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<H2>A força de uma questão: Apresentação ao dossiê Sociabilidade Violenta: Novas Interpretações </H2>
<P>Este dossiê se integra a um esforço coletivo, embora não coordenado, de revisita à produção sociológica de Luiz Antonio Machado da Silva. Ao lado dos livros Fazendo a cidade: Trabalho, moradia e vida local entre as camadas populares urbanas (2016), dedicado à sua sociologia política, e O mundo popular: Trabalho e condições de vida entre as camadas subalternas (a ser publicado em breve), coletânea comentada de sua sociologia econômica, Sociabilidade Violenta: Novas Interpretações apresenta algumas potencialidades analíticas deste que foi o principal conceito desenvolvido por Machado da Silva em seus estudos sobre a violência urbana. </P>
<P>As republicações e reinterpretações de boa parte da produção do autor têm razão de ser. Desde os anos 1960, ele se dedica ao estudo das condições de vida das camadas populares urbanas, investigando suas formas de moradia, organização política e cotidiano de trabalho. Como figura central na institucionalização dos estudos urbanos no Brasil (ver a agenda de pesquisa proposta em MACHADO DA SILVA e VELHO, 1977), o sociólogo/antropólogo (ou “sociopólogo”, como ele mesmo costuma se chamar) já participou da formação acadêmica de mais de 300 pesquisadores, seja pela composição de bancas de defesa de dissertações e teses seja por sua orientação. O vigor analítico de sua produção sociológica lhe conferiu o Prêmio Anpocs de Excelência Acadêmica Antônio Flávio Pierucci em Sociologia, em 2016, e, em 2018, um seminário de homenagem, reunindo orientandos, ex-orientandos, colegas e alunos de várias gerações, no Instituto de Estudos Sociais e Políticos (Iesp/Uerj), no qual leciona. Antes disso, Dilemas mesmo já havia publicado uma entrevista comemorativa (MACHADO DA SILVA et al., 2011), por ocasião de seus 70 anos. </P>
<P>A organização deste dossiê soma-se a essas homenagens, com espírito crítico – no melhor estilo do autor aqui prestigiado. Reunindo cinco artigos de sociólogos e antropólogos das novas gerações, a publicação que o leitor tem em mãos apresenta e discute diferentes aspectos do conceito de “sociabilidade violenta”, cunhado por Machado da Silva ao longo das décadas de 1990 e 2000, para compreender as transformações na organização social da criminalidade urbana. </P>
<P>Recapitulemos, muito brevemente (os artigos o detalharão mais detidamente): falando especificamente a partir do Rio de Janeiro – “Minha vontade é de tratar dos contextos empíricos específicos e não promover grandes generalizações”, disse ele (2014) em um seminário em Fortaleza – , Machado da Silva parte da ideia de que “a violência urbana é uma representação” (1993), isto é, uma abstração capaz de se fixar nas mentes dos atores e, de lá, guiar suas condutas. Essa representação, que ele expressa como “linguagem” (ou seja, uma gramática geral de ações e interpretações em uma ordem </P>
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<P>DILEMAS: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social – Rio de Janeiro – Vol. 12 – no 1 – JAN-ABR 2019 – pp. 1-5 </P>
<P>social), teria, nos anos 1980, a partir do primeiro Governo Brizola no estado (1983-1986), substituído como forma hegemônica de ordenamento aquela até então vigente, a “linguagem dos direitos”. Pois, no interior dessa linguagem da violência urbana, que teria feito com que a lógica de relação entre classes fosse regida não mais pelo pacto das concessões de direitos e sim pelo controle armado das classes populares pelas forças da ordem, emerge, segundo ele, uma nova forma de sociabilidade, uma linguagem germinal, não a concorrer, mas a conviver em paralelo com a outra. Essa nova linguagem éa sociabilidade violenta. Ela não seria hegemônica ainda, mas, como dito, emergente, e apresentaria como guia principal de orientação das ações o uso da força física, estabelecendo o reconhecimento do outro como algo a ser meramente usado instrumentalmente e praticamente a extração dos atores de uma lógica comportamental moral. Além disso, os “portadores” principais dessa nova forma de sociabilidade seriam os traficantes de drogas pesadamente armados fixados nas favelas. As potencialidades de discussão a partir dessa hipótese são evidentemente gigantescas. </P>
<P>O presente dossiê não pretende esgotar (nem revisar) as apropriações feitas do conceito, mas sistematizar algumas linhas de interpretação segundo as quais ele possa ser empregado por cientistas sociais dedicados a objetos e contextos de pesquisa diversos. Mas, mais do que isso, o dossiê busca dar continuidade a uma conversa que várias gerações de cientistas sociais têm travado com a obra de (e em vários de nossos casos, com o próprio) Machado da Silva desde a proposição do conceito. E “dar continuidade”, aqui, aparece em sentido forte: é para iniciar uma nova fase de interpretação da ideia e a fazer seguir adiante que estes textos se colocam. Não se trata de um painel de novas conclusões e, sim, mais um conjunto de novas propostas de desenvolvimento, retomando a robustez de uma agenda de pesquisa exigida por um tema assim. </P>
<P>E também porque, como mostram um de nós e Vittorio Talone em seu artigo neste dossiê, a sociabilidade violenta, certamente de todo os temas caros a Machado da Silva o mais controverso, provocou ao mesmo tempo um uníssono gritante e um silêncio ensurdecedor: desde sua proposição, o conceito tem, por um lado, impelido pesquisas a, nos termos dos autores, atuar “contrastivamente, apresentando (...) contraexemplos que confirmam a tese – alguns mesmo sugerindo casos de alternativas de contenção das práticas dessa sociabilidade” – ou a fazerem “demonstrações de contextos de extrema violência tornada recorrente e que incidentalmente apontariam a relação entre a situação descrita e o conceito”. Assim, eis que o dossiê pretende convidar outros pesquisadores a essa agenda de pesquisa, recolocando a sociabilidade violenta sobre a mesa para ser interrogada em suas várias dimensões. Interrogada não contra ela, mas justamente a partir dela: o que de novo o conceito pode render três décadas depois de sua proposição é parte da pergunta que se tenta começar a responder aqui. Por isso mesmo, os textos buscam, cada um a sua maneira, uma de suas facetas. </P>
<P>O artigo de Marcella Araujo discute o papel desempenhado pela ideia de cotidiano como perspectiva analítica e questão teórica na produção sociológica do autor sobre a criminalidade violenta. Integrado a um esforço da autora de interpretação do conjunto da produção do sociólogo – que foi seu orientador de doutorado – como uma sociologia do cotidiano, o artigo reconstrói o raciocínio de Machado da Silva desde as primeiras publicações sobre a violência urbana. O texto procura então extrair das dezenas de artigos e capítulos de livros sobre a criminalidade urbana violenta os pilares da crítica feita pelo sociólogo à literatura especializada que resultaria na SV, a proposta metodológica alternativa apresentada, o processo de construção analítica de um objeto propriamente sociológico e as contribuições teóricas da formulação da questão de pesquisa. Como a autora pretende argumentar, a reflexão sociológica a partir do cotidiano de atores urbanos ordinários confere uma linha de continuidade com as pesquisas precedentes de Machado da Silva sobre as condições de vida nas grandes cidades brasileiras. </P>
<P>Alexandre Werneck e Vittorio Talone propõem uma reinterpretação da SV nos termos da sociologia pragmática, um dos modelos que têm animado o pensamento de Machado da Silva nos últimos anos. No texto, eles propõem pensar o conceito do autor também como representação, mobilizada pelos atores para conferir sentido a ações baseadas no uso da força. O argumento, baseado em uma partida compreensiva que recoloca a moral na equação; na recuperação dos vários sentidos da ideia de sociabilidade; e na ideia de que os atores sociais interpretam a vida social sob uma gramática da violência urbana como distópica (e propondo a modelização da distopia como forma generalizada de guia das condutas), é que a sociabilidade violenta é um interpretante semiótico, a lógica de ligação entre formas e conteúdos, entre dois polos de um par metafísico-pragmático: de um lado, definições em situação; de outro, abstrações metafísicas. </P>
<P>Carolina Grillo, por sua vez, toma o desenvolvimento histórico da sociabilidade violenta como base para afirmar uma versão mais radical e generalizada da mesma, a linguagem da guerra. Com base em uma reflexão sobre uma série de etnografias contemporâneas sobre o mundo do crime, no Rio de Janeiro e em São Paulo e levando em consideração preocupações atuais sobre a dimensão e a gravidade do “problema da segurança pública”, seu artigo faz uma revisão crítica das primeiras pesquisas brasileiras sobre a violência urbana e destaca a originalidade do conceito de Machado da Silva. Assumindo o ponto de vista interno às facções do tráfico de drogas, Carolina Grillo propõe um alargamento da unidade de análise operacionalizada pela SV e leva radicalmente a sério a intersubjetividade de qualquer forma de sociabilidade, para propor deixar de pensar o modo de interação pautado pelo uso da força como relações necessariamente instrumentais e pensá-lo como (re)produtor de identidades coletivas, ao mesmo tempo que para sugerir que esse quadro oferece as bases para se pensar a guerra como metafísica de ordenamento nascida da SV. </P>
<P>Marcio Abreu sugere, a partir de um enquadramento densamente weberiano, tratar a sociabilidade violenta como um “modo singular de orientação de conduta” e como o que chama de “forma desregulada do uso da força física”. Com isso, a partir da afirmação de duas dimensões na regulação da violência no Brasil, uma da legalidade e uma da legitimidade, ele argumenta haver no país, hoje, não duas, como propôs Machado da Silva, mas “ao menos três ordens de legitimação” desse uso, a ordem institucional-legal e a ordem ilegal, ambas reguladas, e a ordem da violência urbana, justamente aquela em que a SV se generaliza e constitui a ordem com a mobilização da violência não regulada. O artigo, dessa maneira, busca nas entrelinhas e desvãos do trabalho do próprio Machado da Silva os indícios para, no diálogo com seu material de pesquisa, o modelo weberiano e outras evidências empíricas, afirmar esse quadro. </P>
<P>Por fim, Jussara Freire e Cesar Teixeira estão interessados nas formas como são construídas as qualificações dos atores sociais uns pelos outros em um contexto de linguagem da violência urbana e no peso da sociabilidade violenta sobre esse processo. Para tanto, eles promovem uma densa análise da categoria “bandido” e das formas como ela pesa tanto sobre criminosos quanto sobre moradores de favelas, o que, embora ocorra de diferentes formas em cada caso, atua igualmente em ambos, de maneira a intervir sobre suas agências. E fazem isso promovendo um diálogo entre a SV e outra das mais seminais discussões sobre a violência urbana no Brasil, a ideia de sujeição criminal, proposta por Michel Misse (1999), ele próprio orientando de Machado da Silva. Como resultado dessa fricção entre os conceitos, emergem dois pontos fundamentais: de um lado, uma demonstração de que os dois fenômenos parecem se alimentar mutuamente; de outro, uma análise de como os atores sociais se relacionam com o processo de sujeição/rotulação/estigmatização produzido pela pressão da ideia de sociabilidade violenta sobre sua qualificação, notadamente mobilizando suas relações com a religião como forma alternativa de se mover no interior daquela linguagem sem que essas qualificações tenham agência sobre eles. </P>
<P>Apresentado o material em mãos para pensar, reiteramos, assim, o convite anunciado há pouco: este é o (re)começo de uma conversa. </P>
<P>Alexandre Werneck e Marcella Araujo, organizadores do dossiê. </P>
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<H4>Referências </H4>
<P>MACHADO DA SILVA, Luiz Antonio. (1993), “Violência urbana: Representação de uma ordem social”. Em: NASCIMENTO, Elimar Pinheiro [e] BARREIRA, Irlys. Brasil urbano: Cenário da ordem e da desordem. Rio de Janeiro, Notrya, pp. 131-142. </P>
<P>________. (2009), “Refundar a polícia ou a sociedade?”. Observatório da Cidadania 2009, Edição Especial: Diálogos sobre violência e segurança pública – Razões e urgências. Rio de Janeiro, Ibase, pp. 18-21. </P>
<P>________. (2014), “Sobre a sociabilidade violenta, apontamentos e interpretações”. Trabalho apresentado no IV Seminário Internacional Violência e Conflitos Sociais: Territorialidades e Negociações, Mesa Moralidades, Crime e Violência. Fortaleza, LEV, UFC. </P>
<P>MACHADO DA SILVA, Luiz Antonio [e] VELHO, Gilberto. (1977), “Organização social do meio urbano”. Anuário Antropológico, Vol. 1, no 1 (1976), pp.71-82. </P>
<P>________; MISSE, Michel; WERNECK, Alexandre; ZALUAR, Alba; LEITE, Márcia Pereira; VIEIRA, Neiva </P>
<P>[e] FELTRAN, Gabriel. (2011), “Uma vida e uma obra dedicadas à favela e às ciências sociais: Entrevista comemorativa de 70 anos de Luiz Antonio Machado da Silva”. Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, Vol. 4, no 4, pp. 663-698. </P>
<P>MISSE, Michel. (1999), Malandros, marginais e vagabundos: A acumulação social da violência no Rio de Janeiro. Tese (doutorado), Iuperj. </P>
<P>ALEXANDRE WERNECK (av.werneck@uol.com.br) é professor do Departamento de Sociologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ, Brasil) e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia (PPGSA) da UFRJ e coordenador efetivo de pesquisas do Núcleo de Estudos de Cidadania, Conflito e Violência Urbana (Necvu) da UFRJ. É doutor em sociologia pelo PPGSA/UFRJ (com estágio doutoral na École des Hautes Études en Sciences Sociales, EHESS, Paris, França), tem mestrado pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura da Escola de Comunicação (ECO) da UFRJ e graduação em comunicação social pela ECO/UFRJ. </P>
<Sect>
<H5>MARCELLA CARVALHO DE ARAUJO SILVA </H5>
<P>(marcella.caarsi@gmail.com) é professora do Departamento de Sociologia da UFRJ e uma das coordenadoras do Urbano: Laboratório de Estudos da Cidade, da UFRJ. Integra também o Núcleo de Pesquisas em Cultura e Economia (NuCEC), também da UFRJ, e o Grupo Casa: Estudos Sociais sobre Moradia e Cidade, do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (Iesp), da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj, Brasil). É doutora pelo Iesp/Uerj, mestre pelo PPGSA, da UFRJ, e graduada em ciências sociais pela Fundação Getúlio Vargas (FGV, Rio de Janeiro, Brasil). </P>
</Sect>
</Sect>
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