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<P>Os limites da apropriação de um léxico migratório internacional no Brasil </P>
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<H1>Guilherme Mansur Dias </H1>
<H1>Pesquisador independente </H1>
<H1>Rosa Vieira </H1>
<P>Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil </P>
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<TR>
<TH>
<P>O artigo analisa a apropriação de arcabouço normativo e conceitual internacional durante o ingresso de haitianos no Brasil entre 2010-2014. Discutimos ambiguidades e dificuldades em sua implementação, buscando contribuir com crítica epistemológica, tanto efetiva quanto potencial, do momento de redesenho político e institucional no país com impacto na agenda migratória. Argumentamos que os conceitos disponíveis limitam o horizonte da linguagem, fazendo-nos reproduzir categorias de gestão e controle, e constituem universo a ser disputado nas lutas pelo redimensionamento da mobilidade humana para além de uma lógica estritamente humanitária ou criminal. </P>
</TH>
<TH>
<P>Limitations of the Appropriation of an International Migration Lexicon in Brazil analyzes the appropriation of an international normative and conceptual framework and the ambiguities of its implementation during the migration flow of Haitians to Brazil (2010–2014). We aim to contribute with an epistemological reflection about this framework in a moment of political and institutional changes with impact on migration policymaking. We suggest that the available concepts limit the horizon of language, leading us to reproduce terminologies of management and control. These concepts must be contested in order to reconceptualize the understanding of human mobility beyond a strictly humanitarian or criminal approach. </P>
</TH>
</TR>
<TR>
<TH>
<P>Palavras-chave: governança migratória, migração haitiana, refúgio, tráfico de pessoas, Brasil </P>
</TH>
<TD>
<P>Keywords: migration governance, Haitian migration, asylum, human trafficking, Brazil </P>
</TD>
</TR>
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<P>Introdução </P>
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N </DropCap>
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<P>este artigo, discutimos a incorporação e reprodução de determinadas categorias e discursos afetos ao governo contemporâneo das circulações de pessoas,
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analisando o modo como certo léxico migratório internacional foi mobilizado durante os ingressos de pessoas do Haiti no Brasil entre 2010 e 2014. Tal situação é utilizada como janela para descrevermos algumas tensões derivadas da incorporação e apropriação de noções relacionadas aos deslocamentos humanos (refúgio, humanitário e tráfico de pessoas). Sugerimos que se, por um lado, os conceitos disponíveis limitam o horizonte da linguagem, nos fazendo reproduzir na reflexão acadêmica categorias centrais de gestão e controle, por outro, constituem um universo a ser disputado nas lutas pelo redimensionamento da mobilidade humana para além de uma lógica estritamente humanitária ou criminal. </P>
<Endnote>
<P>dispositivos de segurança” (FOUCAULT, 2008, p. 149). A referência ao governo das circulações de pessoas diz respeito às diferentes agências locais, nacionais e internacionais, com pesos e escalas distintos, que participam direta e indiretamente na produção – por meio de estatísticas, análises, manuais, tratados, acordos – de uma “população migrante” a ser gerida e governada. Esse conjunto de atuações tem sido nomeado em políticas públicas e análises acadêmicas “governança migratória” (migration governance), conceito que será discutido na primeira parte deste texto. </P>
<P>2 A pesquisa de Dias (2014) investigou a articulação entre migração e segurança, concentrando-se na reprodução de políticas internacionais de enfrentamento ao tráfico de pessoas. Sua etnografia foi realizada nas cidades de Brasília e Viena, entre 2010 e 2013, por meio do acompanhamento dos discursos e das práticas de uma série de atores institucionais (internacionais, governamentais e não governamentais) responsáveis pela implementação da agenda antitráfico. O estudo de Vieira (2014, 2016, 2017) se baseou em um trabalho de campo realizado no Conselho Nacional de Imigração (CNIg/MTE) e no Instituto de Migrações e Direitos Humanos (IMDH) em junho e agosto de 2013. Nesse período, a pesquisadora fez uma série de entrevistas com representantes de agências que lidam com migrantes no Brasil e acompanhou reuniões institucionais. Foi possível reunir documentos variados disponibilizados por essas agências ou provenientes de arquivos pessoais de representantes entrevistados. </P>
<P>3 Segundo Geertz (1978, p. 33), “é justamente com essa espécie de material produzido por um trabalho de campo quase obsessivo de peneiramento, a longo prazo, principalmente (embora não exclusivamente) qualitativo, altamente participante e realizado em contextos confinados, que os megaconceitos com os quais se aflige a ciência social contemporânea – modernização, integração, conflito, carisma, estrutura... significado – podem adquirir toda a espécie de atualidade sensível que possibilita pensar não apenas realista e concretamente sobre eles, mas, o que é mais importante, criativa e imaginativamente com eles”. </P>
<P>4 Nos referimos a ambiguidades propositais porque consideramos que a ambiguidade é constitutiva dessa agenda internacional migratória, na qual discursos securitários e de controle convivem com princípios humanitários. </P>
<P>5 No caso dos Programas para Trabalhadores Temporários, trata-se de iniciativas altamente seletivas e baseadas na produção subjetiva de migrantes empreendedores e responsáveis. Os mais celebrados dentre eles costumam ser o canadense e o australiano, embora também ocorram nos EUA (DIAS, 2013). Tais programas incentivam a criação de uma categoria de não-cidadãos nos contextos em que são implementados e usualmente vinculam a regularidade migratória dos trabalhadores à anuência do empregador (DIAS, 2007; PICHÉ, 2012; MAHDAVI, 2011). Já os Programas de Retorno Voluntário encobrem a complexidade de questões afetas à reunificação familiar e à adaptação dos migrantes à sociedade receptora. Além disso, não se pode ignorar seu papel na conformação de uma nova racionalidade de deportação, que apela ao incentivo econômico e à individualização das estratégias de administração da pobreza e do crime (ANDRIJASEVIC e WALTERS, 2010, p. 994). </P>
<P>6 Para John Torpey (2006), o incremento da centralidade da “vítima” na política contemporânea relaciona-se a um conjunto de transformações, dentre as quais figuram as políticas de reparação, a ascensão do pensamento de direitos humanos – com a consequente emergência de subgrupos e indivíduos como sujeitos de direito internacional – e a “juridificação” da política de maneira geral. “Nas últimas três décadas, houve um retorno notável da vítima ao centro das discussões nas políticas de justiça criminal. O novo imperativo político é que as vítimas devem ser protegidas, suas vozes ouvidas, sua memória honrada, sua raiva expressa e seus medos revelados” (TORPEY, 2006, pp. 16-17). Tradução livre dos autores. </P>
<P>7 Essa nova legislação foi aprovada em 2017 por meio da lei nº 13.445/2017. Tal aprovação deveu-se às pressões da sociedade civil e respondeu à arbitrariedade e inadequação do antigo instrumento jurídico em vigor (Estatuto Estrangeiro de 1980), construído no período de ditadura civil-militar. O antigo Estatuto do Estrangeiro era visivelmente discriminatório e contrário tanto aos valores da Constituição Federal de 1988 quanto às normas internacionais de direitos humanos ratificadas pelo Brasil. </P>
<P>8 Rosa Vieira (2014, 2016) trabalha o ingresso de haitianos no Brasil a partir da ideia da construção de um “problema de governo”. Ela sugere que as práticas de diferentes agências contribuíram para desenhar os haitianos como uma população objeto de governo, conduzindo a esforços de intervenção para gerir essa nova mobilidade. </P>
<P>9 À época, a gestão migratória brasileira era operada, no nível federal, por três ministérios: Ministério da Justiça (MJ), Ministério das Relações Exteriores (MRE) e Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), com diferentes estruturas e departamentos internos, como o Conselho Nacional de Imigração (CNIg/MTE) e o Comitê Nacional para Refugiados (Conare/MJ). </P>
<P>10 A RN 97/2012 dispõe sobre a concessão do visto permanente a nacionais do Haiti, com base no art. 16 do Estatuto do Estrangeiro então em vigor (lei nº 6.815/1980), que deveriam ser requeridos em Porto Príncipe (Haiti). Havia um limite de concessão de cem vistos por mês, que foi repensado por conta da alta demanda e pela continuidade dos ingressos via terrestre pela Região Norte. </P>
<P>11 Naquele momento ainda estava em vigência o Estatuto do Estrangeiro (lei nº 6815/80). Conferir nota 7. </P>
<P>12 Antes de considerar que os circuitos de pessoas desafiam o “Estado-nação”, o caso dos haitianos no país é uma janela para notar como as migrações são um dos principais objetos da governamentalidade moderna (FASSIN, 2011). </P>
<P>13 Entrevista realizada em junho de 2013 por Rosa Vieira (2014, p. 54). </P>
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<P>Notas </P>
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<P>1 O uso do termo “governo” aqui baseia-se na concepção de governo de Foucault (2008), que tem relação com o conjunto de técnicas e procedimentos para a conduta dos viventes, e especificamente na sua discussão sobre governamentalidade, que seria o governo de uma população: “conjunto constituído pelas instituições, os procedimentos, análises e reflexões, os cálculos e as táticas que permitem exercer essa forma bem específica, embora muito complexa, de poder que tem por alvo principal a população, por principal forma de saber a economia política e por instrumento técnico essencial os </P>
</Endnote>
<P>Tal arcabouço conceitual, constituído pouco a pouco desde o fim da Segunda Guerra Mundial, parece atualmente se desfazer a passos acelerados ou ser operado para fins distintos das intenções iniciais e disputas que lhe deram origem. “A era do humanismo está terminando”, alertou Achille Mbembe (24/01/2017), afirmação coerente e sensata também para pensar o Brasil do final de 2018. Escrevemos este texto em um tempo obscuro – “dark times” (BROWN, 2005). Uma preocupação ética e política que nos orienta diz respeito às implicações da utilização de determinado léxico migratório no horizonte da crítica acadêmica e política, que pode ser tanto efetiva quanto potencial. </P>
<P>Nossa contribuição tem como base o diálogo entre duas etnografias realizadas em contextos e períodos distintos,
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mas que se mostram complementares ao permitirem descrever como os “megaconceitos” (GEERTZ, 1978)
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de uma agenda migratória internacional “acontecem” em situações concretas relacionadas à gestão dos circuitos. </P>
<P>Inicialmente, discutiremos a noção de governança migratória, que vem sendo utilizada de maneira hegemônica no âmbito das políticas migratórias contemporâneas. Nosso intuito é apontar as nuances, relacionadas às imbricações entre humanitário e securitário, de um arcabouço normativo e conceitual na área migratória reproduzido por meio de tratados, convenções, conferências, projetos e outras iniciativas de cooperação internacional. Em seguida, observaremos de que maneira algumas dessas nuances foram reproduzidas nas reações que os ingressos de haitianos provocaram em setores da sociedade brasileira. Analisaremos como discursos de “vítima ambiental” e “vítima de tráfico de pessoas” combinam perspectivas humanitárias a ações de ordenamento e controle da mobilidade. Tais reações nos permitem refletir também sobre as configurações que tal arcabouço conceitual adquire em contextos específicos, ilustrando as dificuldades de operá-lo em casos concretos, em função não só de suas ambiguidades propositais como também das fragilidades administrativas, burocráticas e normativas do país.
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<P>Governança migratória: conceitos e críticas </P>
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<P>Para muitos de seus críticos, a governança migratória constitui um paradigma que procura se difundir como perspectiva hegemônica, elencando a migração como resultado natural de um mundo globalizado (GEIGER e PÉCOUD, 2012). Creditada a experts como Bimal Ghosh, essa “nova” perspectiva de governança internacional migratória foi lançada na década de 1990 em comissões, fóruns e reuniões de caráter global da Organização das Nações Unidas (ONU) e replicada em processos consultivos regionais (ESTUPIÑÁN SERRANO, 2014, p. 257). Com ela, as migrações internacionais passaram a ser interpretadas como verdadeiro processo global, capaz de beneficiar todos os atores envolvidos, desde que bem gerida e dimensionada. Sublinha-se, em tal abordagem, a confluência entre migração e segurança, na qual todo um conjunto de conceitos relacionados aos direitos humanos e ao campo humanitário vem sendo apropriado para justificar uma série de políticas de controle e criminalização das migrações. </P>
<P>Tal enfoque diferenciado dos fluxos humanos baseia-se em novas matrizes normativas e gerenciais sobre a mobilidade baseadas na harmonização de interesses entre os atores envolvidos e no envolvimento de especialistas, organismos intergovernamentais, ONGs e empresas privadas (ESTUPIÑÁN SERRANO, 2014, p. 252). Nessa chave, dois componentes bastante incentivados têm sido os programas de migração circular ou temporária e os de retorno “voluntário” de migrantes, ambos já objetos de escrutínio crítico.
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Outra característica da “governança internacional das fronteiras” (ANDRIJASEVIC e WALTERS, 2010) tem sido seu enfoque em múltiplos níveis e atores, não apenas governamentais ou institucionais (KRON, 2011), difundindo-se com base em distintas táticas, manobras e relações de poder. </P>
<P>Em tal cenário, o papel da cooperação internacional e de organizações como a Organização Internacional para as Migrações (OIM) tem ganhado particular destaque. Andrijasevic e Walters (2010) consideram que suas intervenções têm tido um caráter constitutivo na maneira como diferentes estados, por meio de seus especialistas nacionais, burocratas e policiais, passaram a compreender o “problema” da fronteira e a atuar segundo protocolos técnicos aparentemente neutros (ANDRIJASEVIC e WALTERS, 2010, pp. 985-987). Magliano e Clavijo (2013), por sua vez, descreveram a importância da OIM na legitimação do discurso sobre o tráfico de pessoas como problema migratório no âmbito global e sul-americano, atuando na formação acadêmica e de profissionais envolvidos com a gestão pública e na criação de espaços supranacionais, como a Conferência Sul-Americana das Migrações. </P>
<P>É válido lembrar que, embora se destaque, a OIM não é o único organismo internacional a promover o atual alinhamento das políticas migratórias do oeste da África e da América Latina às normas e aspirações dos países receptores de migrantes (DÜVELL, 30/09/2015). Uma série de outras instituições tem ajudado a fomentar uma agenda de mobilidade humana atrelada aos campos humanitário e securitário, atuando nas franjas de modelos de governamentalidade aperfeiçoados ao longo de décadas (DIAS, 2014b). </P>
<P>Outro aspecto corrente nas práticas e nos discursos acerca da governança contemporânea das migrações é o apelo à linguagem humanitária, com a valorização do “sofrimento social” e a consequente criação de “vítimas”, reconhecidas por meio de corpos dóceis e submissos (FASSIN, 2001, 2006). O incremento da centralidade da “vítima”, nesse caso, é correlato ao crescimento da agenda punitiva em diferentes partes do mundo (GARLAND, 2001; SIMON, 2007), fenômeno que tem embaralhado os conceitos de “migração/refúgio” e “crime/segurança”.
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<P>Talvez mais central do que as noções explicitadas por esse novo discurso de governança migratória seja o que ele permite igualmente esconder. Assim, ao se falar em “vantagem/benefício” dos envolvidos, por meio da classificação dos fluxos como “desejáveis/indesejáveis” e de seu caráter “ordenado/desordenado”, “voluntário/forçado”, “reduzido/massivo” (DOMENECH, 2011), ignora-se a compreensão dos processos de mobilidade vinculados historicamente ao colonialismo, além das reticentes desigualdades entre os países emissores e receptores de migrantes. </P>
<P>Na América do Sul, a chegada desse novo paradigma de governança migratória se deu a partir da influência de atores internacionais específicos e em um período de governos democráticos e populares, o que amplia o conjunto de contradições e ambiguidades em curso. Assim, embora tenha havido certa convergência entre os processos de integração regional, como o Mercado Comum do Sul (Mercosul) e a União dos Países Sul-Americanos (Unasul), e a difusão de uma nova perspectiva de governança migratória ancorada em pressupostos de direitos humanos (PEREYRA, 2011), isso não significou, na prática, a diminuição das deportações e expulsões de estrangeiros. Ao contrário, como mostra Eduardo Domenech (2015) a partir dos poucos dados oficiais disponíveis na América do Sul, nos últimos anos a média anual de expulsões ou deportações baseadas em situações de “irregularidade migratória” aumentou. </P>
<P>No âmbito sul-americano, por exemplo, onde predomina a migração intrarregional, o maior número de imigrantes expulsos ou deportados é formado por pessoas oriundas dos países limítrofes, não por acaso também os que exportam o maior número de pessoas para outros locais no continente. Ao longo do século XX, houve, portanto, uma constante reconfiguração da associação entre migração e segurança. As antigas categorias e classificações de indesejáveis, se tornaram, assim, incluídas nas novas ameaças estabelecidas pela chamada comunidade internacional, como o narcotráfico, o terrorismo, o tráfico de pessoas e a migração indocumentada (DOMENECH, 2015). </P>
<P>No caso do Brasil, a importação de práticas e discursos contemporâneos de governança migratória também não ocorreu sem contradições e ambiguidades. Conforme salientado por Feldman-Bianco (2018), o alinhamento do Brasil às políticas globais ocorreu ainda na era Lula (2003-2010), aparentemente em conexão com os fortes investimentos feitos pelo governo brasileiro para transformar o país em importante ator global. Além de coordenar a Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti (Minustah) de 2004 a 2017, o Brasil desempenhou papel de protagonismo na América do Sul, não só no âmbito do Mercosul, mas também com a criação da Unasul, além de ter aderido à Convenção Internacional para a Supressão do Financiamento do Terrorismo e ao Protocolo de Palermo. </P>
<P>Nesse sentido, ao mesmo tempo em que o governo federal fazia movimentos importantes para alargar os direitos de migrantes – como o encaminhamento de uma nova legislação migratória contraposta ao então vigente Estatuto do Estrangeiro
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–, a Secretaria Nacional de Justiça propagava de maneira assertiva a controversa agenda de enfrentamento ao tráfico de pessoas, criticada justamente por engendrar a criminalização das migrações (DIAS, 2015). No embalo de financiamentos internacionais, a difusão da pauta antitráfico no contexto brasileiro coincidiu justamente com a reprodução dessa nova abordagem sobre as migrações, calcada nos direitos humanos dos migrantes, mas também nos discursos de segurança e controle oriundos de países europeus e norte-americanos. </P>
<P>A nosso ver, a difícil conciliação entre as diferentes categorias associadas à nova governança migratória ficou evidente com os ingressos de nacionais do Haiti pela fronteira norte a partir de 2010 e com a constituição de um “problema de governo”.
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Nesse momento, houve a mobilização de discursos hegemônicos da governança migratória. Por um lado, eles reforçaram uma retórica “modernizante” das autoridades, que buscavam reproduzir o arcabouço normativo e conceitual de uma agenda internacional; por outro, explicitaram e publicizaram uma série de problemas básicos de gestão no âmbito das estruturas burocráticas brasileiras, tais como: ineficiência, falta de estrutura de acolhimento por parte dos órgãos responsáveis, dificuldade de comunicação e disputas políticas entre atores posicionados em diferentes instâncias e esferas de governo.
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O caso mostrou configurações específicas que as noções de migração, refúgio, segurança, criminalidade, humanitarismo e direitos humanos adquiriram, e permitiu observar também seus limites conceituais e operacionais. </P>
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<P>A apropriação de um léxico migratório internacional com os ingressos dos haitianos </P>
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<P>A figura do ‘refugiado ambiental’ </P>
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<P>Os ingressos de haitianos no Brasil reatualizaram e transformaram questões antigas relativas à gestão dos circuitos de pessoas, movimentando uma série de agências cujas dinâmicas contribuíram tanto para reproduzir um problema de governo quanto para traçar respostas e soluções para as questões práticas surgidas. O envolvimento de algumas agências com a mobilidade haitiana no Brasil se deu principalmente no final de 2010 e ao longo de 2011, momento em que houve certa frequência no número de ingressos em cidades da Região Norte do Brasil, como Tabatinga, no Amazonas, e Brasileia, no Acre. </P>
<P>Alguns exemplos dessas agências são as entidades ligadas à Igreja Católica, como a Pastoral do Migrante e a Pastoral da Mobilidade Humana, que fizeram o trabalho mais direto de assistência. A Polícia Federal, o Comitê Nacional para Refugiados (Conare) e o Conselho Nacional de Imigração (CNIg), por sua vez, lidaram com os procedimentos burocráticos e jurídicos. Posteriormente, outros órgãos e instituições também estiveram presentes em reuniões, missões sanitárias e diplomáticas, ou providenciando serviços de assistência. Entre eles, o Governo do Acre, a Prefeitura de Brasileia, o Ministério Público Federal, o Ministério da Saúde e o Ministério de Relações Exteriores. Notícias de jornais locais e da grande mídia internacional também contribuíram para produzir uma questão nacional à medida que difundiam imagens negativas e estereotipadas dos novos ingressados. </P>
<P>Após as ações caritativas, missões governamentais, reuniões, assembleias e reportagens, a Resolução Normativa (NR) 97/2012
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foi elaborada, em um esforço de regularizar haitianos presentes no território brasileiro, mas também de transformar o circuito que ocorria pela Região Norte em um canal formal de ingresso, por meio da concessão limitada de vistos pela Embaixada do Brasil em Porto Príncipe, no Haiti. Naquele momento, essa possibilidade normativa, conhecida informalmente como ‘‘visto humanitário para os haitianos”, foi um tipo de regularização controlada, mas que permitiu a regularização, exclusivamente para nacionais do Haiti, dentro de um horizonte legal bastante restritivo à época.
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Mas os resultados de práticas de governo da mobilidade criaram um “efeito-estado” (MITCHELL, 1999), efeito desejado pelo governo federal ao demonstrar sua atuação como humanitária, reforçando certo mito de Estado como uma entidade acolhedora (VIEIRA, 2017).
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</P>
<P>Entretanto, essa gestão e esses efeitos se compõem e se constroem em uma confluência, muitas vezes disputada e negociada, de discursos, práticas e políticas internacionais que pautam as governanças localizadas. Como já salientado por alguns autores (DIAS, 2014b; MAHDAVI, 2011), a incorporação de agendas internacionais sempre se dará em meio a tensões e novas configurações. Ou seja, ao mesmo tempo que tais agendas atualizam debates que circulam e atravessam fronteiras, esses debates se entrelaçam com contextos históricos, sociais e políticos bastante específicos. </P>
<P>Um debate surgido com os ingressos de haitianos no Brasil foi como enquadrar aquelas pessoas juridicamente: refugiadas ou imigrantes. À época, haitianos solicitaram refúgio em Mato Grosso e no Amazonas. O Estatuto dos Refugiados (lei nº 9.474/1997) permite a qualquer estrangeiro solicitar refúgio dentro do território brasileiro. Sem visto para circular no Brasil, em função do então vigente Estatuto do Estrangeiro (lei nº 6.815/1980), aquelas pessoas encontraram na solicitação de refúgio um meio de ingresso. Ao longo de 2010 e 2011, o aumento da demanda na solicitação de refúgio, principalmente em cidades como Tabatinga (AM), sobrecarregou as limitadas estruturas burocráticas existentes. </P>
<P>Segundo os procedimentos prescritos para qualquer solicitação de refúgio, depois de elaborado na Polícia Federal, o processo é encaminhado ao Conare. Assim, nacionais do Haiti podiam circular legalmente no Brasil enquanto aguardavam as respostas aos seus pedidos. A posição do Conare desde o início foi alegar que os haitianos não se enquadravam no instituto do refúgio, como sustentou em entrevista o então Presidente do referido comitê: </P>
<P> </P>
<P>– Então, os haitianos não são tecnicamente refugiados, esse foi um primeiro problema que a gente enfrentou. Quando a imprensa viu pessoas deslocadas, ela automaticamente classificou como refugiados, e o Brasil teve que dizer: “Não são refugiados; o conceito de refúgio na normativa nacional e internacional é outro”. Mas, então, o que essas pessoas são? São imigrantes. O primeiro ponto é estabelecer isso.
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<P>Nota-se que a fala do presidente do Conare à época operava com base em uma diferenciação presente na legislação nacional para lidar com estrangeiros, mas também em todo um aparato do governo das circulações que produz “as dores dignas de serem transformadas na figura do refúgio” (FACUNDO, 2014). Enquanto em outros países o processo de concessão de refúgio é desenvolvido por uma série de técnicas, como exames médicos (FASSIN, 2010) ou análises do “expert testimony” (BERGER et al., 2015), no Brasil ele é feito com base no relato do solicitante apresentado em formulários e entrevistas com funcionários do Conare e, por vezes, também, da Cáritas ou do Instituto de Migrações e Direitos Humanos (IMDH).
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<Endnote>
<P>14 Geralmente, o solicitante de refúgio precisa fazer uma entrevista com um representante do Conare. A Cáritas e o IMDH também recebem solicitantes de refúgio e realizam entrevistas com eles. A partir dessas entrevistas, advogados dessas organizações elaboram pareceres favoráveis ou não ao caso, que são apresentados nas reuniões regulares do Conare como mais uma ferramenta para auxiliar na decisão sobre a concessão ou não do refúgio. Mas a entrevista e o parecer dessas organizações não são obrigatórios. Nos processos de solicitação de refúgio de demais pessoas vindas do Haiti, muitas vezes a entrevista não ocorreu, seja porque não conseguiram contatar os solicitantes, seja porque autoridades e funcionários do Comitê decidiram, ainda em 2010, interromper os procedimentos de entrevista. </P>
<P>15 Discurso transcrito do áudio da reunião do Conare de agosto de 2011, disponibilizado para fins de pesquisa após demanda no portal de acesso à informação do governo federal. </P>
<P>16 Sobre as várias agências que atuam no país, ver Neiburg (2014). </P>
<P>17 Outro aspecto que deve ser considerado na vinda dos haitianos para o Brasil, sobretudo para pensar a elaboração de uma normativa para essa população, é a presença do Brasil no Haiti por meio do comando da Mission pour la Stabilisation en Haiti (Minustah). Sobre esse último ponto, vale lembrar que em 2004 o governo brasileiro aceitou comandar tal missão, enviando cerca de 1.200 militares para o país caribenho. O acordo da participação deve ser compreendido dentro do desenvolvimento da política externa brasileira e da sua redefinição a partir dos anos 1990, que se caracterizou pela ampliação da presença do país em organismos multilaterais. </P>
<P>18 Disponível no resumo das notas taquigráficas da reunião do CNIg de 16 de março de 2011. Em 2013 e 2014, os resumos das notas taquigráficas do CNIg ficavam disponíveis para livre acesso no site do Conselho. </P>
<P>19 Em 2004, o Brasil ratificou o Protocolo de Palermo e, a partir daí, desenvolveu uma política, em 2006, e dois Planos Nacionais de Combate ao Tráfico de Pessoas, em 2008 e 2013. Essas iniciativas incentivaram uma ampla gama de atividades, incluindo a realização de estudos, treinamento de autoridades e funcionários públicos, pressões para a modificação de legislação específica e promoção de cooperação internacional. Além disso, duas comissões parlamentares de inquérito sobre o tráfico de pessoas foram criadas no país, ambas presididas por parlamentares do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL): uma no Senado (2011-2012) e outra na Câmara dos Deputados (2013-2014). Em conjunto com as ações do governo federal, essas Comissões também tiveram um papel relevante na disseminação do conceito contemporâneo de tráfico de pessoas no país. </P>
<P>20 Entrevista concedida a Rosa Vieira no Senado Federal, em junho de 2013. </P>
<P>21 A etnografia de Gregory Feldman (2012) mostra muito bem como a governança migratória contemporânea na Europa se dá a partir de um vasto, acéfalo e descentralizado mundo de tecnologias e políticas, justificadas a partir de discursos criminais e humanitários. Segundo ele, essa nova governança tem transferido a responsabilidade da ordem pública do clássico modelo administrativo estatal (raison d’état) para um conjunto de agências que, ao estimularem e se embasarem na produtividade e no empreendedorismo de seus funcionários, têm se mostrado mais eficientes que modelos coloniais na gestão e controle de populações. As implicações restritivas de uma série de práticas e ações dessas agências se dão em conjunto com justificativas positivas atreladas a noções de segurança e gestão eficiente da circulação: “O dispositivo serve a uma economia global drasticamente desequilibrada, na qual os deslocamentos são tratados através de medidas negativas de controle de fronteiras, requisitos criteriosos para a obtenção de vistos e ampla vigilância biométrica. No entanto, sua legitimação é descrita em termos positivos, com ideias de proteção a empreendedores criativos, prevenção à fuga de cérebros, aprimoramento das habilidades de migrantes e defesa das pessoas contra contrabandistas, traficantes, falsificação de documentos e cruzamentos clandestinos de fronteira” (FELDMAN, 2012, p. 181). Tradução livre dos autores. </P>
<P>22 A noção de “mosaico de atuações” foi empregada em uma pesquisa realizada pelo Instituto de Estudos da Religião (Iser), coordenada por Rosa Vieira, sobre a comparação das agências atuantes no campo migratório no Rio de Janeiro e em São Paulo. Ver Cooper et al. (2016). </P>
<P>23 Nancy Fraser (17/01/2017) parece igualmente sugerir a fecundidade de um momento crítico nos EUA após a vitória de Trump. A autora argumenta que não deveríamos ficar em luto pelo fim do neoliberalismo progressista e pela quebra da hegemonia liberal, pois trata-se de um momento oportuno para a revitalização da crítica e da luta. </P>
<P>24 Tradução livre dos autores. “Untimely critique insists on alternative possibilities and perspectives in a seemingly closed political and epistemological universe. It becomes a nonviolent mode of exploding the present” (BROWN, 2005, p. 14). </P>
</Endnote>
<P>Pautado tanto nas alegações colocadas pelos nacionais do Haiti no processo de solicitação de refúgio quanto no Estatuto dos Refugiados e nas convenções internacionais, o Conare não reconheceu os haitianos solicitantes como refugiados. Em vez de arquivar os processos, o órgão tinha a possibilidade de encaminhá-los para o CNIg, que os recebeu com base na RN 27/1998, que prevê a análise pelos conselheiros de “situações especiais” e “casos omissos” na lei nº 6815/80. </P>
<P>Antes de ser criada uma normativa específica para nacionais do Haiti (RN 97/2012), um conceito que apareceu constantemente na mídia, em comunicados de organizações da sociedade civil e em discursos de funcionários e representantes de órgãos públicos foi o de “refugiado ambiental”. Não reconhecida pelas legislações nacional e internacional, a noção ilustra a dificuldade de definir as mobilidades com base nas diferenciações imigrante/refugiado e correlatas (voluntário/involuntário e econômico/político). </P>
<P>O ano de 2010 marcou o Haiti com um terremoto de sete pontos na escala Richter que matou cerca de 200 mil pessoas e teve efeitos destruidores na capital, Porto Príncipe, e no país como um todo (NEIBURG, 24/01/2010; THOMAZ, 2010). Embora alguns haitianos que chegaram ao Brasil tivessem partido do Haiti antes do evento catastrófico ou não fossem das cidades mais atingidas, ou ainda já estivessem morando em outros países da América do Sul, construiu-se um discurso padrão que relacionava a partida diretamente ao terremoto. </P>
<P>Certamente, o terremoto foi um entre vários outros elementos propulsores das partidas, mas há de se ter em mente que a população haitiana é diaspórica há séculos, e o Brasil foi aos poucos incorporado ao universo desses nacionais. Como analisado pelo antropólogo Joseph Handerson (2015), em um primeiro momento, o Brasil foi apenas um lugar de passagem; os haitianos ingressavam na Região Norte com o objetivo de chegar à Guiana Francesa. Aos poucos, no entanto, o país foi se tornando um local de residência, talvez por conta do crescimento econômico brasileiro no período e da realização de grandes eventos internacionais, como a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos, que tornaram o país – por um curto período de tempo – propício a investimentos e geração de empregos. </P>
<P>Todavia, antes de avaliar se o terremoto foi ou não o fator propulsor de todos os eventos que se sucederam com os haitianos no Brasil, cabe entendermos as lógicas que contribuíram para movimentar o discurso sobre o terremoto e o uso da noção de “refugiado ambiental”. A fala do representante do posto do Alto Comissário das Nações Unidas para Refugiados (Acnur) durante uma reunião extraordinária do Conare em agosto de 2011 remete a uma “situação mista” decorrente de um desastre ambiental. Assim, ele define os haitianos como um exemplo de “(...) indivíduos no mundo que não são nem migrantes tradicionais, mas também não são refugiados: são uma coisa ali no meio”.
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</P>
<P>Uma primeira dimensão a se considerar é o Haiti como objeto de governança internacional.
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O terremoto reforçou e ampliou sua condição de dependente do mundo dos projetos e investimentos internacionais, com implicações também no governo das circulações de haitianos. Por exemplo, alguns países, argumentando “solidariedade” ao Haiti pós-terremoto, decidiram regularizar migrantes haitianos sem documentos. Em 2010 e 2011, a mobilização da noção ordinária de refugiado ambiental, que não está prescrita na legislação nacional ou internacional, esteve vinculada a uma conjuntura de governança do humanitário na qual o Brasil se inseria – ou buscava se inserir por conta do comando da Minustah.
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</P>
<P>Uma segunda dimensão presente no uso da ideia de refugiado ambiental está relacionada ao plano de uma hierarquia das dores e ao esforço de se defender a regularização dos haitianos. Abordaram-se o terremoto e a situação em que se encontrava o Haiti como uma forma de defesa de uma dor digna de ser reconhecida. Esse discurso explicita o cerne da lógica da governança do humanitário, um governo de “vidas precárias”, daqueles que podem ser designados como “vítimas de um destino que os ultrapassa” (FASSIN, 2010, p. 12). A governança migratória se alimenta dessa lógica, tanto porque é eficiente na produção de auditores (Ibid.), quanto porque enquadra os limites do que pode ser falado e como deve ser falado, excluindo do horizonte de discursos e práticas uma série de outras possibilidades críticas e argumentativas. </P>
<P>Uma terceira dimensão da mobilização do discurso sobre o terremoto fundamentou-se em um esforço de exercer um modo de controle, de enquadramento do motivo da partida e da temporalidade da migração haitiana. Por meio da RN 27/98, o CNIg regularizava por “razões humanitárias” apenas um ou outro caso, analisados individualmente. Em março de 2011, porém, houve uma regularização coletiva de processos dos haitianos que tinham seguido para o Conselho. No relatório da regularização, defendia-se a proteção dos direitos humanos e fundamentais dos solicitantes de refúgio, ao mesmo tempo que se argumentava sobre a insustentabilidade dessa migração, considerando a vinda de haitianos “uma situação recente, que guarda estrita vinculação ao evento específico do terremoto de 12 de janeiro de 2010”.solicitantes de refúgio, ao mesmo tempo que se argumentava sobre a insustentabilidade dessa migração, considerando a vinda de haitianos “uma situação recente, que guarda estrita vinculação ao evento específico do terremoto de 12 de janeiro de 2010”.solicitantes de refúgio, ao mesmo tempo que se argumentava sobre a insustentabilidade dessa migração, considerando a vinda de haitianos “uma situação recente, que guarda estrita vinculação ao evento específico do terremoto de 12 de janeiro de 2010”.</P>
<P>A primeira regularização coletiva, e outras pontuais feitas em 2011, só englobava, portanto, os indivíduos cujas alegações nos processos de solicitação de refúgio citavam a condição de vítima do terremoto. Posteriormente, esse critério foi questionado e modificado. </P>
<P>O texto da RN 97/2012, elaborada exclusivamente para nacionais do Haiti (VIEIRA, 2014, 2017), justifica sua criação em um evento específico e pontual no tempo. Isso permitiu determinar a particularidade do Haiti, de modo a não abrir espaço para a regularização de outras nacionalidades, e ainda conformou uma temporalidade à migração, permitindo, caso necessário, a extinção da referida resolução com base na alegação da distância temporal do terremoto. Esse argumento apareceu em reuniões do CNIg entre 2012 e 2013. </P>
<P>A publicação da resolução foi resultado de uma sucessão de eventos, discursos e práticas em que a mobilização do discurso do terremoto, com apropriações diferentes e disputadas, foi central. Um léxico voltado para o sofrimento e o humanitarismo foi relevante para defender a não deportação dos haitianos e para pedir auxílio para a assistência aos recém-chegados. Mas foi esse mesmo léxico que possibilitou o reforço da lógica da piedade de um Estado protetor, presente em conceitos e abordagens hegemônicas sobre a circulação de pessoas difundidas nas últimas décadas. </P>
<P>Em diversos contextos com políticas migratórias cada vez mais restritivas, a solicitação de refúgio tem se tornado um meio de ingresso no território. Com isso, movimenta-se todo um esforço para se definir e produzir a figura do refugiado, por aparatos técnicos, manuais e enquadramentos conceituais. </P>
<P>No início dos circuitos de nacionais do Haiti no Brasil, o país possuía uma lei para refugiados legitimada e elogiada por organismos internacionais. Em contrapartida, vigorava o Estatuto do Estrangeiro, que operava em uma lógica restritiva e de segurança nacional. O vácuo entre essas duas legislações abriu espaço para os ingressos e a permanência dos haitianos, tendo em vista que eles puderam solicitar refúgio e permanecer no território aguardando a resposta dos seus pedidos. </P>
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<P>O tráfico de pessoas e o controle intrarregional </P>
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<P>Outro discurso – ou política internacionalizada – que apareceu nas reações aos ingressos de haitianos foi o do tráfico de pessoas. </P>
<P>No início de 2011, o governo brasileiro decidiu realizar uma missão diplomática com o intuito de criar cooperações na área de polícia e inteligência e verificar se seria possível que autoridades do Peru e do Equador passassem a exigir visto de nacionais do Haiti, tendo em vista que dados do relatório da missão diplomática a Quito e a Lima, no final de fevereiro de 2011, apontam que tais países eram lugares de trânsito de haitianos (VIEIRA, 2017). </P>
<P>Vale lembrar que as políticas migratórias do Peru e do Equador eram diferentes da brasileira, mas tinham efeitos umas nas outras e na circulação de pessoas na região. Assim, o governo brasileiro buscou uma gestão compartilhada. A justificativa para essa saída diplomática se baseou na necessidade de combater atravessadores e redes de tráfico de pessoas, como mostra a fala de um embaixador brasileiro na Folha de S. Paulo (BRASIL e ANTUNES, 15/12/2011) que sublinha a importância de impedir que as políticas desses países contribuam para uma rota criminosa. Uma das propostas da missão diplomática foi, assim, averiguar possibilidades conjuntas para identificar as redes de tráfico de pessoas (VIEIRA, 2017, p. 241). “Tráfico de pessoas” foi, portanto, outro léxico-chave mobilizado para justificar o controle dos ingressos de haitianos pela Região Norte. </P>
<P>É preciso sublinhar também que tal questão tem ganhado bastante visibilidade nas últimas décadas, tornando-se prioritária na agenda política internacional de atores como o Departamento de Estado e o Congresso dos EUA, a União Europeia e as Nações Unidas (WONG, 2005). Em grande medida, isso se deve à assinatura da Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional (ONU, 2000a) e de seus Protocolos Adicionais contra o Tráfico Ilícito de Migrantes (Idem, 2000b) e contra o Tráfico de Pessoas (Idem, 2000c). Ambos os protocolos desempenharam papel relevante no deslocamento de um conjunto de preocupações afetas à mobilidade humana para a estrutura de segurança das Nações Unidas, ampliando a aproximação entre migração/mobilidade e crime/segurança no âmbito da legislação internacional (DIAS, 2014b). </P>
<P>Desde sua introdução no Brasil, as políticas de combate ao tráfico de pessoas receberam um olhar atento e crítico por parte de pesquisadores e integrantes da sociedade civil. Procurando sempre distinguir migração e tráfico de seres humanos, esses atores alertaram também para as inconsistências entre a legislação internacional e a jurisprudência brasileira, a disseminação e a mistificação do tráfico como luta prioritária para a nação e a ausência de informações ou fragilidade dos dados produzidos por pesquisas encomendadas (BLANCHETTE e SILVA, 2011; DIAS, 2014b; DIAS e SPRANDEL, 2010, 2011; LOWENKRON e PISCITELLI, 2015; OLÍVAR, 2016; PISCITELLI, 2008; TEIXEIRA, 2008). </P>
<P>Tais preocupações alinham-se a uma série de pesquisas realizadas em diferentes países que mostram como as políticas de enfrentamento ao tráfico de pessoas e ao contrabando de migrantes vêm resultando na restrição e na criminalização da mobilidade de determinados grupos e indivíduos, particularmente prostitutas e imigrantes indocumentados (AUGUSTÍN, 2007; BERNSTEIN, 2012; DARLEY, 2006; FASSIN e SURKIS, 2010; MAHDAVI, 2011; KEMPADOO, 2005, 2016; TICKTIN, 2008; WONG, 2005). </P>
<P>Haitianos ingressados no Brasil relatavam à Polícia Federal e às instituições de acolhimento terem pagado entre 700 e 2.500 dólares para agentes que os ajudavam a perfazer o trajeto. Havia, certamente, a necessidade de verificação das possíveis propagandas falaciosas escutadas pelos migrantes. No entanto, pautar a possibilidade de existência de uma rota de tráfico de pessoas, nesse caso, foi uma maneira de justificar também uma gestão policial de apreensão de aliciadores e de controle dos circuitos, e não propriamente de ajuda aos haitianos. </P>
<P>Esse aspecto fica mais claro se considerarmos que nesse período algumas autoridades brasileiras aderiram de forma veemente à agenda de combate ao tráfico, com a criação de políticas e planos nacionais, além da instalação de Comissões Parlamentares sobre o tema na Câmara dos Deputados e no Senado Federal.
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O resultado foi a priorização política da pauta, particularmente quando comparada à histórica luta em defesa dos direitos dos migrantes (DIAS e SPRANDEL, 2010, 2011). </P>
<P>Paralelamente às iniciativas governamentais, novelas e campanhas religiosas contribuíram para elevar o problema do tráfico humano a um novo patamar de preocupação. São exemplos a novela Salve Jorge, da Rede Globo de Televisão, entre 2012 e 2013, e a Campanha da Fraternidade de 2014, realizada pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) com o lema “fraternidade e tráfico humano”. Desse modo, a agenda internacional antitráfico, incorporada por instituições brasileiras naquele momento, ganhava novo ímpeto e figurava como argumento-chave em propostas de ações para gerir a mobilidade haitiana. </P>
<P>Em março de 2012, após as missões diplomáticas brasileiras e a criação da RN 97, foi instaurada a Comissão Parlamentar de Inquérito do Tráfico Nacional e Internacional de Pessoas do Senado Federal em Manaus para discutir a situação dos haitianos. Segundo o assessor da senadora Vanessa Grazziotin, havia dúvidas se poderia haver casos de tráfico de pessoas.
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</P>
<P>Durante os trabalhos da Comissão, verificou-se a falta de cuidado de algumas autoridades e representantes de organizações internacionais na reprodução de falsas declarações sobre o tráfico de pessoas oriundas do Haiti. Um funcionário do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) informou em audiência que “especialmente depois da tragédia que acometeu o Haiti, foram identificados também tráfico de crianças haitianas para o Brasil, via Guiana, para exploração sexual, especialmente no Amazonas e nos estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro” (BRASIL, 2012, p. 24). </P>
<P>Colocações como essa foram contraditadas no decorrer dos próprios trabalhos da Comissão. A responsável pelas ações antitráfico na Secretaria Nacional de Justiça, por exemplo, afirmou na audiência pública realizada em Manaus em 5 de março de 2012 que não tinha “conhecimento de denúncias envolvendo tráfico de pessoas diretamente relacionadas à migração de haitianos”, mas anunciou que “a pasta está alerta quanto à questão e vem tomando as providências devidas para a acolhida dos migrantes” (Ibid., p. 96). Já o secretário nacional de Justiça defendeu, igualmente, que o assunto não era tema da área de tráfico de pessoas, mas uma questão de política migratória (Ibid., p. 88). </P>
<P>A aproximação de medidas restritivas adotadas pelo governo federal em resposta ao suposto tráfico de pessoas no caso dos haitianos passou também a ser noticiada pela imprensa. Na reportagem “Brasil barra haitianos na fronteira para evitar tráfico humano”, as repórteres Kátia Brasil e Freud Antunes (15/12/2011) informaram que o Ministério da Justiça havia suspendido a emissão de protocolos de pedido de refúgio aos imigrantes do Haiti por haver detectado, na fronteira do Brasil com o Peru, uma rota de tráfico de pessoas. De acordo com a reportagem, uma nota do Ministério havia informado que “a fronteira com o Acre e o Amazonas se tornou rota de tráfico de pessoas, que envolve a atuação de ‘coiotes’ que trazem haitianos em troca de uma quantia em dinheiro” (BRASIL e ANTUNES, 15/12/2011). </P>
<P>Na época em que o governo federal adotava medidas para a regularização migratória de indivíduos vindos do Haiti, os ministros da Justiça e das Relações Exteriores do Brasil escreveram um texto na Folha de S. Paulo defendendo a “implementação de medidas de ordenação do fluxo migratório de haitianos para o Brasil” (CARDOZO e PATRIOTA, 2012). Embora as autoridades declarassem que as ações tomadas eram de abertura, em caráter excepcional, com o estabelecimento de condições especiais de ingresso no país, sua argumentação se baseava no discurso de coibição de práticas de violação de direitos associada ao tráfico de pessoas e ao contrabando de migrantes. Por sua vez, em decorrência do ímpeto de evitar que “cidadãos haitianos sejam vítimas de intermediários inescrupulosos, que sejam objeto de extorsão, de violência e de abusos”, surgia a necessidade de “aprimoramento do controle e da fiscalização das fronteiras, com o objetivo de repreender as redes de intermediários” (Idem). </P>
<P>Em resumo, ao mobilizarem um aparato conceitual relacionado ao tráfico de pessoas para tratar da chegada dos haitianos, as autoridades brasileiras estavam abordando uma questão inserida em agendas criminais e punitivistas difundidas internacionalmente. A complexa realidade migratória de pessoas vindas do Haiti foi, assim, interpretada também na chave das ideias de “rotas” e “grupos criminosos”, que apenas delineiam a necessidade de maior controle e regulação. Ainda que distinta de uma visão antimigratória ordinária, afeita à construção de muros e à deportação de imigrantes, a adoção acrítica de conceitos como “tráfico de pessoas” e “contrabando de migrantes” não deixa de ser igualmente problemática, por implicar, na prática, a possibilidade de reprodução de mecanismos de controle mais sutis, mas não menos eficazes.
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<P>A crítica e os limites do léxico migratório contemporâneo </P>
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<P>No caso da construção de um “problema de governo” no Brasil a partir do ingresso de haitianos, diferentes agentes mobilizaram discursos hegemônicos da governança migratória contemporânea. Em diversos países, vê-se uma gestão migratória baseada na distinção do que seja um imigrante e um refugiado, um tipo de operação que se, de um lado, garante a algumas pessoas acesso a direitos, de outro, caminha conectada a políticas de segurança e controle que impedem populações de migrarem ou conseguirem documentação. Nesse cenário, a solicitação de refúgio vem se tornando um importante meio de ingresso, como aconteceu no caso dos haitianos. </P>
<P>Uma vez consolidado esse circuito, surgiu a questão do enquadramento jurídico dos recém-chegados, particularmente em um momento no qual o país comandava uma missão de paz da ONU no Haiti. Os debates que se seguiram mobilizaram o evento do terremoto ocorrido em 2010 no Haiti para fortalecer a ideia de “vítimas ambientais”, apropriada com intuitos diferentes. A participação direta na Minustah deu ensejo a uma sensibilização diferenciada por parte das autoridades brasileiras. Reforçar, assim, a condição particular dos haitianos como “vítimas do terremoto” também era uma maneira de distingui-los de outros imigrantes, evitando-se abrir uma prerrogativa de regularização para indivíduos de outras nacionalidades. </P>
<P>A abertura da possibilidade de haitianos requererem vistos por “razões humanitárias”, a partir da publicação da RN 97/2012, foi, portanto, conjuntural e tática, tendo em vista a complexidade da situação, mas também as limitações impostas pelo horizonte normativo brasileiro daquele momento. Se permitiu que mais de 80 mil haitianos ingressassem e fossem regularizados, sua elaboração ocorreu, porém, após tentativas de controle das migrações nas fronteiras em cidades da Região Norte do país, a partir de missões diplomáticas justificadas pelo suposto desbaratamento de redes de tráfico de pessoas e até mesmo missões sanitárias (VIEIRA, 2017). </P>
<P>Ao enfatizarmos a mobilização de discursos criados e pautados por políticas e agendas internacionais, nosso intuito foi salientar como eles vêm sendo apropriados com tensões em contextos com dinâmicas políticas, burocráticas, midiáticas, econômicas e sociais muito distintas daquelas de onde emergem. Embora uma solução normativa relevante tenha sido criada, as agências de diferentes instâncias de governo – federal, estadual e municipal – não foram capazes de se distanciar do enquadramento padrão difundido internacionalmente pelo léxico migratório contemporâneo, em que a figura da “vítima” e a gestão de corpos não autônomos ganham relevo. </P>
<P>O que vimos, portanto, foi a configuração local de nuances – a imbricação humanitária e securitária – presentes em normativas, acordos, tratados e manuais difundidos pelas políticas nacionais e de organismos internacionais. Uma configuração que evidenciou as dificuldades de operação e gestão das estruturas governamentais brasileiras e tornou possível, pela sua capilaridade, uma dinâmica conflituosa e disputada. A combinação desse léxico com um cenário em disputa no Brasil viabilizou alternativas de regularização dos haitianos. Entretanto, tratou-se de uma disputa enquadrada, cabível num tipo de governança dos circuitos que prejudica o desenvolvimento de outras chaves interpretativas. </P>
<P>Nos últimos anos, e principalmente no final de 2018, o redesenho político do Brasil trouxe – e possivelmente trará outras – interferências nas alianças e disputas de um mosaico de atuações das agências que lidam com migrantes no país (caritativas, acadêmicas, órgãos públicos, organismos internacionais).
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Notamos um movimento de fragilização dos canais de comunicação e atuação que viabilizavam reivindicações em defesa de estrangeiros no país. Tentamos agora imaginar qual crítica é possível em um momento “obscuro” e que medida ela terá. </P>
<P>“Dark times” são, como sugere a filósofa Wendy Brown (2005), momentos nos quais o tempo parece fora de seu curso, da sua ordem, em que não há imaginação possível fora do presente e observamos certo esfacelamento do senso de futuro. Todavia, a autora, motivada por Walter Benjamin, enxerga também fecundidade no obscurantismo.
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Inspirada na proposta de Foucault (2002), que considera a crítica como uma arte feita para não sermos tão governados, ela sugere: ‘‘A crítica intempestiva insiste em possibilidades e perspectivas alternativas ao universo político e epistemológico consolidado. Torna-se, assim, um modo não-violento de explodir o presente” (BROWN, 2005, p. 14).
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Sua sugestão de que a “crítica inoportuna” é central exatamente nos momentos obscuros nos faz salientar a importância de pensar e criar outros horizontes discursivos e analíticos sobre a mobilidade humana, sem que nossos conceitos fiquem presos às mesmas categorias padronizadas e difundidas internacionalmente. </P>
<P>Explodir o presente, tal como ele se apresenta e nos assusta, é romper, como sugere Brown, com um horizonte político e epistemológico pré-existente. Nossas hesitações em pensar uma crítica inoportuna, no caso do jogo dos discursos migratórios, se deve ao fato de eles lidarem com vidas de pessoas, frequentemente em situações-limite. Mas até quando continuaremos a legitimar um léxico migratório internacional que garante apenas que determinadas vidas sejam aceitas ou “regularizáveis”? Não estaria esse mesmo léxico enquadrando cada vez mais nosso potencial crítico, fazendo com que a crítica deixe de ser uma arte de não ser governado, como pensava Foucault, para ser apenas mais um pilar da governamentalidade? </P>
<H1>Referências </H1>
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<P>GUILHERME MANSUR DIAS (guiboamansur@yahoo.com.br) é pesquisador associado do Centro de Estudos de Migrações Internacionais (Cemi) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp, Brasil). Integra como pesquisador o projeto Capes/Cofecub “Passagens de Fronteiras e Cidades Seguras: Questões históricas e contemporâneas” com estágio pós-doutoral no Centre de Recherche Sociologique sur le Droit et les Institutions Pénales (Cesdip/UVSQ, França). É doutor e mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social (PPGAS) da Unicamp e graduado em ciências sociais pela mesma universidade. </P>
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<P>ROSA CAVALCANTI RIBAS VIEIRA (rosacrvieira@gmail.com) é doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social (PPGAS) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ, Brasil) em cotutela com a École des Hautes Études en Sciences Sociales (EHESS, França), mestre pelo mesmo programa e graduada em história pela UFRJ. Participa do Núcleo de Pesquisas em Cultura e Economia (NuCEC) da UFRJ. Integra, por meio de estágio doutoral realizado no Centre de Recherche Sociologique sur le Droit et les Institutions Pénales (Cesdip/UVSQ, França), o projeto Capes/Cofecub “Passagens de Fronteiras e Cidades Seguras: Questões históricas e contemporâneas”. </P>
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<P>Recebido em: 18/03/2019 Aprovado em: 12/03//2019 </P>
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