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</TaggedPDF-doc><H2>Da violência urbana à guerra: Repensando a sociabilidade violenta </H2>
<Sect>
</Part><H4>Carolina Christoph Grillo </H4>
<P>Professora da UFF </P>
<P>O artigo reflete sobre os conflitos violentos no Rio de Janeiro em diálogo com formulações de Machado da Silva. Argumenta-se que a “metáfora da guerra” vem substituindo a representação da violência urbana, promovendo a incorporação da sociabilidade violenta pela ordem institucional-legal. Propõe-se ainda um alargamento do conceito de sociabilidade violenta para dar conta da formação de alteridades radicais e hostis por atores coletivos que acionam a retórica de guerra e paz. Por fim, o texto destaca a crítica do autor à “interpretação dominante” sobre a violência e defende a formulação de novas perspectivas analíticas face à conjuntura atual. Palavras-chave: violência urbana, guerra, crime, sociabilidade violenta, Rio de Janeiro The paper From Urban Violence to War: Rethinking Violent Sociability reflects on the violent conflicts in Rio de Janeiro, in dialogue with Machado da Silva’s works. It argues that the “war metaphor” has been replacing the representation of urban violence, promoting the incorporation of violent sociability into the institutional-legal order. The article proposes an extension of the violent sociability concept to account for the formation of radical and hostile alterities by collective actors that adopt the rhetoric of war and peace. Finally, the text highlights the author’s critique of the “dominant interpretation” of violence and supports the need for formulating new analytical perspectives in the face of the actual circumstances. </P>
<P>Keywords: urban violence, war, crime, violent sociability, Rio de Janeiro </P>
<P>Recebido em: 14/01/2019 Aprovado em: 16/01/2019 </P>
<Sect>
<H4>Introdução </H4>
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m 2017, o jornal carioca Extra criou a editoria Guerra do Rio, para publicar suas matérias sobre a violência urbana no Rio de Janeiro, argumentando que os conflitos armados na cidade tinham extrapolado o crime comum violento peculiar às páginas policiais e já mereciam ser tratados como algo nas proporções aludidas pelo título da nova seção (EXTRA, 16/08/2017). Organizações de direitos humanos e movimentos sociais imediatamente acusaram essa iniciativa como uma tentativa de legitimar a violência do Estado contra a população negra e favelada. Alegaram não haver “guerra”, mas sim um “massacre” ou “genocídio” (dessas populações). Suas críticas à “metáfora da guerra” (LEITE, 2000) preferiram, então, essas duas outras metáforas, que funcionam também como categorias práticas evocadas para denunciar uma situação de violência que extrapola os limites democráticos, mas a partir de outra perspectiva. </P><ImageData></ImageData>
E</Figure><Figure>
<ImageData></ImageData>
</Figure><P>DILEMAS: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social – Rio de Janeiro – Vol. 12 – no 1 – JAN-ABR 2019 – pp. 62-92 </P>
<P>As extensões semânticas operadas em cada uma dessas metáforas, embora partam de perspectivas distintas, partilham uma crítica à incapacidade do Estado em mediar os conflitos sociais por meio da oferta de segurança e de proteção social, culminando em uma ruptura com o pacto civil/civilizatório. O recurso a essas figuras de linguagem acusa acontecimentos como violentos e reclama uma reação contrária. Mas, de um lado, as alusões à guerra denunciam a atuação dos grupos armados, que desafiariam o monopólio estatal da violência para satisfazer interesses particulares, e reclamam uma resposta violenta do Estado para reaver a paz civil; do outro, o emprego das metáforas do massacre e do genocídio acusam o Estado como o principal agente da violência, que, sob o argumento de combate ao crime, viola o ordenamento jurídico democrático e promove graves violações dos direitos civis e humanos da população pobre, negra e favelada. As duas perspectivas operam com um conceito de violência que encontra no direito seu parâmetro para a acusação de ocorrências como violentas. De um ponto de vista, a primeira metáfora justifica o uso da força exacerbada porque a obediência à lei precisa ser reestabelecida e, de outro, as outras duas denunciam a ilegitimidade do uso da força pelo Estado. </P>
<P>Esse confronto de perspectivas nos impõe a necessidade de refletir, como tentou Walter Benjamin (1986[1921]), se há um parâmetro de referência para a crítica da violência. Pode o direito ser esse parâmetro? Em que situações o uso da força pode ser considerado justo e, portanto, não violento? E isso impõe também a necessidade de uma reflexão sociológica sobre a violência, como fez Misse (2016), colocando sob suspeita a tendência moderna de crescente legitimação do emprego da força pelo Estado, que empurra para a sociedade civil o sentido negativo da violência. Misse chama atenção para o fato de a violência jamais ter se transformado em um tópico central da sociologia, de modo que o tratamento dela como conceito carece ainda hoje de uma definição formal que a afaste de sua polissemia constitutiva e de sua dependência da acusação moral a um acontecimento ou curso de ação. Após examinar os avanços e limites das conceituações da violência formuladas por autores de destaque no debate internacional, o autor ressalta as vantagens da solução proposta por Luiz Antonio Machado da Silva – e adotada também por ele próprio – de pensar a violência como representação. </P>
<P>Essa foi uma das primeiras e principais contribuições de Machado da Silva para a discussão sobre a violência. Em um artigo publicado em 1993, ele introduz a ideia – retomada em uma série de outros textos (MACHADO DA SILVA, 1995, 1999, 2004, 2008) – de que a “violência urbana” é uma representação, uma descrição seletiva da realidade, que orienta práticas e aponta aos agentes modelos de conduta. É ela a expressão por meio da qual as populações urbanas descrevem cognitivamente e organizam o sentido subjetivo das práticas que envolvem o crime comum violento. Assim, o autor define a “violência urbana” como uma “categoria de senso comum constitutiva de uma ‘forma de vida’”; uma representação coletiva que “em seus conteúdos de sentido mais essenciais (...) seleciona e indica um complexo de práticas que são consideradas ameaças (...) [à] integridade física e garantia patrimonial” (Idem, 2004, p. 57). E essa representação funciona como um “mapa” de um complexo de relações de fato e cursos de ação obrigatórios, expressando simbolicamente uma ordem social e produzindo resultados objetivos. </P>
<P>Em suas formulações, o autor critica a confusão entre objeto e conceito comumente realizada pela bibliografia especializada, que toma a violência urbana ao mesmo tempo como tema de investigação e fundamento de análise. Uma das consequências da perspectiva proposta por ele é que perde o sentido a discussão sobre a percepção de aumento da violência ser uma “paranoia” ou algo empiricamente verificável, pois como representação, a violência urbana é uma construção simbólica que constitui o que descreve. </P>
<P>Argumento aqui que movimento analítico semelhante pode ser hoje realizado em referência ao emprego da categoria “guerra” para expressar e denunciar a percepção de agravamento da situação da “violência urbana” no Rio de Janeiro. Também a “guerra” é uma construção simbólica que constitui o que descreve. Ela opera como um “mapa” cognitivo e fornece modelos mais ou menos obrigatórios de conduta. E pensar a “guerra” como representação nos afasta da falsa questão sobre haver “de fato” ou não uma “guerra” no Rio de Janeiro. </P>
<P>Guerra às drogas, guerra ao crime, guerra entre comandos e pacificação são todas elas expressões que integram uma mesma retórica de guerra e paz, cada vez mais presente na discussão pública. Leite (2000) assinalou que, no início da década de 1990, a “metáfora da guerra” disseminou-se como a chave interpretativa para refletir sobre o problema da chamada “violência urbana”. Para a autora, essa metáfora remete à representação de uma “cidade partida” (VENTURA, 1994), isto é, dilacerada pelas contradições e conflitos entre as favelas, entendidas como os territórios da violência e das ilegalidades, e o restante da cidade, espaço da ordem estatal e da cidadania. Mais recentemente, ela propôs pensar a “metáfora da guerra como um ‘dispositivo matriz’ [a alusão é a Foucault] na produção discursiva e prática das favelas cariocas como ‘margens’ da cidade [citando as antropólogas Veena Das e Deborah Poole]” (LEITE, 2014, p. 628). Em concordância com Leite e em diálogo com Machado da Silva, proponho indagar se a metáfora da guerra já não estaria se tornando uma representação substitutiva à da “violência urbana”: um novo mapa cognitivo, que fornece novos modelos de conduta subjetivamente justificados. </P>
<P>Por certo, não estamos diante de uma relação de violência regulada entre dois Estados – como postulam algumas definições clássicas da guerra –, a menos que aceitássemos sem ressalvas as analogias estatais contidas na imagem de “poder paralelo” do “crime organizado”. No entanto, estamos aqui nos referindo a pessoas e grupos que se pensam em guerra e, fundamentalmente aqui, “expõem seus corpos em aventura de morte” (CONTAMINE, 1980), o que deve bastar para que busquemos refletir sobre o que está sendo chamado de guerra e em que medida o recurso ao léxico bélico e as imagens que ele carrega transformam as dinâmicas da “violência urbana”. Isso vale também para a paz, que não é senão o outro lado da mesma moeda. E é em referência à retórica de guerra e paz mobilizada por aqueles que se pensam e são pensados como partes em uma efetiva guerra que pretendo iniciar um diálogo com o conceito de “sociabilidade violenta”, formulado por Machado da Silva, propondo um alargamento do mesmo com a finalidade de comportar as interações entre atores coletivos. </P>
<P>Em diferentes textos, cada qual aprofundando um ponto de sua reflexão, o autor aqui em pauta propõe uma nova interpretação para a questão da “violência urbana”. Ele confronta a perspectiva que se destacou como dominante para compreender o problema da violência nas grandes cidades brasileiras, argumentando que ela explica o aumento do crime comum violento por processos estritamente internos à ordem estatal, tomando as condutas criminosas como adaptações individuais às condições apresentadas. A partir dessa crítica, cuja pertinência revela-se hoje ainda maior, o autor promove um deslocamento da questão e estabelece um programa de pesquisa que, como será argumentado, sedimentou o caminho para a produção de uma série de estudos de uma nova geração de pesquisadores, e aos quais Hirata e Aquino (2018) se referem como “etnografias da positivação do crime” (e da qual tratarei mais adiante). </P>
<P>Machado da Silva recusa a possibilidade de pensar a violência urbana como mera coleção de comportamentos desviantes, argumentando que a representação da violência urbana capta e expressa uma ordem social. Diante da regularidade das ameaças à integridade física e à segurança patrimonial, ele identifica a constituição de uma forma de vida autônoma e orgânica, “um complexo de condutas para cuja formação a ordem pública não entra como referência” (MACHADO DA SILVA, 1999, p. 121). Trata-se de “um complexo orgânico de práticas que suspende – sem, entretanto, cancelá-la ou substituí-la integralmente – a tendência à monopolização da violência pelo Estado, generalizando e ‘desconcentrando’ seu uso legitimado” (Idem, 2004, p. 59). E, ainda segundo </P>
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<LBody>autor, o que caracteriza essa ordem social captada pela representação da violência urbana, o que “une” essas condutas em um complexo de práticas organizadas, é a sociabilidade violenta, isto é, a universalização da força como princípio de coordenação das relações sociais. </LBody>
</LI><LI>O conceito de sociabilidade violenta é provavelmente o ponto mais sensível da obra de Machado da Silva. Talvez não seja esta a sua mais importante formulação, pois antes de debruçar-se sobre a violência, ele já produzira uma consagrada obra de sociologia urbana interessada em temas como trabalho (1977), política (1985, 1989), moradia (1982) e economia popular (1979, 1984). Mas a noção aqui em pauta destaca-se por não apenas ser muito citada, mas também ser </LI>
<LI>alvo de críticas diversas – embora poucas delas formuladas por escrito (MISSE, 2006[1999]; NERI, 2009; ZALUAR, 2012; GRILLO, 2013; LYRA, 2013) –, quase sempre acolhidas de modo bastante receptivo pelo autor, que segue reformulando o conceito, aprimorando-o em resposta aos comentários que recebe. Machado da Silva é um pesquisador e um professor aberto ao diálogo e simpático à divergência. Um verdadeiro exemplo de elegância intelectual que inspira as novas gerações de pesquisadores com as quais estabelece produtivas relações de troca. </LI>
<LI>Ao longo de minha formação acadêmica, tive a honra de poder contar com seus comentários sobre todos os trabalhos mais relevantes que escrevi. E foi com e contra ele que desenvolvi boa parte de minhas reflexões sobre a criminalidade no Rio de Janeiro. Neste artigo, no entanto, optei por deixar para trás a maioria dos debates que travei com ele no que concerne ao conceito de sociabilidade violenta. Procuro avançar (ou recuar) em relação às discussões já realizadas, estabelecendo um novo diálogo, atinente às questões de que venho tratando mais recentemente. Em particular, procuro aproximar a ideia de sociabilidade violenta de algumas de minhas reflexões, ainda incipientes, sobre a “guerra”. </LI>
<LI>O ponto para o qual pretendo chamar a atenção é que a situação da violência urbana no Rio de Janeiro alcançou tamanha complexidade que a representação da violência urbana já não dá mais conta de expressar a percepção de aumento das ameaças à integridade física e segurança patrimonial. Ao que parece, a guerra desponta hoje como representação dominante e os efeitos práticos dessa transformação implicam a defesa de uma ruptura mais radical com o marco democrático. Como argumentarei adiante, a sociabilidade violenta, que, para Machado da Silva, constitui o princípio de coordenação das relações sociais de uma ordem contígua à ordem institucional-legal, agora parece estar entrando em competição com aquela e ganhando preponderância. </LI>
<LI>Vivemos hoje no Brasil um delicado momento político, marcado pelo triunfo eleitoral de discursos de repúdio à manutenção de garantias civis, que se alimentam do sentimento de insegurança da população face à percepção de aumento da violência. O Rio de Janeiro, em particular, foi submetido no ano passado a uma intervenção federal na segurança, com um general do Exército nomeado interventor. E o resultado mais marcante desse período foi um grave aumento da incidência de homicídios decorrentes de (suposta) oposição à intervenção policial, os antes chamados “autos de resistência” (MISSE et al., 2013). A ampla defesa de soluções extrajudiciais para </LI>
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<LBody>problema da violência revela tamanha descrença no ordenamento jurídico-político democrático que a hipótese por mim levantada – embora não plenamente desenvolvida – neste artigo é que a sociabilidade violenta está sendo incorporada no seio de uma nova ordem institucional-legal, marcada pelo abandono da esperança de fortalecimento das instituições democráticas e pelo surgimento de uma nova forma de autoritarismo, que ainda não temos condições de analisar. </LBody>
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<H4>Da violência urbana à guerra: uma perspectiva sócio-histórica </H4>
<P>Segundo Misse (1999, 2006, 2008), a constituição do problema atual da violência urbana nas grandes capitais brasileiras remonta em grande medida ao acúmulo histórico de desigualdades sociais e econômicas, às dificuldades de absorção de setores da população pelo mercado de trabalho e a sua consequente marginalização. O aumento do volume de violência nas regiões metropolitanas do país tem início a partir dos anos 1950, momento em que o autor detecta o início desse processo, a que denomina “acumulação social da violência”. Misse aponta que é nessa década que se popularizam os assaltos à mão armada, no Rio de Janeiro, surgindo também, à mesma época, no interior da própria polícia, grupos empenhados em caçar e executar suspeitos de crimes – principalmente ladrões – conhecidos como esquadrões da morte. A aprovação da imprensa e da população a essa figura do “justiceiro” denunciava o descontentamento com a judicialização da resolução de conflitos, em uma sociedade em que o monopólio do uso legítimo da força pelo Estado nunca chegou a se consolidar. Desde então, um complexo de fatores em circularidade causal teria contribuído para o agravamento progressivo do problema na violência, </P>
<P>o que teria eclodido mais significativamente a partir dos anos 80 do século XX. </P>
<P>Às mudanças ocorridas na mediação de conflitos ao longo dessa década, Machado da Silva (2011) se refere como uma passagem da “linguagem dos direitos” para a “linguagem da violência urbana”. A primeira remete à operacionalização do Estado como mediador das relações sociais pela oferta de segurança e proteção social, o que nas sociais-democracias europeias, mas também de certo modo no Brasil, teria permitido a redução histórica da violência, antes central para a organização de formações sociais fundadas sobre o conflito entre segmentos sociais opostos. Essa linguagem tende a reduzir o conflito básico e a reproduzir a dominação e a exploração capitalista de forma aceitável para ambas as partes e, no Brasil, ela teria triunfado durante cerca de 50 anos, até a democratização política da década de 1980. </P>
<P>O aumento substancial das ameaças à segurança pessoal e patrimonial teria então deslocado a demanda de atuação do Estado para a manutenção das rotinas cotidianas, e não mais para a regulação do conflito social inerente à sociabilidade. A função da polícia, que fora desde sempre </P>
<P>o controle arbitrário dos pobres, tornou-se, portanto, explícita, mudando-se a tematização do conflito social de uma linguagem dos direitos para uma linguagem da violência: “muda-se completamente a natureza da discussão pública” (MACHADO DA SILVA, 2011, p. 688). </P>
<P>Segundo Leite (2000), após os episódios de violência que marcaram o início da década de 1990, o Rio de Janeiro passou a ser representado como uma cidade violenta e partida entre o morro e o asfalto, contribuindo para a difusão da “metáfora da guerra”. Esta baseia-se </P>
<P>na ideia de uma sociedade em crise, que não mais dispõe de mecanismos institucionais eficazes para administrar os conflitos sociais e, por isso, perdeu o controle de suas “classes perigosas”. As demandas por ordem encontram justificativa em Hobbes, aludindo à quebra do pacto civil/civilizatório e à irrupção do estado de guerra (LEITE, 2000, p. 75). </P>
<P>Declarar “guerra” ao crime violento é invocar a “lei” como uma referência abstrata para ratificar práticas que fogem completamente à legalidade, como os tiroteios no espaço urbano, mortes, torturas e prisões arbitrárias, forjando uma pretensão de “ordem”, quando o Estado já “perdeu o controle” da situação (DAS, 2006). Vem se destacando entre os especialistas a tendência crítica de não conceber o crime violento como tão simplesmente um desafio a ser combatido pela polícia – uma questão de law enforcement –, mas de perceber os modos de funcionamento das instituições do Sistema de Justiça Criminal (polícias, Ministério Público, Justiça etc.) como parte do problema a ser coletivamente enfrentado. </P>
<P>Foi sobretudo a partir da comercialização da cocaína nas redes de varejo de drogas já presentes em favelas, o que se deu ao longo também da década de 1980, que o tráfico de drogas se fortaleceu (MISSE, 2003) e passou a ocupar um papel de destaque na agenda das políticas de segurança pública. Com a intensificação dos lucros provenientes da venda de drogas ilícitas, grupos de traficantes armados passaram a disputar o controle dos pontos de vendas situados em áreas de moradia de baixa renda e a interferir no cotidiano dos moradores. A estratégia localmente adotada pelas agências de Estado para combater o tráfico baseou-se fundamentalmente no combate às redes dessa distribuição de entorpecentes em favelas, por meio do confronto armado entre policiais e traficantes. Assim, as referências à “guerra” no Rio de Janeiro tendem a tomar aquilo que, em âmbito internacional, costuma ser chamado de “guerra às drogas” e “guerra ao crime” e misturar com o conflito armado entre quadrilhas. E o controle de territórios por grupos criminosos denominados “milícias”, que contam com a participação de políticos e agentes da segurança pública da ativa e da reserva, oferece ainda uma nova dimensão de complexidade aos conflitos armados no estado, mas não será possível aprofundar aqui este tema1. </P>
<P>Os principais efeitos dessa guerra são a intensificação da estigmatização dos moradores de favelas; a ruptura frequente de suas rotinas pela irrupção imprevisível de tiroteios; e a alta incidência de mortes intencionais e/ou acidentais de pessoas vinculadas ou não com o tráfico. Os mais prejudicados por esses conflitos são certamente os moradores de favelas, que se encontram no “fogo cruzado” entre a violência do tráfico e da polícia (MACHADO DA SILVA, 2008). As pesquisas realizadas em áreas “controladas” por grupos de traficantes armados ressaltam a angústia – ou “asfixia” (FARIAS, 2008) – daqueles que se veem submetidos aos controles sociais arbitrários de uma “ordem” em que “não há propriamente um padrão definido e compreensível para os moradores” (FRIDMAN, 2008, p. 28). Também as ações policiais arbitrárias e indiscriminadas, ao contrário de inibir, servem de alimento para a “revolta” (ZALUAR, 1985) dos jovens e para a sua adesão a um “etos guerreiro” (Idem, 1994). </P>
<P>Boa parte dos tiroteios que diariamente ocorrem em diversas áreas da cidade e que tantas vezes resultam em vítimas letais se deve à predominância de uma estratégia de atuação policial centrada em “operações tópicas de incursão policial em favelas” (GRILLO, 2016). Estas caracterizam-se por serem incursões armadas pontuais e relativamente imprevisíveis realizadas por forças policiais e/ou militares em favelas cariocas com o objetivo de prender e/ou matar suspeitos, apreender armas, drogas, dinheiro e/ou recuperar veículos e demais bens roubados. E constituem o grande instrumento da ação pública (LASCOUMES e LE GALÈS, 2004) para a área de segurança pública no estado do Rio de Janeiro. Elas conformam </P>
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<LBody>cerne de um modelo de relação entre polícia e tráfico, que resulta em escandalosas cifras de letalidade da ação policial (CANO, 1997; MISSE et al., 2013). </LBody>
</LI><LI>Tal método de combate ao crime e às drogas depende de que não haja policiamento regular em determinadas áreas da cidade, de modo que a presença da polícia se dê apenas por meio dessas operações – como disse, esporádicas e relativamente imprevisíveis. Sob o argumento de que não há segurança para os policiais realizarem rondas cotidianas e atenderem a ocorrências nos mesmos moldes em que fazem no restante da cidade, grandes porções territoriais são taxadas como “áreas de risco” e relegadas ao controle armado de criminosos. Ao mesmo tempo, </LI>
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<LBody>imperativo de combate ao tráfico de drogas e crimes patrimoniais opera como justificativa para a criação de territórios de exceção, nos quais vige uma suspensão parcial de direitos civis de todos os que lá vivem, como se houvesse de fato uma guerra. </LBody>
</LI><P>Como argumentei em outros textos (GRILLO, 2013, 2016), as operações policiais servem principalmente para interromper o fluxo normal das rotinas do tráfico, ocasionando prejuízos, prisões e mortes, de maneira a medir sua capacidade de resistência, o que permite ajustar o valor da “mercadoria política”2 (MISSE, 1999) conhecida como “arrego”, por meio da qual agentes policiais corruptos negociam a redução da repressão (BARBOSA, 1998, 2005; MISSE, 2006; GRILLO, 2013). Tais dinâmicas de confronto e acerto produzem uma cartografia urbana recortada por “fronteiras tácitas” (GRILLO, 2016) entre até onde se espera que traficantes vendam drogas e andem armados e até onde há policiamento regular, o que estabelece interditos à livre circulação de pessoas, compondo uma complexa economia de riscos e asseverando o contraste entre favela e asfalto. </P>
<P>No entanto, com a expectativa de sediar partidas da Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016, o Governo do Estado do Rio de Janeiro empenhou-se, desde 2008, na reformulação, por meio das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), do formato da ação pública em regiões consideradas estratégicas para a segurança dos megaeventos. Uma cidade na qual há áreas controladas por grupos criminosos, policiais utilizam fuzis para combater a criminalidade comum e os tiroteios no espaço urbano foram incorporados ao cotidiano não poderia receber os referidos eventos sem passar por consideráveis transformações. Com as UPPs, teve lugar uma inflexão na estratégia militar adotada para gerir as populações de algumas áreas, passando-se da política de guerra para a de “pacificação” (LEITE, 2014). A Polícia Militar passou a ocupar de maneira estável e a policiar regularmente uma série de regiões antes controladas pelo tráfico, de modo que a contiguidade entre policiais e traficantes no espaço das favelas modificou os moldes de relação entre essas duas forças que se desenharam ao longo das três décadas anteriores, reconfigurando a geopolítica local. </P>
<P>Segundo Menezes (2015), nas favelas ditas “pacificadas”, a contiguidade entre polícia e tráfico diminuiu a incidência de conflitos armados, mas aumentou as tensões latentes, substituindo o “regime de fogo cruzado” por um “regime de campo minado”, em que traficantes, policiais e moradores passaram a monitorar-se reciprocamente. Nesse novo contexto, moradores foram impelidos a acionar ora os traficantes ora os policiais para pedir autorizações, prestar queixas e cobrar soluções, precavendo-se para não se comprometerem com ou serem interpretados como informantes por nenhum dos lados. Mantém-se, portanto, neste regime como no outro, o cerceamento da manifestação pública de demandas dos moradores de favela, compondo a experiência a que Machado da Silva e Leite (2008) se referiram como “vida sob cerco”. </P>
<P>Os rearranjos de poder produzidos pelas UPPs introduziram novas tensões às dinâmicas criminais, em especial na relação entre traficantes e assaltantes. Durante os anos de expansão das unidades, traficantes buscaram reprimir a atuação de assaltantes para evitar uma ocupação ou possibilitar uma negociação com as forças ocupantes, o que possivelmente colaborou para a diminuição da incidência de roubos (GRILLO, 2016). Essa dinâmica parece ter se transformado novamente e são fortes os indícios de que hoje, após o fracasso das UPPs e a volta dos tiroteios no espaço das favelas (MENEZES, 2015), o tráfico tenha deixado de reprimir a atuação de ladrões e esteja, pelo contrário, participando do lucro dos roubos. </P>
<P>Observa-se atualmente um significativo aumento de incidência e a mudança dos padrões de ocorrência dos crimes contra o patrimônio no Rio de Janeiro, que apontam para uma transformação em curso nos mercados criminais. Tenho argumentado, juntamente com Daniel Hirata (GRILLO e HIRATA, 2018), que a resposta a essa transformação tem pautado as recentes iniciativas de reforço na segurança pública, que culminaram com a intervenção federal. Argumentamos que uso da força pelo Estado tem visado principalmente garantir a posse e circulação de riquezas, em lugar de se empenhar em preservar a vida. </P>
<P>Desde que as UPPs entraram em “crise” em meados de 2013, teve lugar também uma intensificação das disputas armadas entre comandos criminais pelo controle dos pontos de venda de drogas em territórios de favelas, o que vem redesenhando as fronteiras geopolíticas entre as facções no Rio de Janeiro. Os Amigos dos Amigos (ADA), até pouco tempo a segunda mais importante facção do estado, perderam territórios para o Comando Vermelho (CV) e o Terceiro Comando Puro (TCP), estando à beira da extinção. E o Primeiro Comando da Capital (PCC), oriundo de São Paulo, desde a ruptura da aliança com o CV, em 2016, passou a interferir nas dinâmicas dos conflitos armados entre facções nas favelas cariocas. Também as milícias têm expandido seus territórios de influência e entrado em confrontos com traficantes. </P>
<P>É no mínimo bastante compreensível que seja representado como “guerra” o cenário de um Rio de Janeiro sob intervenção federal, com tanques do Exército na rua e dezenas de territórios sob disputa entre grupos armados ligados ao tráfico ou milícias. Não se trata mais apenas de expressar a percepção de ameaças à integridade física e segurança patrimonial, mas também de expressar uma profunda descrença com a perspectiva de regulação dessas ameaças sob o marco democrático. As alusões à guerra já integram há algumas décadas o modo como os habitantes do Rio de Janeiro – sobretudo os policiais e “bandidos” – descrevem suas experiências, mas essas referências parecem ter se generalizado, tornando-se um parâmetro para a legitimação e acomodação de práticas e modelos de conduta subjetivamente justificados. </P>
<P>Para aprofundar este argumento, considero necessário abordá-lo também a partir do ponto de vista dos coletivos criminais a que denominamos “comandos” ou “facções”, por muitos entendidos como o principal inimigo público dessa “guerra”. </P>
</Sect><Sect>
<H4>Poder paralelo e sociabilidade violenta </H4>
<P>“Paz entre os ladrão e guerra com a polícia” foi o mantra que pautou o surgimento e expansão do PCC. Formado na década de 1990 no interior das prisões do estado de São Paulo, esse coletivo assimilou o lema “Paz, Justiça e Liberdade”3, criado pelo CV, facção formada quase duas décadas antes em penitenciárias do Rio de Janeiro. Ambos os coletivos guardam em comum a característica de terem mobilizado uma retórica de guerra e paz para reduzirem os conflitos violentos entre detentos e se organizarem para a reivindicação de direitos no sistema prisional. </P>
<P>Guardam também em comum o fato de terem expandido sua influência para além dos muros das prisões e para fora dos estados onde surgiram, promovendo a guerra e a paz nos mercados ilegais e espaços prisionais de diferentes regiões do país. </P>
<P>Desde 2016, a imprensa vem noticiando uma ruptura de aliança entre esses dois comandos, desencadeando uma “guerra”, estudada em maiores detalhes por Manso e Dias (2018) e que não convém abordar no presente artigo. No entanto, vale aqui destacar que as narrativas sobre alianças, rupturas e rivalidade entre os comandos tendem a pressupor que sejam todos eles grupos de mesmo tipo, hierarquicamente organizados e coesos, competindo entre si pelo controle do mercado ilegal de drogas em regiões diversas do país. As menções à presença ou ausência do PCC ou do CV em certas regiões tendem a reproduzir uma percepção desses coletivos como entidades abstratas, fetichizadas, simultaneamente fantasmagóricas e personificadas – como o são o Estado, o mercado ou Deus. </P>
<P>Tal percepção é enormemente distinta do saber acumulado sobre esses comandos a partir de pesquisas realizadas no Rio de Janeiro (BARBOSA, 1998, 2005; MISSE, 1999, 2003; GRILLO, 2013) e em São Paulo (TELLES e HIRATA, 2010; FELTRAN, 2011, 2018; BIONDI, 2010, 2018; MARQUES, 2014; HIRATA, 2018), nas quais a horizontalidade e o aspecto de rede dessas organizações foram sistematicamente ressaltados. A bibliografia sobre o Rio de Janeiro parece concordar que os comandos se constituem como “redes horizontais de proteção mútua” (MISSE, 2003), voltadas para a articulação da defesa de suas áreas de atuação comercial, havendo hierarquia apenas no que concerne à organização local do varejo de drogas. Segundo Barbosa (2005), “o que denominamos de comando é na verdade um espaço de negociação permanente, construído a partir das cadeias. Não é possível pensar em uma organização hierárquica rígida, com lideranças acima dos donos do morro” </P>
<P>(p. 389). Em relação a São Paulo, Biondi reflete sobre as “posições políticas” (2010) ou “responsas” (2016) ocupadas por “irmãos” do PCC e ressalta que elas podem circular entre eles. Telles e Hirata (2010), por sua vez, enfatizaram que o PCC se organiza de maneira “mais porosa e mais modular (não modelar) do que se supõe, muito distante dos modelos da máfia e congêneres, com suas estruturas piramidais, fechadas, hierarquias e lugares normativamente fixados” (p. 55). </P>
<P>A revisão desses e outros trabalhos contesta as imagens de coesão e rigidez hierárquica habitualmente atribuídas aos comandos. Entretanto, contentar-se em refutar o modo como esses grupos são socialmente representados seria desconsiderar uma dimensão demasiado importante do fenômeno das facções: essas imagens não são acionadas apenas pelo discurso da imprensa e instituições encarregadas do combate ao crime; elas são também performativamente mobilizadas pelos próprios membros desses coletivos e pelas populações sob sua influência, produzindo efeitos concretos sobre as dinâmicas da criminalidade violenta. A imagem do “poder paralelo”, por exemplo, é evocada nas músicas de funk e rap, em que consagrados compositores populares comentam a vida social nas favelas, periferias e prisões. Tais alusões ao “poder paralelo” revelam que, também da perspectiva dos “envolvidos” com os comandos, esses coletivos são enunciados como organizações que estão em guerra com as agências estatais e entre si, em disputas de soberania sobre determinados territórios e/ou áreas de atuação. </P>
<P>Devemos também reconhecer que o modelo de gestão de territórios adotado por traficantes no Rio de Janeiro de fato oferece uma série de elementos para sustentar a produção das analogias estatais conformadoras da imagem do “poder paralelo” e do “crime organizado”. É bem verdade que a “firma” local do tráfico em favelas cariocas reivindica (sem êxito) o monopólio da violência no interior de um espaço físico determinado por fronteiras geográficas estabelecidas por uma gestão militar do território e busca estabilizar relações de poder pelo exercício da vigilância e punição. Segundo proponho (GRILLO, 2013), trata-se de uma “mimesis” (TAUSSIG, 1993) do Estado, no sentido da produção de uma cópia distorcida e reduzida, duplicando-o e tomando de empréstimo suas qualidades e poderes. Mas embora o tráfico mimetize a forma-Estado em sua articulação geopolítica, sua existência sob esses moldes resulta justamente das relações de confronto e negociação de “mercadorias políticas” (MISSE, 1999) mantidas com a polícia. São, portanto, mais bem imaginados como um poder “tangencial” e não paralelo, como nos mostra Barbosa (2005, pp. 371-372) ao ressaltar que </P>
<P>para existir este atravessamento do aparelho de Estado ou um modo paralelo de atuação que se inspira no aparelho de Estado, que com ele compete e entra em combate ao mesmo tempo, deve haver, antes, essa proximidade, esse acoplamento. O que estou dizendo: não existe um “poder paralelo”, mas um “poder tangencial” que necessita estabelecer uma relação de vizinhança com o aparelho de Estado. É todo o tema da corrupção, que é central nos projetos atuais de reforma da polícia e que é capital para o entendimento dos modos de efetivação do “mercado ilegal” de drogas e armas. </P>
<P>O que é representado como “poder paralelo” e cujo aspecto “tangencial” é ressaltado por Barbosa pode ser traduzido em termos analíticos para as formulações teóricas de Luiz Antonio Machado da Silva sobre a existência de uma ordem social autônoma, porém contígua, à ordem institucional-legal. Segundo o autor, a representação da “violência urbana” e a sua constituição como problema social remete à padronização do rompimento do fluxo regular das rotinas por ameaças à integridade física e à segurança patrimonial, identificando e expressando uma ordem social que coexiste com a ordem “institucional-legal”, mas não a cancela ou substitui. Como já dito, o autor recusa a possibilidade de conceber a “violência urbana” como uma mera coleção de comportamentos desviantes e insiste em ressaltar que ela identifica um ordenamento ou forma de vida, para o qual a ordem institucional-legal não entra como referência. </P>
<P>O ponto mais polêmico das formulações de Machado da Silva é a afirmação de que essa ordem social se caracteriza pela “sociabilidade violenta”, que promove a negação da alteridade e configura “um complexo de práticas do qual a força é um princípio de coordenação, responsável por sua articulação e relativa permanência ao longo do tempo” (MACHADO DA SILVA, 2008, p. 37): </P>
<P>Quanto à dimensão subjetiva da formação de condutas, os agentes responsáveis pela gênese e consolidação deste ordenamento não se pautam por referências coletivas moderadoras da busca dos interesses individuais de curtíssimo prazo, deixando o caminho aberto para a manifestação mais imediatas das emoções, para uma interação que instrumentaliza e objetifica o outro e reduz ao mínimo a produção de sentido. O mundo constitui-se em uma coleção de objetos (aí incluídos todos os demais seres humanos) que podem ou não ser apropriados de modo a servir aos seus desejos pessoais. É claro que limites à satisfação dos fins são reconhecidos, mas apenas sob a forma de uma resistência material (a força de outros “humanos-objetos”, por exemplo), e não como restrições de caráter normativo, ético ou afetivo (Idem, pp. 41-42) </P>
<P>O autor argumenta que a possibilidade de reprodução dessa “sociabilidade violenta” é favorecida pela associação da “violência urbana” (a representação, lembremos) com o tráfico de drogas, o que fornece as bases econômicas para a sua organização e sua duração. Em referência à organização dessa atividade nas favelas do Rio de Janeiro, o autor acredita que não há acordo, negociação, contrato – não há “fins coletivos” ou subordinação: “Todas as formas de interação constituem-se em técnicas de submissão que eliminam a vontade e as orientações subjetivas dos demais participantes como elemento significativo da situação” (Idem, p. 42). Assim, no ordenamento caracterizado pela sociabilidade violenta, a força deixa de ser um meio de obtenção de interesses e transforma-se no princípio de coordenação das relações sociais. </P>
<P>Do ponto de vista teórico, uma das principais críticas ao conceito, formulada por Misse, centra-se na impossibilidade de a violência operar como um princípio de coordenação das relações sociais, pois “uma sociabilidade em que a unidade de análise nega sua a alteridade não poderia se constituir enquanto ‘sociabilidade’, mas como ‘a-sociabilidade’” (MISSE, 2006[1999]). O conceito de “sociabilidade violenta” parece, portanto, um oximoro. Já do ponto de vista das etnografias sobre o “crime”4 – entre as quais incluo a minha própria –, costuma-se discordar do conceito recorrendo-se a demonstrações empíricas de que há, sim, acordo, negociação e fins coletivos entre os atores da criminalidade comum violenta. Contrariando a afirmação de que a “formação das práticas típicas da violência urbana não passa por justificativas de valor” (MACHADO DA SILVA, 2004, p .75), empenhamo-nos em demonstrar que a conduta dos atores da “violência urbana” alinha-se com ou se justifica em referência a uma ética ou conduta prescrita. </P>
<P>Voltarei a esse ponto mais à frente, mas por ora retomemos aqui a afirmação de que os coletivos criminais mobilizam uma retórica da guerra e paz para reduzir os conflitos internos e organizar a oposição a seus inimigos. Estamos nos referindo aos “comandos”, provavelmente o tipo de formação social de maior relevância para a constituição do ordenamento identificado pela representação da violência urbana e não há como negar que esses coletivos produzem fins coletivos. Os comandos efetivam-se na produção de uma alteridade radical com um Outro que deve ser eliminado: o “alemão”, no caso do Rio de Janeiro, ou o “coisa”, no caso de São Paulo. Segundo Misse (2006), “‘alemão’ é uma identidade coletiva do Outro que colabora na construção de alguma identidade mínima de pertencimento e solidariedade interna” (p. 197). Não há diferenças significativas entre os comandos e mesmo as normas ou mandamentos por eles estabelecidos são bastante semelhantes. Ainda assim, é elaborada uma oposição nós/eles. </P>
<P>Argumentei há pouco que os comandos são organizações menos coesas do que se quer acreditar. E, no entanto, eles figuram no imaginário coletivo como unidades políticas suficientemente reais para que seus “membros” e opositores se engajem em “trocas de morte” (GROS, 2006) pela definição de suas fronteiras de atuação. Não seria tão exagerado propor um paralelo com as “comunidades políticas imaginadas” a que Anderson (1991[1983]) recorreu para refletir sobre o nacionalismo e pensar o Estado-nação moderno para além de sua dimensão institucional. Tal qual aquelas formações, os comandos operam como uma extensão metonímica da família, que permite a pessoas que nunca se conhecerão ou ouvirão a respeito uma da outra guardarem em suas mentes a imagem de uma comunhão. A ideologia faccional assemelha-se, portanto, ao nacionalismo, na medida em que é capaz de mobilizar as pessoas para matarem e morrerem em defesa de uma abstração. </P>
<P>Ao pensar os comandos como comunidades imaginadas, acompanho a crítica de Herzfeld (1997), segundo o qual Anderson deixa de levar em consideração o impacto de pessoas ordinárias na forma assumida pelo nacionalismo localmente, reduzindo-o à imposição de uma perspectiva das elites ao mundo cultural local. Embora as rivalidades entre homens que ocupam altas posições na hierarquia político-empresarial dos mercados ilegais repercutam nas redes do “crime” e produzam descontinuidades – mais no Rio de Janeiro do que em São Paulo (HIRATA e GRILLO, 2017) –, é na enunciação performativa cotidiana que a imagem coletiva dos comandos adquire sua forma, a ponto de os comandos se fazerem presentes até mesmo onde não haja nenhum “membro” desses coletivos5. </P>
<P>No Rio de Janeiro, a adesão às facções prescinde de qualquer rito de passagem e pode mesmo ser alegada por pessoas sem envolvimento direto com o tráfico. Neri (2009), por exemplo, relata que os jovens que cumpriam medida socioeducativa no estado identificavam-se com os comandos que controlavam a venda de drogas nas suas áreas de moradia, mesmo quando eles próprios não integravam a “firma” local. A facção não é propriamente um grupo social, mas um dispositivo para produzir fronteiras: um nome, cuja enunciação explicita coletividades sociais como um contexto geral para a expressão (GRILLO, 2013). Só que as fronteiras demarcadas pelos nomes dos comandos fundamentam-se em uma alteridade radical e hostil com um inimigo, a ser eliminado, de modo que reivindicar uma identidade vinculada ao nome de um comando é posicionar-se em meio a uma “guerra”. </P>
<P>Impregnar-se do pertencimento aos comandos – por participação no “crime” ou mesmo por contiguidade territorial – implica uma atenção redobrada às descontinuidades militares que separam a favela e o asfalto (tráfico e polícia) e os territórios de uma ou outra facção (CV, ADA ou TCP), impactando sobremaneira a vida dos cariocas e, em especial, a dos habitantes de favela. Estes precisam “saber localizar as fronteiras e atualizar-se em relação às trocas de comandos das facções criminosas (...) para tentar organizar as suas rotinas” (FARIAS, 2008, p. 180), pois também estão expostos ao risco de morte por associação involuntária a uma facção. </P>
<P>O ponto a que quero chegar é propor que o conceito de “sociabilidade violenta” nos ajuda melhor a compreender o que é representado como “violência urbana” ou “guerra” se abandonado </P>
<P>o indivíduo como unidade obrigatória da análise. Estamos, sim, tratando de uma interação que instrumentaliza e objetifica o outro, mas essa alteridade radical produz um “eu” que pode, sim, ser, mas muitas vezes não é individual. O inimigo a ser eliminado e cuja subjetividade é negada pode ser o opositor a um indivíduo, como a vítima de assalto que reage, mas é muitas vezes um inimigo coletivo – o “alemão”, o “X-9”, a polícia etc. – , cuja negação da subjetividade ocorre por processos coletivos de exclusão que reafirmam alguma forma de coletividade. Assim entendido o conceito, podemos inferir que o que há de radicalmente novo na atualidade desse padrão de sociabilidade emergente é a incorporação da lógica da guerra – de eliminação do inimigo – ao cotidiano das cidades, em contiguidade com uma ordem institucional-legal que responde a um sistema político democrático e, ao menos pretensamente, a um Estado de direito. </P>
<P>Fica difícil pensar que todo um modelo de ação se fundamenta no “egoísmo” quando refletimos sobre pessoas que levam a chamada “vida do crime”, ou “vida loka”, experimentando “o drama cotidiano das vidas precárias, incertas, sempre no limiar entre a vida e a morte” (HIRATA, 2010, p. 332). Zaluar (1994) define o “etos guerreiro” como busca da glória individual em um contexto de pobreza, rompimento dos laços familiares e comunais locais e incapacidade do Estado em manter o monopólio da violência. Esses jovens pobres se dispõem a matar e morrer em troca de pífias recompensas materiais e para provar seu valor e seu ardor guerreiro, a que se referem como “disposição” – categoria nativa que congrega os sentidos da coragem de se expor ao risco de morte e a frieza necessária para não hesitar antes de agir (GRILLO, 2013). Não se trata apenas de uma manifestação local do individualismo, como sugerido por Machado da Silva nos textos sobre a sociabilidade violenta, mas também de uma atualização do já bem antigo elogio popular à coragem e destreza bélica em um cenário com lados opostos em um conflito armado. </P>
<P>Em adição à minha proposta de alargamento da “sociabilidade violenta” para incluir a interação entre atores coletivos, gostaria também de apontar para uma proximidade entre esse conceito e o de “estados de violência” formulado por Gros (2006) para refletir sobre o que denominou como o “fim da guerra”. Segundo esse autor, o que especifica a violência armada como guerra não é a disputa pela soberania em territórios e sim as dimensões ética, política e jurídica do conflito: “A guerra é um conflito armado entre grupos sustentado por uma tensão ética, um objetivo político e um quadro jurídico. (...) [É] a troca de morte que dá consistência a uma unidade política e é sustentada por uma reivindicação de direito” (GROS, 2006, p. 8). O autor, entretanto, argumenta que “a guerra ‘pública e justa’, caos de forças submetidas às estruturas da ética, do político e do jurídico, se desfaz diante dos nossos olhos” (Idem, p. 216), sendo substituída pelo que denominou “estados de violência”. </P>
<P>Em lugar dos dispositivos convencionais de guerra – cujos personagens principais seriam os soldados de uniforme, que obedecem às ordens de oficiais, baseadas em planos táticos que se orientam pelos objetivos de um dirigente político –, o século XX teria assistido à aparição de “redes dispersas, concorrentes, de profissionais da violência” (Idem, pp. 226217), cujas novas figuras seriam terroristas, chefes de facções, mercenários, engenheiros de informática, técnicos em segurança etc. A guerra perdeu seu sentido moralizante vinculado à ética do guerreiro, foi despolitizada pela mercantilização e etnicização dos conflitos e sua alegação de justiça foi vencida pela preocupação humanitária com o sofrimento individual retratado nas imagens de coberturas midiáticas da guerra. </P>
<P>Se acompanharmos o argumento de Gros, a “guerra” ao crime ou entre comandos, assim como a guerra na Síria, não são guerras de fato e sim “estados de violência”. Para o autor, os bandos armados que entram em combate pelo controle de mercados ilegais são uma das expressões da guerra contemporânea, que em muito se diferencia do que fora tradicionalmente chamado de guerra, isto é, um conflito regulado entre Estados. De fato, não há mais um direito de guerra compartilhado entre as unidades políticas que entram em combate6 e tampouco um consenso das massas sobre a guerra ser um julgamento pelas armas, como formulado por Proudhon (2011[1861]). É bem verdade também que os objetivos políticos da guerra se transfiguraram. </P>
<P>E a compatibilidade que proponho entre os conceitos de “estados de violência” e “sociabilidade violenta” refere-se justamente a uma tentativa comum de descrever a desestruturação de conflitos socialmente regulados, públicos, justos e politizados: no primeiro caso, o fim da guerra; no segundo, a dissolução das lutas sociais. O que o conceito de sociabilidade violenta está buscando compreender é a emergência de um novo padrão de sociabilidade, consoante à desestruturação do conflito de classes, que contribui para o cerceamento da ação coletiva das camadas populares urbanas e cujo emprego da força não está orientado para uma substituição ou transformação da ordem institucional-legal. Tanto nas novas modulações da guerra quanto no caso da violência urbana não há uma expectativa de se pôr fim ao conflito. </P>
<P>Aqui, faz-se necessário iniciar uma reflexão sobre o lugar do Estado na mediação dos conflitos hoje representados como guerra e as implicações políticas das contribuições teóricas sobre o tema. </P>
</Sect><Sect>
<H4>(Re)deslocando a questão do crime comum violento </H4>
<P>Foi sobretudo a partir da década de 1980, consoante ao processo de democratização, que a chamada “violência urbana” despontou como uma preocupação coletiva de enorme relevância para os habitantes das grandes cidades brasileiras. E, à medida que o problema da violência ia conquistando um lugar de destaque no debate público e nas agendas políticas, constituiu-se também uma sociologia da violência empenhada em interpretar este fenômeno e problematizar o papel das agências estatais de controle social. Embora Misse (1999, 2006) identifique ainda na década de 1950 o início do processo de “acumulação social da violência” no Rio de Janeiro, boa parte da bibliografia especializada empenhou-se em investigar as relações entre democracia e violência, de modo a propor reformas visando ao processamento institucional dos conflitos. De diferentes perspectivas, todos os sociólogos e antropólogos de destaque que se empenharam em refletir sobre a violência procuravam ampliar e aprimorar a democracia. </P>
<P>Há hoje certo consenso disseminado sobre o medo da violência, somado ao descrédito na resolução do problema da segurança em observância ao Estado de direito, ter sido um importante fator para a última vitória eleitoral de setores ultraconservadores da política. E, nesse ponto, algumas abordagens sociológicas têm sua parcela de culpa, por ajudar a promover uma interpretação que explica o aumento do crime violento pela “impunidade”. Se, ao apontar para a impunidade, os sociólogos almejavam colaborar com a reforma das instituições de Estado e ampliar o acesso à justiça sob o marco democrático, entre os efeitos não pretendidos dessa explicação estão o aumento do encarceramento (MARQUES, 2017) e um clamor punitivista desenfreado. A percepção de que direitos humanos são “privilégios de bandidos”, analisada por Teresa Caldeira (1991), alargou-se de tal maneira que a defesa dos DH passou a ser entendida por setores da população como variável determinante para a formação das condutas criminais. </P>
<P>Machado da Silva foi um dos poucos a criticar, ainda na década de 1990, a interpretação dominante, institucional-legalista, que recorria à “impunidade” para explicar a violência urbana. Um dos principais equívocos cometidos por mim (GRILLO, 2013) ao criticar a noção de sociabilidade violenta foi ter ignorado a perspectiva contra a qual Machado da Silva estava se posicionando em suas formulações. Reduzi a elaboração do conceito a tão somente uma recusa à existência de um senso de coletividade, solidariedade e princípios morais que norteiam a conduta dos atores da “violência urbana”. Falhei, contudo, em perceber que o autor não estava preocupado em desmentir a “positivação do crime” (HIRATA e AQUINO, 2018) contida no modo como nós, etnógrafos do “crime”, tratamos teoricamente o material empírico de nossas pesquisas. Sua discussão tem início em um momento anterior à própria realização da maioria das nossas etnografias e teve como objetivo criticar a explicação até então mais difundida para o aumento do crime comum violento nas grandes cidades brasileiras. </P>
<P>Machado da Silva chama a atenção para uma interpretação erudita do fenômeno da “violência urbana” que, no contexto do processo de democratização, teria despontado como dominante e explicaria o crime comum violento a partir de processos estritamente internos à ordem estatal. Ele elabora a noção de sociabilidade violenta como uma tentativa – confessamente incipiente – de oferecer uma interpretação alternativa àquela que explica a conduta criminosa por seu baixo “custo de oportunidade” ou, em outras palavras, a de que a impunidade estimularia a prática de crimes violentos. Tal perspectiva concebe a formação dos comportamentos como uma reação mecânica a condições circunstanciais provocadas pela desorganização do sistema de administração da justiça, o que, portanto, inclui a suposição de que os criminosos agiriam por referência ao ordenamento estatal, isto é, às próprias leis infringidas. E foi na contramão dessa interpretação dominante que nosso autor discordou da redução da atividade criminal a uma adaptação ao contexto e propôs que “os criminosos não violam nem se rebelam contra o ordenamento estatal: este simplesmente não é elemento significativo do comportamento destes atores” (MACHADO DA SILVA, 1999, p.121). </P>
<P>O autor resume o ponto de vista dominante da seguinte maneira: </P>
<P>a fim de explicar o sentimento de insegurança generalizada que está no centro da experiência de vida urbana na atualidade, esta perspectiva estabelece uma sequência de nexos causais entre: </P>
<L>
<LI>
<Lbl>a) </Lbl>
<LBody>uma crise de legitimidade do Estado; </LBody>
</LI><LI>
<Lbl>b) </Lbl>
<LBody>o enfraquecimento da capacidade de controle social por parte das agências estatais, em particular; </LBody>
</LI><LI>
<Lbl>c) </Lbl>
<LBody>o esgarçamento da ordem pública, devido ao mau funcionamento de suas “garantias externas”; </LBody>
</LI><LI>
<Lbl>d) </Lbl>
<LBody>a ampliação do recurso à violência como meio de obtenção de interesses e, </LBody>
</LI><LI>
</L><Lbl>e) </Lbl>
<LBody>a expansão e organização da criminalidade que recorre a este meio. </LBody>
</LI><P>Trata-se, portanto, da imputação de uma cadeia causal que explica a desconcentração da violência física (o uso generalizado de violência pelos criminosos indica que o Estado perde seu monopólio de fato, embora mantenha-o formalmente) por processos estritamente internos à própria ordem estatal, considerada como padrão universal de sociabilidade (Idem, 2004, pp. 68-69). </P>
<P>Ele, então, reconhece que os adeptos daquela perspectiva construíram “uma problemática ‘real’, além de ética e politicamente relevante” (Idem, p. 69) e contribuíram de maneira significativa com conhecimento sobre questões relacionadas à eficácia das agências de segurança pública e à garantia de direitos civis. No entanto, é justamente em discordância com essa “interpretação dominante” que o autor formula o conceito de “sociabilidade violenta”, colocando em dúvida o pressuposto de que a formação da conduta é idêntica para criminosos e não criminosos. Ele ressalta ainda que, conforme demonstrado pelas pesquisas então disponíveis, são muito altos os riscos a que se expõem os criminosos, de modo que a explicação de suas práticas com referência aos baixos custos de oportunidade não conta com sustentação empírica. </P>
<P>Anos mais tarde, Adalton Marques (2018) argumentaria, a partir de sua genealogia da segurança pública e dos direitos humanos no estado de São Paulo, que a interpretação “institucional-legalista” proposta pelos principais expoentes da “sociologia da violência” paulista teria contribuído para o expressivo aumento do encarceramento no estado e no país. Segundo o autor, as propostas de promoção da cidadania pela universalização do acesso à justiça e à segurança pública defendiam o processamento institucional dos conflitos pelas agências estatais e o combate à impunidade, ao mesmo tempo que o discurso de defesa dos direitos humanos pautava a necessidade de reforma do sistema penitenciário e a resolução do problema do déficit de vagas, visando atender às normativas de tratados internacionais. O desdobramento, evidentemente não pretendido, foi a maior penalização da população pobre e a construção de mais prisões para atender à demanda, que permaneceu sempre muito superior ao número de vagas oferecidas em presídios. </P>
<P>Uma das principais críticas de Marques à interpretação proposta pela sociologia da violência constituída na passagem da década de 1970 para a de 1980 dirige-se à tendência, protagonizada por Coelho (1978, 1980), no sentido de desmentir a correlação entre pobreza e violência estabelecida pelas teorias da marginalidade que teriam influenciado o cenário político-intelectual anterior. Essa dissociação entre pobreza e violência visava combater a criminalização da pobreza em um contexto de construção democrática e desautorizar as interpretações que viam os grupos de criminosos armados como mobilizações políticas condicionadas pelo conflito social estruturado. </P>
<P>Misse (1999, 2006) foi um dos poucos sociólogos da violência que se destacou por insistir na manutenção da correlação entre pobreza e violência, ainda que enfatizasse não haver uma correlação determinante. Em suas discussões sobre os processos de “acumulação social da violência” e “sujeição criminal”, ele buscou incorporar à discussão americana sobre os processos de acusação social (a rotulação e a estigmatização) a dimensão do conflito social estruturado, marcado por desigualdades econômicas e de poder. Já em sua formulação do conceito de “mercadorias políticas”, rompeu com a perspectiva adotada pela interpretação dominante, de inspiração weberiana, que aceitava a separação entre as esferas política e econômica e restringia </P>
<P>o debate sobre a violência ao campo político. Também Machado da Silva, em sua proposta de uma nova perspectiva de análise, critica justamente essa separação entre “esferas de valor” e incorpora à sua explicação para a crise de legitimidade do Estado brasileiro os planos econômico, político-institucional e simbólico-cultural, compondo um tripé. </P>
<P>Ao formular o conceito de sociabilidade violenta, Machado da Silva não estava propondo, como frequentemente se supõe, uma interpretação conservadora sobre o crime comum violento. Seu intuito primordial era denunciar a “esquizofrenia analítica” das abordagens que ainda hoje insistem em explicar o crime comum violento pelo baixo custo de oportunidade e propor um deslocamento da questão, convidando os pesquisadores a investigarem as relações internas à organização social da criminalidade urbana. Ele admite que tem “pouco a acrescentar ou discutir a respeito dos atributos descritivos do comportamento ‘real’ dos atores” e que “esta ausência acrescenta muita fragilidade ao raciocínio” (MACHADO DA SILVA, 2004, p. 56). O modo de análise por ele escolhido “implica necessariamente trabalhar no plano do modelo típico-ideal, que é contrafactual por definição e não deve ser confundido com a descrição empírica da realidade” (Idem, p. 55). Por isso, ele lança o desafio de “descobrir como os agentes do crime violento formam as justificativas de seu comportamento e quais os significados culturais que eles expressam” (Idem, 1999, p. 121). </P>
<P>Na última década, proliferaram estudos sobre o “crime”, produzidos por uma nova geração de pesquisadores – na qual me incluo –, que procuraram acessar a perspectiva dos “envolvidos” e a que Hirata e Aquino (2018, p. 107) se referiram, como citei, como “etnografias da positivação do crime”, sendo a “positivação” entendida não como um “conceito moral, mas analítico, que aponta para uma atenção aos aspectos produtivos das práticas etnográficas”. Destacou-se entre nós a tendência de recusar a sociabilidade violenta, argumentando haver no “mundo do crime” uma ética e códigos de conduta observados pelos atores da violência urbana e que a participação no “crime” não implicaria uma drástica ruptura de seus laços sociais e vínculos afetivos. Devemos, contudo, reconhecer que o deslocamento da discussão operado por Machado da Silva abriu o caminho para nossas etnografias, que também se posicionaram em debate frontal com uma perspectiva “estatal” sobre a criminalidade violenta. Suas formulações teóricas prepararam ainda </P>
<P>o terreno para a constituição do “mundo do crime” como um objeto de pesquisa e anteciparam a relevância da linguagem para sua compreensão. </P>
<P>É ponto comum entre nós, etnógrafos do “crime”, que este termo não designa os cursos de ação passíveis de enquadramento em tipos penais criminalizados. Todos nos compreendemos mutuamente sempre que mantida a referência à categorização nativa. No entanto, não há ainda consenso sobre como definir essas expressões em uma linguagem analítico-conceitual. Barbosa (2013, p.123) refere-se ao “crime” como “um sujeito coletivo de contornos indefinidos”; Marques (2014) e Biondi (2014) como um “movimento” que atravessa territórios. Já Feltran (2011, p.19) oferece uma definição mais formal para o “mundo do crime” como o “conjunto de códigos sociais, sociabilidades, relações objetivas e discursivas que se estabelecem, prioritariamente, no âmbito local, em torno dos negócios ilícitos do narcotráfico, dos roubos, assaltos e furtos”. Todas essas definições supõem que o “crime” pode constituir um objeto de estudo, mas compartilham de uma recusa coletiva em traduzi-lo para conceitos analíticos como “cultura” ou “subcultura” adotados por muitos etnógrafos urbanos americanos que estudaram práticas incrimináveis. </P>
<P>Diante do desafio de oferecer um enquadramento analítico ao que se costuma denominar como “mundo do crime”, a solução que encontrei em minha tese (2013) foi a de acompanhar os argumentos de Machado da Silva, divergindo dele apenas no ponto em que ele conclui que a ordem social identificada pela representação da violência urbana caracteriza-se por uma sociabilidade violenta, que nega a alteridade e promove uma relação objetal com o outro. De modo semelhante a Feltran (2011), baseei-me nas formulações do autor sobre a coexistência de duas ordens contíguas, isto é, sobre a violência urbana representar “um complexo de práticas hierarquicamente articuladas – ou seja, uma ordem social – e não apenas um conjunto inorgânico de comportamentos individuais, cujo sentido está fora deles” (MACHADO DA SILVA, 2004, pp. 61-62). Foi ancorando-me nessa perspectiva que defini o “crime” como “forma de vida”, noção que ressalta a importância da linguagem para a formação dos códigos sociais que orientam os modos de pensar e agir. </P>
<P>A leitura da maioria das etnografias do “crime” indica haver uma linguagem comum em que os conflitos são deflagrados e debatidos, de modo que as diferentes perspectivas sobre o “proceder” (HIRATA, 2010; MARQUES, 2011) e as infinitas formas de argumentar com referência ao “certo” (GRILLO, 2013; LYRA, 2013) são formuladas no seio de uma linguagem própria. Emergem desse entendimento as ideias de “idioma do crime” (GRILLO, 2013), “dialeto da vida loka” (MALVASI, 2012), “marco discursivo do crime” (FELTRAN, 2011) e “gramática dos garotos” (LYRA, 2013). Ao falar de um “mundo do crime em expansão” nas periferias de São Paulo, Feltran (2011) não se refere propriamente à expansão das ações criminais, mas da baliza de discursos, o “alargamento do léxico e da semântica do crime no tecido social local” (p. 318). </P>
<P>Aproximações entre “mundo do crime” e linguagem comparecem em uma série de etnografias realizadas na última década. Entretanto, ela foi indicada anos antes por Machado da Silva como programa de pesquisa. O autor (2004, p. 75) chega a propor que “a ‘sociabilidade violenta’ não dispõe de uma linguagem própria, recorrendo, para expressar-se como ‘forma de vida’, a uma profunda ressignificação da linguagem corrente. Não me atrevo a elaborar esta questão, que demanda muito mais pesquisa e conhecimento empírico do que possuo”. </P>
<P>A partir dessa passagem, podemos inclusive intuir que a noção típico-ideal de “sociabilidade violenta” não pretende descrever a qualidade das relações próprias ao “mundo do crime”, como erroneamente supus, mas apontar para um padrão de sociabilidade que, mesmo no “crime” não se manifesta em sua forma pura, pois as relações sociais dependem de ser formuladas como linguagem e esta necessariamente envolve a intersubjetividade. Mas embora eu tenha sido capaz de compreender o aspecto contrafactual do conceito, preocupavam-me as implicações políticas de retratar a ordem social captada pela violência urbana como um mundo hobbesiano pré-contratual, onde vige a lei do mais forte. Afinal, a projeção de uma “selvageria”, que caracterizaria </P>
<P>o comportamento dos “bandidos”, é o que justifica para os agentes das forças da ordem – e aqueles que apoiam seus modos de atuação – as atrocidades praticadas no combate ao “crime”, tal como no “espelho colonial”7 a que se refere Taussig (2002). </P>
<P>Ainda assim, procurei enfatizar que nossas divergências se deviam substancialmente à perspectiva a partir da qual a “violência urbana” era interrogada. Ao passo que a argumentação de Machado da Silva apoiou-se na percepção generalizada dos habitantes do Rio de Janeiro – em especial, os moradores de favelas – para identificar um ordenamento criminal, parti da conceptualização nativa compartilhada pelos próprios atores da “violência urbana”. E, de fato, pelo observador “de fora”, o crime é percebido como algo caracterizado por uma sociabilidade violenta que promove uma interação instrumental e a objetificação do outro. Principalmente por parte daqueles submetidos a uma convivência forçada com os criminosos, como é o caso dos moradores de favela, cujas experiências e discurso constituem o grosso do material empírico sobre o qual se baseiam as pesquisas de Machado da Silva. </P>
<P>Além disso, o discurso dos moradores de favelas mobiliza distinções claras entre “trabalhadores” e “bandidos” (ZALUAR, 1985), empreendendo uma tentativa de “limpeza moral” (MACHADO DA SILVA e LEITE, 2008) com relação aos traficantes com quem são obrigados a compartilhar o território. Zaluar (1985, p.164), entretanto, observou uma ambivalência nessa relação, pois os moradores avaliavam os “bandidos” “segundo as regras locais de reciprocidade e justiça”. Para Leite (2008) o que se apresenta como “ambiguidade” pode ser compreendido como “recursos de diminuição dos danos” associados à contiguidade territorial com o tráfico. Ela distingue entre dois conjuntos básicos de recursos: a não confrontação dos criminosos e a preservação das possibilidades de contato com eles por meio de conversas, chamadas “desenrolos”. </P>
<P>Ressaltei (GRILLO, 2013), entretanto, que é limitada a possibilidade de diálogo entre os “trabalhadores” – sobretudo aqueles mais afastados do centro interpretativo do universo simbólico e performático do “crime” – e os “bandidos”. Lembremos que pensar o “crime” como uma forma de vida envolve pensá-lo como uma linguagem e que as pessoas alheias a ele não dominam essa linguagem, vendo-se, portanto, impotentes quando obrigadas a conjecturar suas demandas no “idioma do crime”. Assim, formulei na tese a explicação de que é da ausência de uma linguagem compartilhada e de entendimento intersubjetivo entre “trabalhadores” e “bandidos” que surge a ideia de que “os agentes responsáveis pela gênese e consolidação deste ordenamento não se pautam por referências coletivas moderadoras da busca dos interesses individuais” (p. 41) e de que, entre eles, a produção de sentido é reduzida ao mínimo. </P>
<P>Hoje, após termos proporcionado um acúmulo de informações antes ausentes ou inacessíveis (BARBOSA, 2014), já me pergunto se ainda há sentido em confrontar o conceito de sociabilidade violenta. Por trás de todas as nossas etnografias esteve sempre presente uma preocupação humanista em reafirmar a igualdade dos seres humanos, compreendendo o modo como pensam, sentem e agem aqueles cuja humanidade é tão frequentemente negada. Mas acredito que alguns de nossos trabalhos – o meu certamente – dão margem a serem lidos como uma defesa cega do indefensável ou como um apanhado de curiosidades sobre populações exóticas. Diante da velocidade de acumulação da violência que aflige principalmente a população mais pobre, pergunto-me que contribuição podemos agora oferecer no sentido de transformar o modo como os conflitos sociais vêm sendo entendidos e processados. </P>
<P>Não me refiro aqui à proposição de políticas públicas, mas à proposição de novas perspectivas para a compreensão dos conflitos que estão sendo representados como guerra. Em face à despolitização dos conflitos urbanos, assinalada por Machado da Silva, cabe talvez a nós a tarefa de politizar a análise e essa politização deve envolver a recuperação de um debate sobre a desigualdade econômica e uma atenção maior ao racismo. A geração de pesquisadores que constituiu a sociologia da violência teve como objetivo político a reforma democrática das instituições de Estado. Agora que nos deparamos com outro cenário político, de retração das garantias conquistadas e da representação dos conflitos sociais como guerra, cabe uma reflexão sobre nosso horizonte de transformação social e como colaborar com ele a partir da escolha de nossas posturas político-epistemológicas. E nesse ponto temos muito a apreender com a trajetória acadêmica de Machado da Silva. </P>
<P>Foi tomando o partido dos trabalhadores pobres, moradores de favelas da cidade do Rio de Janeiro, que Machado da Silva adentrou a discussão sobre a violência. Ele esteve sempre preocupado com a questão da agência das camadas populares e, foi a partir desse campo de problemas que identificou nos modos de organização da criminalidade comum urbana um dos principais elementos que contribuíram para o cerceamento à ação coletiva dos favelados. Suas reflexões sobre a experiência de “vida sob cerco” (MACHADO DA SILVA, 2008) a que são submetidos os moradores dessas localidades apontam para as dificuldades por eles enfrentadas para se mobilizar e manifestar publicamente suas demandas. A atenção a esse cerceamento pode talvez nos ajudar a compreender a crescente adesão das camadas pobres urbanas a discursos de “lei e ordem”. E foi por isso que em vez de insistir em refutar a sociabilidade violenta, dediquei-me neste trabalho a procurar alargá-la para acomodar nossos dados empíricos. </P>
</Sect><Sect>
<H4>Considerações finais </H4>
<P>Em sua “Crítica da violência”, publicada em 1921, Walter Benjamin argumenta que o direito não pode ser o parâmetro para a crítica da violência, porque, entre outras razões, ele se institui por meio da violência e é sempre violento para proteger a si próprio enquanto direito. Para o autor, a ordem jurídica não pode garantir por seus meios os fins empíricos que persegue. Tal parece ser o impasse quando olhamos de perto o caso dos conflitos armados entre polícia e tráfico no Rio de Janeiro. Pode a polícia combater o crime em observância ao ordenamento jurídico democrático? Boa parte da opinião pública tende a crer que não. Por isso, como observou Le Heuillet (2004), a polícia tende a atuar como um instrumento autônomo, com margem de iniciativa, cuja autoridade decorre da lei para ir “mais baixo” do que a lei pode ir. </P>
<P>Este ensaio partiu de uma profunda preocupação com o avanço dos discursos de ódio e a chancela popular, nas urnas, ao extermínio e a tortura, o que afeta principalmente a população pobre, mais sujeita às arbitrariedades policiais. Machado da Silva postula a coexistência de duas ordens sociais contíguas: a ordem institucional-legal e uma ordem cujo princípio de coordenação das relações sociais é a sociabilidade violenta. Em seu esquema analítico, elas não entram em competição. Mas meu receio é que, com os conflitos sociais representados como guerra, os princípios de subjugação pelo uso da força se transformem em fórmula geral de governo e a ordem jurídico-política democrática perca sua legitimidade e sua relevância. Se a violência institui o direito – ou nos termos de Proudhon, a guerra é produtora de direito –, o que poderá impedir que </P>
<P>o direito seja agora refundado à força para institucionalizar uma nova ordem? </P>
<P>Há toda uma bibliografia internacional refletindo sobre o esgotamento das democracias liberais, que não será possível aqui retomar, mas não resta dúvidas de que nossa democracia está em crise, de que essa crise está produzindo um acirramento dos conflitos violentos e de que esses conflitos estão sendo pensados, pelas partes envolvidas, incluindo autoridades e amplos setores da população, como guerra. Meu argumento de que está em curso uma transformação da representação da violência urbana em uma representação da guerra não se baseia apenas nas retóricas de guerra e paz acionadas por coletivos criminais e autoridades públicas ou na percepção dos habitantes da cidade do Rio de Janeiro, mas também da emergência do que Graham (2011) denominou “novo urbanismo militar”, que está associado a uma crescente indistinção entre defesa e segurança pública e para o qual a intervenção federal no Rio serve como um bom exemplo. </P>
<P>Segundo Bonditti (2013), as doutrinas militares acompanharam as mudanças na imagem do mundo geopolítico, em que a rede se tornou a grade de leitura para interpretar os novos conflitos a emergirem. A guerra já não se dá mais entre Estados e o estado de guerra já prescinde de uma materialidade de guerra. Vivemos a era dos “conflitos de baixa intensidade” ou “guerras intermitentes”, em que armas em rede combatem inimigos difusos, como o “terrorismo” e o “narcotráfico”. Nesse cenário, as ofensivas militares de “contrainsurgência” e “pacificação” revelam o caráter produtivo da violência na fabricação da ordem capitalista, à medida que declaradamente perseguem a defesa da “paz” mínima necessária ao desenvolvimento do mercado e da livre iniciativa, retomando a retorica “civilizatória” que operou como ferramenta ideológica do colonialismo (NEOCLEUS, 2011, 2013). </P>
<P>As modulações contemporâneas da guerra evidenciam processos de caráter semelhante às transformações apontadas por Machado da Silva em sua reflexão sobre a passagem de uma linguagem dos direitos para uma linguagem da violência, que desloca a atuação do Estado para a manutenção das rotinas e não mais para a regulação do conflito social estruturado. Em ambos os casos, o uso da força pelos Estados busca combater inimigos dispersos, de organização reticular, com os quais não se pode negociar e que jamais são completamente eliminados, o que estimula a crescente militarização da gestão de populações e territórios e as práticas de torção da lei – a que Weizman (2009) se referiu como “lawfare” – que visam legitimar métodos cruéis e arbitrários de combate. </P>
<P>Foi tendo essa discussão em vista que, no início deste ensaio, procurei traçar uma breve história social das últimas décadas do processo de “acumulação social da violência” (MISSE, 1999, 2006, 2008) no Rio de Janeiro. O objetivo dessa tentativa de síntese foi sustentar a hipótese de uma passagem da representação da violência urbana para a da guerra. Nos últimos anos, a representação da guerra teria se destacado como um novo mapa cognitivo para compreender os conflitos antes expressados pela representação da violência urbana e estaria agora fornecendo modelos de conduta subjetivamente justificados, o que implica uma série de consequências práticas. Entre elas, a institucionalização política da descrença nas soluções democráticas para a violência, processo capaz de dar origem a formas ainda desconhecidas de autoritarismo. </P>
<P>Em seguida, tomei como ponto de partida a retórica de guerra e paz mobilizada por coletivos criminais para propor um alargamento do conceito de sociabilidade violenta de modo a incluir a interação entre atores coletivos e não apenas indivíduos. Argumentei que a ordem social representada como “poder paralelo” pode ser compreendida em termos analíticos pela construção teórica das “duas ordens contíguas” formulada por Machado da Silva e que a construção de alteridades radicais e hostis que objetificam o outro são muitas vezes procedimentos coletivos que envolvem solidariedade interna. Sugeri, portanto uma reformulação do conceito para acomodar rivalidades coletivamente construídas, caracterizadas pela sociabilidade violenta. Estabeleci também alguns paralelos entre este conceito e o de “estados de violência”, formulado por Gros para refletir sobre o “fim da guerra”, especialmente no sentido de abordar a desestruturação dos conflitos, aproximação que só me pareceu possível porque, como disse, está em curso no século XXI um movimento de crescente indistinção entre violência urbana e guerra. </P>
<P>Por fim, situei as formulações de Machado da Silva em um contexto político-intelectual para melhor compreendê-las e procurei, a partir delas, reforçar a necessidade de repensar os propósitos das posturas político-epistemológicas adotadas em pesquisas sobre o crime e a violência face aos novos desafios impostos pela conjuntura. Apontei haver mais convergências do que divergências entre as abordagens de Machado da Silva e a dos etnógrafos que refletiram sobre o “crime” a partir da perspectiva dos “envolvidos”. Principalmente quando consideradas as críticas do autor à perspectiva que interroga a violência do ponto de vista estatal, mas também no sentido de conceber a linguagem como elemento de demarcação das fronteiras entre ordens sociais contíguas. Na década de 1990, nosso autor procurou estabelecer um novo programa de pesquisa para a abordar a questão da criminalidade violenta, com a preocupação de fundo com o cerceamento à ação das camadas populares urbanas. Hoje, face ao esfacelamento da esperança na consolidação de instituições capazes de mediar o conflito social em observância ao ordenamento jurídico-político democrático, faz-se urgente repensar nossas agendas de pesquisa para comportar a possibilidade de imaginarmos novas alternativas de ação e de mundo. </P>
<P>Claro está que pesquisas científicas não precisam ser politicamente relevantes. Entretanto, a insanidade ultimamente difundida nos modos de compreensão sobre a questão do crime e da violência impõe a necessidade de (re)formulação de abordagens críticas e propositivas que possam fazer sentido para setores mais amplos da população. Considero ser agora fundamental resgatar discussões, deixadas em segundo plano, que articulam o problema da violência ao da pobreza e incorporar a elas a dimensão a desigualdade racial, que até pouco tempo não estava em pauta nos debates da sociologia da violência. À medida que a guerra desponta como chave de leitura para a conjuntura atual, precisamos redobrar a atenção para as possíveis implicações políticas dos enfoques analíticos que adotamos. </P>
</Sect><Sect>
<H4>Notas </H4>
<P>1 Sobre milícias, ver Cano e Duarte (2012). </P>
<P>2 Misse (1999, p. 295) define “mercadoria política” como “toda mercadoria cuja produção ou reprodução depende fundamentalmenteda combinação de custos e recursos políticos, para produzir um valor de troca político ou econômico”. No caso do arrego, a mercadoria política comercializada é o relaxamento da repressão ao tráfico, transacionada pelos agentes a quem o Estado delega a prerrogativa legal de combater esse mercado. </P>
<P>3 E, posteriormente, adicionou o princípio da “igualdade” ao lema (BIONDI, 2010). </P>
<P>4 Por etnografias do “crime” refiro-me aos trabalhos que buscaram refletir sobre o crime a partir da perspectivas dos “envolvidos”, adotando uma postura teórico-metodológica de “positivação do crime” (HIRATA e AQUINO, 2018), como os de Barbosa (1998, 2005), Neri (2009), Sá (2010), Aquino (2010), Biondi (2010, 2018), Feltran (2011, 2018), Malvasi (2012), Grillo (2013), Lyra (2013), Marques (2014), Mallart (2014) e Hirata (2018). Entre esses autores, apenas Neri, Lyra e eu formularam críticas diretas em seus textos ao conceito de sociabilidade violenta. Parte desses autores mantém uma posição crítica com relação ao conceito, expressada apenas em comunicação oral, nas oportunidades de interlocução presencial com o autor ou em conversas informais sobre a sua obra. Feltran (2011), por sua vez, cita os trabalhos de Machado da Silva, mas acompanha a argumentação do autor apenas até a proposição da existência de duas ordens contíguas, não aderindo ao conceito de sociabilidade violenta e tampouco o criticando. </P>
<P>5 Isso aparece de forma mais clara no caso do PCC, que prevê procedimentos de indicação e batismo para agregar “irmãos” aos quadros efetivos do “Partido” e exige contribuições mensais de seus membros. Mesmo assim, a enunciação do PCC se dá também em espaços nos quais não há “irmãos”, como na situação descrita por Biondi (2010) em que uma “cadeia de oposição” é tomada para o PCC por “primos”, isto é, aqueles que “correm lado a lado” com o comando, mas não são batizados. Mallart (2014) também observou que instituições de internação do sistema socioeducativo eram enunciadas pelos jovens como “dominadas” pelo PCC, a despeito de os menores de idade não poderem tornar-se “irmãos”. Desse modo, a presença do PCC se dá onde quer que o seu repertório seja evocado para manter a “sintonia” do comando. </P>
<P>6 Há ainda um direito internacional de guerra, mas não se pode dizer que ele é reconhecido como legítimo por organizações como o Estado Islâmico ou o PCC tampouco que seja sempre ele que ordena os conflitos a hoje receberem a alcunha de guerra. </P>
<P>7 Taussig (2002) analisa as atrocidades cometidas por funcionários de uma companhia britânica de exploração de borracha contra índios da região do Putumayo, na Amazônia colombiana. Para administrar as relações de trabalho que tentavam impor, os ingleses se utilizavam de punições corporais, mutilavam os índios e os deixavam em cativeiro até morrerem de fome. Os colonos justificavam-se dizendo que não poderiam se relacionar com selvagens senão agindo como selvagens. O “espelho colonial” refletia de volta a barbaridade de suas próprias relações sociais, porém imputadas aos selvagens que queriam colonizar. </P>
</Sect><Sect>
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</Sect><H5>CAROLINA CHRISTOPH GRILLO </H5>
<P>(carolina.c.grillo@gmail.com) é professora substituta do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal Fluminense, núcleo Campos dos Goytacazes (UFF-Campos, Brasil), pesquisadora de pós-doutorado do Programa de Pós-graduação em Sociologia (PPGS) da UFF e pesquisadora associada do Necvu. É doutora e mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia (PPGSA), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ, Brasil) e tem graduação em ciências sociais pela UFRJ. </P>
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