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<P>Reavivar o dissenso </P>
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<P>Resenha (review) de ‘Humanizar e expandir: Uma genealogia da segurança pública em São Paulo’, de Adalton Marques </P>
<H1>Desirée de Lemos Azevedo </H1>
<P>Pós-doutoranda no PPGCS/Unifesp </P>
<P> </P>
<P> </P>
<P>Recebido em: 05/05/2019 Aprovado em: 07/05/2019 </P>
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N </DropCap>
</P>
<P>o simbólico mês de maio de 2016, aconteceu o I Encontro Internacional de Mães de Vítimas da Violência de Estado. Ele resultou em uma contundente Carta ao Povo Brasileiro, redigida em nome de sua fração mais vulnerável: o povo negro, indígena, pobre e periférico para quem “a Ditadura nunca terminou”. Os coletivos maternos signatários falaram sobre a vivência de tempos “ditos democráticos”, porque negam direitos humanos aos setores empobrecidos e marginalizados, oferecendo o descarte como única alternativa à agressiva exploração de sua força de trabalho. No centro de tal operação, a violência de um sistema penal seletivo em permanente “evolução de dispositivos cada vez mais sofisticados” de controle.
<Link>1</Link>
</P>
<Endnote>
<P>Nota </P>
<P> </P>
<P>1 Documento disponível (on-line) em: http://periferiaemmovimento.com.br/queremos-pari
<Link>r</Link>
<Link>-uma-nova-sociedade/</Link>
. Acesso: 04 set. 2018. </P>
</Endnote>
<P>Nos últimos anos, essas mães têm se colocado publicamente, reivindicando pela divergência um lugar nos debates sobre segurança pública. Sua controvérsia não está tanto nos fatos que denunciam quanto na maneira como interpelam a democracia, relacionando a manutenção da ordem pública a clivagens sociais de classe/raça e processos de marginalização. De Acari ao Amarildo, do Carandiru a Pedrinhas, da Candelária ao Cabula, dos Crimes de Maio à intervenção militar no Rio de Janeiro, é difícil negar que a violência de Estado persista sob a Constituição de 1988, produzindo dívidas com os direitos humanos que, em uma sociedade desigual, pesam desigualmente. Mas as mães parecem questionar além. Seriam essas dívidas heranças da Ditadura (1964-1985), como se tornou comum afirmar? Falamos de um mal funcionamento das instituições de controle, reparável por meio de seu controle democrático e humanitário? Seria tal perspectiva suficiente para explicar como a Nova República, período em que a democracia foi associada à cidadania e aos direitos humanos, se tornou a Era das Chacinas e do encarceramento em massa? </P>
<P>Mais do que questionamentos soltos, há aqui uma controvérsia basilar. A mesma instigada por Adalton Marques em Humanizar e expandir: Uma genealogia da segurança pública em São Paulo. Compartilhando com as mães a desconfiança quanto à possibilidade de equacionamento institucional da segurança pública, sua reflexão está também animada pela intenção de pensar alternativamente a enunciados que se tornaram consensuais nessa seara, como a inadequação dos sistemas policial, judiciário e carcerário aos ditames democráticos, ou a validade das tecnologias humanitárias para seu adequado funcionamento. Em vez disso, o autor se propõe a investigar a construção de uma razão democrática e humanitária no interior desses sistemas e como ela se tornou o motor de sua própria expansão. </P>
<P>Originalmente defendido como tese de doutorado junto ao Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social (PPGAS) da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), o texto foi selecionado, em 2017, para compor a coleção de monografias do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim). Sua publicação por entidade credenciada no campo teórico e governamental que conforma a segurança pública não deixa de ser uma sinalização positiva ao convite do autor no sentido de revolver consensos. Mérito de um trabalho cuja originalidade não se esgota no olhar distanciado, mas se expande pela transparência com que expõe o lugar a partir do qual observa e propõe a reorganização de enunciados. </P>
<P>Bem explicitado, o esquema crítico do autor é servido de suspeitas gestadas em outros momentos e espaços políticos e epistemológicos, a partir dos quais chama por deslocamentos analíticos. Por um lado, esses espaços são aqueles tecidos em sua própria trajetória intelectual, marcada por interlocuções travadas: no campo da antropologia do crime, ao qual está filiado seu primeiro trabalho publicado, Crime e proceder: Um experimento antropológico (Alameda Editorial, 2014); no seu campo etnográfico anterior, com presos, ex-presos e seus familiares; e com a obra de Michel Foucault. Referência essencial presente no próprio título do livro. É, portanto, como um outsider, e trazendo sua própria bagagem, que Adalton fala ao campo da segurança pública, apresentando sua contribuição na forma de uma tese “contra o tríptico segurança pública – democracia – direitos humanos”. Interseção entre três domínios de problematização que, uma vez tornados indissociáveis, passaram a governar de maneira insuspeita não somente os enunciados e tecnologias de governo direcionados à criminalidade como a nossa imaginação política mais geral acerca daquilo que, entre a crise permanente e as emergências subsequentes, seguimos chamando genericamente de violência urbana. </P>
<P>Por outro lado, a pesquisa abriu novos espaços e outras temporalidades, nas quais o autor foi buscar os processos implicados na formação do tríptico. Ao cotejar fontes bibliográficas e documentais, Adalton estabeleceu interlocuções decisivas, que desbloquearam perguntas, conduzindo sua imersão e a composição de seu corpus analítico. Tais interlocuções foram determinantes, por exemplo, para seu desprendimento em relação ao dualismo que separa formalmente os períodos autoritário e democrático, permitindo-o recuar a análise até meados dos anos 1970, quando a brutal eliminação da resistência armada imprimiu grandes mudanças nos debates a respeito da criminalidade como um problema político no país. Sabemos hoje que a descriminalização da política, então iniciada, não implicaria a politização da criminalidade. Contudo, seus primeiros interlocutores são aqueles atores que, no período final do regime – momento de luta pelas liberdades democráticas, tanto quanto de aumento da sensação geral de medo do crime – refletiam de maneira distinta ao pautar o sistema penal entre as demandas para uma plena realização da democracia. </P>
<P>Tal recuo tornou-se fundamental ao exercício retrospectivo que atravessa e pontua a obra, na medida em que estabeleceu, como contraponto do exame, as divergências que movimentavam esse debate em sua origem, definindo o objetivo de compreender os processos implicados (e disparados) pela transformação discursiva que veio a silenciá-las. Processo coevo à acomodação política das utopias à linguagem dos direitos e à adequação das disputas políticas a uma nova ética. Não mais a ética do confronto, senão a da desconfiança em relação a um Estado aberto à participação e, portanto, capaz de ser cobrado, avaliado e reconduzido ao que quer que se supusesse ser o seu funcionamento adequado. O que não elimina a pergunta: adequado para quem? </P>
<P>Por isso, ainda na introdução, Adalton faz um alerta metodológico ao leitor quanto aos sentidos de uma tese “contra”. Além de “contrariedade”, o termo se refere ao ato de se posicionar “defronte a” tal domínio, afirmando que sua delimitação, assim como a consecutiva possibilidade de distanciamento, se deve à interlocução com os a(u)tores preteridos no decorrer do processo, a quem toma por companheiros. Tais autores são aqueles que explicitaram ressalvas estruturais às soluções institucionais em segurança pública, articulando desconfianças que pautavam seja a inerente finalidade disciplinar do sistema penal, seja a relação entre a criminalidade (ou a criminalização) e os problemas da marginalidade e da pobreza. Ironicamente, duas perspectivas que, tomadas em conjunto, apresentam sintonia com uma das reflexões mais influentes e sofisticadas já produzidas (e produzida à época) sobre o tema (FOUCAULT, 1999). Hoje atualizadas nos lamentos e nas exigências das mães por um lugar nesse debate. De todo modo, esse resgate se faz menos no sentido de afirmar uma razão na disputa pretérita do que de encorajar a dissidência presente. Recuperar a potência da crítica é uma aposta no reavivar dos dissensos como forma de desbloquear uma nova imaginação sobre o problema da criminalidade e da violência. Aqui está o convite do autor. </P>
<P>A provocação deseja suspender aquilo que o autor identifica como hierarquização, que concedeu qualidades distintas ao que antes eram posições divergentes, separando-as entre verdades científicas e vulgaridades ideológicas, com os efeitos de poder que lhe são consequentes. Por esse motivo, o leitor não encontrará na obra uma história da segurança pública, mas da emergência de uma certa discursividade como científica e governamental, como teoria social e tecnologia de poder. O esforço, que não dispensou o olhar etnográfico nem a intenção subversiva, é do tipo genealógico no sentido foucaultiano. E válido para além da abrangência estipulada pelo complemento final do título, pois “em São Paulo” faz referência a um espaço/tempo de nascimento de uma razão que, ao longo de quatro capítulos, acompanhamos difundir-se pelo espaço nacional. </P>
<P>Remontando à origem da convergência enunciativa, o Capítulo 1 recupera o papel decisivo de três personagens coletivos em seu movimento de defesa dos perseguidos políticos para a dita “criminalidade comum”: a Comissão de Justiça e Paz, a Ordem dos Advogados do Brasil, e a Comissão Teotônio Vilela. Por seus papéis, respectivamente, fundacional na luta humanitária, proeminente nos debates jurídico-criminológicos nacionais e pioneiro na questão carcerária, os três espaços – entre os quais transitaram fluidamente atores – operaram a aproximação entre direitos humanos e segurança pública como condição para sua entrada na democracia. Diante da apropriação conservadora do tema, e da prioridade dada pelas esquerdas aos espaços tradicionais da luta de classes, eles pautaram questões como condições carcerárias, abuso de poder policial e descontrole do Judiciário sobre as polícias; em resumo, a violência de Estado. </P>
<P>Formava-se um acordo quanto à necessidade de mudanças no sistema penal, considerando que seus problemas decorriam do contexto social desigual e autoritário que o país precisava deixar. Percepção forjada na opção pelos pobres da militância católica liderada por Dom Paulo Evaristo Arns; nos debates sobre o caráter repressivo e burguês do direito penal de juristas como Evaristo de Moraes Filho, Heleno Fragoso, Roberto Lyra Filho, Augusto Thompson ou Juarez Cirino dos Santos; e no diálogo entre “presos comuns” e os militantes pelos direitos humanos reunidos em torno dos senadores Severo Gomes e Teotônio Vilela, entre os quais Margarida Genevois, Hélio Bicudo, Hélio Pellegrino, José Gregori e Paulo Sérgio Pinheiro. Em meio a divergências, esses debates tinham em conta o peso dos fatores estruturais e não eram ignorados nem mesmo pelos atores que nutriam perspectivas liberais ou adeptas do reformismo institucional. Um bom exemplo eram as formulações de Paulo Sérgio Pinheiro. Sua firme exigência de reformas humanitárias e controle democrático dos sistemas policial, judiciário e penitenciário problematizava os efeitos da manutenção da lógica do inimigo interno na produção de uma guerra às classes populares, combinada ao não atendimento de suas necessidades básicas. Longeva e dinâmica, a trajetória desse autor permitiu que suas reflexões fossem mobilizadas ao longo do livro como um recurso tanto de elaboração persuasiva, quanto de explicitação do método. </P>
<P>O Capítulo 2 observa a transposição do tríptico para a experiência prática com o governo Montoro. De confissão democrática e humanitária, ele atraiu figuras como José Carlos Dias e Paulo Sérgio Pinheiro, que acompanharam, não sem ambivalências, o abandono das críticas estruturais em nome de soluções institucionais, mais afeitas à temporalidade e capacidade de ação governamental. Fator que não foi observado pela bibliografia especializada, mais dedicada a elencar limites responsáveis pelo fracasso de seus planos, como a reforma da polícia e a humanização dos presídios. Na companhia destoante da historiadora Eda Góes, Adalton vê, ao contrário, na vitória de sua autointitulação democrática e humanista, as razões do silenciamento sobre seus investimentos na expansão qualitativa e quantitativa das instituições atuantes no controle da população. São três os pontos de apoio da argumentação: a guinada dos investimentos no sistema penal, o apoio à prisão temporária e a Operação Polo. </P>
<P>O Capítulo 3 examina a construção de pontes entre o fazer governamental e a produção acadêmica. Especialmente, o papel da sociologia da violência na promoção científica do tríptico e na formação discursiva sobre a qual se estruturariam tais pontes. Na prática, seus autores estiveram na oposição aos subsequentes governos Quércia e Fleury, de conservadorismo pouco condescendente com seus enunciados. Na teoria, ao desdobrar as divergências sobre a criminalidade, participaram de cisões teórico-políticas, como a ocorrida entre o Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) e o Centro de Estudos de Cultura Contemporânea (Cedec). Sua orientação teórica é forjada sobre a articulação entre três críticas: a influente rejeição de Edmundo Campos Coelho ao que denominou “tese da associação entre crime e pobreza”; a crítica de Ruth Cardoso ao dualismo Estado autoritário x sociedade democratizante; e a de Antônio Paixão à polícia como instituição a serviço da classe dominante. Adalton argumenta que a conjunção entre elas projetou um adversário retórico, muitas vezes tornado anônimo, e sujeitado por qualificações de vulgaridade teórica e motivação ideológica. Marcando, assim, uma percepção de superação das reflexões dedicadas às imbricações entre criminalidade, marginalidade e desigualdade, que atingiu as produções de autores tão diversos como Lucio Kowarick, Clara Ant, Michel Misse, Dilson Motta e Ruben Oliven. Tal exclusão criava um novo domínio, com linguagem e métodos próprios, e mais apropriados porque científicos. Mais qualificados, portanto, como tecnologias de governo. Tal aliança associa a construção da democracia ao fortalecimento das instituições, a reformas na segurança pública e ao monitoramento vigilante das violações de direitos humanos. Projeto que toma sua forma mais acabada com o Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da Universidade de São Paulo (USP), sob direção da parceria entre Paulo Sérgio e Sérgio Adorno. </P>
<P>Ato seguinte, o Capítulo 4 acompanha a sociologia da violência ser alçada ao centro da elaboração nacional no governo Fernando Henrique Cardoso. Não somente pela ascensão do próprio circuito intelectual, mas também pela atuação do NEV nos desdobramentos do Massacre do Carandiru, entre as entidades que levariam o caso à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, em um momento em que o país aderia ao compromisso global com a pauta humanitária. Entre as recomendações ao Estado brasileiro, estavam a construção de novas prisões em conformidade com os padrões internacionais e a reformulação da legislação para reduzir o regime fechado. Inabalável, a política de guerra às drogas viria a bloquear a segunda, enquanto faria da primeira uma necessidade contínua, crescentemente perseguida por todos os governos subsequentes. Sempre deficitária, a expansão do parque carcerário tem sido galopante sem nunca alcançar o exponencial aumento de sua população. Ciclo pernicioso no qual ela responde a expectativas de melhores condições carcerárias, enquanto o combate ao tráfico é apresentado como parte do controle democrático da violência e da criminalidade. </P>
<P>Daí que não seja fortuita a acomodação de fatores que indicam a intensificação do sistema penal, como a militarização do policiamento e o regime disciplinar diferenciado. Afinal, eles são compatíveis com a lógica da federalização dos direitos humanos, que localizou a segurança pública entre a soberania e a cidadania, conforme firmam todas as versões do Plano Nacional de Direitos Humanos (1996, 2002, 2010), de bases elaboradas pelo NEV. Indo ao fundo na recomposição de tal razão, Adalton consegue mostrar que tais propósitos não vieram como respostas a pressões punitivistas, ou como fracasso frente ao crime organizado, mas foram concebidos na forma de uma “expansão securitária democrático humanista”. São êxito de uma lógica que considera a segurança um direito coletivo sem observar a distribuição desigual da violência, da precariedade e dos processos de sujeição criminal (MISSE, 2014). Para o autor, as divergências entre humanistas e conservadores se opõem pelo vértice, guardando em comum: a “etiologia institucionalista” e a fé reformista, além de descredenciarem do debate os sujeitos que sofreram as investidas do sistema penal. </P>
<P>Esse último tema é abordado no quarto capítulo à luz da contraposição entre o papel silenciador da lógica securitária humanista sobre as vítimas do sistema penal e as maneiras pelas quais elas vêm se organizando, a exemplo dos coletivos maternos, para pensar esse mesmo sistema pela marginalidade. Nas margens e segundo uma “etiologia marginalista” que evidencia os impasses políticos, éticos e epistemológicos em que nos encontramos frente aos problemas da violência e da criminalidade. </P>
<P>Humanizar e expandir é um livro potente e de amplo alcance. Ele traz contribuições para todos que lidam com os temas de segurança pública, sistema penal, direitos humanos, crime, marginalidade e violência no Brasil democrático. Além de fornecer subsídios para repensar os labirintos da chamada justiça de transição que, em sua tentativa de definir e lidar com heranças da Ditadura, me parece igualmente contida por uma razão institucional e seu dualismo temporal. A reflexão interessa ainda por sua insistência na necessidade política e ética de retomar o diálogo crítico entre abordagens que se encontram entrincheiradas em campos reflexivos apartados. Ela chama atenção para os aprisionamentos conceituais que residem sob nossos impasses e para como enclaves enunciativos guardam fronteiras temáticas e profissionais, mantendo apartados entre as ramificações da ampla temática da violência urbana autores que, em comum, têm escutado e apostado na potência política e analítica daqueles que sofrem investidas seletivas do sistema penal. </P>
<P>Unindo sofisticação teórica, rigor metodológico e inquietude política, sua maior virtude é a capacidade de desconfortar. Pois, ao colocar o leitor “contra” as esperanças abertas pela democratização, Adalton desvela a produção da ordem pública como um dispositivo que, atravessando da segurança nacional para a segurança pública, mantém a violência como barreira aos direitos e o crime como critério para inclusão/exclusão na cidadania. Ressalta, portanto, o caráter repressivo e político de tal dispositivo, independentemente de ser formulado como problema de defesa do Estado ou defesa da sociedade frente a ameaças cotidianas. Daí que o livro importe também aos interessados em produzir ou conhecer uma história do Brasil a contrapelo (BENJAMIN, 1985). Já que nosso histórico de normalização repressiva de “tipos sociais” indesejáveis, porque desviantes do mundo do trabalho, embora sustentados sobre diversas clivagens sociais, durante a maior parte do tempo passou ao largo de qualquer distinção entre crime “político” e “comum”. Normalização que, como bem afirma o autor, “guarda fôlego para avançar enquanto não se puder atribuir o qualificativo político àqueles em quem se constata uma periculosidade presumida, tão grande, que os afasta da defesa radical-libertária a que tiveram direito os perseguidos, os presos e as vítimas políticas da Ditadura” (MARQUES, 2018, p. 124). </P>
<H1>Referências </H1>
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<P>BENJAMIN, Walter. Sobre o conceito da história. In: Magia e técnica, arte e política: Ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense, 1985. </P>
<P>FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: Nascimento da prisão. Petrópolis: Vozes, 1999. </P>
<P>MARQUES, Adalton. Humanizar e expandir: Uma genealogia da segurança pública em São Paulo. São Paulo: IBCCrim, 2018. </P>
<P>________. Crime e proceder: Um experimento antropológico. São Paulo: Alameda Editorial, 2014. </P>
<P>MISSE, Michel. Sujeição criminal. In: LIMA, Renato Sérgio de.; RATTON, José Luiz; AZEVEDO, Rodrigo G. Crime, polícia e justiça no Brasil. São Paulo: Contexto, 2014. </P>
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<P> </P>
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<TR>
<TH>
<P> </P>
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<P>DESIRÉE DE LEMOS AZEVEDO (desireelazevedo@gmail.com) é pós-doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais (PPGCS) da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp, Guarulhos, Brasil). É doutora e mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social (PPGAS) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp, Brasil) e graduada em história pela Universidade Federal Fluminense (UFF, Niterói, Brasil). </P>
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