidade comum que permite reciprocamente restaurar a humanização do bandido “com coração” (TEIXEIRA, 2011b). </P>
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<H4>Notas </H4>
<P>1 Empregaremos o termo gramática para designar um conjunto de regras que devam ser seguidas para se agir de forma suficientemente adequada diante das outras pessoas que agem juntas (LEMIEUX, 2000). Para Boltanski e Thévenot (1991), </P>
<P>o termo “gramática” também designa o conjunto de regras ou restrições (contraintes) a ser seguido por participantes de uma mesma situação, unidade espacial e temporal na qual pessoas coordenam suas ações de modo a comportarem-se de forma ajustada. O ajustamento a essas regras reflete um trabalho prévio de definição de situação que se caracteriza pela capacidade de relacionar a “compatibilização” (justesse) da gramática mobilizada com um princípio superior comum compartilhado por todos os participantes. </P>
<P>2 Como diz o autor (MACHADO DA SILVA, 2010, p. 288): “Em resumo, a partir do reconhecimento de uma ‘sociabilidade violenta’, a linguagem dos direitos deixou de articular de maneira unívoca o conflito social (e os medos a ele associados), passando a competir com a linguagem da violência urbana, que tematiza os sentimentos difusos de insegurança que pesam sobre as expectativas de prosseguimento pacífico das rotinas diárias e geram a mentalidade de ‘segurança apesar dos outros’, no lugar da ‘segurança com os outros’, para usar as conhecidas expressões de Bauman (2001, 2000) na sua interpretação do ‘inimigo próximo’". </P>
<P>3 Não cabe aqui realizar toda a reconstrução histórica do processo de acumulação social da violência. Para mais sobre isso, ver Misse (1999), especialmente capítulos 3 e 5. </P>
<P>4 Misse nos informa que a mais antiga referência jornalística ao tráfico de drogas encontrada em sua pesquisa data dos anos 1940. </P>
<P>5 Misse cunhou a expressão mercadorias políticas a fim de distanciar suas análises sobre certas trocas ilícitas de uma perspectiva moralista e denuncista que, em geral, compreende tais trocas como “desvio de conduta” e “corrupção”. Trata-se de trocas assimétricas que caracterizam as ações daqueles que ocupam posições nos quadros operativos do Estado. No caso em análise, os policiais, diante da captura dos bandidos, podem oferecer-lhes a possibilidade de liberdade (e mesmo de continuarem vivos) mediante quantias em dinheiro. É nesse sentido específico que podemos dizer que os policiais vendem suas mercadorias políticas aos bandidos. Apesar de Misse ter formulado essa expressão a partir de pesquisas e análises contextualizadas no Rio de Janeiro, outros pesquisadores a têm mobilizado noutros contextos. Para ver outros usos, ver, por exemplo, Telles (2010), que trata do contexto paulistano, e Giraldo e outros (2011), que trata do contexto colombiano. </P>
<P>6 Agradecemos aos autores por nos permitirem ter acesso a uma versão preliminar de seu texto antes da apresentação à revista. </P>
<P>7 Para mais detalhes sobre as relações entre a gramática da violência urbana e os centros de recuperação evangélicos, ver Teixeira (2016). </P>
<P>8 Sobre esta categoria ver Freire (2015) que apresenta o debate sobre a “violência política” na Baixada Fluminense tecido por diferentes pesquisadores (em particular, José Claudio Alves e Alessandra Siqueira Barreto). </P>
<P>9 Projeto Da "Justiça dos Homens" à "Justiça Divina": Experiências Públicas de Familiares de Vítimas em Campos, elaborado com recursos do CNPq. </P>
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<H4>Referências </H4>
<P>ARAO, Fábio Alves. (2007), Do luto à luta: As experiências da mãe de Acari. Dissertação (mestrado), PPGSA, UFRJ. </P>
<P>________. (2012), Das consequências da “arte” macabra de fazer desaparecer corpos: Violência, sofrimento e política entre familiares de vítima de desaparecimento forçado. Tese (doutorado), PPGSA, UFRJ. </P>
<P>________. (2015), Das técnicas de fazer desaparecer corpos. Rio de Janeiro, Lamparina. </P>
<P>ASSIS, Renan Lubanco. (2016), “‘Morador de Guarus’: Categorias morais mobilizadas em situações de copresença na cidade de Campos dos Goytacazes”. Revista Brasileira de Sociologia da Emoção (RBSE), Vol. 15, no 45, pp. 28-38. </P>
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<P>JUSSARA FREIRE (jussarafreire75@gmail.com) é professora do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal Fluminense, polo de Campos dos Goytacazes (UFF-Campos, Brasil), do Programa de Pós Graduação em Desenvolvimento Regional, Ambiente e Políticas Públicas (PPGDAP) e do Programa de Pós-Graduação em Justiça e Segurança (PPGJS), ambos da UFF e é coordenadora do grupo de pesquisa Cidades, Espaços Públicos e Periferias (diretório CNPq) e pesquisadora do Coletivo de Estudo sobre Violência e Sociabilidade (Cevis), do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (Iesp, Rio de Janeiro, Brasil), da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj, Brasil) . Tem doutorado em sociologia pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj, Brasil) e mestrado e graduação em sociologia pela Université Paris X-Nanterre (França). </P>
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<H5>CESAR PINHEIRO TEIXEIRA </H5>
<P>(cesarpinheiroteixeira@gmail.com) é pesquisador (de pós-doutorado) do Necvu e pesquisador associado ao Cevis. É doutor e mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia (PPGSA), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ, Brasil) e tem graduação em ciências sociais pela Uerj. </P>
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