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<P>A lógica gerencial-militarizada e a segurança pública no Rio de Janeiro: O CICC-RJ e as tecnologias de (re)construção do Estado </P>
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</TextBox><H1>Bruno de Vasconcelos Cardoso </H1>
<H1>Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil </H1>
<P> </P>
<P> </P>
<Table>
<TR>
<TH>
<P>Este artigo analisa um modelo de pensar e organizar a segurança pública – que venho chamando de gerencial-militarizado –, e um grande sistema tecnológico construído para os megaeventos esportivos do Rio de Janeiro. Com base em uma “perspectiva sociotécnica”, a construção do sistema integrado de comando e controle é analisada como uma estratégia para produzir e estabilizar relações entre diferentes agentes e instituições que acabam por reunir elementos do novo urbanismo militar e do New Public Management, bem como estratégias de benchmarking. Esse arranjo acabou aprofundado com a intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro, de fevereiro a dezembro de 2018. </P>
</TH><TH>
</TR><P>Managerial-Militarized Logic and Public Safety in Rio de Janeiro: CICC-RJ and the State’s (Re)Building Technologies analyzes the relation between the development and reinforcement of a managerial-militarized model of thinking and organizing public safety and the technological system built for the mega-events that took place in Rio. The creation of the Integrated Center of Command and Control (CICC) is analyzed as a strategy to produce and stabilize relations among agents and institutions that ended up gathering elements of a new military urbanism, a New Public Management, and benchmarking strategies. This arrangement was further consolidated by the Federal military intervention in Rio de Janeiro’s public safety between February and December of 2018. </P>
</TH><TR>
</Table><TH>
<P>Palavras-chave: segurança pública, New Public Management, intervenção federal, tecnologia, Rio de Janeiro </P>
</TH><TD>
</TR><P>Keywords: public security, New Public Management, federal intervention, technology, Rio de Janeiro </P>
</TD><P> </P>
<P> </P>
<P>Introdução </P>
<P> </P>
<P>
<DropCap>
</P><ImageData></ImageData>
E </DropCap><P>ste artigo discute uma cadeia de transformações que vem tendo importante destaque no desenvolvimento das políticas de segurança no Rio de Janeiro. Em torno da construção de um sistema sociotécnico que implicou um imenso investimento material, financeiro e de pessoal, variadas questões foram sendo colocadas e caminhos foram sendo traçados. De 2013 a 2018, período da análise presente, a cidade passou por um ciclo de megaeventos, experimentou uma grande política de ocupação territorial permanente de favelas – denominada oficialmente de “pacificação” –, consolidou-se como um dos principais palcos nacionais das Jornadas de Junho e foi colocada, diversas vezes e em diferentes escalas, sob intervenção federal das Forças Armadas. Em todas essas situações, o planejamento e a execução das operações tiveram como base o que se convencionou chamar de sistema integrado de comando e controle,
<Link>1</Link>
que acabou servindo de matriz para a política de segurança que foi adotada nacionalmente. É a associação entre, de um </P><Endnote>
<P>Notas </P>
<P> </P>
<P> </P>
<P>1 A expressão “comando e controle”, também conhecida como C2, é muitas vezes, na bibliografia internacional e nos folhetos de propaganda das empresas de tecnologia de segurança, atualizada para C3I, C4I, C5IS, em uma tentativa de dar conta das novas tecnologias que vão sendo incorporadas ao sistema. Adotamos neste artigo o termo genérico, em razão de seu uso pelos órgãos federais e estaduais. </P>
<P>2 Agradeço à Faperj, à Capes e à Fundação Ford por, por meio de diferentes formas de ajuda, ter tornado esta pesquisa possível e ter permitido que ela fosse apresentada e discutida. </P>
<P>3 Com o início do governo de Wilson Witzel, em 01/01/2019, a Seseg foi extinta, sendo substituída pelas secretarias da Polícia Civil e da Polícia Militar. </P>
<P>4 Sobre o conceito de governamentalidade, ver Michel Foucault (2008a). </P>
<P>5 “Ponto de passagem obrigatório” é um elemento que logra êxito em se impor como fundamental em uma rede de ação qualquer, com isso colaborando de modo importante para a forma como a ação distribuída ocorrerá (LATOUR, 1988; LAW, 1998). No caso em questão, o comando e controle passa, de modo mais ou menos bem-sucedido e com diferentes efeitos, a dar forma às ações de segurança pública. </P>
<P>6 De modo resumido, o benchmarking pode ser descrito como um método de gerenciamento pela comparação avaliativa e ocorre em quatro etapas: 1) a definição dos indicadores; 2) a fixação de objetivos a atingir para esses indicadores; 3) a definição de um período de referência ao fim do qual os objetivos devem ser alcançados; 4) a organização de encontros nos quais atores se reúnem, se comparam e estabelecem novos objetivos (BRUNO e DIDIER, 2013). </P>
<P>7 New public management é, de modo simplificado, a doutrina e o conjunto de práticas gerenciais que preconizam que o Estado deve ser gerido como se fosse uma empresa, ou seja, a administração pública deve ter por base princípios inspirados na administração de empresas, como a accountability pública e as best practices organizacionais (HOOD, 1995; DARDOT e LAVAL, 2016). </P>
<P>8 De pessoas a computadores, passando por redes sem fio de comunicação, argamassa, cabos e uma ampla gama de objetos, inscrições, saberes e hábitos. </P>
<P>9 Como explica Minas Samatas (2007, 2011), nas Olimpíadas de Atenas, em 2004, o sistema de comando e controle, tido como fundamental para a realização dos Jogos, não ficou pronto a tempo; por isso não funcionava. Além disso, o sistema, de custo bastante elevado e em cujo pagamento houve um caso de propinas envolvendo a empresa alemã Siemens, foi rejeitado pela população local. </P>
<P>10 Os centros de comando e controle têm uma história bem mais longa, que remonta ao contexto da Guerra Fria, mas seu emprego como centro coordenador da segurança dos megaeventos esportivos é fenômeno bem mais recente. </P>
<P>11 Esses dois objetivos que justificariam os investimentos iniciais obviamente se interligam, já que, para que a cidade-sede aproveite a oportunidade do megaevento e consiga se inserir de alguma maneira no circuito de cidades globais que atraem investimentos e negócios de uma forma duradoura, objetivo apresentado para a busca pela realização dos megaeventos pelo urbanismo catalão de Borja e Castells (1996), é imprescindível que sejam construídas formas para garantir a segurança dos atores econômicos em questão, facilitar seu deslocamento ou dar a eles condições excessivamente atrativas de investimentos (evidente nos casos de remoção e gentrificação). Assim, muitas vezes, o legado tem por objetivo principal conferir maior durabilidade ao excepcional momento constituído pela realização do megaevento e a superabundância de fluxos, inclusive econômicos. </P>
lado, essas transformações e, do outro, a implementação e o funcionamento do sistema em questão que será objeto de discussão nas páginas que se seguem. </Endnote><P>A base da discussão é uma pesquisa realizada desde 2013
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cujo objeto principal é um prédio que consiste no principal elemento do sistema sociotécnico gerido localmente pela Secretaria de Estado de Segurança do Rio de Janeiro (Seseg-RJ)
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, o Centro Integrado de Comando e Controle (CICC-RJ). O prédio desempenha papel relevante na constituição não apenas das políticas de segurança, mas também, como será argumentado, na composição do próprio Estado e nas estratégias de governamentalidade
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adotadas. Se o caso em debate é relativo ao Rio de Janeiro, parte das conclusões trazidas pode ser expandida para o cenário nacional, atendo-se às particularidades locais que veremos a seguir. </P><P>Após contextualizar a construção do sistema, associado ao ciclo de megaeventos realizados na cidade, será apresentada, de forma resumida, a argumentação que o apresentava como responsável por operar uma desejada mudança de paradigma na atuação das forças de segurança pública e na própria maneira de pensar essa segurança pública a partir da estrutura de funcionamento em rede e de forma coordenada ou integrada. Juntos, o sistema integrado de comando e controle e a mudança de paradigma constituiriam o principal legado dos megaeventos no campo da segurança, tanto para o Rio de Janeiro quanto para o Brasil. </P>
<P>Em seguida, será analisado o efeito da constituição do sistema sociotécnico em questão como elemento central (ponto de passagem obrigatório)
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de diferentes aspectos da política de segurança, tanto no que tange suas operações de gestão cotidiana da metrópole como quando se instauram situações de exceção, previstas anteriormente ou de irrupção inesperada. Se em relação ao governo da cidade, em sua rotina de atividades que passam pelo centro de atendimento e despacho da polícia militar, prevalece uma lógica de benchmarking
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e de aumento da eficiência baseada em indicadores quantificáveis, no que tange às frequentes situações de exceção, caracterizam-se elementos do novo urbanismo militar (GRAHAM, 2016), que tem como um de seus principais vetores o circuito mundial de megaeventos e sua justificativa imediata na situação de exceção pensada como uma operação de guerra em meio urbano. </P><P>As técnicas de otimização baseadas em inscrições numéricas do benchmarking e o uso sistemático e desproporcional da força que caracteriza o militarismo urbano se encontram na forma de organização em rede inspirada na lógica da administração de empresas, justificada em sua adoção pela forma tácita com que os discursos do new public management
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ganharam importância na gestão pública nos sucessivos e diferentes governos. Muito além da adoção de um discurso, a constituição de um sistema material, sociotécnico, como o discutido aqui, surge como uma estratégia auxiliar na implementação de uma normatividade neoliberal que deveria reestruturar o Estado brasileiro. </P><P>As lógicas da gestão empresarial do Estado e a normatividade neoliberal ganham contornos próprios e levam a configurações específicas quando aplicadas ao complexo campo da segurança pública – ainda mais por envolver, como veremos, múltiplos órgãos públicos e privados cujas relações nem sempre são despidas de tensões e ambiguidades. </P>
<P>Dentre outras questões que surgem nessa composição, destaco aqui aquilo que chamo de um modelo gerencial-militarizado (CARDOSO, 15/07/2016), que combina a tradição autoritária, hierárquica e intervencionista das políticas e instituições de segurança e militares com um modelo de organização inspirado na literatura e em cursos de administração de empresas. Sem querer indicar que o caso aqui analisado se constitua como único, o que lhe confere particular interesse é a forma como evidencia diferentes estratégias em operação da constante reconstrução do Estado em torno de um gigantesco artefato sociotécnico, constituído por uma composição variável de elementos heterogêneos,
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criando, mobilizando e proporcionando, por sua vez, novas estratégias de ação e de gestão do espaço urbano, da população e de sua própria força de trabalho. </P><P>Encerrando o artigo, são apresentados alguns aspectos centrais da intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro, comandada pelo Exército e ocorrida entre fevereiro e dezembro de 2018. A intervenção federal, conforme argumentado, apostou na ampliação e na consolidação tanto do papel do CICC-RJ quanto do modelo gerencial-militar como principal estratégia para lidar com a segurança, apesar dos resultados, de ambos, bem menos convincentes do que aqueles prometidos nesses últimos cinco anos. </P>
<P>Alguns pontos importantes para a argumentação central deste artigo foram desenvolvidos com mais detalhes em outras publicações e serão aqui retomados de forma instrumental, de modo a permitir tanto a apresentação dos variados acontecimentos e fatores ligados ao Sistema Integrado de Comando e Controle (SICC) e ao CICC-RJ, quanto avançar na perspectiva temporal, que cobre os últimos cinco anos, desde o início da pesquisa e do funcionamento do prédio e do sistema. Além da minha própria produção sobre o tema, remeto também com frequência à tese de Dennis Pauschinger (2017) sobre a segurança dos megaeventos no Rio, com um importante trabalho de pesquisa no CICC/RJ durante a Copa do Mundo de 2014. E é exatamente pelos megaeventos que a história aqui contada do sistema integrado de comando e controle tem seu início. </P>
<P> </P>
<P> </P>
<P>O legado dos megaeventos </P>
<P> </P>
<P>Entre 2013 e 2016, a cidade do Rio de Janeiro foi palco único ou principal de quatro dos maiores megaeventos ocorridos no período: a Copa das Confederações da Fifa e a XXVIII Jornada Mundial da Juventude Católica, em 2013, a Copa do Mundo de Futebol, em 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016. Apontada pela literatura especializada como uma estratégia recorrente de desenvolvimento urbano segundo a lógica da cidade-empresa, a realização de megaeventos permitiria atrair investimentos, criar empregos e movimentar a economia local, integrando a cidade a redes globais maiores, sendo então adotada como política pública (BURBANK, ANDRANOVICH e HEYING, 2001; MASCARENHAS, BIENENSTEIN e SÁNCHEZ, 2011). </P>
<P>Embora esses negócios e investimentos se espalhem pelos mais diversos âmbitos da gestão urbana e da política pública local e nacional, no campo da segurança se observou uma mudança significativa de escala desde os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001 (GIULIANOTTI e KLAUSER, 2011). Além do aumento significativo nos gastos e na proporção das despesas com segurança, outra característica importante passa a ser a adoção, desde os Jogos Olímpicos de Atenas,
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em 2004, do modelo que podemos chamar de “comando e controle”
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como principal solução para lidar com as ameaças ligadas à realização dos eventos. Com isso, a indústria e as empresas de tecnologia de segurança tornam-se um pilar central da preparação, assim como da realização das operações de defesa e segurança nos megaeventos, e um importante circuito mercadológico se estabelece em torno disso (BOYLE, 2011). </P><P>Ao lado de ocupações em cenários de guerra ou catástrofe e novas formas de colonização, os megaeventos são apontados por Graham (2016) como um dos principais vetores da expansão e universalização do modelo do novo urbanismo militar, conceito a que retornaremos mais adiante. Assim, juntamente com escolhas relativas aos gastos associados aos eventos, são também definidos caminhos que (re)produzem determinadas formas de se pensar a gestão do território urbano e suas populações, assim como estratégias que assegurem, de qualquer forma, que os eventos ocorram – o que implica invariavelmente o emprego de força desproporcional como forma mais simples de dissuasão. E são firmadas parcerias que ligam o Estado e as forças de defesa e segurança a diversas empresas que, de variadas formas, se inserem no florescente e lucrativo mercado de tecnologias de segurança. Como veremos adiante, esse fator é de grande importância para a argumentação apresentada neste artigo. </P>
<P>Uma característica importante da retórica que move cidades a buscar a realização de megaeventos como estratégia de desenvolvimento urbano é que os gastos bilionários necessários são ressignificados como investimentos. Eles teriam majoritariamente dois objetivos: gerar mais e mais negócios, movimentando, assim, valor significativamente superior ao do investimento inicial, desde que ele fosse bem realizado; e refazer de diversas formas o local onde os eventos ocorrem, por meio de grandes obras, transformações no sistema de transporte ou da modernização e aperfeiçoamento da estrutura e da atuação em segurança, que constituiriam, por fim, suas múltiplas formas de legado.
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</P><P>No caso dos megaeventos realizados no Brasil, desde o desenvolvimento do planejamento estratégico para a segurança,
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foi anunciado que os dois grandes legados securitários a serem deixados pela realização, inicialmente, da Copa do Mundo de 2014,
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seriam a construção simultânea de um sistema integrado de comando e controle nacional e, com ele, de um novo paradigma de atuação das forças de segurança e defesa, marcados pela coordenação ou integração das diferentes agências direta ou indiretamente envolvidas no planejamento e execução das operações. Após a realização dos Jogos, tais discursos continuaram a ser reafirmados, e tanto o sistema integrado de comando e controle quanto a ação coordenada ou integrada foram considerados, apesar das importantes ressalvas, como bem-sucedidos (PAUSCHINGER, 2017). Voltaremos a esse ponto. </P><Endnote>
<P>12 Em outro artigo (CARDOSO, 2013), analisei de forma detalhada o Planejamento Estratégico de Segurança da Copa do Mundo de 2014 e a apresentação dos desafios e legados esperados. </P>
<P>13 Inclui-se também a Copa das Confederações, considerada um evento-teste realizado um ano antes do campeonato mundial, com menos equipes e sedes. Se a Copa das Confederações, por sua menor visibilidade e proporção, costuma ser pensada como um evento menos complicado ou de menor risco, no caso do Brasil foi o momento em que se deram os maiores desafios, por conta das Jornadas de Junho, acontecimento simultâneo e relacionado. Sobre o caso, ver Bruno e Cardoso (2014). </P>
<P>14 Na maior parte das vezes, se espera uma ação mais coordenada do que integrada, já que as agências e instituições permanecem com relativa autonomia e mantêm suas identidades. O sistema, no entanto, teria por característica criar uma linguagem comum, que permitisse que todos as agências se comunicassem de forma integrada, em tempo real e compartilhassem informações relevantes, o que está longe de ser uma tarefa evidente. Por isso, a coordenação e a integração constituem os principais objetivos previstos nessa mudança de paradigma. </P>
<P>15 O termo “agência” era usado pelos próprios operadores do sistema de comando e controle e inclui tanto instituições e órgãos públicos quanto as empresas de tecnologia que montaram o sistema e venderam seus componentes. </P>
<P>16 Em trabalhos anteriores sobre o sistema de videovigilância operado pela Polícia Militar do Rio de Janeiro, chamei esse fenômeno de “sobredeterminação técnica” (CARDOSO, 2010, 2014). </P>
<P>17 Sobre a complexidade envolvida no planejamento e início da construção do sistema integrado de comando e controle, ver Hirata e Cardoso (2016). A ideia de pensar o social como uma associação, constituída pelos mais diversos materiais, que faz com que ação coletiva seja possível, previsível e analisável, tal como apresentada por Latour (2012), é, dessa forma, bastante congruente com a elaboração e as expectativas em torno do sistema integrado de comando e controle. </P>
<P>18 Sobre a experiência pioneira do Centro de Comando e Controle do Rio de Janeiro, ver Cardoso (2014). Para uma discussão mais precisa sobre o modelo de comando e controle e suas variações (C3, C4I, C5IS), ver Cardoso (2013, 2014), Afonso e Santos da Silva (2013) e Walker et al. (2009). </P>
<P>19 Os primeiros começaram a funcionar nas cidades que sediaram jogos da Copa das Confederações e, posteriormente, nas da Copa do Mundo. </P>
<P>20 Uma importante exceção era a equipe de faxina do prédio, sempre muito limpo e bem cuidado. </P>
<P>21 Parte considerável das despesas com sistemas de tecnologia se refere a sua manutenção, atualização, gestão, etc., tarefas que continuam a serem desempenhadas, na maior parte das vezes, pelas empresas que fornecem os equipamentos e os sistemas. </P>
<P>22 Metadados são os dados sobre os dados. Uma ideia importante para entender os efeitos dessa produção constante de dados e metadados em um ambiente laboral é a de “informate”, elaborada por Shoshana Zuboff (1988). Nesse processo, os trabalhos mediados por computador estão sujeitos não apenas a diversas formas de automação mas, principalmente, a uma radicalização da codificação organizacional, com uma textualização constante do ambiente de trabalho, favorecendo, assim, o controle e permitindo modos específicos de intervenção. </P>
<P>23 Sobre centros de cálculo, máquinas e inscrições, ver Latour (2011). </P>
<P>24 Sobre o montante gasto em segurança nos megaeventos, em especial no que tange à tecnologia de informação e comunicação e armamento de baixa letalidade, ver Cardoso (2016). </P>
<P>25 Ver Viana, Salvadori e Simões (31/01/2017) e Barón (20/07/2014). </P>
<P>26 Decretada em 16 de fevereiro de 2018 e aprovada pelo Congresso Nacional quatro dias depois. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/decreto/D9288.htm </P>
<P>27 Do Plano Estratégico da Intervenção Federal na Segurança Pública do Rio de Janeiro: “O Interventor equivale ao Governador do Estado do RJ para todos os assuntos referentes a segurança pública, ou seja, é o governador para esses assuntos, respondendo diretamente ao Presidente da República, conforme estabelece o Decreto No 9. 288 de 2018. (…) Fica também estabelecido nesse nível que a gestão da aplicação dos recursos federais disponibilizados para as ações da intervenção é de competência do Interventor e executado por meio da Secretaria de Administração e Finanças do GIF/RJ” (GIFRJ, 2018). </P>
<P>28 Sobre a intervenção militar, o CICC e o modelo gerencial-militarizado, ver Carolina Grillo (2018). </P>
<P>29 Sobre as execuções policiais registradas como autos de resistência, ver Misse et al. (2013). </P>
<P>30 Disponível em: http://www.forumseguranca.org.br/estatisticas/tableau-ocorrencias/ </P>
<P>31 O nome foi trocado, assim como o nome do cargo que ocupava, a fim de preservar sua identidade. </P>
<P>32 Posteriormente, soube que seu curso foi realizado na Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas (Ebape/FGV) entre 2012 e 2014, ou seja, ainda estava em andamento quando dessa nossa conversa. </P>
</Endnote><P> </P>
<P> </P>
<P>Um paradigma em construção: coordenação e eficiência </P>
<P> </P>
<P>A coordenação e/ou a integração
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do planejamento, da gestão e da ação das diversas agências
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é tarefa, contudo, de grande complexidade. Um primeiro e mais evidente obstáculo no qual nos concentraremos aqui é a estrutura fragmentada da segurança pública do país. Se levarmos em conta apenas as forças policiais, temos, no âmbito estadual, as polícias Civil (judiciária) e Militar (ostensiva) e, na esfera nacional, as polícias Federal e Rodoviária Federal, além da Força Nacional de Segurança. Além disso, estão longe de serem raras as ocasiões em que as Forças Armadas são empregadas na segurança pública em determinadas regiões ou épocas no país. Da mesma forma, em muitas ações em que segurança pública e ordenamento urbano se confundem, os agentes da Guarda Municipal desempenham papel semelhante ao do policial. A fragmentação implica uma série de questões, como a constituição de bancos de dados separados, que, muitas vezes, se desconhecessem ou não se comunicam, a realização de tarefas redundantes, o “represamento” de informações consideradas valiosas ou sensíveis e a disputa institucional por atribuições, recursos e reconhecimento. </P><P>A construção do sistema integrado de comando e controle trazia consigo a promessa, por meio da implementação de infraestrutura tecnológica de informação e comunicação, de uma mudança de paradigma radical e de forma eficiente, tornando-a uma realidade contra a qual os agentes e instituições insatisfeitos não podiam lutar.
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Mais precisamente, seria uma combinação complexa entre arquitetura, documentos, princípios de administração de empresas e, principalmente, tecnologias de informação e comunicação, que teria por efeito organizar e estabilizar as relações entre indivíduos e instituições, estabelecendo assim a coordenação operacional e a integração informacional como seus resultados diretos.
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Desse modo, se a condição de legado do CICC/RJ e sua expansibilidade já se tornam evidentes pela própria materialidade do prédio e de todos os elementos que compõem sua estrutura de tecnologias da informação e comunicação (TICs) – dos computadores e video walls aos softwares que os conectam e permitem a comunicação entre todos os nós da rede –, é como estratégia de construção de uma forma mais racionalizada e eficiente de ação que o modelo de comando e controle tornaria mais evidente sua importância. </P><P>A doutrina de comando e controle, que orientaria os objetivos do sistema, tem origem no meio militar. No Brasil, foi adotada por portaria normativa em 2006 pelo Ministério da Defesa, antes de ser também tomada com modelo normativo por algumas secretarias estaduais de segurança, como a do Rio de Janeiro.
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De forma um tanto simplificada, podemos dizer que o modelo preconiza basicamente a delimitação de uma estrutura bem definida de comando e obediência, caracterizada por sua constituição em uma rede centrada, que pode assimilar outras ou se recompor indefinidamente, variando o centro e mudando a cadeia de acordo com o cenário a ser enfrentado. Assentada sobre a construção de uma infraestrutura tecnológica de informação e comunicação, a doutrina de comando e controle buscaria, ao mesmo tempo, conferir maior capacidade de adaptação aos mais diversos cenários à atuação das forças de segurança e da ordem e solucionar de maneira ótima a complexa e sempre incerta questão sobre como assegurar a autoridade em uma longa rede de ação e fazer com que as ordens sejam cumpridas adequadamente. Se as questões e os objetivos parecem os mesmos apontados por Weber (2003) ao tratar da burocracia e da forma de dominação racional-legal, as táticas para enfrentá-los diferem bastante, embora guardem elementos em comum, como veremos ao tratar das inscrições e do benchmarking. </P><P>A estratégia adotada para a implementação do modelo de comando e controle propõe uma superposição da organização da segurança nos níveis estadual e federal. Assim, o SICC, política nacional de segurança pública que foi o principal pilar securitário dos preparativos e operações nos megaeventos, era composto por uma combinação de centros integrados de comando e controle (CICC) em todas as capitais do país,
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veículos aéreos e terrestres adaptados que garantiam a mobilidade e expansibilidade da ação realizada no prédio, uma infraestrutura de tecnologias de comunicação e informação (softwares e hardwares) e representantes das diferentes agências envolvidas direta ou indiretamente na segurança pública. A interligação entre todos os CICCs era realizada por um sistema de integração operacional e coordenada pelo Centro Integrado de Comando e Controle Nacional, localizado em Brasília. </P><P>O CICC-RJ, cerne da pesquisa realizada e objeto deste artigo, é o maior desses centros construídos em todo o Brasil – e o único que pode funcionar como substituto (backup) do centro nacional como coordenador-geral de todos os outros, uma possibilidade considerada necessária em razão de a cidade ter sido palco da final da Copa do Mundo e das Olimpíadas. É a partir desses centros que devem ser constituídas e comandadas as redes de ação coordenada entre as diferentes agências, constituindo-os então como um ponto de passagem obrigatório. Sua principal função é assegurar que a coordenação e a integração ocorram, mobilizando, para tanto, diversas estratégias. </P>
<P>A primeira e mais simples delas é a reunião, em um mesmo espaço, de representantes das diversas agências implicadas na segurança, assim como a organização desse espaço por andares, de acordo com o cenário a ser enfrentado (rotineiro ou excepcional) e sua gravidade (transforma-se ou não em crise). A repartição dos ocupantes do centro e sua circulação são reguladas por códigos em portas e, majoritariamente, leitores biométricos de digitais. </P>
<P>A distribuição racionalizada das pessoas no ambiente era vista como produtora não apenas de ação coordenada, mas também de relações sociais que teriam uma certa qualidade, em uma concepção que associava a pessoalidade com confiança. A copresença de representantes das diferentes agências e as relações desenvolvidas entre eles durante os momentos em que dividiriam o mesmo espaço ou espaços contíguos seria, no discurso dos elaboradores e gestores, um dos principais trunfos para fazer com que as diferentes agências quisessem colaborar umas com as outras e, com isso, coordenar de modo mais acurado suas ações. Se essa concepção apareceu em diversos discursos ao longo da pesquisa, desde as primeiras entrevistas que antecederam a própria inauguração do prédio, no trabalho de Pauschinger (2017) tornam-se ainda mais consistentes, por terem por base as avaliações reflexivas dos atores que compuseram o CICC durante os megaeventos. </P>
<P>Nesse caso, a ocupação física de um mesmo lugar, nas condições de trabalho intenso em período de excepcionalidade máxima programada, teria sido bem-sucedida em produzir, sem maiores incidentes, uma ação coordenada entre os mais diversos atores. Contudo, as características excepcionais que marcaram o período de realização dos megaeventos não eram representativas das condições de atuação cotidiana, nem eram facilmente reproduzíveis ou viáveis sem que algo de grande monta as justificasse. Esse ponto foi ressaltado em diferentes entrevistas realizadas por Pauschinger com participantes do CICC durante a Copa do Mundo. </P>
<P>Mas o principal trunfo do CICC para a criação da ação coordenada e a transformação de paradigma, que justificava os elevados valores empregados, era a infraestrutura de informação e comunicação, que integrava milhares de câmeras espalhadas pelo espaço urbano e de transportes, os centros de atendimento de chamadas das forças policiais, de emergência e de bombeiros, diversos softwares de análise de dados e produção de informação e, principalmente, os muitos computadores e telas que constituíam o equipamento principal de trabalho da maior parte dos empregados do prédio.
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Essas tecnologias movimentam, como demonstrei anteriormente (CARDOSO, 15/07/2016), a maior parte dos gastos com segurança para os megaeventos, assim como da construção dos CICCs. </P><P>Dessa forma, as empresas que fornecem as tecnologias de segurança são mais do que parceiras imprescindíveis dos órgãos públicos responsáveis pela construção e coordenação tanto dos centros locais quanto do sistema integrado. Como pude argumentar anteriormente (Ibid., 2018), essas empresas não apenas garantem um fluxo contínuo de recursos a serem recebidos
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da administração pública, como também passam a cooperar com o próprio Estado. Partindo da argumentação de que este não é um ente pronto e fixo, mas uma composição de diferentes atores, técnicas, saberes, instrumentos em constante processo de (re)construção (FOUCAULT, 2008a, 2008b), aponto como as empresas de tecnologia de segurança vão se tornando cada vez mais fundamentais na operacionalização das atividades do Estado e, com isso, cada vez mais as conformam a uma lógica de funcionamento empresarial. </P><P>Se, pela hegemonia dos discursos do new public management, a racionalidade empresarial já é referenciada como horizonte de ação a ser buscado, o que consiste em matéria de maior interesse no caso do CICC é que as empresas, ao construírem o desenho dos sistemas de TIC, constroem também programas de ação que passam, de maneiras variadas, a organizar as formas como as ações são executadas e até como os objetivos são perseguidos. Assim, mais do que um discurso ou um princípio gerencial norteador, a partir do design dos sistemas (BADOUARD, MABI e SIRÉ, 2016), uma normatividade neoliberal vai sendo inserida de forma invisível, incorporada em softwares, mapas georreferenciados ou metadados produzidos pelos operadores do sistema enquanto trabalham.
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</P><P>Um bom exemplo de como essa normatividade neoliberal pode ser incorporada em cadeias de ação a partir do desenho dos sistemas tecnológicos é oferecido pelo setor de atendimento e despacho da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro (PMERJ), o Maré Zero, que funciona no segundo andar do CICC e se ocupa da gestão cotidiana da cidade. Por ter sido o primeiro setor a funcionar plenamente no local e, sem dúvida, aquele mais movimentado na rotina diária do prédio, foi o setor onde se pôde ver com clareza em primeiro lugar os efeitos do benchmarking. Por meio do registro das atividades dos despachadores, a partir dos dispositivos de inscrição contidos no software que gere as chamadas recebidas pelo número de emergência da PM – 190) – e distribuídos aos policiais espalhados pelas diferentes áreas da cidade –, são produzidas quantificações temporais que passam então a ser usadas no estabelecimento de metas a serem perseguidas em nome da eficiência. </P>
<P>No artigo em que, junto com Daniel Hirata (CARDOSO e HIRATA, 2017), tratei desse exemplo de forma mais detida, argumento que a pressão dos superiores pela redução do tempo de despacho, além de passar a definir os objetivos baseados em critérios de eficiência transpostos da administração de empresas, serve para justificar o próprio funcionamento do CICC, que mobiliza custos bastante significativos em uma combalida economia fluminense dos anos pós-olímpicos. Como os grandes centros de cálculo, o CICC é composto por uma multiplicidade de máquinas de produzir inscrições sobre sua própria atividade, dispostas em um sistema que as organiza, distribui e armazena.da administração de empresas, serve para justificar o próprio funcionamento do CICC, que mobiliza custos bastante significativos em uma combalida economia fluminense dos anos pós-olímpicos. Como os grandes centros de cálculo, o CICC é composto por uma multiplicidade de máquinas de produzir inscrições sobre sua própria atividade, dispostas em um sistema que as organiza, distribui e armazena.da administração de empresas, serve para justificar o próprio funcionamento do CICC, que mobiliza custos bastante significativos em uma combalida economia fluminense dos anos pós-olímpicos. Como os grandes centros de cálculo, o CICC é composto por uma multiplicidade de máquinas de produzir inscrições sobre sua própria atividade, dispostas em um sistema que as organiza, distribui e armazena.</P>
<P> </P>
<P> </P>
<P>Espetáculo da segurança: o urbanismo militar à brasileira </P>
<P> </P>
<P>Contudo, o papel desempenhado pelo CICC em situações excepcionais ou não rotineiras era bastante mais proeminente. Seja durante manifestações e protestos, nas incursões policiais de invasão ou ocupação em favelas ou nos períodos de megaeventos, era sempre do prédio que as operações eram planejadas e acompanhadas. Além disso, seu auditório se tornou o espaço oficial das entrevistas coletivas sobre tais operações. Em todas as situações descritas, a atuação das forças de segurança tem se caracterizado pelo emprego em larga escala de recursos bélicos e estratégia de ação inspiradas em operações de guerra. </P>
<P>Além da adoção de uma estrutura cada vez mais militarizada de ação e de abordagem das questões de segurança, a consolidação do sistema integrado de comando e controle como central no planejamento e execução das operações securitárias tem por efeito reproduzir essa forma de ação em todos os cenários possíveis. Reforça, inclusive, uma de suas características mais marcantes, a espetacularização das ações, devido ao grande e variado contingente que pode ser mobilizado e coordenado a partir da rede de tecnologias de informação e comunicação operada pelas diferentes agências envolvidas e aos elevados investimentos em aparato de segurança por conta da realização dos megaeventos.
<Link>24</Link>
</P><P>As operações de segurança durante a Copa das Confederações, a Copa do Mundo e as Olimpíadas são exemplares disso. Foram observados, nas ocasiões, o uso de helicópteros no acompanhamento de manifestações ou delegações, a multiplicação de barreiras físicas para direcionar fluxos de pedestres ou veículos, a mobilização de contingentes importantes e fortemente armados de agentes de segurança, o isolamento de perímetros de segurança e, quando necessário, o uso em grande escala de armamentos de baixa letalidade, como foi no caso principalmente do primeiro desses eventos. </P>
<P>Durante a realização dos megaeventos, a ideia predominante foi a da construção de uma “fortaleza” (PAUSCHINGER, 2017) que englobasse todas as “áreas de interesse”, ou seja, os principais pontos de visitação e alojamento de turistas, as áreas de competição e as vias de deslocamento de espectadores e/ou delegações. Essas estratégias foram sendo aprendidas, elaboradas e postas em funcionamento ao longo do ciclo. Os acontecimentos das Jornadas de Junho repercutiram nas formas de preparação para os eventos maiores subsequentes, a Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016, que utilizaram estratégias como o isolamento de maiores perímetros de segurança, o monitoramento de redes sociais, o uso de agentes infiltrados junto às organizações e coletivos de manifestantes e a polêmica prisão preventiva de 23 ativistas nas vésperas da final da Copa do Mundo.
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O know-how para encerrar protestos e manifestações, nesse sentido, certamente foi um dos principais legados de segurança desses eventos e talvez um dos mais deletérios para a produção de um espaço urbano democrático. Esse fato pôde ser confirmado por falas colhidas do campo e por entrevistas com gestores do sistema integrado de comando e controle realizadas tanto por mim quanto por Pauschinger (2017). </P><P>Com a intervenção federal – na prática, uma intervenção do Exército – na segurança pública do estado do Rio de Janeiro,
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o CICC, junto ao prédio principal do Exército no Rio, o Comando Militar do Leste, tornou-se o QG da cúpula de generais que passou a gerir parte substantiva do estado, comandando o aparato policial e de inteligência, além de importantes recursos materiais e uma parcela substantiva do orçamento estadual.
<Link>27</Link>
</P><P>Ficou, assim, ainda mais evidente a forma de pensar o espaço da cidade como um território de guerra,
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frequentemente produzindo situações de violações graves de liberdades fundamentais e de atentados contra a vida de moradores de favelas. Como aponta Graham, </P><P> </P>
<P>o novo urbanismo militar tem sido a oficina de fundição das novas tecnologias de controle. Depois da Segunda Guerra Mundial, uma miríade de estratégias militares conhecidas como C3I – comando, controle, comunicação e informação – dominou a abordagem das Forças Armadas relativa ao combate de guerra e à dissuasão estratégica, além de ter colonizado as minúcias da vida urbana em modernização, em especial nas nações do Ocidente. “Nenhuma parte do mundo se manteve intocada pela C3I”, escreve Ryan Bishop (2004, p. 61). “E ela delineia os sistemas organizacionais, econômicos e tecnológicos que derivam das estratégias militares, dependem delas e as perpetuam” (GRAHAM, 2016, p. 126-127). </P>
<P> </P>
<P>Um fator que agrava os efeitos da militarização da segurança são as taxas já historicamente elevadas de letalidade nas ações policiais do Rio de Janeiro. Em 2016, no estado do Rio de Janeiro, ocorreram 6.262 mortes violentas intencionais, em uma taxa de quase 38 a cada 100 mil habitantes. Já a taxa de “mortes decorrentes de intervenções de policiais civis e militares em serviço e fora de serviço” foi a 5,6 para cada 100 mil habitantes, muito superior à já elevada taxa nacional de 2 para cada 100 mil habitantes.</P>
<P>De 2013 a 2016, os três primeiros anos do CICC, as mortes violentas intencionais passaram de 32,7 a 37,6 para cada 100 mil habitantes; as mortes decorrentes de ação policial, de 2,6 a 5,6 para cada 100 mil.
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Se, de forma alguma, podemos relacionar diretamente esse aumento ao funcionamento do CICC, o fato é que, se este teve efeito positivo sobre a gestão da cidade ou levou a alguma mudança de paradigma, eles não puderam ser sentidos nas taxas de homicídio e de violência policial. </P><P> </P>
<P> </P>
<P>Coronel Jonas. Ou: Formando o gestor em segurança pública </P>
<P> </P>
<P>O quadro até aqui traçado mostra a conexão intrínseca entre duas lógicas aparentemente diversas mas que se cruzam como princípios estruturantes do CICC: o urbanismo militar autoritário e o benchmarking se fortalecem na composição de um Estado que está sempre se reconstituindo, em constante mudança de forma e estratégias, e agregando sempre novos atores. Vejamos a seguir como essa situação torna-se mais clara a partir da fala, colhida em trabalho de campo, de um coronel da PMERJ que é uma personagem central do centro e da sua própria apresentação profissional, posteriormente pesquisada em uma conhecida rede social voltada para divulgação de vagas de trabalho. </P>
<P>Logo que iniciei oficialmente a pesquisa, em março de 2013, entrevistei e fui entrevistado pelo coronel Jonas,
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que era o chefe da equipe responsável por montar o CICC. Quando, usando seu computador, me explicou o que seria o CICC (o prédio foi inaugurado três meses depois), ele utilizou uma apresentação de slides na qual as diferentes etapas de construção do sistema, ambientes do prédio, objetivos buscados e resultados esperados eram interpretados em comparação com as formas de organização de uma empresa, em uma economia informatizada e em rede. Ao longo da apresentação, ao falar sobre gestão de empresas, ele disse, como se tentasse dissipar alguma desconfiança minha e sem interromper a explicação, que “estudava aquilo, sabia do que estava falando”. </P><P>Aproximadamente seis meses depois, em outubro de 2013, em uma visita de campo ao CICC, enquanto caminhávamos pelo prédio conversando sobre minha pregressa tese de doutorado, o coronel Jonas diz, de forma aparentemente despretensiosa: </P>
<P> </P>
<P>– Considero que tive sorte, porque a PM me mandou... bom, eu consegui... me mandou pra fazer um MBA na Fundação Getúlio Vargas em gestão pública e de empresa.
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Um curso muito bom mesmo, top. O pessoal, até, da turma antes da minha na PM estava indo pra um curso lá na UFF [Universidade Federal Fluminense], de especialização, de antropologia, direitos humanos... Sei que é importante, mas nada a ver... Então você vê que eu faço formação nisso aqui; por isso também fui escolhido para montar isso aqui. </P><P> </P>
<P>No resumo de seu perfil em uma rede social profissional, já em 2018, aposentado da PM, Jonas reforça um perfil que remete, a partir das categorias escolhidas e das competências apresentadas, ao new public management e ao benchmarking, como pode ser observado abaixo. </P>
<P> </P>
<P>Gestor de equipes de alta performance em segurança pública, gestão administrativa com ênfase e experiência na gestão pública. Criação de equipes de trabalho com base na gestão participativa. Estabelecimento de relações profissionais que permitam elaborar trabalhos com base na gestão por competências. Elaboração de metas de trabalho que levem à excelência na prestação do serviço ao qual a equipe se destina.
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</P><Endnote>
<P>33 Alguns termos foram ligeiramente modificados, no intuito de dificultar o rastreamento – e a consequente desanonimização – do perfil por meio dos mecanismos de busca pela Internet. Os termos essenciais, contudo, foram mantidos. </P>
<P>34 Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas. </P>
<P>35 Disponível em: https://ebape.fgv.br/noticias/ex-aluno-do-mestrado-executivo-assumira-o-comando-geral-da-policia-militar-do-rio </P>
<P>36 Sobre as expressões citadas, ver Hood (1995) e Dardot e Laval (2016). </P>
<P>37 Sobre a aplicação de choques de gestão baseados no modelo neoliberal em contexto de intervenção armada ou ocupação territorial forçada, ver Klein (2008). </P>
<P>38 Disponível em: http://www.portalse.eb.mil.br/index.php/megp-eb </P>
<P>39 Disponível em: http://www.portalse.eb.mil.br/images/stories/fotos2008/set/SE-OM_Set_2008_4_.pdf </P>
<P>40 Disponível em: http://www.portalse.eb.mil.br/images/stories/fotos2012/PortSE-EB%201266.pdf </P>
<P>41 Ver Akrich (1993, 1998) e Latour (1991). </P>
</Endnote><P> </P>
<P>Seu caso não era único. Outros coronéis da PM que trabalhavam no CICC, como soube em conversas posteriores, também haviam realizado pós-graduações na Ebape
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da Fundação Getúlio Vargas, o que foi possibilitado por um acordo de concessão de bolsas de estudo entre a universidade e a PMERJ. No final de 2014, ainda no decorrer da pesquisa, o nomeado comandante-geral da Polícia Militar era, ele próprio, ex-aluno de mestrado executivo em Gestão Empresarial
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na mesma escola da FGV, tendo sido também comandante do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope), força especial da Polícia Militar. Também essa trajetória e a combinação FGV-Bobe é um exemplo bastante significativo do que chamo de lógica gerencial-militarizada, que passou a ser dominante no discurso e nas práticas da segurança pública no Rio de Janeiro. </P><P>Conforme anteriormente argumentado, as pessoas, os saberes, os instrumentos, os documentos, as técnicas e os objetos mobilizados no CICC vão constituindo novas formas o Estado, essa realidade compósita em constante (re)construção que, para existir em seus efeitos práticos, depende de todos esses elementos, organizados em rede. Sendo um ponto de passagem obrigatório na segurança pública – e a segurança é uma das principais atribuições estatais –, o CICC vai dando forma às ações do Estado nesse campo, o que significa dar forma ao próprio Estado. Uma forma que tem se caracterizado como uma combinação entre o novo urbanismo militar das intervenções, dos megaeventos, da criminalização dos protestos, e o new public management, do benchmarking, da “gestão de equipes de alta performance”, “da gestão por competências”, “das metas que levem à excelência na prestação do serviço”militar das intervenções, dos megaeventos, da criminalização dos protestos, e o new public management, do benchmarking, da “gestão de equipes de alta performance”, “da gestão por competências”, “das metas que levem à excelência na prestação do serviço”militar das intervenções, dos megaeventos, da criminalização dos protestos, e o new public management, do benchmarking, da “gestão de equipes de alta performance”, “da gestão por competências”, “das metas que levem à excelência na prestação do serviço”</P>
<P> </P>
<P> </P>
<P>A intervenção federal e a consolidação do modelo gerencial-militar </P>
<P> </P>
<P>Desde a inauguração do CICC, em 31 de maio de 2013, as taxas de mortes violentas e de mortes provocadas pela polícia têm apresentado crescimento considerável no Rio de Janeiro, como mostramos anteriormente. As forças de segurança locais – para alguns completamente fora de controle no início de 2018 (ROSA, 17/02/2018) – sofreram intervenção do Exército, que decidiu assumir, ele mesmo, a coordenação local do sistema integrado de comando e controle (GRILLO, 2018). Se, obviamente, não devemos atribuir nem a alta da criminalidade nem a crise na gestão local da segurança ao CICC, ao menos podemos afirmar que seus principais objetivos – produzir um espaço urbano mais seguro e construir um novo paradigma de ação (coordenada) entre as diferentes forças públicas e privadas responsáveis pela segurança – estiveram bem longe de serem cumpridos. </P>
<P>Embora não caiba nos objetivos deste artigo analisar a intervenção federal de 2018 na segurança do Rio de Janeiro, vale ressaltar que um dos principais pontos levantados pelo Planejamento Estratégico (GIFRJ, 2018) é a renovação da infraestrutura de TIC do CICC, como podemos ver na Tabela 1: </P>
<P> </P>
<Table>
<TR>
<TH>
</TR><P>Tabela 1: Plano Estratégico GIFRJ </P>
<P> </P>
</TH><TR>
</Table><TH>
</TR><P>Fonte: Gabinete de Intervenção Federal na Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro (GIFRJ) (2018, p. 33). </P>
</TH><Figure>
<ImageData></ImageData>
</Figure><P> </P>
<P>Dessa forma, o aparente fracasso do CICC em promover uma cidade mais segura e uma maior integração/coordenação entre as diversas forças de segurança e defesa tem como resposta quase imediata o reforço do modelo e o aumento das despesas na modernização do próprio sistema, criado há menos de cinco anos e apresentado como uma “modernização tecnológica” de ponta (CARDOSO, 2013; HIRATA e CARDOSO, 2016; PAUSCHINGER, 2017). O tom geral empregado ao longo das 82 páginas do planejamento estratégico é marcadamente gerencial-militar, e nele o papel tanto do CICC quanto da doutrina de comando e controle são centrais, assim como as expectativas de integração/coordenação e os princípios das melhores práticas, do new public management. Talvez uma explicação para esse tom, e que oferece importantes indícios da penetração do modelo gerencial-militar na segurança pública e, consequentemente, no Estado, seja a apresentação, feita no Plano Estratégico, da metodologia adotada: </P>
<P> </P>
<P>A metodologia aplicada na elaboração deste plano tem como base o Modelo de Excelência na Gestão Pública do Exército Brasileiro (MEGP-EB) adaptado e customizado ao caráter extraordinário da Intervenção Federal na área da segurança pública do Estado do Rio de Janeiro
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(GIFRJ, 2018, p. 11). </P><P> </P>
<P>O MEGP-EB começou a ser elaborado em 2007 e contou nesse processo com a participação de representantes de empresas, órgãos e institutos públicos, e também de entidades como o Movimento Brasil Competitivo (MBC) e o Fórum dos Programas Estaduais de Qualidade e Competitividade.
<Link>38</Link>
Juntamente com o Sistema de Excelência na Organização Militar (SE-OM),
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faz parte de um esforço de adequação do Exército às necessidades surgidas de sua transformação, como argumenta a portaria emitida pelo seu comandante em setembro de 2015,
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adotando oficialmente tanto a SE-OM quanto a MEGP-EB como diretrizes institucionais obrigatórias. </P><P> </P>
<P>As Ferramentas de Gestão do Sistema de Excelência no Exército Brasileiro (SE-EB) possuem um inter-relacionamento, necessário ao resultado que se busca obter com a utilização das mesmas. </P>
<P>Tudo começa na Auto-Avaliação, onde por intermédio de um processo consagrado e de uso internacional, 08 (oito) Critérios de Excelência são verificados com base no novo Modelo de Excelência na Gestão Pública customizado para o Exército Brasileiro (MEGP-EB). </P>
<P>O resultado desta Auto-Avaliação, após a sua Validação por uma equipe externa a Organização Militar (OM), é registrado em um Relatório que apontará de forma direta os Pontos Fortes (PF) e as Oportunidades de Inovação e Melhoria (OIM) da OM. A análise e priorização adequada dos dados resultantes da Auto-Avaliação produzem informações relevantes para o Plano de Gestão da OM e para os seus processos críticos. </P>
<P>Após a execução dos respectivos Planos de Ação, de forma a conduzir as ações da OM alinhadas com a sua Missão, Visão de Futuro e Objetivos Estratégicos Organizacionais, se faz necessário a utilização de um Sistema de Medição de Desempenho Organizacional (SMDO-BSC) para prover a análise crítica necessária à integração das ferramentas (PORTAL SE-EB, 22/05/2015). </P>
<P>A apresentação do MEGP-EB, reproduzida acima e copiada do site do Exército, não deixa dúvidas quanto à influência dos princípios e técnicas da gestão de empresas nessa readequação institucional, estabilizando em documentos – modelos, planos estratégicos, portarias – a lógica gerencial-militarista como base de atuação estatal. </P>
<P> </P>
<P> </P>
<P>Conclusão </P>
<P> </P>
<P>Neste artigo, foi retomado um percurso de pesquisa de cinco anos, iniciado oficialmente em março de 2013, três meses antes das Jornadas de Junho, e concluído nos primeiros meses da intervenção federal, em 2018. O acompanhamento das atividades, planos e estratégias que se travavam em torno de um prédio, tornado elemento central na segurança pública estadual, foi o cerne dessa pesquisa. </P>
<P>Nesse tempo, muita coisa mudou. Mudou, em primeiro lugar, o clima político no país. Se parecia difícil imaginar, no início de 2013, a irrupção de violentos conflitos em manifestações de massa nas principais cidades do país alguns meses depois, outros acontecimentos posteriores se mostravam ainda mais imprevisíveis. Nesses cinco anos: a presidente eleita foi derrubada pelo Congresso, acusada de um crime que poucos conseguem explicar, assumindo em seu lugar o grupo político antagonista, que se associou ao vice para derrubá-la por meio da orquestração de um dos políticos mais corruptos do país, preso pouco tempo depois; seis meses antes das eleições gerais, o líder em todas as pesquisas – e político mais popular do país – foi preso por conta de um processo em um trâmite muito criticado nacional e internacionalmente, sendo tornado inelegível; foi eleito presidente um antigo capitão do Exército, com notórias manifestações de louvor à ditadura militar e seus piores torturadores, que prega uma radicalização do modelo gerencial-militarizado, juntando um ultraliberalismo com a defesa do direito irrestrito de execuções por policiais e militares, com sua plena irresponsabilização. </P>
<P>Desde o início da pesquisa, o Brasil mergulhou em uma crise política que só se agrava, tendo como um de seus efeitos o recrudescimento de discursos que mesclam conservadorismo moral com o apelo a soluções cada vez mais violentas para os conflitos e a criminalidade. No momento em que este artigo passa por sua última revisão, se discute um “pacote anticrime” proposto pelo ministro da Segurança Pública que prega endurecimento punitivista, alvo de muitas acusações de inconstitucionalidade. Ministro, este, que acusou, julgou e condenou o ex-presidente preso e foi nomeado pelo ex-capitão, tornado presidente graças a essa condenação. </P>
<P>Mudou também muita coisa no que tange às expectativas. Da euforia que antecedia o início do ciclo de megaeventos no Rio de Janeiro, passamos à crise financeira e de segurança pública que se estabeleceu a partir de 2016, com a suspensão do pagamento do funcionalismo, o aumento nos índices de violência e de desemprego. O governador que criou o CICC e se apresentava como um dos políticos mais promissores do país caiu em desgraça, se afastou da vida política e foi preso – e, ao que indicam os julgamentos iniciais, continuará assim por ainda bastante tempo. Seu sucessor, que havia sido vice-governador, foi encarcerado antes do fim de seu mandato. Como resultado das eleições, assumiu o governo do estado um ex-juiz do Espírito Santo, que, ao longo da surpreendente campanha, se notabilizou por insultar a memória da vereadora assassinada Marielle Franco e por apresentar o aumento da letalidade policial como principal proposta para a segurança pública. </P>
<P>Muita coisa também aconteceu. As Jornadas de Junho, a Copa das Confederações, a Jornada Mundial da Juventude, a Copa do Mundo, os Jogos Olímpicos – todos esses megaeventos fizeram com que uma prosperidade não sustentável fosse criada, com que a cidade tenha passado por um processo muitas vezes violento de gentrificação e tenha conhecido diferentes fluxos migratórios. Somando-se a essas mudanças, que em muitos aspectos tornaram mais dura a vida na cidade, uma nova fase de expansão das milícias complexifica ainda mais o cenário. </P>
<P>Durante esse tempo, em paralelo a essas e outras mudanças também muito significativas, foi se consolidando, por meio de diversas estratégias, o modelo a que chamei de gerencial-militarizado como forma por excelência de planejamento de ações de segurança do Rio de Janeiro. Seja por documentos, doutrinas, cursos e agentes ou, principalmente, a partir da construção de uma rede sociotécnica – o sistema integrado de comando e controle – que tem por centro um prédio – o CICC –, pensado como um ponto de passagem obrigatório para a ação das forças de segurança, vai sendo construída uma arquitetura de funcionamento gerencial-militarizado do Estado. </P>
<P>Se pensarmos nos principais objetivos do sistema integrado, a produção de uma cidade mais segura e a maior integração/coordenação das forças de segurança, a conclusão inevitável parece ser a de que, no período pesquisado pelo menos, ele não funcionou, ou se mostrou bastante ineficiente. Contudo, essa conclusão mascara um dos aspectos mais importantes a serem retidos: mesmo não cumprindo os objetivos declarados, prometidos ou inicialmente esperados, o sistema integrado de comando e controle e o CICC produzem efeitos sobre a cidade, sobre a segurança e, de modo ainda mais significativo, conforme argumento, sobre o próprio Estado. Assim, o modelo gerencial-militarizado que serve de princípio para as forças de segurança locais e também para as da intervenção federal certamente não funciona de acordo com o previsto nos slides, planilhas e documentos que servem para sempre (re)planejá-lo e apresentá-lo como a mais eficiente de todas as soluções. </P>
<P> A apropriação pelos agentes e pelas instituições, como estes lidam com as dificuldades técnicas e os demais desafios que envolvem o funcionamento de uma rede sociotécnica, quase sempre faz com que o modelo ideal sofra transformações em relação à prática, como bem documentou a sociologia da tecnologia.
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No caso em questão, o risco maior são os tipos de práticas gerencial-militaristas potencialmente produzidos em um contexto sociopolítico que, meia década após a criação do sistema, experimenta fortes rajadas de autoritarismo que, de forma constante, cada vez mais ameaçam condições e direitos básicos de uma democracia. </P><P> </P>
<H1>Referências </H1>
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<P> </P>
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<Link>https://policyreview.info/articles/analysis/beyond-points-control-logics-digital-governmentality</Link>
</P><P>BARÓN, Francho. A ordem de prisão de 23 ativistas no Rio desata uma polêmica. El País, Brasil, 20 jul. 2014. Disponível em:
<Link>https://brasil.elpais.com/brasil/2014/07/20/politica/1405810378_758119.html</Link>
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<P>Recebido em: 15/02/2019 Aprovado em: 21/02/2019 </P>
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