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<P>O que há de moral na carreira moral: Sobre dispositivos de transformação de si em ‘egressantes’ do sistema penitenciário </P>
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<P>DOSSIÊ </P>
<P>60 ANOS DO LIVRO </P>
<P> THE PRESENTATION OF SELF IN EVERYDAY LIFE, DE ERVING GOFFMAN </P>
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<P> </P>
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<H1>Camille Porto </H1>
<H1>Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil </H1>
<P> </P>
<P> </P>
<Table>
<TR>
<TH>
<P>O objetivo deste artigo é analisar o conceito de moral mobilizado por Goffman para construir sua ideia de carreira moral e relacioná-lo com o restante da obra do autor, especialmente com The Presentation of Self in Everyday Life. Para tanto, é mobilizada uma pesquisa sobre as carreiras morais de “egressantes” do sistema penitenciário carioca, atores em uma condição liminar entre o dentro e o fora do sistema, tratando sua interpretação de suas identidades na chave do accountability social circunstancial (por meio de desculpas) para seus percursos. Essa carreira é aqui pensada como uma transformação no sistema de significação característico do self. </P>
</TH>
<TH>
<P>The aim of the article What is Moral in Moral Career: About Self-Transforming Devices in the ‘Egress’ of the Penitentiary System is to analyze the concept of morality deployed by Goffman to construct his idea of moral career and to relate it to the rest of the author's work, especially with The Presentation of Self in Everyday Life. In order to do so, is mobilized fieldwork on how the moral career of those in the process of leaving the penitentiary system in Rio, actors in a liminal condition, between being out of the system and still being within it. The work treats their interpretation of their identities in the key of circumstantial social accountability (employing excuses) for their careers. This career is here considered in the key of the transformation in the system of signification peculiar to the self. </P>
</TH>
</TR>
<TR>
<TH>
<P>Palavras-chave: Goffman, carreira moral, self, moral, ressaca </P>
</TH>
<TD>
<P>Keywords: Goffman, moral career, self, morality, ressaca </P>
</TD>
</TR>
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<P> </P>
<P> </P>
<P>Considerações iniciais </P>
<P> </P>
<P>
<DropCap>
<ImageData></ImageData>
N </DropCap>
</P>
<P>o segundo capítulo de Asylums (1961)
<Link>1</Link>
, Erving Goffman nos brinda com o trecho que mais próximo chegará de sua definição de um dos conceitos mais centrais do livro, a ideia de carreira moral. Ele escreve, no trecho em que trata da atribuição de carreira moral ao doente mental: </P>
<Endnote>
<P>Notas </P>
<P> </P>
<P>1 Lançado no Brasil como Manicômios, prisões e conventos (GOFFMAN, 1974). Sobre as traduções dos escritos de Goffman em português e o motivo pelo qual optei por usar os títulos e edições originais, ver o segundo item deste texto. Agradeço a Werneck por várias sugestões no processo de elaboração do artigo, especialmente pelo ponto sobre tradução dos textos de Goffman. </P>
<P>2 Lançado no Brasil como A representação do eu na vida cotidiana (GOFFMAN, 1975[1959]). </P>
<P>3 Nem Werneck nem eu estamos sugerindo com isso que a obra de Goffman seja conservadora ou não apresente um potencial crítico. Muito embora não seja propriamente o caso, é preciso reconhecer a presença de um considerável potencial político em Goffman. O argumento é, entretanto, ainda conforme Werneck (2014), que sua posição crítica deve ser lida na medida de seus reais investimentos – e de seus efeitos – a esse respeito. A metáfora teatral é um ótimo exemplo dessa tendência a enviesar a interpretação do autor: ela diz muito pouco respeito a escamoteamento e a “máscaras”, como querem alguns intérpretes, e tem muito mais a ver com a multiplicidade de papeis potenciais e de palcos distintos experimentada pelos atores sociais. Outra questão sobre o termo “representação” é que ele é muito mais útil em Goffman para falar do quão durkheimiano ele é, expressando a ideia mais de uma metafísica partilhada coletivamente do que de uma forma de agir. Para mais sobre isso, ver Joseph (2000). </P>
<P>4 Werneck (2017) destaca ainda outro caso de problemas de tradução em Estigma: Notas sobre a manipulação da identidade deteriorada, orginalmente Stigma: Notes on the Management of Spoiled Identity (para ele, mais bem traduzido como Estigma: Notas sobre a gestão da identidade espoliada). A começar pelo título, no qual a palavra spoiled, ao ser trazida para o português de forma teoricamente discutível, induz uma leitura simplista do argumento, e no qual o termo “management” explicita muito mais a capacidade de gestão da identidade do estigmatizado do que o termo “manipulação” – muito mais, digamos, “maquiavélico” – permite pensar. No entanto, o exemplo mais sensível – e relevante para minha questão aqui – parece ser a oposição entre identidade social virtual (no original) e identidade social actual (no original). Ora, esse par não corresponde, em Goffman, a uma antinomia entre identidade virtual e identidade “real”. O sentido de “virtual” no autor é estrito: não é oposto a real como em mero não real. Trata-se da oposição conceitual associada ao termo: virtual é o oposto de efetivo, corresponde a uma potência probabilisticamente possível, um dos cenários passíveis de concretização a partir do encontro inaugural em uma interação. </P>
<P>5 Quais sejam: permanecer no estado do Rio de Janeiro; não sair de casa aos finais de semana, feriados e em períodos noturnos (de 20h às 6h ou de 23h às 6h, a depender do tipo de benefício); se comportar de acordo com os bons costumes; não frequentar lugares onde haja venda e consumo de bebidas alcóolicas, drogas ilícitas, jogos proibidos, casas de prostituição, entre outros. Em casos de descumprimento das regras ou de novos delitos, todos os benefícios concedidos podem ser revogados ou suspensos pela VEP. Para mais sobre isso, ver Porto (2017). </P>
<P>6 Não à toa, o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPERJ) costuma se referir a este agrupamento pelo nome de “apenados soltos”. </P>
<P>7 No Rio de Janeiro, os detentos são alocados no sistema a partir do vínculo declarado com uma facção criminosa, seja por filiação ou por área de residência. Desse modo, o sistema carcerário fluminense conta com cadeias “de facção”, reservadas àqueles que declaram vínculo com uma das principais facções do estado – Comando Vermelho (CV), Amigos dos Amigos (ADA) e Terceiro Comando Puro (TCP); cadeias “neutras”, para aqueles que não declaram vínculos com facções criminosas; cadeias “de seguro”, para aqueles que se declaram ameaçados em outros tipos de cadeia, pela natureza dos crimes cometidos (como estupro e pedofilia) ou em função de conflitos intrafaccionais; cadeias femininas, reservadas às mulheres sem distinção faccional; cadeias “mistas”, que reúnem algumas das categorias citadas acima em galerias ou andares diferentes; cadeias “de milícia”, destinadas a milicianos e ex-policiais; além das unidades reservadas a diplomados. </P>
<P>8 Por tolerabilidade, entendo, no amplo movimento analítico-descritivo de uma sociologia da moral (WERNECK, 2012), uma condição de efetividade de uma situação – isto é, de uma produção de efeitos, consequências. Isso significa dizer que os atores sociais julgam o que está diante deles (coisas, pessoas, ações, situações etc.) em termos de se elas acham que isso pode ou não ter lugar no mundo, o que significa o cotejar contra quadros abstratos ideais, metafísicas – moralidades, gramáticas, quadros valorativos (WEBER, 1947[1922]), vocabulários de motivos (WRIGHT MILLS, 1940) etc. –, e, em seguida, optar por reagir a elas negativamente – seja as impedindo de ocorrer em seu decurso, seja as interpelando em termos de accountability e/ou criticamente, seja intervindo em sua agência de forma punitiva/corretiva, seja simplesmente as excluindo de sua galeria de disponibilidade para definições/ações futuras – ou positivamente. </P>
<P>9 Decerto, cada um dos internos dispõe de mais ou menos ferramentas de isolamento do papel a eles imposto, preservando a si próprio – e o seu self – em maior ou menor grau. Goffman prevê a ocorrência de “ajustamentos primários”, nos quais o interno “se transforma num colaborador”, torna-se o participante “normal”, “programado” ou “interiorizado”; </P>
</Endnote>
<P> </P>
<P>O principal interesse [de seu estudo institucional da identidade] estará nos aspectos morais da carreira – isto é, a sequência regular de mudanças determinadas no self da pessoa e em seu esquema de imagens para julgar a si mesma e aos outros (GOFFMAN, 1961, p. 128). </P>
<P> </P>
<P>Trata-se de uma definição bastante curiosa, a considerar os aspectos mais específicos dessa obra lançada no Brasil como Manicômios, prisões e conventos (1974[1961]). Muito embora o título em português explicite o caráter mais amplo da ideia de instituição total, sua modelização mais paradigmática é observada na primeira das apresentadas nessa lista: é de unidades de saúde mental que se compõe o arcabouço principal da análise. Ora, soa intrigante que Goffman enfatize como moral a carreira – que nesse trecho é definida claramente como “sequência regular de mudanças no self da pessoa”, que poderia soar como clínica, como algo centrado em uma transformação identitária de uma condição tomada como patológica em outra tomada como sã. Mas, ao mesmo tempo, o autor deixa bastante claro o que há de moral na carreira moral: trata-se de uma transformação em um “esquema (...) para julgar a si e aos outros”. O ponto fundamental de sua análise, fica claro, então, está em um processo que altera a máquina valorativa/avaliativa dos atores sociais a respeito do mundo e de si mesmo. O ator processado pela instituição total é aquele que, parece, tem a sua moralidade revisada, e que passa a valorar as coisas segundo uma outra chave. </P>
<P>O objetivo deste artigo é depreender e discutir o conceito de moral mobilizado por Goffman para construir sua ideia de carreira moral e a relacionar com o restante da obra do autor, especialmente com The Presentation of Self in Everyday Life (1959).
<Link>2</Link>
Para tanto, valho-me de análises oriundas de minha pesquisa de mestrado (PORTO, 2017), na qual me concentrei na carreira moral de pessoas que passaram por uma instituição total, a saber, o cárcere, e alcançaram o estágio de revisão a que o autor se refere. Essa carreira é aqui pensada como uma transformação no sistema de significação característico do self, que adquire novas bases de assentamento. Seu processo será demonstrado a partir das narrativas dos meus interlocutores que, após o período de encarceramento, passam a interpretar e descrever as suas trajetórias na chave do accountability social circunstancial, oferecendo desculpas para os seus percursos. </P>
<P> </P>
<P> </P>
<P>Pequena nota sobre as palavras de Goffman </P>
<P> </P>
<P>Alexandre Werneck (2014) tem apontado seguidas vezes quão problemáticas são algumas decisões de tradução no Brasil para a obra de Goffman, tanto do ponto de vista analítico, quanto teórico. Para o autor, independentemente de uma genealogia desse processo de tradução, a leitura de suas obras, trazidas para o português por diferentes tradutores e em diferentes casas editorias, sugere que as primeiras passagens para nossa língua – ele afirma que as traduções mais recentes parecem ser menos afetadas por isso –, apesar da correção gramatical, foram feitas sem atenção específica ao pensamento goffmaniano em especial ou, em sentido amplo, à sociologia e à filosofia americanas, de orientação pragmática, em que o autor insere (WERNECK, 2014). </P>
<P>Ainda segundo o autor, de todos os problemas de tradução, o mais sensível é traduzir “self” como “eu”, forma difundida por várias de suas obras disponíveis em português. Essa decisão não apenas ignora a relação entre a sociologia de Goffman e o amplo enquadramento interacionista impelido pela discussão sobre o conceito de self, aberta em especial por George Herbert Mead (1934), como também apresenta os debates a usarem esse conceito nos termos de uma unidade interiorizada (eu), psicológica, não pressuposta pelo modelo fundado no self. Como discutirei adiante, o self é um ente sígnico e fundamentalmente social, cujo modo de se inserir no mundo é envolto em uma economia dos significados que cada um representa para si mesmo e para os outros e na influência que esses sentidos para os outros produz sobre cada um. Ademais, como é bem sabido pela leitura de Mead, o self inclui um “eu” (além de um “mim”), e o objeto de Goffman não é essa parcela e sim todo o complexo semiótico e sua relação com a sociedade significativa, com o “outro significativo” (MEAD, 1934). </P>
<P>Assim, o título The Presentation of Self in Everyday Life seria, segundo Werneck (2014) – e concordo com ele –, mais bem traduzido como A apresentação do self na vida cotidiana. Veja-se que essa opção também prefere “apresentação” ao termo “representação”, escolhido pelas edições correntemente disponíveis em português. Isso porque a ideia de representação, embora sublinhe à sua maneira a metáfora do teatro, central para a obra, impulsiona sua interpretação para um jogo mais crítico do que aquele Goffman pretendia: impele a tratar a metáfora como um jogo de falseamentos no qual os atores sociais estrategicamente representam papéis com fachadas, que seriam como que máscaras a ocultar seu verdadeiro eu.
<Link>3</Link>
</P>
<P>Ora, a metáfora dramatúrgica do autor está muito mais centrada na multiplicidade de peças (roteiros) passíveis de experimentação pelos atores sociais, que precisam ter a competência de desempenhar diferentes papéis, apresentando seus selves uns aos outros a fim de se moverem competentemente na vida cotidiana. Esse ambiente rotineiro preenchido por rituais – no sentido de Durkheim, indicando ações sociais que não demandam prestação de contas, já que são partilhadas por todos na ordem de uma representação coletiva – constitui uma morfologia social por ele chamada de “ordem da interação” (GOFFMAN, 1983). Mas o principal motivo pelo qual o termo representação se interpõe entre seu uso por Goffman e seu uso na tradução é que ele, aqui, desempenhará uma função metodológica/epistemológica: no final das contas, como demonstrarei a seguir, este é um trabalho sobre representações sociais – isto é, visões de mundo – de atores sobre si mesmos. </P>
<P>Asylums, intitulado Manicômios, prisões e conventos no Brasil, padece do mesmo problema: as mudanças provocadas pela carreira são observadas, na versão brasileira, no eu (GOFFMAN, 1974[1961], p. 112) – o que, em se tratando de um trabalho sobre saúde mental, é particularmente problemático. Assim como no primeiro livro de Goffman, nesse a omissão do debate sobre o self não permite detalhar o processo em jogo em seu teatro de operações de constituição de um novo significante no sistema de apresentação/valoração
<Link>4</Link>
. E sua substituição justamente por essa outra palavra faz parecer que o autor está tratando de uma incorporação pura e simples, como se a questão passasse pela personalidade profunda, quando passa, na verdade, pelo jogo sígnico de apresentação/significação. Dessa maneira, como dito na Nota 1, trabalharei sempre em busca da maior fidelidade possível às palavras originais do autor, a fim de concentrar a discussão sobre a potencialidade do self como dispositivo analítico. </P>
<P> </P>
<P> </P>
<P>A carreira moral como objeto de pesquisa </P>
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<P>Invariavelmente, todos os meus interlocutores de pesquisa passaram por um mesmo desenho de carreira: foram incriminados (MISSE, 1999) e condenados pelo Sistema de Justiça Criminal (SJC), cumpriram pena privativa de liberdade e alcançaram os chamados “benefícios penais”, concedidos pela Vara de Execução Penal (VEP) do Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro (PJERJ). Trata-se, mais especificamente, de 14% dos apenados do estado, que se encontram cumprindo liberdade condicional (LC), prisão albergue domiciliar (PAD), prisão albergue domiciliar monitorada (PADM), limitação de final de semana (LFS), prestação de serviços à comunidade (PSC) ou suspensão condicional da pena (sursis). </P>
<P>No período de cumprimento dos benefícios penais, os atores precisam dar provas de interesse e dedicação em reconstituir os laços com a sociedade mais ampla e com as normas e instituições convencionais, respeitando uma série de regras e restrições impostas pelo benefício concedido
<Link>5</Link>
e se apresentando periodicamente ao Patronato Magarinos Torres, órgão da Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (Seap) destinado a orientar e fiscalizar os beneficiários. Ali, realizei 23 entrevistas de tipo compreensivo (KAUFMANN, 2013[1996]) com apenados que se encontram nessa condição; observei as relações estabelecidas entre eles e os profissionais do órgão; e acompanhei o atendimento prestado no interior da instituição pelas técnicas do setor de serviço social, que mediaram meu acesso aos entrevistados. </P>
<P>Embora os atores sobre os quais me debruço sejam reconhecidos e chamados no órgão pelo nome de “egressos”, eles ainda não são efetivamente definíveis por esse termo. Há uma diferença que não se pode ignorar entre o indivíduo que cumpre o término de pena na esfera extramuros e aquele que já a cumpriu integralmente e não presta mais contas ao Estado. Falo de uma fase híbrida, liminar, fora do espaço físico da prisão, mas dentro do sistema, em que os participantes se encontram ainda – e durante algum tempo – na condição de apenados.
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Assim sendo, vivem em uma espécie de limbo, em uma situação “no gerúndio”, transitando entre uma biografia da prisão e uma biografia de afastamento dela. Eles estão, na verdade, “egressando”, e, por isso, são chamados por mim de “egressantes”. </P>
<P>Os entrevistados pertenciam a diferentes classes sociais (da mais baixa à alta), trabalhavam em ocupações diferenciadas (lícitas e ilícitas), moravam em lugares distintos (da favela ao asfalto), foram condenados pelos mais variados tipos de crime (tráfico de drogas, constituição de milícia privada, formação de quadrilha, assalto a banco, furto, roubo, receptação, lesão corporal, estupro, homicídio, entre outros) e ingressaram nas mais diversas unidades do sistema carcerário fluminense.foram condenados pelos mais variados tipos de crime (tráfico de drogas, constituição de milícia privada, formação de quadrilha, assalto a banco, furto, roubo, receptação, lesão corporal, estupro, homicídio, entre outros) e ingressaram nas mais diversas unidades do sistema carcerário fluminense.foram condenados pelos mais variados tipos de crime (tráfico de drogas, constituição de milícia privada, formação de quadrilha, assalto a banco, furto, roubo, receptação, lesão corporal, estupro, homicídio, entre outros) e ingressaram nas mais diversas unidades do sistema carcerário fluminense.</P>
<P>O meu objetivo era compreender como as pessoas que atravessam – ou são atravessadas – pelo processo de encarceramento se reconhecem a posteriori, na revisão dessa carreira e dos papéis a ela correspondentes. Para tanto, procedi a uma análise das representações sustentadas pelos próprios atores para esses três períodos, interpretados (por eles mesmos) como fases de um processo mais amplo, para o qual olham retrospectivamente a partir da condição híbrida que aqui descrevo. Em outras palavras, empreendi uma análise retrospectiva, interessada em compreender (WEBER, 2001[1904], 1947[1922]) como os atores atribuem sentido àquilo que eram a partir daquilo que são. </P>
<P>Conforme Goffman (1961), o conceito de carreira permite considerar mudanças temporais básicas e comuns aos participantes de uma categoria social, embora ocorram de maneira independente para cada um deles. Nos termos do autor, a carreira está, de um lado, ligada à esfera íntima do sujeito, à imagem projetada de si para si mesmo; e, de outro, à posição oficial que ocupa, no interior das relações sociais e jurídicas, por meio de um estilo de vida que compõe um complexo institucional acessível ao público, exprimindo sua condição formal. Assim, ela transita do público ao privado e vice-versa, entre o sujeito e sua “sociedade significativa” (GOFFMAN, 1974[1961], p. 112). </P>
<P>Fundamental para a compreensão desse conceito – e também do que proponho neste texto – é entender o que o autor apresenta em The Presentation of Self in Evereyday Life (1959). Nessa obra, o indivíduo é tomado simultaneamente como um ator e um personagem, e o que permite a Goffman compreendê-lo como tal é o elemento performático e situado que o pragmatismo americano nomeou de self. Em minha leitura, e na leitura feita por Goffman, o self constitui uma unidade de individuação psicológica de caráter social, e não puramente interior, que se revela mais como processo (ou mecânica) do que como substância. Baseio-me na partição original construída pelo pragmatismo filosófico de William James (1950[1890]), segundo a qual o sujeito pode ser pensado, de um lado, como agente ativo de conhecimento (eu) e, de outro, como objeto passivo de ser conhecido (mim). </P>
<P>Igualmente, me apoio na discussão proposta por Charles Horton Cooley (2013[1902]), na continuidade de James (1950[1890]), com a metáfora do looking glass self, segundo a qual a imagem que sustentamos de nós mesmos é construída reflexivamente, isto é, a partir da maneira como somos vistos pelos outros. Naturalmente, recorro, ainda, ao arcabouço teórico de George Herbert Mead (1934), que estabeleceu as bases segundo as quais todo o modelo do self passou à sociologia da Escola de Chicago. Com a proposta de um behaviorismo social, Mead fundou uma ciência destinada a explicar o comportamento – termo que, nele e aqui, assume o sentido alemão, isto é, o de uma forma de agir que porta uma abstração, um espírito – sem recorrer à interioridade. Em vez disso, o autor emprega a dimensão social como base de suas explicações. Para ele, existem três dimensões em jogo: me (mim), que consiste na reprodução das reações socialmente construídas e corresponde às perspectivas que o sujeito aprendeu sobre si mesmo com os outros significativos; I (eu), que se refere aos comportamentos assumidos e criados por ele diante das reações sociais formalizadas, representando a dimensão mais íntima e individual do sujeito; e self (si), construído na relação indissociável entre esses dois componentes. </P>
<P>Destarte, o self é uma unidade sígnica formada por outras unidades sígnicas, o que significa, entre outras coisas, que ele é cambiante, não fixo. Tomando-o como tal, parto do pressuposto de que a construção de uma história de vida – e, portanto, de uma identidade – varia de acordo com o momento no qual o narrador fala. Ou seja, o lugar a partir do qual o sujeito olha para frente – e para trás – influencia a forma e, por vezes, o conteúdo de sua narração. Em minha leitura, isso está atribuído não somente a um modo específico de gestão da memória (POLLAK, 1986), mas também à aquisição de capacidades morais que alteram a interpretação e o julgamento do indivíduo sobre o mundo e sobre ele próprio. Nas páginas a seguir, descreverei esse processo no que concerne à carreira de egressantes penais, demonstrando como a experiência de encarceramento leva à aquisição de uma capacidade moral, revelada por meio da metáfora da ressaca (PORTO, 2017), que lhes serve de base para ressignificar a si mesmos e aos outros. </P>
<P> </P>
<P> </P>
<P>As instituições totais e o sofrimento </P>
<P> </P>
<P>Conforme Goffman (1961), a principal característica das instituições totais é a ruptura das barreiras que separam as diferentes esferas da vida cotidiana de pessoas cujas necessidades são controladas por uma organização burocrática. Nesse quadro, todos os aspectos da vida são realizados em um mesmo ambiente e sob uma única autoridade – isto é, sob um mesmo conjunto de regras de conduta. Cada fase da atividade diária dos participantes é realizada na companhia imediata de um grande grupo de pessoas, até então desconhecidas, que são tratadas da mesma forma e obrigadas a fazer as mesmas coisas em conjunto. Cada uma das atividades é rigorosamente estabelecida em horários, e toda a sequência delas é imposta por um sistema de regras explícitas, reunidas em um plano racional único, supostamente planejado para atender aos objetivos oficiais da instituição. O autor adverte que, individualmente, esses aspectos são encontrados em outros locais, além das instituições totais; contudo, é somente nesse tipo de organização que todos eles são reunidos simultaneamente e impostos às populações correspondentes de maneira involuntária. </P>
<P>Em síntese, a instituição total constitui um híbrido social, revelando-se parcialmente como comunidade residencial e parcialmente como organização formal – e é justamente aí que mora o principal interesse sociológico de Goffman. Para ele, o hibridismo confere a essas instituições uma capacidade de transformação de pessoas, constituindo verdadeiros experimentos naturais – ou “estufas” (GOFFMAN, 1974[1961], p. 22), como descreve – que nos dizem o que se pode fazer ao self de um indivíduo. Conforme sua análise, os atores chegam à instituição total com uma cultura aparente, vinculada ao seu “mundo doméstico” (Ibid., p. 24), que envolve um determinado conjunto de atividades e um estilo de vida correspondente. Qualquer que tenha sido o ambiente civil do interno, sua estrutura era parte de um agrupamento mais amplo de experiências que lhe confirmava uma concepção tolerável
<Link>8</Link>
sobre si mesmo e sobre o mundo. Isto é, uma concepção por ele julgada, com bases em seus valores, como moralmente adequada, dotada de sentido e, portanto, cabível – efetiva, traduzindo-a nos termos que aqui adoto. </P>
<P>Conforme Goffman, no contexto específico sobre o qual me debruço, o prisional, os atores não somente se encontram despidos do apoio das disposições sociais estáveis em seu mundo doméstico, como também se veem limitados ao desempenho de um único papel social possível, o de detento.
<Link>9</Link>
Desse modo, o interno perde o status social anteriormente alcançado e experimenta perdas permanentes e muitas vezes irreparáveis, pela interrupção de relacionamentos afetivos, de uma carreira profissional, da criação dos filhos etc. Esse processo representa uma espécie de “morte civil” (Ibid., p. 25), agravada pela efetivação de determinadas práticas ritualizadas, como descreve o autor sobre as instituições americanas: a raspagem da cabeça, o uso do uniforme, a separação de seus bens pessoais etc. Nesse tipo de organização, as fronteiras que separam o indivíduo do ambiente são invadidas, e os territórios de seu self são violados, mediante o risco de contaminação pelo meio.
<Link>10</Link>
Por conseguinte, o sujeito institucionalizado não somente é definido e tratado de um modo específico, como também vê a si mesmo e se experimenta de maneira correspondente. </P>
<Endnote>
<P>mas também admite a ocorrência de ajustamentos “secundários”, que “representam formas pelas quais o indivíduo se isola do papel e do self que a instituição admite para ele” (GOFFMAN, 1974[1961], p. 160). </P>
<P>10 Ainda segundo Werneck (2017), é bastante nessa perspectiva que se coloca o sentido de spoiled identity na obra de Goffman: tratar-se-ia de um self do qual os outros se apoderaram, extraindo de si a capacidade (o poder mesmo) de se definir a si mesmo e de contar com agência plena, livre – caso em que a identidade “virtual” (GOFFMAN, 1982[1963]), pressuposta pelos outros a partir de traços capazes de permitir a categorização e a previsão comportamental, se sobrepõe a uma identidade autorrepresentada (ou mesmo apresentada), sem que uma identidade “efetiva” (actual) esteja disponível na definição de situação. </P>
<P>11 É importante lembrar que os entrevistados experimentam o estágio terminal da carreira penal, isto é, de quem já percorreu os processos de acusação, de incriminação e de condenação, encontrando-se agora, como me narraram, “de calça arriada, não tem como negar [o crime pelo qual foram condenados]”. </P>
<P>12 Vale lembrar também que os atores sobre os quais eu me debruço se encontram na condição de “beneficiários” do sistema, ou seja, gozam de “benefícios penais” porque se encaixaram no modelo pretendido e corresponderam às expectativas institucionais no período de encarceramento – seja essa apresentação fruto de um conhecimento apreendido e aprendido no decorrer da carreira penal, mobilizado estrategicamente, seja ela desempenhada de maneira irrefletida e não racionalizada. Mais especificamente, eles cumpriram seu tempo mínimo de pena no regime fechado – 1/6 para réus primários condenados por crimes comuns; 2/5 para réus primários condenados por crimes hediondos; e 3/5 para reincidentes – com um índice de aproveitamento julgado como satisfatório no chamado “boletim penitenciário” e alcançaram resultados considerados adequados no exame criminológico e nos demais exames solicitados pela VEP. </P>
<P>13 Ver Barbosa (2006). </P>
<P>14 A rigor, o termo mobilizado por egressantes é “ilusão”. Mas o adjetivo aqui informa melhor, já que ilusões, segundo suas narrativas, são os ganhos fáceis oriundos da vida do crime – que é bastante real e experimentada como realidade por eles, e também de forte agência, sendo produtora dessas ilusões como se fosse uma entidade dotada de vontade própria, um gênio maligno cartesiano ou um ser demoníaco. </P>
<P>15 Goffman (1971) mostra relativo desinteresse nas desculpas (excuses), dedicando mais espaço aos pedidos de desculpa (apologies) como “inter-relações reparadoras” (GOFFMAN, 1971, pp. 113-118). As primeiras, ele define, despretensiosamente, como “um account oferecido em resposta a uma acusação aberta ou implícita, mas considerado capaz de reduzir apenas parcialmente a culpa” (Ibid., p. 113) e remete o leitor a uma discussão generalista sobre as prestações de conta em Scott e Lyman. </P>
<P>16 Isso absolutamente não corresponde a dizer que os atores, antes da carreira, não sejam moralistas e, especialmente, não quer dizer que os envolvidos “no crime” não o sejam – como se eles fossem libertários dispostos a aceitar (ou mesmo abraçar) quaisquer códigos distintos. Como mostram inúmeras etnografias – ver, por exemplo, Zaluar (1985), Grillo (2013) e Teixeira (2013) –, a vida no crime é particularmente obtusa do ponto de vista moral, com punições até com a morte para toda uma série não letal de “vacilos” (TEIXEIRA, 2013) – e como mostra ainda Machado da Silva (1993), esse mundo navega entre diferentes ordens legítimas. Além disso, é claro que muitas “pessoas de bem” são capazes de “se colocar no lugar do outro” e, por exemplo, admitir um roubo quando o outro estiver com fome. O moralismo não é apanágio de nenhum lado dessa equação e nem uma posição fundamental. O que sustento aqui é que a ressaca é especialmente capaz de criar uma forma particular de moralismo, aquele em relação à vida pregressa, que cria como inaceitável uma moral outrora defendida. </P>
<P>17 É possível comparar a ideia de mortificação de Goffman com aquilo a que Foucault (2001, p. 862) se refere em sua interpretação das obras de Nietzsche, Blanchot e Bataille, que “propuseram a ideia de uma experiência que separa o sujeito de si mesmo, ou que entende que ele não é sujeito do si, ou ainda que o encaminhe para uma dissolução do si”. Ainda conforme Foucault, a “ideia de uma experiência-limite que arranca o sujeito de si mesmo” é uma proposta de dessubjetivação – e, por isso, é também conhecida como a “experiência do fora” (FOUCAULT, 2001; LEVY, 2003). Mas, assim como não interpreto a mortificação em seu sentido literal, não considero o processo descrito por Foucault como uma proposta de dessubjetivação. Se o self é um componente flexível, dotado de elasticidade, um processo que “encaminha o sujeito para uma dissolução de si” não poderia levar a outro lugar senão o de ressubjetivação – que, neste caso, se revela na ressaca. </P>
</Endnote>
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<P>Na linguagem exata de algumas de nossas mais antigas instituições totais, começa uma série de rebaixamentos, degradações, humilhações e profanações do self. O seu self é sistematicamente, embora muitas vezes não intencionalmente, mortificado. Começa a passar por algumas mudanças radicais em sua carreira moral, uma carreira composta pelas progressivas mudanças que ocorrem nas crenças que [o sujeito] têm a seu respeito e a respeito dos outros que são significativos para ele (Ibid., p. 24). </P>
<P>Conforme as narrativas de egressantes penais, as mudanças às quais Goffman se refere são operacionalizadas pelo sofrimento experimentado no cárcere. Falo de sofrimento e não de “dores do cárcere”, como queria Sykes (1974[1958]), porque o termo, mobilizado por meus interlocutores, incorpora uma categoria nativa. O sofrimento ao qual me refiro também atravessa a experiência da dor, mas, nesse caso, ela ultrapassa o sentido visceral, anatômico, do termo, transcendendo o fluxo meramente sensorial e penetrando os esquemas de significação, interpretação e explicação de quem a padece (LE BRETON, 2007). Por certo, cada um dos atores experimentou o sofrimento em intensidades variadas, a depender de uma série de fatores, como o apoio da família, o presídio no qual cumpriu pena, a relação estabelecida com companheiros de cela, as suas próprias trajetórias e demais especificidades biográficas. Mas, a despeito das diferenças de percurso, há um consenso mais ou menos geral entre os entrevistados de que a experiência de prisão corresponde a uma condição de sofrimento – cujos efeitos são negociáveis, mas não inescapáveis – distendida em duas dimensões: o sofrimento de si e o sofrimento do outro. </P>
<P>O sofrimento de si decorre de fatores concretos, de ordem objetiva, e de fatores abstratos, de ordem existencial e subjetiva. Os fatores concretos compreendem: a fome, pela alimentação precária, oferecida somente duas vezes ao dia, e, por vezes, apodrecida; a sede, pela supressão de água potável durante períodos prolongados e a disponibilização de “água de esgoto”, contaminada, de sabor e aspecto duvidosos; o frio, pela falta de agasalhos, cobertores, ou mesmo roupas, em alguns casos; o calor, pela própria infraestrutura dos presídios, pela ausência de ventilação e pela superlotação das celas; as dores no corpo, pelas agressões físicas sofridas, ora por agentes penitenciários, ora por companheiros de cela, e também pelas noites de sono mal dormidas, dada a ausência de camas e colchões; as enfermidades já contraídas ou adquiridas no cárcere, pelas péssimas condições de higiene e de saneamento básico, pela ausência de acompanhamento médico, de remédios e métodos de tratamento, de combate e prevenção às doenças etc. </P>
<P>Já os fatores de ordem subjetiva compreendem: a saudade de entes queridos; as ameaças e agressões psicológicas sofridas por agentes penitenciários e companheiros de cela; a ansiedade que, por vezes, leva à depressão; a incerteza em relação ao futuro; o sentimento de vulnerabilidade e de medo constante; a sensação de impotência; o tédio e a solidão; o abandono e descaso do Estado – e, muitas vezes, da própria família; o confinamento e a obstrução do livre arbítrio; a violação de seus direitos mais básicos, como o da dignidade; o desafio de experimentar os limites da condição humana e de viver, como me descreveram, em um “modo de sobrevivência”; e a humilhação de ser visto e de ver a si mesmo todos os dias dessa maneira. De fato, os atores se veem condenados não somente à privação de liberdade, mas também a um estatuto de existência orientado, como bem define Foucault (1977, p. 14), pela “arte de fazer sofrer”. </P>
<P>O sofrimento do outro, por sua vez, corresponde àquele causado em suas famílias e entes queridos, pelas rotinas de visitação e pelo péssimo tratamento oferecido aos visitantes; pelo trabalho incessante de cobrança das autoridades e de acompanhamento do processo do interno; pela falta de informação, que gera medo, ansiedade e preocupação com o seu bem-estar; pelo sentimento de impotência, em não poder ajudá-lo; pela decepção; pela saudade etc. Mas, embora o sofrimento do outro seja, na verdade, experimentado pelo outro, ele acarreta também um sofrimento de si, na medida em que o interno se sente responsável (por conta do que fez ou pelo menos por estar ausente) pela dor de seus familiares e de todos aqueles que sofrem por sua condição – e que, no fim das contas, não fizeram nada de errado. Aqui, entramos na dimensão moral da dor, intimamente ligada à atribuição dos papéis de “culpado” e “inocente”. Na ampla maioria dos casos, os egressantes se declaram merecedores da pena a eles imposta
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– quando não reivindicam penas mais duras e severas: “Eu acho que eu não paguei nem um terço do mal que eu fiz” (Egressante 1). Assim sendo, há um consenso de que “o sofrimento é muito maior pra quem tá do lado de fora” porque, seja quem for, “não merecia passar por isso”. </P>
<P>Em suma, a condição de sofrimento que se impõe ao interno atinge tudo aquilo que ele pode chamar de “seu”: seu corpo, seus domínios psíquicos, sua casa, sua família, seus amigos, seu status, seu meio. Ora, se para James (1950[1890]) o que sentimos e como agimos em relação ao que temos (mine) é equivalente ao que sentimos e como agimos em relação a nós mesmos (me), não seria exagero dizer que o sofrimento incide não somente sobre aquilo que os atores têm, mas também sobre aquilo que eles são, isto é, sobre a constituição mesma de seus selves – ao menos naquele momento. Não à toa, os egressantes tendem a descrever o cárcere como uma espécie de catalisador de transformação de si, um dispositivo que opera retrospectiva e prospectivamente, promovendo a revisão dos atos anteriores e a motivação para “acordar” e “dar valor ao que importa”. Nesse quadro, o encarceramento pode ser tomado, tal como me narraram, como uma espécie de “prova” ou “teste” de resistência, no qual “se impõe um estado de indeterminação inicial a ser resolvido pelo desempenho dos participantes no curso da própria prova” (CORRÊA e CASTRO, 2016). Como me disse um entrevistado: </P>
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<P>– Eu consegui passar por essa prova aí, mas [a prisão] é um lugar de muito sofrimento. Você não pode ir e vir; quer ver as pessoas e não pode ver; vê várias coisas acontecendo e não pode fazer nada pra aquilo mudar... É muita coisa que dentro do cárcere é difícil. As covardias que eu vi... Sei lá, acho que o mais difícil em provas que você passa é a covardia do dia a dia mesmo. E o pior disso tudo é: você tá lá dentro, né, e não poder sair. É difícil. Mas graças a Deus, eu consegui passar aí e tenho conseguido sobreviver e viver. (...) Do ruim, eu tirei o bom. Saí mais tranquilo, mais preparado... Agora eu penso antes de tomar qualquer atitude. Em vez de contar de um até dez, eu conto até cem. O sofrimento me ensinou muito. Antigamente, duas palavrinhas que uma pessoa falava meio atravessada comigo, na terceira já ia arrumar problema. (Egressante 2) </P>
<P>No momento em que a prova é interrompida pela concessão de benefícios penais, os atores costumam se reconhecer como vencedores e encontram em si capacidades até então inexploradas, como maturidade, autocontrole e resiliência. Ou seja, em sua interpretação, uma vez colocados “à prova”, os pesquisados “se provam” melhores e mais fortes do que antes. Por isso, a posteriori, eles atribuem ao sofrimento um caráter relativamente positivo, descrevendo-o como um agente de “aprendizado” – e, em alguns casos, de uma conversão quase religiosa. Em outras palavras, retrospectivamente, o sofrimento costuma ser descrito como uma espécie de investimento, um sacrifício a ser compensado pela situação atual. Como me disse outro egressante: </P>
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<P>– Um ano e cinco meses dentro daquele lugar, só pensando na minha família, como é que ia ser... Bate um arrependimento muito forte. Já chorei muitas vezes pensando que não era pra mim ter feito isso. Foi uma falha, né? Quando você passa pela dificuldade é que você começa a dar valor. (...) Você não tem trabalho dentro da cadeia, você não tem médico lá dentro, não tem remédio, então você passa por umas dificuldades. Mas é experiência também, né, pra você pensar mais na vida. Pensar pra você não fazer as coisas de errado, entendeu? Agora eu penso muito mais antes de fazer as coisas: será que vai dar certo ou não vai dar certo? Eu penso antes de fazer agora, pra não fazer as coisas de errado. (Egressante 3) </P>
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<P>Majoritariamente, os egressantes
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se declaram arrependidos do que fizeram e dispostos a se manter longe do crime. Como pude depreender de suas falas, isso não reflete, tampouco resulta do processo de transformação ou de aprendizado a que se pretende a instituição. Parece-me, antes disso, uma reação imediata, mecânica, à experiência de sofrimento; ou uma operação lógica, quase matemática, segundo a qual o crime gera sofrimento, e, por isso, deve ser evitado. Como se diz na cadeia: “quem tem medo não merece castigo” – e, de fato, o que se aprende na cadeia é ter medo. Assim sendo, não é um processo de recuperação ou de regeneração moral e ética que está em jogo, mas de aquisição de uma capacidade moral cuja metonímia é o medo, já que representa o dispositivo cognitivo fundamental para a sua operacionalização. </P>
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<P>A ressaca </P>
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<P>Do sofrimento descrito até aqui decorre aquilo que chamo de “ressaca” (PORTO, 2017): uma resistência automática, instantânea – e eterna enquanto dure – contra tudo e todos que, em suas interpretações, os conduziram ao cárcere ou que poderiam conduzi-los novamente. Trata-se de um reflexo, ou um sintoma da experiência de prisão, que revela o anseio de “nunca mais voltar para aquele lugar” e, portanto, de se afastar permanentemente do crime. Tomo o encarceramento em analogia à embriaguez porque os dois casos conjecturam uma espécie de ojeriza posterior, levando à iniciativa, e às vezes à promessa, que nem sempre se cumpre, de nunca mais repetir a dose. Não pretendo, com isso, afirmar que a prisão cumpre o papel de coibir o comportamento criminoso, tampouco ratificar a afirmativa de Magalhães (2006) sobre o seu efeito dissuasório, mesmo porque, como se sabe, uma série de componentes do “mundo do crime” (RAMALHO, 1979; ZALUAR, 1985; MACHADO DA SILVA, 1993; MISSE, 1999; BARBOSA, 2005; FELTRAN, 2008; NERI, 2009; TELLES, 2010; HIRATA, 2010; LOPES, 2011; LYRA, 2013; GRILLO, 2013; TEIXEIRA, 2013; ZILLI, 2015) é absorvida pela lógica intramuros, sobretudo no contexto fluminensepretendo, com isso, afirmar que a prisão cumpre o papel de coibir o comportamento criminoso, tampouco ratificar a afirmativa de Magalhães (2006) sobre o seu efeito dissuasório, mesmo porque, como se sabe, uma série de componentes do “mundo do crime” (RAMALHO, 1979; ZALUAR, 1985; MACHADO DA SILVA, 1993; MISSE, 1999; BARBOSA, 2005; FELTRAN, 2008; NERI, 2009; TELLES, 2010; HIRATA, 2010; LOPES, 2011; LYRA, 2013; GRILLO, 2013; TEIXEIRA, 2013; ZILLI, 2015) é absorvida pela lógica intramuros, sobretudo no contexto fluminensepretendo, com isso, afirmar que a prisão cumpre o papel de coibir o comportamento criminoso, tampouco ratificar a afirmativa de Magalhães (2006) sobre o seu efeito dissuasório, mesmo porque, como se sabe, uma série de componentes do “mundo do crime” (RAMALHO, 1979; ZALUAR, 1985; MACHADO DA SILVA, 1993; MISSE, 1999; BARBOSA, 2005; FELTRAN, 2008; NERI, 2009; TELLES, 2010; HIRATA, 2010; LOPES, 2011; LYRA, 2013; GRILLO, 2013; TEIXEIRA, 2013; ZILLI, 2015) é absorvida pela lógica intramuros, sobretudo no contexto fluminense</P>
<P>No decorrer da pesquisa, entrevistei reincidentes que me relataram ter experimentado a ressaca somente na segunda ou na terceira passagem pela prisão, e também fui confrontada com dois casos de exceção, cujas narrativas não se apresentaram de maneira “ressacada”. Em minha leitura, a ressaca não decorre somente dos marcadores institucionais inerentes ao processo de encarceramento, mas também – e principalmente – dos próprios marcadores biográficos dos participantes, que operam de maneira a viabilizá-la ou a obstruir. Minha aposta é que a ressaca pode durar dias, meses, anos ou uma vida inteira, a depender de uma série de fatores, como amparo familiar, apoio institucional e oportunidades – tanto de voltar ao crime, quanto de se reestabelecer na sociedade mais ampla. Assim sendo, os índices de reincidência no sistema não fazem da ressaca um estado menos real ou efetivo – o que, diga-se de passagem, pouco importa à análise proposta. Falo, como efeito, de uma intenção, a partir da qual os atores olham e avaliam seu passado, presente e futuro, por mais breve que ela possa ser. </P>
<P>Conforme as variações observadas em suas narrativas, os egressantes podem ser agrupados em duas grandes categorias, que experimentam a ressaca de maneiras fundamentalmente distintas. O primeiro grupo é formado por aqueles que outrora ingressaram e se engajaram – embora nem sempre na mesma medida – em um universo de ação e significação representado como o “mundo do crime”. Incluídos aqui estão, principalmente, os participantes condenados por tráfico de drogas cuja atividade se configura como a expressão mais clara daquele universo, permitindo aos envolvidos estabelecerem um estilo de vida que gira inteira ou majoritariamente em torno do crime (TEIXEIRA, 2013). Também participam deste grupo aqueles que foram incriminados por roubo e receptação, atividades que absorvem o sentido de “mundo do crime”, como aponta uma vasta literatura (BARBOSA, 2005; NERI, 2009; LOPES, 2011; LYRA, 2013; GRILLO, 2013; TEIXEIRA, 2013). </P>
<P>Nesse caso, a ressaca parece levar à ressignificação da vida no crime como “ilusória”
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, isto é, como um estilo de vida cujos artifícios viriam a comprometer a percepção, o discernimento e os sentidos dos participantes – sobretudo a visão, já que a metáfora da cegueira aparece como o principal sintoma desse tipo de engajamento –, afetando sua capacidade de julgamento e os levando ao ludíbrio. Sendo assim, os egressantes empregam essa representação em um período de desilusão ou desencanto, ou seja, em um momento de clareza em que seria possível, enfim, enxergar. Em outras palavras, eles mobilizam a ideia de ilusão em um estágio da carreira em que afirmam não estar mais “cegos” – e, por que não, alienados – pelas artimanhas do mundo do crime, visto que seus artifícios se provaram efêmeros e aquela realidade, fugaz. Destarte, trata-se de um momento em que eles estão aptos a identificar, melhor que qualquer analista, seu próprio envolvimento no crime e pelos encantos do crime. Assim, se, sob o efeito da ilusão, os participantes julgavam que essa atividade valia a pena, agora, sob o efeito da ressaca, consideram que “o crime não compensa”. </P>
<P>O segundo grupo, por sua vez, é formado por egressantes que nunca adentraram o mundo do crime; mas, em vez disso, estabeleceram uma série de compromissos com as normas e instituições convencionais ao longo de toda a sua trajetória, engajando-se naquilo que podemos chamar de “mundo da legalidade” (PORTO, 2017), em contraposição ao primeiro – ou, como me disse um entrevistado, na “vida real”. Aqui, incluo atores incriminados por atividades que não exigem uma rotina de envolvimento pleno e comprometido, compreendendo, casos singulares, eventuais, imprevistos – fruto de um estado de exaltação, impulsos irracionais ou pensamentos despropositados, como descrevem. Nesse caso, o crime não corresponde a um estilo de vida nas leituras atributivas sobre o indivíduo; trata-se, ao contrário, de um episódio inusitado, um desvio de seu padrão de comportamento, uma exceção à regra, uma prática incompatível com a vida cotidiana, que contradiz tudo aquilo que os atores acreditavam – e ainda acreditam – ser. Assim sendo, a ressaca leva à ressignificação do crime como um “deslize”, uma “falha”, um “engano”, um delírio (do sujeito ou de quem o julgou), ou, como prefiro chamar, um desatino – que se aproxima da ideia de ilusão porque se descola da realidade e neutraliza a (auto)condenação. </P>
<P>Seja como ilusão, seja como desatino, o fato é que meus interlocutores mobilizam accounts (SCOTT e LYMAN, 2008[1968]; GOFFMAN, 1971, pp. 109-113) em suas construções narrativas e – por que não? – identitárias. Conforme Scott e Lyman (2008[1968]), accounts são afirmações feitas para explicar um comportamento imprevisto ou impróprio, que figuram um elemento crucial na ordem social à medida que constroem pontes sobre o vão entre a ação e a expectativa, evitando o surgimento de conflitos. Ao que parece, os egressantes mobilizam esse dispositivo de maneira a desvincular a ação pela qual foram incriminados e se tornaram objeto de punição, da expectativa – dos outros e de si mesmos – em relação à sua identidade. Trata-se de uma prestação de contas que legitima sua intenção e a sua capacidade de afastar-se permanentemente do crime, dado o caráter situacional e localizado daquele desempenho, atestando uma essência não criminosa em suas subjetividades. </P>
<P>Ainda segundo Scott e Lyman, há dois tipos de accounts: desculpas e justificativas (ou justificações), podendo-se invocar uma delas ou ambas quando a pessoa é acusada de ter feito algo “ruim, errado, inepto, indesejável ou, em algumas de numerosas possibilidades, impróprio” (AUSTIN, 1961, p. 124). Usualmente, meus interlocutores empregam desculpas, um dispositivo linguageiro e de resposta a julgamentos morais em que “alguém admite que o ato em questão seja ruim, errado ou inapropriado, mas nega ter plena responsabilidade sobre ele” (SCOTT e LYMAN, 2008[1968], p. 141). </P>
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<P>Se se pode “recusar a responsabilidade sobre as consequências pejorativas de um ato”, mesmo que se reconheça o quão pejorativas elas são, é porque o caso, para o criticado/acusado, corresponde a uma crítica/acusação que, ao se fixar no universalismo ideal-utópico da regra, não levou em consideração uma circunstância, um traço específico daquela situação ou de algum actante nela envolvido, que a torna peculiar o suficiente para, especificamente naquele momento, não se respeitar o princípio em questão (WERNECK, 2013, p. 710). </P>
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<P>Werneck sugere que a desculpa, por seu turno, também assume duas formas distintas.
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A primeira é a desculpa do “é assim mesmo”, que, segundo ele, se fundamenta em uma </P>
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<P>circunstância (...) [que] se manifesta em uma alteração do curso de ação prevista, de modo que se cria uma partição entre a situação [supostamente] normal e uma normalidade outra, revelada na desculpa, e segundo a qual o ocorrido é circunstancialmente aceitável (Ibid., p. 710). </P>
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<P>Nesse caso, ainda segundo o autor, os atores informam ao outro que o mundo contém algum tipo de partição com uma gramática própria – e outra – e que a situação na qual as partes estão imersas foi deslocada para esse mundo de forma contingente, sendo preciso entender o outro mundo, que funciona “assim mesmo como se está vendo”. Em meu modelo analítico, esse tipo de desculpa acomoda a ideia de “ilusão” mobilizada pelos pesquisados do primeiro grupo citado. Como sinalizei, eles costumam explicar seu engajamento no mundo do crime pela influência de determinados elementos – em geral, amigos, status, fama, poder, adrenalina, dinheiro –, que viriam a ofuscar os riscos e prejuízos previstos nessa forma de vida: “Quando tu tá na fama, tá no auge, tá indo para o baile, gastando mil, dois mil, rodeado de amigos, (...) você fica cego, você é iludido pela vida do crime” (Egressante 4). </P>
<P>Conforme as descrições de egressantes, esses elementos compõem uma espécie de racionalidade alternativa capaz de “converter” os atores em sujeitos criminais (MISSE, 1999) e os cooptar ao engajamento pleno em seu universo de ação e significação. Na prática, o account informa que um mundo com certo funcionamento se instaura diante dos atores e se mostra mais forte que eles, capturando suas agências de forma incontornável (WERNECK, 2013). Nesse sentido, para os entrevistados, o crime (a fama, o auge) “é assim mesmo”, algo que ilude e faz a pessoa perder sua capacidade de julgamento. </P>
<P>A segunda forma de desculpa descrita por Werneck é a chamada “não era eu”, segundo a qual os atores costumam explicar seu comportamento por uma circunstância que os fez se tornar outra pessoa, conduzindo-os a um estado alterado de si mesmo, que não corresponde àquilo que eles realmente são. Como diz ainda o autor, trata-se de </P>
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<P>[u]ma alteração do curso de ação prevista do ator, de modo que se cria uma partição temporal entre aquele que o ator sempre é e aquele que ele foi temporariamente quando praticou a ação – por exemplo, por estar nervoso, bêbado, “fora de si”, ou por não ser mesmo ele o responsável pelo ocorrido (Ibid, p. 710). </P>
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<P>Em minha análise, essa segunda forma do account fundado na circunstância acomoda a ideia de desatino mobilizada por egressantes do segundo grupo citado. O que o account apresenta é que uma identidade social virtual alternativa de si guiou circunstancialmente o processo decisório avaliativo da pessoa e que isso só pode dar algo agudamente alterador se colocar diante do par eu-mim algo que faz o ator não ser ele mesmo, isto é, não apresentar o self que, segundo ele, habitualmente apresentaria. Como apontei anteriormente, os participantes desse grupo costumam explicar o comportamento previamente desempenhado por meio da influência de situações problemáticas, de estresse e mal-entendidos diante dos quais eles não teriam agido de maneira costumeira, mas de modo impensado, irracional, inconsequente. Como me descreveu um entrevistado: “[aquele que cometeu o crime] foi uma pessoa que eu nem reconheço” (Egressante 5). </P>
<P>Desse modo, em ambos os casos, os atores empreendem um retorno ao passado para reescrevê-lo em outras bases, segundo a nova maquinaria moral adquirida – ou treinada ou imposta – para julgar a si mesmo e aos outros. Mobilizando a circunstância, eles se desvinculam da pessoa que cometeu o crime e sofreu o castigo – ou do mundo que lhe serviu de base –, seja porque ela estava circunscrita a uma racionalidade alternativa, seja porque incorporava uma versão desracionalizada de si mesmo. Nesse quadro, a ressaca se revela como um dispositivo de prova da desculpa e da transformação operada na carreira, pois muito embora a desculpa não exija propriamente provas, elas costumam ser substanciadas por narrativas. </P>
<P>De fato, o jogo racional de comprovação – no qual é preciso demonstrar o ajustamento da situação pragmática a um princípio metafísico – é um apanágio do regime de justiça (BOLTANSKI e THÉVENOT, 1991) e, portanto, da justificação. Nesse caso, no entanto, não são feitas ponderações de argumentos e da tangibilidade de provas e sim a verificação da pura circunstancialidade (WERNECK, 2012). Assim sendo, a desculpa funciona como o ativador de um processo de deslocamento do plano abstrato da regra moral para um plano metapragmático, no qual as circunstâncias expõem a distância entre moral abstrata e mundo concreto (Idem, 2016). </P>
<P>Essa dinâmica ressaca/desculpas parece consistir, efetivamente, em uma manobra identitária, a partir da qual os atores não se reconhecem – no sentido deweyano do termo (DEWEY, 1987) – naquele que foi objeto de incriminação e encarceramento. Nessa operação, os participantes atribuem uma agência externa à origem decisória de suas ações passadas, ao mesmo tempo que reivindicam a agência de si mesmos no momento presente, já que retomaram seu estado de “normalidade”. E, assim, justificam a sua condição atual de cidadão, produzida pelo compromisso entre o mundo cívico (eles agora se integram a um todo como pequeno sob proteção de um Estado garantidor e ocupante da condição de grande), o mundo mercantil (eles agora trabalham e ganham seu dinheiro justo em troca de seu esforço) e o mundo do renome (eles reconstituem uma reputação e demonstram estar condizente com a dinâmica da opinião) (BOLTANSKI e THÉVENOT, 1991). </P>
<P>Finalmente, tomando o tema da agência social sob o prisma do situacionismo metodológico (CICOUREL, 1964; KNORR-CETINA, 1981; COLLINS, 1981; JOSEPH, 2000), em especial a partir da leitura proposta por Werneck (2013), parto do pressuposto de que a clássica dicotomia agente-estrutura pode ser lida como um par de representações pensadas não (simplesmente) como disposições, mas como dispositivos – a agência do agente e a agência da estrutura –, mobilizados pelos atores para entender/operar o mundo e para efetivar as ações e situações nas quais se encontram inseridos ou pelas quais passaram. </P>
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<P>Considerações finais </P>
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<P>Retomando a citação de Goffman (1961, p. 128) que abre este artigo, entendo que uma fundamental transformação no “esquema de imagens” da pessoa para “julgar a si mesma e aos outros” se encontra na construção, na maquinaria moral dos atores, de um dispositivo cognitivo capaz de tornar o ator pouco a pouco mais moralista, isto é, mais disposto a levar em consideração códigos morais alternativos. O que, nesse caso, não ocorre de maneira ampla e genérica, mas específica, já que é partir de um código particular, o da “pessoa de bem”, que se dá esse moralismo.
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Por outro lado, o dispositivo parece também intensificar a discrepância entre a nova metafísica moral adquirida e a anterior, valorizando enormemente essa distância por meio de uma intervenção somática: a impressão de um sofrimento perene é permanentemente trazida à mente (e, por vezes, ao corpo), alterando o sinal moral da vida pregressa em favor da nova. </P>
<P>Como disse, mesmo aqueles que gozaram de uma posição mais favorável ou privilegiada no cárcere tiveram de se haver com as “dificuldades”, as “necessidades”, e as “dores” inerentes àquele universo. Muito embora eu tome esse sofrimento ainda nos termos de Goffman (1961), como algo que “mortifica” um self conhecido, previsível e ritualizado dos participantes, não considero que, com esse termo, o autor se refira a um entorpecimento propriamente dito. Como apontei anteriormente, o self é uma unidade de individuação situada, uma fotografia da relação entre um “eu” (I) e um “mim” (me) em um determinado contexto. E, como tal, não admite desfecho senão como ponto de uma linha contínua. Por isso, considero que a mortificação assinalada por Goffman refere-se mais a um processo de reconfiguração calcado na criatividade, na competência (GARFINKEL, 1967) e na capacidade de agência dos atores diante de determinados desafios gramaticais no interior da, como quer o autor, ordem da interação.que “mortifica” um self conhecido, previsível e ritualizado dos participantes, não considero que, com esse termo, o autor se refira a um entorpecimento propriamente dito. Como apontei anteriormente, o self é uma unidade de individuação situada, uma fotografia da relação entre um “eu” (I) e um “mim” (me) em um determinado contexto. E, como tal, não admite desfecho senão como ponto de uma linha contínua. Por isso, considero que a mortificação assinalada por Goffman refere-se mais a um processo de reconfiguração calcado na criatividade, na competência (GARFINKEL, 1967) e na capacidade de agência dos atores diante de determinados desafios gramaticais no interior da, como quer o autor, ordem da interação.que “mortifica” um self conhecido, previsível e ritualizado dos participantes, não considero que, com esse termo, o autor se refira a um entorpecimento propriamente dito. Como apontei anteriormente, o self é uma unidade de individuação situada, uma fotografia da relação entre um “eu” (I) e um “mim” (me) em um determinado contexto. E, como tal, não admite desfecho senão como ponto de uma linha contínua. Por isso, considero que a mortificação assinalada por Goffman refere-se mais a um processo de reconfiguração calcado na criatividade, na competência (GARFINKEL, 1967) e na capacidade de agência dos atores diante de determinados desafios gramaticais no interior da, como quer o autor, ordem da interação.</P>
<P>É redundante dizer que o cenário prisional vem se transformando significativamente desde que Asylums (GOFFMAN, 1961) foi publicado. Mediante as análises contemporâneas, que apontam para a “erosão” (CUNHA, 2003) das fronteiras entre a prisão e a sociedade mais ampla e para os “vasos comunicantes” (GODOI, 2015) que conectam os polos intra/extramuros, a contribuição do autor sobre o processo de encarceramento é muitas vezes tomada como desatualizada, obsoleta ou, no mínimo, fora de contexto. É importante destacar, contudo, que a leitura proposta por Goffman sobre as instituições totais, e sobre a prisão mais especificamente, é consideravelmente mais sóbria e menos determinista que a de seus contemporâneos. Na “sociedade dos cativos”, de Gresham Sykes (1974[1958]) e, sobretudo, na “comunidade prisional”, de Donald Clemmer (1940), o cárcere e a sociedade mais ampla são interpretados como realidades impermeáveis, e o encarceramento é tomado como um processo que beira a aculturação. </P>
<P>No modelo analítico de Goffman, por seu turno, a internação em uma instituição total não prevê um processo de assimilação cultural. Isso significa dizer que, a despeito de seu caráter de fechamento, esse tipo de organização não substitui algo já formado pela cultura aparente dos internos. Como ressalta o autor, se alguma mudança cultural ocorrer no processo de encarceramento, ela se deve ao afastamento de algumas oportunidades de comportamento e à impossibilidade de acompanhar as mudanças sociais recentes no mundo externo. Por isso, se a estadia do interno for muito longa, pode haver uma espécie de “destreinamento” que o tornaria temporariamente incapaz de enfrentar determinados aspectos de sua vida diária no exterior – como me descreveram algumas vezes no decorrer da pesquisa. </P>
<P>Destarte, condenando a obra de Goffman ao passado, perdemos uma sensibilidade analítica que permite identificar questões vigentes sobre o processo de encarceramento – ainda que o cárcere não constitua hoje uma instituição tão “total” assim. Em minha leitura, o que o autor oferece de fundamental à sociologia das prisões – e, acredito, à sociologia das interações, central em The Presentation of Self in Everyday Life, e, especialmente, à sociologia da moral – é sua forma peculiar de abordar o processo padronizado de “tratamento” (para a instituição total) do desviante como processo de instauração de um filtro moral. Trata-se, portanto, de um elo entre algo que se apresenta, um significante, e seus múltiplos sentidos, à maneira como ele é valorado e comparado com outros significantes, isto é, como ele é avaliado e julgado. </P>
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<H1>Referências </H1>
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<P>CAMILLE DE AZEVEDO MARINHO PORTO (camilleporto@outlook.com) é doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Sociologia do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (Iesp), da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj, Brasil) e pesquisadora associada do Núcleo de Estudos de Cidadania, Conflito e Violência Urbana (Necvu), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ, Brasil). É mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia (PPGSA), da UFRJ e graduada em ciências sociais pela mesma universidade. </P>
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<P>Recebido em: 18/04/2019 Aprovado em: 18/06/2019 </P>
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