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<P>A ordem da interação: Discurso presidencial da American Sociological Association, 1982 </P>
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<P>DOSSIÊ </P>
<P>60 ANOS DO LIVRO </P>
<P> THE PRESENTATION OF SELF IN EVERYDAY LIFE, DE ERVING GOFFMAN </P>
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<P>Tradução inédita em português do artigo originalmente publicado na American Sociological Review </P>
<H1> </H1>
<H1>Erving Goffman </H1>
<H1>Traduzido por Bruna Gisi e Roberta Soares
<Link>1</Link>
</H1>
<Endnote>
<P>Notas </P>
<P> </P>
<P>1 Esta tradução foi permitida pela American Sociological Association por meio da permission nº 006898 de 25 de setembro de 2018, concedida em 20 de dezembro de 2018. A versão desta tradução submetida para publicação foi revisada por Paulo Scarpa. </P>
<P>2 N.T.: Optou-se por manter o termo em inglês “self” (e seu plural “selves”) como forma de preservar o sentido do conceito utilizado por Goffman. Conforme já indicado por outros pesquisadores brasileiros (Cf. WERNECK, Alexandre. Teoria da rotulação. In: LIMA, Renato Sérgio de; RATTON, José Luiz; AZEVEDO, Rodrigo (orgs). Crime, polícia e justiça no Brasil. São Paulo: Contexto, 2014, pp. 105-116), o conceito não pode ser adequadamente traduzido como “eu”, pois perderia sua dimensão social. A centralidade dessa dimensão social fica evidente já na formulação de George Herbert Mead (Cf. MEAD, George Herbert. Mind, Self and Society. University of Chicago Press: Chicago, 1934) – influência importante na obra de Goffman – pela separação analítica entre “eu” e “mim” (“I” e “me”) como elementos constitutivos do self. </P>
<P>3 N.T.: A expressão utilizada por Goffman em inglês – “loose-coupling” – é utilizada na computação e usualmente traduzida como “acoplamento fraco”. Optou-se pela tradução “acoplamento frouxo” por se considerar a tradução mais adequada. Não é possível saber, pelo texto, se Goffman faz referência ao termo da computação. </P>
</Endnote>
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<Table>
<TR>
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<P>Este artigo foi o último de Erving Goffman, escrito originalmente para o discurso de posse da presidência da American Sociological Association e publicado em 1983 na American Sociological Review (v. 48, n. 1, pp. 1-17). Goffman sintetiza a principal contribuição teórica de sua obra à sociologia. O artigo sustenta o argumento de que as interações face a face constituem um domínio específico, ordenado e fundamental da vida social – a ordem da interação – que não pode ser reduzido às determinações da estrutura social. Ao longo do texto, Goffman explora as interfaces entre a ordem da interação e diferentes dimensões da organização social macroestrutural. Dilemas publica este texto pela primeira vez em português com permissão da American Sociological Association. </P>
</TH>
<TH>
<P>This article was the last by Erving Goffman, originally written for the presidential address of the American Sociological Association and published in 1983 in the American Sociological Review (v. 48, n. 1, pp. 1-17). Goffman synthesizes the main theoretical contribution of his work to sociology. The article sustains the argument that face-to-face interactions constitute a specific, ordered and fundamental domain of social life – the interaction order – that cannot be reduced to the determinations of social structure. Throughout the text, Goffman explores the interfaces between the interaction order and different dimensions of macro-structural social organization. Dilemas publishes this text for the first time in Portuguese with the permission of the American Sociological Association. </P>
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<P>Nota preliminar </P>
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<DropCap>
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U </DropCap>
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<P>m discurso presidencial enfrenta um conjunto de exigências, um artigo em uma revista acadêmica outras bem diferentes. Portanto, acontece que a política da American Sociological Review de publicar o discurso anual da ASA [American Sociological Association] oferece ao editor um respiro. Uma vez por ano, o lugar de destaque da revista pode ser atribuído a um nome conhecido e o editor se exime da responsabilidade pelos padrões que as submissões raramente sustentam: originalidade, desenvolvimento lógico, legibilidade, tamanho razoável. Pois, teoricamente, um discurso presidencial, qualquer que seja o seu caráter, deve ter algum significado para a profissão, ainda que seja um significado triste. Mais importante, leitores que não puderam ou não quiseram fazer a viagem têm a oportunidade de participar indiretamente do que pode ser lido como o ápice do encontro que eles perderam. </P>
<P>Não é a melhor das justificativas. A minha expectativa, então, não era publicar essa fala, mas restringi-la ao recinto no qual foi apresentada. </P>
<P>Mas fato é que eu também não estava lá. O que eu ofereço ao leitor, portanto, é a participação indireta em algo que em si não ocorreu. Uma performance de palanque, mas somente leitores nos assentos. Uma oferta dúbia. </P>
<P>Mas algo teria sido dúbio de qualquer maneira. Afinal, como quase todos os discursos presidenciais, este foi esboçado e digitado muito antes de ser proferido (e antes de eu saber que não estaria presente), e a apresentação seria realizada pela leitura de um texto digitado e não por improvisações. Apesar de o texto ter sido escrito como se em resposta a uma ocasião social particular, pouco dele poderia ter sido gerado pelo que aconteceu naquela ocasião. E futuramente, qualquer publicação resultante utilizaria um texto modificado de inúmeras formas depois da apresentação de fato. </P>
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<P>A ordem da interação </P>
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<P>Por uma hora da noite, cada presidente em exercício da Association tem a oportunidade de manter cativa a maior audiência de colegas que a sociologia pode oferecer. Por uma hora, entre os cercos dessas paredes, uma cerimônia prolixa é reencenada. Um sociólogo selecionado de uma lista bem pequena é levado ao centro desse imenso campo cerimonial em um cavalo de passeio de sua escolha. (Lembra-se que o que é sociologicamente interessante sobre Hamlet é que todos os anos nenhuma escola de ensino médio anglófona tem dificuldade de encontrar algum palhaço para interpretá-lo). De qualquer forma, parece que presidentes de associações eruditas são bem conhecidos por algo a ponto de serem escolhidos por isso. Ao tomarem posse, eles encontram um pódio, junto com o incentivo para demonstrarem que são de fato obcecados pelo que a sua eleição provou que eles já eram conhecidos por serem obcecados. A eleição os empolga e os permite ajustar seus ponteiros: eles se elevam acima de qualquer coibição para a reencenarem. Pois presidentes de associação são levados a sentir que são representantes de algo, e que esse algo é exatamente o que a sua comunidade intelectual quer ver representado e precisa que seja representado. Ao preparar e depois apresentar seus discursos, os presidentes passam a sentir que eles são temporariamente os guardiões de sua disciplina. Não importa o quão grande ou estranho seja o salão, o seu self
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dilata o suficiente para preenchê-lo. Nem as estreitas preocupações disciplinares impõem limites. Quaisquer que sejam as questões públicas da vez, o porta-voz da disciplina demonstra ter domínio incisivo sobre elas. Além do mais, a própria ocasião parece tornar oradores presidenciais perigosamente de acordo com eles próprios; confortados pela celebração que oferecem sem limites, desviando seus discursos preparados com admissões parentéticas, obter dicta, digressões éticas e políticas e outros emblemas de crença. E uma vez mais ocorre aquele particular ultraje dos altos cargos: a indulgência da autocongratulação pública. O que se espera dessa dramaturgia é que traga carne aos ossos, confrontando a imagem que o leitor faz de uma pessoa com a impressão viva criada quando as palavras vêm de um corpo e não de uma página. O que essa dramaturgia coloca em risco são as ilusões remanescentes dos ouvintes sobre a sua profissão. Fiquem tranquilos, meus caros, pois apesar de vocês estarem mais uma vez diante da paixão pelo palanque, a nossa é pela disciplina, pelos modelos de análise, para os quais cerimônias são tanto dados de pesquisa como um dever, para os quais a conversa provê conduta a se observar tanto quanto opiniões a considerar. De fato, alguém pode argumentar que a questão interessante para todos nós aqui (como todos nós sabemos) não é o que eu direi, mas o que vocês estão fazendo aqui ouvindo o que digo. </P>
<P>Mas suponho que você e eu não deveríamos criticar excessivamente as empreitadas rituais. Algum gói pode estar ouvindo e sair daqui espalhando irreverência e desencantamento por aí. Muito disso e até os trabalhos que nós sociólogos conseguimos se tornarão vazios de emprego tradicional. </P>
<P>Você pode reter deste preâmbulo que eu acho discursos presidenciais constrangedores. Verdade. Mas com certeza esse fato não me dá o direito de comentar longamente sobre o meu desconforto. É uma doença do self, específica dos oradores, achar que o mau uso do tempo alheio pode ser expurgado por confissões que são elas mesmas mais desperdício de tempo. Então estou desconfortável por estar me alongando sobre meu constrangimento. Mas aparentemente não estou desconfortável com o meu desconforto em me alongar sobre meu constrangimento. Ainda que vocês provavelmente estejam. </P>
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<P>I </P>
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<P>Além de fornecer uma demonstração ao vivo das tolices que esbocei, o que eu tenho para dizer hoje à noite será por meio de uma pregação já registrada de modo mais sucinto nos prefácios dos livros que escrevi. Será diferente de outras pregações que vocês tiveram que ouvir recentemente somente em virtude de não ser de caráter particularmente autobiográfico, profundamente crítico dos métodos estabelecidos ou informado por uma preocupação com a situação de grupos menos favorecidos, ou mesmo com a situação daqueles procurando emprego em nossa profissão. Eu não tenho nenhuma cura universal para os males da sociologia. Uma multiplicidade de miopias limita o vislumbre que temos do nosso tema. Definir uma única fonte de cegueira e viés como central seria exageradamente otimista. Qualquer que seja nosso foco substantivo e qualquer que seja nossa persuasão metodológica, tudo o que podemos fazer, acredito, é manter a fé no espírito das ciências naturais e cambalear adiante, seriamente nos enganando de que nossas trilhas nos levam para a frente. Não nos foi dado o crédito e o peso que os economistas adquiriram recentemente, mas podemos quase nos igualar a eles no que diz respeito ao fracasso das predições rigorosamente calculadas. Certamente nossas teorias sistemáticas são tão vazias quanto as deles; nós conseguimos ignorar quase tantas variáveis cruciais quanto eles. Nós não temos o espírito dos antropólogos, mas ao menos nosso tema não foi extinto pelo avanço da economia mundial. Então nós temos uma oportunidade não menos importante de negligenciar os fatos relevantes com nossos próprios olhos. Nós não temos alunos de pós-graduação que tiram notas tão altas quanto aqueles da psicologia e, em sua melhor versão, o treinamento que esta oferece parece mais profissional e mais completo do que o que provemos. Então não fomos capazes de produzir nos nossos alunos o alto nível de incompetência treinada que os psicólogos conseguiram em seus alunos, ainda que, Deus sabe, estejamos trabalhando para isso. </P>
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<P>II </P>
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<P>Interação social pode ser identificada estritamente como aquilo que ocorre unicamente em situações sociais, isto é, ambientes nos quais dois ou mais indivíduos estão fisicamente na presença imediata um do outro. (Presumivelmente o telefone e as correspondências fornecem versões reduzidas da coisa real original). Esse ponto de partida do corpo a corpo, paradoxalmente, assume que uma distinção sociológica central pode não ser inicialmente relevante: notadamente, o contraste padrão entre vida do campo e vida da cidade, entre cenários domésticos e públicos, entre relações íntimas, de longa duração, e relações efêmeras e impessoais. Afinal, as regras de trânsito para pedestres podem ser estudadas em cozinhas lotadas, bem como em ruas lotadas, os direitos de interrupção no café da manhã, bem como nos tribunais, vocativos carinhosos no supermercado, bem como no quarto. Se há diferenças aqui com relação às divisões tradicionais, o que elas são ainda permanece uma questão em aberto. </P>
<P>Minha preocupação ao longo dos anos tem sido promover a aceitação desse domínio face a face como analiticamente viável – um domínio que pode ser nomeado, por falta de um nome melhor, de ordem da interação –, um domínio cujo método preferencial de estudo é a microanálise. Meus colegas não têm se impressionado com os méritos da causa. </P>
<P>Nos meus comentários para vocês nesta noite, desejo sintetizar o argumento a favor de considerar a ordem da interação como um domínio substantivo em seus próprios termos. Em geral, a justificativa para essa excisão da vida social deve ser a mesma para qualquer extração analítica: que os elementos internos se aproximam e se encaixam entre si mais do que com os elementos externos à ordem; que explorar as relações entre ordens é fundamental, um assunto em si mesmo, e que uma investigação desse tipo pressupõe primeiramente o delineamento de várias ordens sociais; que isolar a ordem da interação oferece um meio e uma razão para examinar comparativamente diversas sociedades, e a nossa historicamente. </P>
<P>É um fato da nossa condição humana que, para a maioria de nós, nossa vida diária se passa na presença imediata dos outros; em outras palavras, quaisquer que sejam nossos feitos, eles provavelmente serão, em sentido estrito, socialmente situados. Tanto que atividades realizadas em total privacidade podem ser facilmente caracterizadas por essa condição especial. É evidente que sempre se pode esperar que o caráter socialmente situado tenha alguma consequência, ainda que às vezes aparentemente muito pequena. Essas consequências têm sido tradicionalmente tratadas como “efeitos”, ou seja, como indicadores, expressões ou sintomas de estruturas sociais tais como relacionamentos, grupos informais, faixas etárias, gênero, minorias étnicas, classe sociais, entre outras, sem a preocupação de tratar esses dados em seus próprios termos. A dificuldade, é claro, está em diferenciar e conceituar esses efeitos, grandes ou pequenos, de modo que o que eles compartilham possa ser extraído e analisado, e de modo que as formas da vida social das quais eles derivam possam ser separadas e catalogadas sociologicamente, permitindo que o intrínseco à vida interacional seja, assim, exposto. Desse modo, pode-se passar do meramente situado para o situacional, ou seja, daquilo que está incidentalmente localizado em situações sociais (e poderia sem grandes mudanças estar localizado fora delas), para o que só pode ocorrer em encontros face a face. </P>
<P>O que pode ser dito sobre processos e estruturas específicos à ordem da interação? Eu relato alguns vislumbres. </P>
<P> O que quer que seja específico às interações face a face provavelmente será relativamente circunscrito no espaço e certamente no tempo. Além disso (de modo distinto dos papéis sociais no sentido tradicional), haverá muito pouco de uma fase latente ou dormente; a postergação de uma atividade interacional que se iniciou tem um efeito relativamente expressivo nela, e não pode ser muito estendida sem alterar profundamente o que estava ocorrendo em termos da interação. Isso porque na ordem da interação, a imersão e o envolvimento dos participantes – mesmo que apenas sua atenção – são sempre decisivos, e esses estados cognitivos não podem ser mantidos por longos períodos de tempo ou sobreviver a lapsos forçados e a interrupções. Emoção, humor, cognição, orientação corporal e esforço muscular estão intrinsecamente envolvidos, introduzindo um elemento psicobiológico inevitável. Naturalidade e desconforto, falta de autoconsciência e cautela são centrais. Observem, também, que a ordem da interação captura os seres humanos precisamente a partir daquele ângulo de suas existências que apresenta sobreposição considerável com a vida social de outras espécies. Desconsiderar a similaridade entre as saudações de animais e de humanos é tão insensato quanto procurar as causas da guerra na predisposição genética. </P>
<P>É possível argumentar que a necessidade de interação face a face (além das exigências óbvias no cuidado infantil) está enraizada em precondições universais da vida social. Há, por exemplo, inúmeras razões não herdadas e não sentimentais de por que indivíduos em todos os lugares – íntimos ou estranhos – consideram conveniente passar tempo na presença imediata uns dos outros. Uma delas, por exemplo, é que equipamentos fixos especializados, especialmente equipamentos projetados para uso exterior ao círculo familiar, dificilmente seriam econômicos se não fossem armazenados e utilizados por um grande número de pessoas que se reúnem em horários e lugares fixos para tanto – quer sejam destinados a usar esse equipamento juntos, de modo paralelo, ou sequencialmente. Ao chegar e ao partir, eles vão considerar vantajoso utilizar rotas de acesso reforçadas – algo que é muito facilitado se eles sentem que podem passar uns pelos outros de modo seguro. </P>
<P>Uma vez que indivíduos – por qualquer razão que seja – estão na presença imediata uns dos outros, uma condição fundamental da vida social se torna enormemente acentuada, qual seja, seu caráter promissório e evidencial. Não é somente que a nossa aparência e conduta fornecem evidências de nosso status e das nossas relações. É também que a linha do nosso olhar, a intensidade do nosso envolvimento e a forma de nossas ações iniciais permitem aos demais captar nossa intenção e propósito imediatos, e isso tudo independente de estarmos ou não engajados em conversa com eles no momento. De modo semelhante, estamos constantemente em posição de facilitar essa revelação, ou bloqueá-la, ou mesmo direcionar erradamente nossos expectadores. A compreensão gradual dessas observações é em si facilitada ou dificultada por um processo central que ainda não foi sistematicamente estudado – a ritualização social – ou seja, a padronização de comportamentos corporais e vocais pela socialização, proporcionando a tal comportamento – tais gestos, se preferir – uma função comunicativa especializada no curso do comportamento. </P>
<P>Quando na presença uns dos outros, os indivíduos são perfeitamente posicionados para compartilhar um foco comum de atenção, perceber que o fazem e perceber que percebem. Isso, em conjunto com a capacidade de indicar seus próprios cursos de ação física e de transmitir rapidamente reações a essas indicações feitas pelos outros, fornece a precondição para algo crucial: a íntima e sustentada coordenação da ação, seja em apoio a tarefas estritamente colaborativas ou como meio de acomodar tarefas adjacentes. A fala aumenta imensamente a eficiência dessa coordenação, sendo especialmente importante quando algo acontece diferente do indicado ou esperado. (A fala, é claro, tem outro papel especial, permitir que assuntos localizados fora da situação sejam trazidos para o processo colaborativo e permitir que planos sejam negociados com relação a assuntos que serão tratados para além da situação presente, mas essa é outra questão proibitivamente complexa). </P>
<P>Outro assunto: a caracterização que um indivíduo pode fazer de outro em virtude de ser capaz de observar e ouvir diretamente esse outro é organizada em torno de duas formas fundamentais de identificação: a categórica, que envolve localizar o outro em uma ou mais categorias sociais, e a individual, pela qual o sujeito observado é preso a uma identidade distintiva única pela aparência, tom de voz, menção ao nome ou a outro dispositivo de diferenciação de pessoas. Essa dupla possibilidade – identificação categórica e individual – é decisiva para a vida interacional em todas as comunidades, exceto nas antigas comunidades pequenas e isoladas, sendo também efetivamente presente na vida social de algumas outras espécies. (Retornarei a essa questão mais adiante). </P>
<P>Resta dizer que, uma vez na presença imediata uns dos outros, os indivíduos necessariamente se depararão com as contingências do território pessoal. Por definição, podemos participar de situações sociais somente se trouxermos nossos corpos e seus apetrechos conosco, e esse equipamento está vulnerável em virtude das instrumentalidades que os outros trazem com seus corpos. Nos tornamos vulneráveis a agressões físicas, assédio sexual, sequestro, roubo e obstrução de movimento, seja por aplicação não negociada de força ou, mais comumente, por “trocas coercitivas” – aquela barganha tácita pela qual nós cooperamos com o agressor em troca da promessa de não sermos machucados tanto quanto nossa circunstância permitiria. De modo semelhante, na presença dos outros nos tornamos vulneráveis por meio de suas palavras e gesticulações à penetração em nossas salvaguardas psíquicas e à quebra da ordem expressiva que esperamos ser mantida em nossa presença. (Evidentemente, dizer que nos tornamos vulneráveis é também dizer que comandamos os recursos para tornar os outros similarmente vulneráveis a nós; e nenhum dos dois argumentos pretende negar que pode não haver especialização convencional, especialmente devido a questões de gênero, entre ameaçado e ameaçador). </P>
<P>A territorialidade pessoal não deve ser compreendida somente em termos de restrições, proibições e ameaças. Em todas as sociedades existe uma dualidade fundamental de uso, tanto que muitas formas de comportamento pelas quais podemos ser ofensivamente tratados por uma categoria de outros estão intimamente relacionadas a aquelas pelas quais membros de outra categoria podem demonstrar apropriadamente a ligação que possuem conosco. Portanto, também, em todos os lugares, o que é uma presunção se tomado de nós é uma cortesia ou um sinal de afeto se o oferecemos; nossas vulnerabilidades rituais são também nossos recursos rituais. Assim, violar os territórios do self é também menosprezar a linguagem do favor. </P>
<P>Então há possibilidades e riscos inerentes à copresença corporal. Como essas contingências são graves, é provável que em toda parte elas deem origem a técnicas de manejo social; e como as mesmas contingências básicas estão sendo manejadas, pode-se esperar que em diferentes sociedades a ordem da interação provavelmente exibirá alguns atributos marcadamente similares. Eu vos lembro que é em situações sociais que essas possibilidades e riscos são encarados e terão seu efeito inicial. E são situações sociais que oferecem o teatro natural no qual todas as exibições corporais são apresentadas e no qual todas as exibições corporais são lidas. Nisso está a justificativa para empregar a situação social como a unidade básica de trabalho no estudo da interação social. E nisso está também, a propósito, a justificativa para reivindicar que nossa experiência do mundo tem um caráter de confronto. </P>
<P>Mas eu não reivindico um situacionalismo desenfreado. Como Roger Barker nos lembra com a noção de “cenário comportamental”, as regulações e as expectativas aplicáveis a uma situação social particular dificilmente são geradas naquele momento. Sua expressão, “padrão comportamental duradouro”, se refere ao fato de que compreensões muito similares se aplicarão a todo um conjunto de cenários muito dispersos, assim como a localizações particulares durante fases inativas. Além disso, ainda que um cenário comportamental particular possa não se estender para além de uma situação social que dois ou mais participantes geram em seus recintos – como no caso de um bar local, uma pequena fábrica ou uma cozinha doméstica –, outros arranjos são frequentes. Fábricas, aeroportos, hospitais, vias públicas são cenários comportamentais que sustentam uma ordem da interação que caracteristicamente se estende no tempo e no espaço para além de qualquer situação social particular que ocorra neles. Deve-se dizer também que ainda que cenários comportamentais e situações sociais claramente não sejam unidades ego-centradas, algumas unidades de interação claramente o são: a unidade pouco explorada, os afazeres diários, é claramente uma delas. </P>
<P>Mas razões mais profundas do que essas podem ser dadas por precaução. É evidente que cada participante entra em uma situação social carregando uma biografia já estabelecida de relações anteriores com os outros participantes – ou ao menos com participantes do seu tipo; e entra também com uma vasta gama de suposições culturais que se presume serem compartilhadas. Nós não poderíamos tirar nossa atenção dos estranhos em nossa presença a menos que a aparência e os modos deles sugerissem uma intenção benigna, um curso de ação identificável e não ameaçador, e essas leituras só podem ser feitas com base em experiências anteriores e em saberes culturais. Nós não conseguiríamos proferir uma frase com significado se não ajustássemos nosso léxico ou prosódia de acordo com o que a identidade categórica ou individual de nossos recipientes putativos nos permite assumir que eles já sabem, e sabendo disso, que não se importam que abertamente o assumamos. No centro da vida interacional está a relação cognitiva que temos com aqueles diante de nós, sem a qual a nossa atividade, comportamental e verbal, não poderia ser significativamente organizada. E ainda que essa relação cognitiva possa ser modificada durante um contato social, e tipicamente o é, a relação em si é extrassituacional, consistindo na informação que um par de pessoas têm sobre a informação que cada um tem do mundo e a informação que eles têm (ou não) com relação à posse dessa informação. </P>
<P> </P>
<P> </P>
<P>III </P>
<P> </P>
<P>Até o momento, ao falar da ordem da interação, eu pressupus o termo “ordem” e uma explicação se torna necessária. Eu pretendo me referir, em primeira instância, a um domínio de atividade – um tipo particular de atividade, como na expressão “a ordem econômica”. Nenhuma implicação é intencionada sobre o quão “ordenada” essa atividade normalmente é, ou sobre o papel das normas e regras na sustentação desse caráter ordenado que se obtém. No entanto, me parece que enquanto uma ordem de atividade, a ordem da interação, mais do que qualquer outra talvez, é de fato ordenada e que essa ordenação é baseada em uma ampla base de pressuposições cognitivas compartilhadas, senão normativas, e em restrições autossustentadas. De que maneira um dado conjunto desse tipo de compreensões se forma historicamente, se espalha ou se retrai geograficamente ao longo do tempo e como a qualquer tempo e lugar indivíduos específicos adquirem essas compreensões são boas questões, mas não aquelas que posso abordar. </P>
<P>O funcionamento da ordem da interação pode ser facilmente visto como a consequência de sistemas de convenções capacitadoras, no sentido de regras do jogo, de provisões de um código de trânsito ou de regras de sintaxe de uma língua. Como parte dessa perspectiva, é possível extrair duas explicações. Primeiro, o dogma de que o efeito geral de um dado conjunto de convenções é que todos os participantes pagam um pequeno preço para obter uma grande conveniência, a noção de que qualquer convenção que facilita a coordenação serviria, contanto que todos possam ser induzidos a mantê-la – as várias convenções em si não tendo nenhum valor intrínseco. (É dessa maneira, evidentemente, que se define “convenção” a princípio). Na segunda explicação, interação ordenada é vista como produto de um consenso normativo, a visão sociológica tradicional de que, irrefletidamente, indivíduos tomam como dadas regras que eles, não obstante, sentem que são intrinsecamente justas. A propósito, ambas as perspectivas assumem que as restrições que se aplicam aos outros também se aplicam a si próprio, que outros selves assumem a mesma visão sobre as restrições ao seu comportamento e que todos compreendem que se obtém essa autossubmissão. </P>
<P>Essas duas explicações – contrato social e consenso social – levantam questões e dúvidas óbvias. Os motivos para aderir a um conjunto de acordos não precisam nos dizer nada sobre os efeitos de fazê-lo. Cooperação eficaz na manutenção de expectativas não sugere crença na legitimidade ou na justiça de conformar-se a um contrato de convenção em geral (qualquer que seja o contrato), nem crença pessoal no valor cabal nas normas particulares envolvidas. Os indivíduos aceitam os acordos vigentes da interação por uma ampla variedade de razões e não se pode interpretar a partir de um aparente apoio tácito a um acordo que eles iriam, por exemplo, ressentir ou resistir à mudança. Com muita frequência, por detrás da comunidade e do consenso estão jogos de motivos mistos. </P>
<P>Vale observar também que indivíduos que sistematicamente violam as normas da ordem da interação podem, não obstante, ser dependentes delas na maior parte do tempo, incluindo a parte do tempo durante o qual estão ativamente engajados na violação. Afinal, quase todos os atos de violência são mitigados pela oferta de algum tipo de troca pelo violador, não importa o quão indesejável pela vítima, e é claro que o violador pressupõe a manutenção das normas da fala e das convenções sobre gestos de ameaça para realizar isso. O mesmo vale para o caso de violência não negociável. Assassinos precisam se apoiar e aproveitar o fluxo convencional do tráfego e a compreensão convencional com relação às aparências normais se eles desejam estar na posição de atacar suas vítimas e escapar da cena do crime. Corredores, elevadores e becos podem ser lugares perigosos porque podem ficar escondidos e vazios de todas as pessoas exceto a vítima e o assaltante; mas novamente, por detrás da oportunidade que esses arranjos oferecem ao malfeitor está a sua confiança nas convenções relativas às aparências normais, essas compreensões permitindo que ele entre e saia da área sob a aparência de alguém que não abusa da passagem livre. Tudo isso deveria nos lembrar que em quase todos os casos, os acordos da interação conseguem suportar violações sistemáticas, ao menos no curto prazo, e, portanto, ainda que seja de interesse do indivíduo convencer os demais de que a conformação é vital para a manutenção da ordem, e a mostrar aprovação aparente da sua conformidade, com frequência não será do interesse do indivíduo (definido de maneira variada) manter pessoalmente as gentilezas. </P>
<P>Há razões mais profundas para questionar os vários dogmas relativos à ordem da interação. Pode ser conveniente acreditar que indivíduos (e categorias sociais de indivíduos) sempre ganham consideravelmente mais pelo manuseio dos vários aspectos da ordem da interação do que as restrições concomitantes custam para eles. Mas isso é questionável. O que é uma ordem desejável do ponto de vista de alguns pode ser sentido como exclusão e repressão do ponto de vista de outros. Aprender sobre os conselhos tribais na África Ocidental em que a fala ordenada reflete (entre outras coisas) a aderência a uma ordem hierárquica não levanta dúvidas sobre a neutralidade do termo “ordem”. Nem que (como Burrage e Corry mostraram recentemente) em procissões cerimoniais ordenadas através de Londres, desde os tempos de Tudor até os tempos jacobinos, representantes do comércio e dos ofícios mantinham uma hierarquia tradicional tanto com respeito a seu lugar como manifestantes quanto como observadores. Mas questões surgem quando consideramos o fato de que existem categorias de pessoas – em nossa sociedade categorias amplas – cujos membros constantemente pagam um preço considerável por sua existência interacional. </P>
<P>No entanto, ao menos no período histórico recente, mesmo as categorias mais desfavorecidas continuam a cooperar – um fato encoberto pela manifesta má vontade que seus membros podem vir a expressar em relação a algumas poucas normas enquanto sustentam todo o resto. Talvez por detrás da disposição para aceitar a forma como as coisas são ordenadas esteja o fato brutal do lugar que se ocupa na estrutura social e o custo real ou imaginado de se permitir ser apontado como descontente. De qualquer forma, não há dúvida de que categorias de indivíduos em todos os tempos e lugares exibem uma capacidade desanimadora de abertamente aceitar acordos interacionais precários. </P>
<P>Em síntese, ainda que seja certamente apropriado pontuar a distribuição desigual de direitos na ordem da interação (como no caso de uso segregativo de comunidades locais de uma cidade) e a distribuição desigual de riscos (como, por exemplo, entre faixas etárias e entre os sexos), o tema central permanece sendo o de um tráfego de uso e de acordos que permitem que uma grande diversidade de projetos e intenções sejam realizados pelo recurso irrefletido a formas procedimentais. E, é claro, aceitar as convenções e normas como dadas (e iniciar a ação de acordo com elas), é, de fato, depositar confiança nelas sobre alguém. Ao não fazer isso, dificilmente se poderia seguir com qualquer atividade; mal se conseguiria ter alguma atividade. </P>
<P>A doutrina de que regras básicas informam a ordem da interação e permitem um tráfego de uso levanta a questão do policiamento, e o policiamento, é claro, levanta novamente considerações políticas. </P>
<P>O Estado-nação moderno, quase como meio de definir sua existência, reivindica a autoridade final de controle do risco e ameaça à vida, aos membros e à propriedade por toda a sua jurisdição territorial. Sempre em teoria, e frequentemente na prática, o Estado provê arranjos de stand-by para intervir quando os mecanismos locais de controle social falham em manter as rupturas na ordem da interação dentro de certos limites. Particularmente em espaços públicos, mas não somente neles. Só para deixar claro, a ordem da interação prevalecente mesmo nos espaços mais públicos não é uma criação do aparato do Estado. Certamente, a maior parte dessa ordem se forma e é sustentada de baixo, por assim dizer, em alguns casos apesar da autoridade dominante, não por causa dela. Ainda assim o Estado efetivamente estabeleceu legitimidade e prioridade, monopolizando o uso de armas pesadas e quadros militarmente disciplinados como sanção última. </P>
<P>Em consequência, algumas formas padronizadas de vida interacional – falas de palanque, encontros, procissões –, sem falar das formas especializadas como linhas de piquete e ocupações –, podem ser interpretadas por oficiais de governo como uma afronta à segurança do Estado e forçadamente dispersadas sob essa justificativa, ainda que não exista nenhuma ameaça considerável à ordem pública no sentido substantivo. Por outro lado, violações na ordem pública podem ser representadas não apenas para ganho próprio, mas como desafio à autoridade do Estado – atos simbólicos interpretados como provocação e empregados em antecipação dessa interpretação. </P>
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<P>Eu tenho falado em termos que devem ser aplicáveis à existência face a face em qualquer lugar. E o fiz pelo preço usual – os pronunciamentos têm sido gerais, truísmos e metateóricos –, para usar uma palavra que é em si tão questionável quanto aquilo a que se refere. Um esforço menos vazio, igualmente geral, mas de base naturalista, é tentar identificar as unidades substantivas básicas, as estruturas recorrentes e seus processos concomitantes. Que tipos de animais são encontrados no zoológico interacional? Quais plantas nesse jardim particular? Permitam-me revisar o que considero ser alguns exemplos básicos. </P>
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<LBody>1) É possível iniciar com pessoas como entidades veiculares, ou seja, como unidades humanas ambulantes. Em lugares públicos nós temos “pessoas avulsas” (um participante) e “pessoas juntas” (mais de um participante), esses participantes sendo tratados como unidades autocontidas para fins de participação no fluxo da vida social pedestre. Unidades ambulantes um pouco maiores também podem ser mencionadas – por exemplo, comboios e procissões, e, como caso limite, a fila, constituída por meio de uma unidade ambulante estacionária. (Qualquer ordenamento de acesso por tempo de chegada pode, por extensão, ser razoavelmente chamado de fila, mas não estou considerando isso no momento). </LBody>
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<LBody>2) Em seguida, ainda que somente como uma unidade heurística e com o propósito de manter a coerência no uso, é válido buscar delimitar o termo contato. Portanto, vou me referir a qualquer ocasião na qual um indivíduo entra na presença de resposta do outro, seja por copresença física, conexão telefônica ou troca por carta. Estou, portanto, contando como parte do mesmo contato todos os olhares e trocas que ocorrerem durante esse tipo de ocasião. Assim, um relance ao caminhar pela rua, uma conversa, uma troca de cumprimentos cada vez mais atenuada enquanto se circula em um encontro social, o olhar de um espectador para o orador – cada um se qualifica como um contato único. </LBody>
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<LBody>3) Depois há aquela ampla classe de arranjos nos quais as pessoas se encontram em um pequeno círculo físico como participantes ratificados em uma atividade conscientemente compartilhada e claramente interdependente, o período de participação em si sendo dividido por rituais de algum tipo ou facilmente suscetíveis a sua invocação. Em alguns casos, somente poucos participantes estão envolvidos, o tipo de conversa que se mantém é a que pode ser vista como tendo propósitos autorrestritivos e se sustenta a aparência de que em princípio todos têm o mesmo direito de contribuir. Esse tipo de encontro conversacional pode ser diferenciado de encontros nos quais um presidente administra quem tem a vez e a relevância: é o caso de “audiências”, “julgamentos” e outros procedimentos jurídicos. Todos esses tipos de atividade baseados na conversa devem ser contrastados com os vários engajamentos interativos nos quais os acontecimentos que se entrelaçam não envolvem vocalização, e nos quais a fala, quando figura, o faz como um envolvimento lateral desconexo e mudo ou como um complemento irregular e intermitente da coordenação dos acontecimentos em progresso. Exemplos desses encontros são jogos de cartas, transações de serviço, atos de sexo e comensalismo. </LBody>
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<LBody>4) Em seguida o formato de palco: um arranjo universalmente encontrado no qual uma atividade é apresentada diante de uma audiência. O que é apresentado dessa maneira pode ser uma fala, uma competição, um evento formal, uma peça, um filme, um concerto musical, uma demonstração de destreza e trapaças, uma rodada de oratória, uma cerimônia ou uma combinação dessas coisas. Os apresentadores estarão ou em uma plataforma mais elevada ou dentro de um círculo de espectadores. O tamanho da audiência não está diretamente ligado ao que é apresentado (ainda que os arranjos devam permitir que se veja o palco), e a obrigação dos expectadores é primariamente apreciar, não fazer. A tecnologia moderna, é claro, potencializou essa instituição de interação para incluir audiências vastas e distais e um conjunto mais amplo de materiais que podem ser apresentados. Mas o formato em si responde à exigência de envolver um número potencialmente grande de indivíduos em um único foco de atenção visual e cognitivo, algo que só é possível se os espectadores se contentarem em entrar somente indiretamente no que é encenado. </LBody>
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<LBody>5) Por fim, pode-se mencionar a ocasião social comemorativa. Eu me refiro à reunião de indivíduos admitidos de forma controlada, o todo ocorrendo sob os auspícios de, e em homenagem a, alguma circunstância apreciada em conjunto. Um tom ou humor comum usualmente se desenvolve, traçando um contorno de envolvimento. Os participantes chegam de modo coordenado e vão embora de modo semelhante. Mais de uma região restrita pode funcionar como o cenário de uma ocasião única, essas regiões sendo conectadas para facilitar a movimentação, a mistura e a circulação de respostas. Dentro dos seus limites, uma ocasião social usualmente oferece o cenário para várias pequenas tarefas focadas, conversacionais ou não, e muito frequentemente destacam (e envolvem) uma atividade de palco. Com frequência haverá um senso de procedimentos oficiais, um período antes caracterizado como disponível para a sociabilidade não coordenada e um período depois marcado pela libertação sentida das obrigações ocasionadas. Tipicamente, haverá algum planejamento prévio, as vezes até mesmo uma agenda. Haverá especialização de funções, amplamente entre a equipe de limpeza, organizadores oficiais e participantes não oficiais. O evento como um todo é ansiado e recordado como um evento único e relatável. Ocasiões sociais comemorativas podem ser vistas como a maior unidade interacional, sendo, ao que parece, a única que pode ser administrada de modo a se estender por vários dias. Ordinariamente, no entanto, uma vez iniciada, a ocasião comemorativa terá existência contínua até terminar. </LBody>
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<P>É evidente que sempre que encontros, performances de palco, ou ocasiões comemorativas sociais ocorrem, também ocorre movimento ambulante e, consequentemente, as unidades nas quais esse movimento é regulado. Deveria ser igualmente evidente que trocas verbais breves, de duas a quatro partes, servem para acomodar e facilitar na ordem da interação, remediando dificuldades na atividade coordenada e choques não intencionais com atividades adjacentes e independentes. </P>
<P>Eu mencionei algumas entidades básicas da interação: unidades ambulantes, contatos, encontros de conversação, encontros formais, performances de palco e ocasiões sociais. Um tratamento semelhante poderia ser dado aos processos e mecanismos da interação. Mas ainda que seja fácil o suficiente revelar processos de interação recorrentes com alguma generalidade – especialmente processos microscópicos – é difícil identificar processos básicos, exceto talvez em conversas de fala alternada. Algo semelhante ocorre nos papéis na interação. </P>
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<P>Eu não falarei mais sobre as formas e os processos da vida social específicos à ordem da interação. Esse tipo de fala pode ser relevante somente para aqueles interessados em etologia humana, comportamento coletivo, ordem pública e análise de discurso. Em vez disso, quero concentrar meus comentários conclusivos a uma questão geral de significância mais ampla: a interface entre a ordem da interação e os elementos da organização social mais tradicionais. O propósito será descrever alguns atributos da ordem da interação, mas somente aqueles que afetam os mundos macroscópicos para além da interação na qual esses atributos se encontram. </P>
<P>De saída, uma questão que é tão óbvia a ponto de ser tomada como dada e negligenciada: o impacto direto dos efeitos situacionais nas estruturas sociais. Três exemplos podem ser citados. </P>
<P>Primeiro, na medida em que uma organização complexa se torna dependente de uma equipe particular (tipicamente funcionários que conseguiram adquirir papéis administrativos), a sequência diária de situações sociais dentro ou fora do trabalho – ou seja, os afazeres diários – nas quais essas personagens podem ser feridas ou sequestradas são também situações nas quais suas organizações podem sofrer. Comércios de esquina, famílias, relações e outras pequenas estruturas são igualmente vulneráveis, especialmente aquelas localizadas em áreas com altas taxas de crimes. Ainda que essa questão possa adquirir grande atenção pública em diversos locais e períodos, me parece ter pouco interesse conceitual; do ponto de vista analítico, a morte inesperada por causas naturais introduz o mesmo tipo de embaraço nas organizações. Em ambos os casos se lida com nada mais do que risco. </P>
<P>Em segundo lugar, como já indiquei, existe o fato óbvio de que grande parte do trabalho das organizações – processo decisório, transmissão de informação, coordenação estrita de atividades físicas – é realizada face a face, requer que seja feita dessa forma, sendo, portanto, vulnerável a efeitos face a face. Dito de outra maneira, na medida em que agentes das organizações sociais de qualquer escala, de Estados a domicílios, podem ser persuadidos, bajulados, cortejados, intimidados ou influenciados de alguma outra maneira por efeitos só realizáveis em atos face a face, então aí também a ordem da interação afeta abruptamente entidades macroscópicas. </P>
<P>Em terceiro lugar, há os encontros de processamento de pessoas, encontros nos quais a “impressão” que os sujeitos passam durante a interação afeta suas oportunidades de vida. Um exemplo institucionalizado é a entrevista de seleção conduzida pelo coordenador pedagógico, psicólogos de departamentos de recursos humanos, psiquiatras que realizam diagnósticos e oficiais de audiências judiciais. De forma menos franca, esse processamento é onipresente; todo mundo é o guardião de algo. Assim, relações de amizade e laços maritais (ao menos em nossa sociedade) podem ser rastreadas até a ocasião na qual algo além do necessário ocorreu em um contato acidental. </P>
<P>Seja realizado em ambientes institucionais ou não, o que é situacional sobre tais encontros de processamento é claro: toda cultura, e certamente a nossa, parece ter uma ampla gama de saberes de fatos e fantasias com relação a indicadores incorporados de status e caráter que parecem tornar as pessoas legíveis. Por uma espécie de arranjo prévio, situações sociais parecem ser perfeitamente desenhadas para nos fornecer evidências dos vários atributos dos participantes – ainda que somente para reapresentar vividamente o que nós já sabemos. Além disso, em situações sociais, como em outras circunstâncias, os que decidem, se pressionados, podem empregar uma lista sem fim de racionalizações para ocultar do sujeito (e mesmo de si próprios) a mescla de considerações que figuram em suas decisões e, especialmente, o peso relativo dado a esses vários determinantes. </P>
<P>São nesses encontros de processamento, portanto, que pode ocorrer a silenciosa triagem que, como Bourdieu teria dito, reproduz a estrutura social. Mas esse efeito conservador não é, do ponto de vista analítico, situacional. A ponderação subjetiva de um grande número de atributos sociais, independentemente desses atributos serem oficialmente relevantes ou não, e independentemente de serem reais ou fantasiosos, fornece um micro ponto de mistificação; o valor encoberto dado, por exemplo, à raça pode ser mitigado pelo valor encoberto dado a outras variáveis estruturais – classe, gênero, idade, pertencimento, redes de apoio –, estruturas que, na melhor das hipóteses, não são totalmente congruentes umas com as outras. E atributos estruturais, empregados de modo aberto ou oculto, não se combinam totalmente com os atributos pessoais, tais como saúde ou vigor, ou com propriedades que têm toda a sua existência em situações sociais – aparência, personalidade etc. O que é situacional, portanto, em encontros de processamento é a evidência que eles fornecem dos atributos reais e aparentes do participante enquanto, ao mesmo tempo, permitem que as oportunidades de vida sejam determinadas pela ponderação inacessível desse complexo de evidências. Ainda que esse arranjo comumente permita consolidação sub-reptícia das linhas estruturais, o mesmo arranjo também pode servir para afrouxá-las. </P>
<P>Pode-se indicar, então, as formas óbvias pelas quais as estruturas sociais são dependentes de, e vulneráveis a, o que ocorre em contatos face a face. Isso tem levado alguns a argumentarem de modo reducionista que todos os atributos macrossociológicos da sociedade, assim como a sociedade em si, são um composto intermitente do que pode ser rastreado até a realidade dos encontros – uma questão de agregar e extrapolar efeitos interacionais. (Essa posição é algumas vezes reforçada pelo argumento de que o que quer que saibamos sobre estruturas sociais pode ser rastreado até resumos muito editados do que era originalmente um fluxo da experiência em situações sociais). </P>
<P>Eu considero essas afirmações impróprias. Em primeiro lugar, elas confundem o formato interacional no qual palavras e indicações gestuais ocorrem com o significado dessas palavras e gestos, em uma palavra, elas confundem o situacional com o meramente situado. Quando o seu corretor te informa que ele precisa vender todas as suas ações ou quando seu patrão ou sua esposa te informam que os seus serviços não são mais necessários, a má notícia pode ser dada em uma conversa isolada que gentilmente ou delicadamente humaniza a ocasião. Essa consideração pertence aos recursos da ordem da interação. No momento de seu uso você pode ficar muito grato por esses recursos. Mas na manhã seguinte, importa se você tivesse recebido a informação por um telefonema, pelo computador, por uma notificação ou um bilhete no escritório? O quão delicadamente ou indelicadamente alguém é tratado no momento em que a má notícia é entregue não diz nada da significância estrutural da notícia em si. </P>
<P>Além disso, eu não acredito que alguém consiga aprender sobre o formato do mercado de commodities, ou sobre a distribuição dos valores da terra de uma cidade, ou sobre a sucessão étnica em administrações municipais, ou sobre a estrutura do sistema de parentesco, ou sobre as mudanças fonológicas sistemáticas em dialetos de uma comunidade extrapolando ou agregando encontros sociais particulares entre as pessoas envolvidas em qualquer um desses padrões. (Declarações sobre estruturas e processos macroscópicos podem razoavelmente ser submetidas a uma microanálise, mas uma análise que busca além das generalizações para encontrar diferenças decisivas entre, por exemplo, diferentes indústrias, regiões, períodos de curto-prazo etc., de forma a fraturar visões globais e não por causa das interações face a face). </P>
<P>Eu também não subscrevo a noção de que o comportamento face a face seja mais real, menos uma abstração arbitrária, do que imaginamos serem as negociações entre duas corporações, ou a distribuição de infrações em um ciclo semanal ou as sub-regiões de um bairro de Nova York; em todos esses casos, o que temos são resumos de alguém, grosseiramente editados. Eu afirmo meramente que formas de vida face a face são usadas com facilidade pela repetição constante por parte dos participantes, que são heterogêneas de muitas maneiras e, ainda assim, precisam rapidamente chegar a um acordo que funcione; por isso, essas formas parecem mais abertas à análise sistemática do que os funcionamentos interno e externo de muitas entidades macroscópicas. As formas em si estão ancoradas em sentimentos subjetivos e, portanto, permitem um espaço considerável para a empatia. O brevíssimo período no espaço e tempo do aspecto fenomenal de muitos desses eventos facilita a gravação (e a reprodução), e tem-se, é claro, o conforto de observar por si mesmo as instâncias particulares ao longo de todo o curso de sua ocorrência. No entanto, é preciso ver que mesmo dentro do domínio da interação face a face, o que alguns estudantes aceitam como as menores (e, nesse sentido, definitivas) unidades de experiência pessoal, outros já veem como um assunto irremediavelmente complexo que requer uma aplicação muito mais refinada de microanálise. </P>
<P>Em síntese, falar em formas de vida relativamente autônomas na ordem da interação (como Charles Tilly fez muito bem em relação a uma categoria especial dessas formas) não é apresentar essas formas como anteriores, fundamentais ou constitutivas do formato dos fenômenos macroscópicos. Fazê-lo seria semelhante ao jogo autocentrado dos dramaturgos, psicólogos clínicos e bons informantes – todos os quais criam suas histórias de modo que as forças internas às personagens individuais constituam e governem a ação, permitindo que os ouvintes e leitores agradavelmente se identifiquem com o resultado. Também não significa falar de algo imutável. Todos os elementos da vida social têm uma história e estão sujeitos à mudança decisiva através do tempo, e nenhum pode ser completamente compreendido separado da cultura particular na qual ocorre. (O que não significa dizer que historiadores e antropólogos podem com frequência nos fornecer dados que precisaríamos para realizar uma análise realista das práticas de interação em comunidades não estão mais disponíveis a nós). </P>
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<P>Eu mencionei conexões diretas entre as estruturas sociais e a ordem da interação não porque tenho algo novo ou consistente para dizer sobre elas, mas somente para estabelecer o contraste apropriado para esses efeitos de interface mais comumente considerados, notadamente, os durkheimianos. Vocês todos conhecem a ladainha. Um atributo decisivo de reuniões face a face é que nelas, e somente nelas, conseguimos dar um contorno e uma forma dramática a assuntos que, de outra forma, não seriam palpáveis aos sentidos. Pelo costume, gestual, e por alinhamentos corporais nós podemos retratar e representar uma lista heterogênea de coisas imateriais, compartilhando somente o fato de que possuem significância em nossas vidas e, no entanto, não fazem sombra: eventos notáveis do passado, crenças sobre o cosmos e nosso lugar nele, ideais com relação a nossas várias categorias de pessoas e, é claro, relações sociais e estruturas sociais maiores. Essas corporificações estão centradas em cerimônias (por sua vez enraizadas em ocasiões sociais comemorativas) e supostamente permitem aos participantes afirmar sua filiação e seu comprometimento com suas coletividades e reviver suas crenças últimas. Aqui, a celebração de uma coletividade é uma razão consciente para uma ocasião social que a hospeda e naturalmente figura na organização da ocasião. A amplitude em escala desses eventos comemorativos é grande: de um lado, coroações, do outro, o jantar entre dois casais – esse ritual de classe média para fazer contatos cada vez mais comum, ao qual todos nós conferimos, e do qual todos nós ganhamos, tanto peso. </P>
<P>A antropologia social reivindica essas várias cerimônias como pertencentes ao seu ramo de saber e, de fato, o melhor tratamento dado a essas cerimônias em comunidades modernas está no livro de Lloyd Warner The Living and the Dead. Sociedades seculares de massa, ao que parece, não se mostraram hostis a essas celebrações – de fato, a sociedade soviética, como Crystal Lane documentou recentemente, está repleta delas. Bençãos podem estar em declínio em número e significância, mas não as ocasiões em que outrora teriam sido oferecidas. </P>
<P>E provavelmente essas ocasiões têm consequências para as macroestruturas. Por exemplo, Abner Cohen nos conta que a banda de metais carnavalesca que começou na área de Notting Hill em Londres como um bloco multiétnico se tornou o início da organização política dos London’s West Indians; o que começou como algo relacionado a um feriado anual – quintessencialmente uma criatura que tem somente vida interacional – terminou como uma expressão de um grupo politicamente autoconsciente, a expressão em si tendo ajudado consideravelmente a criar o contexto estrutural no qual viria a ser visto. Assim, o carnaval foi mais a causa do movimento social e dos seus efeitos como formador de grupo do que a expressão desse processo. Do modo semelhante, Simon Taylor nos conta que o calendário de celebrações políticas desenvolvido pelo movimento nacional socialista na Alemanha – o calendário sendo uma versão centrada em Hitler das cerimônias cristãs básicas – teve um papel importante na consolidação do domínio do Partido sobre a nação. A ocasião-chave nesse ciclo anual, aparentemente, era o comício de Nuremberg (Reichsparteitag) realizado no Campo Zeppelin. Esse local podia concentrar quase um quarto de milhão de pessoas enquanto lhes fornecia acesso visual direto ao palco. Esse número de pessoas respondendo em uníssono ao mesmo evento de palco aparentemente teve uma influência duradoura em alguns participantes; certamente temos aqui o caso-limite de um evento situacional, e certamente a questão interessante não é como o ritual reflete as doutrinas nazistas sobre o mundo, mas como a ocasião anual em si claramente contribuiu para a hegemonia política de seus fundadores. </P>
<P>Nesses dois exemplos – ambos um tanto extremos, sem dúvida –, tem-se um salto direto do efeito interacional para a organização política. É claro, todo comício – especialmente aqueles envolvendo confrontação coletiva com a autoridade – pode ter algum efeito de longa duração sobre a orientação política dos participantes. </P>
<P>Ainda que pareça fácil o suficiente identificar as coletividades que as cerimônias projetam na tela comportamental e citar, como acabei de fazer, evidências da contribuição decisiva que a sombra pode ter para a substância, é algo bem diferente demonstrar que em geral qualquer coisa macroscopicamente significativa resulta de cerimônias – ao menos na sociedade contemporânea. Aqueles indivíduos que estão em posição de autorizar e organizar essas ocasiões são, com frequência, aqueles que estrelam nelas, e esses funcionários sempre parecem ser otimistas com relação aos resultados. Mas, de fato, os laços e as relações que nós cerimoniamos podem ser tão atenuados que a celebração periódica seja tudo o que estamos dispostos a dedicar a eles; assim, o que a celebração indica não é nossa realidade social, mas nossa nostalgia, nossa consciência pesada e nossa devoção persistente com relação ao que deixou de conectar. (Quando amigos se mudam para outra cidade, a celebração de reencontros casuais pode se tornar a substância da relação e não sua expressão). Além do mais, como Moore e Myerhoff têm sugerido, as categorias de pessoas que se reúnem em uma cerimônia (e, portanto, as estruturas que estão envolvidas) podem nunca se encontrar de novo, em cerimônias ou de outra forma. Uma intersecção única de interesses com efeitos variados pode ser representada, e nada além disso. Certamente, ocasiões de celebração como este discurso presidencial não têm necessariamente o efeito de reconectar os membros da audiência à disciplina e à profissão sob cujo nome eles se reúnem. De fato, tudo o que se pode esperar é que a memória de como a hora passou desapareça rapidamente, permitindo que todos participem novamente no ano seguinte, dispostos a mais uma vez não não vir. Em síntese, sentimentos sobre os laços estruturais servem mais como um recurso de envolvimento – para conduzir a ocasião de celebração – do que essas situações servem para reforçar o que lhes serve de fundamento. </P>
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<P>Se pensamos em cerimônias como encenações semelhantes a uma narrativa, mais ou menos extensivas e mais ou menos isoladas das rotinas mundanas, então podemos contrastar esse complexo de performances com “contatos rituais”, notadamente expressões superficiais, breves, que ocorrem acidentalmente na ação cotidiana – como se fosse de passagem –, o caso mais frequente sendo aquele que envolve apenas dois indivíduos. Essas performances não foram analisadas muito bem pela antropologia ainda que pareçam muito mais pesquisáveis do que as sequências mais complexas. De fato, a etologia e a concepção etológica de ritual, ao menos no sentido de demonstração de intenção, revela-se tão pertinente quanto a formulação antropológica. A questão, então, passa a ser: quais princípios informam a influência de estruturas sociais nos contatos rituais? É essa questão que eu quero considerar na conclusão. </P>
<P>Os eventos que ocorrem por razões acidentais quando os indivíduos estão na presença imediata uns dos outros são bem projetados para servirem como metáforas microecológicas, resumos e símbolos icônicos dos arranjos estruturais – sejam desejados ou não. E se essas expressões não ocorrem acidentalmente, os ambientes locais podem ser manipulados para produzi-las. Dadas as sensibilidades seletivas em uma cultura particular – por exemplo, preocupação com elevação relativa, valor dado ao lado direito sobre o esquerdo, orientação com relação à direção cardinal –, considerando esses vieses culturais, alguns recursos situados serão, é claro, mais explorados do que outros. A questão, portanto, é como esses atributos da ordem da interação serão engrenados, conectados ou amarrados nas estruturas sociais, incluindo relações sociais? Aqui as ciências sociais têm sido negligentes a ponto de, por vezes, se contentarem com a frase “uma expressão de”. Pequenos rituais sociais não são uma expressão dos arranjos estruturais em nenhum sentido simples; na melhor das hipóteses são uma expressão desenvolvida em relação a esses arranjos. Estruturas sociais não “determinam” culturalmente as manifestações padronizadas, mas somente ajudam a selecionar entre um repertório disponível delas. As expressões em si mesmas, tal como a prioridade em ser servido, a precedência para passar pela porta, a centralidade para sentar, o acesso a lugares públicos, os direitos preferenciais de interrupção da fala, a seleção como audiência endereçada são interacionais em substância e caráter; no máximo têm relações frouxamente acopladas a qualquer coisa em função das estruturas sociais que poderiam estar associadas a elas. As expressões são veículos de sinais fabricados a partir dos materiais descritivos disponíveis, e do que eles vêm a ser tomados como “reflexo” é necessariamente uma questão em aberto. </P>
<P>Vejam, por exemplo, o pedaço do nosso idioma ritual frequentemente tratado em trabalhos de conclusão de curso: a licença para empregar reciprocamente o primeiro nome como fórmula de tratamento. Pares de pessoas autorizadas a saudar e falar entre si utilizando reciprocamente o primeiro nome não podem ser tomados, a partir dessa evidência somente, como estando em uma relação estrutural particular, ou como sendo co-membros de uma organização social, um grupo ou categoria particulares. Há grande variação por região, classe e época, e essas variações não correspondem diretamente a variações na estrutura social. Mas existem outras questões. Pensem em pessoas como nós por um momento. Nós usamos o primeiro nome com irmãos, parentes da mesma geração, amigos, vizinhos, colegas de escola, pessoas apresentadas a nós em encontros sociais domésticos, colegas de escritório, nosso vendedor de carros, nosso contador e quando apostamos dinheiro privadamente com nossos amigos íntimos. Eu lamento dizer que em alguns casos também estamos nesses termos com nossos pais e filhos. O fato de que em alguns casos (irmãos e cônjuges por exemplo) o tratamento pelo primeiro nome (por oposição a outros nomes próprios) é obrigatório e em outras relações é opcional sugere a frouxidão do uso. O termo tradicional “laços primários” trata dessa questão, mas de modo otimista; ele reflete o reducionismo psicológico dos nossos antepassados sociológicos e suas memórias saudosas dos bairros em que cresceram. Na verdade, tratamento recíproco pelo primeiro nome é um recurso culturalmente estabelecido para estilizar transações imediatas: uma formalidade reduzida está implícita e a renúncia da oportunidade de definição de tom para se posicionar a respeito de prudência ritual. Mas a informalidade é constituída de materiais interacionais (assim como a formalidade), e as várias relações sociais e círculos sociais que se apoiam nesse recurso somente compartilham algumas afinidades. O que não é dizer, evidentemente, que um catálogo completo de formas simétricas e assimétricas de consideração e desconsideração interacional, de prudência e facilidade ritual, que dois indivíduos rotineiramente concedem um ao outro não nos informaria consideravelmente sobre seus laços estruturais. Também não é dizer que a convenção não possa conectar algumas exibições a estruturas sociais de maneiras exclusivas; em nossa sociedade, a cerimônia de casamento, por exemplo, emprega algumas formas que anunciam a formação de uma instância de uma classe particular de estrutura social e apenas isso. Tampouco é dizer que formas de interação não podem ser em si responsivas ao ambiente institucional no qual ocorrem. (Mesmo independente do que é dito, regras de turnos de fala em conversas informais diferem um pouco daquelas em sessões de terapia familiar, as quais são diferentes por sua vez daquelas utilizadas em salas de aula que, por sua vez, diferem das práticas encontradas em audiências judiciais. E essas diferenças na forma são parcialmente explicáveis em termos das tarefas especiais realizadas nesses vários ambientes que, por sua vez, são determinadas por preocupações extrassituacionais). </P>
<P>Em geral, portanto, (e qualificações à parte) o que se encontra, ao menos nas sociedades modernas, é uma ligação não exclusiva – um “acoplamento frouxo”
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– entre práticas interacionais e estruturas sociais, um desmonte dos estratos e das estruturas em categorias mais amplas, as categorias em si não correspondendo unitariamente a nada do mundo estrutural, um engate por assim dizer de várias estruturas em encaixes interacionais. Ou, se preferir, um conjunto de regras de transformação ou uma membrana que seleciona como várias distinções externamente relevantes serão manejadas dentro da interação. </P>
<P>Um exemplo. Da perspectiva de como mulheres em nossa sociedade se saem em conversas entre sexos, é em muitos poucos momentos que (em termos estatísticos) um conjunto de homens, tais como executivos juniores, devem similarmente esperar e depender das palavras de outros – embora em cada caso não muitos outros. Do ponto de vista da ordem da interação, no entanto, a questão é decisiva. Por exemplo, ela nos permite tentar formular uma categoria de papel social que mulheres e executivos juniores (e qualquer outra pessoa nessas circunstâncias interacionais) compartilham. E esse será um papel que pertence analiticamente à ordem da interação, à qual as categorias mulher e executivo júnior não pertencem. </P>
<P>Basta lembrá-los que a dependência da atividade interacional a questões externas à interação – um fato caracteristicamente negligenciado por aqueles entre nós que se centram em transações face a face – não implica em si dependência de estruturas sociais. Como já sugerido, uma questão central em todas as interações face a face é a relação cognitiva entre os participantes, ou seja, aquilo que cada um pode efetivamente assumir que o outro sabe. Essa relação é relativamente livre de contexto, se estendendo para além de qualquer situação social presente para todas as ocasiões em que os dois indivíduos se encontram. Pares constituindo estruturas íntimas, por definição, irão saber muito sobre o outro, e também irão saber de muitas experiências que eles compartilham exclusivamente – tudo isso afeta dramaticamente o que eles podem dizer um para o outro e o quão lacônicos podem ser ao fazerem essas referências. Mas todas essas informações exclusivas se esvaem quando se considera o quanto de informação sobre o mundo dois indivíduos que mal se conhecem podem assumir que é razoável presumir ao formularem frases um para o outro. (Aqui, mais uma vez, nós vemos que a distinção tradicional entre relações primárias e secundárias é um insight do qual a sociologia deve tentar escapar). </P>
<P>A formulação geral que eu sugeri sobre a relação entre a ordem da interação e as ordens estruturais permite (eu espero) prosseguir construtivamente. Primeiro, como sugerido, encoraja-se a tratar como questão de descoberta apenas quem está fazendo o que com quem, a suposição sendo que em quase todos os casos as categorias que resultam não coincidirão totalmente com qualquer divisão estrutural. Deixem-me incluir mais um exemplo. Livros de etiqueta estão cheios de conceituações sobre as cortesias que homens devem às mulheres em uma sociedade educada. Menos claramente apresentado, é claro, é uma compreensão sobre os tipos de mulheres e os tipos de homens que não seriam vistos como participantes esperados nessas pequenas gentilezas. Mais pertinente aqui, no entanto, é o fato de que cada um desses pequenos gestos também é prescrito entre outras categorias: um adulto em relação a uma pessoa mais velha, um adulto em relação a uma pessoa jovem, um anfitrião em relação a um convidado, um especialista em relação a um novato, um nativo em relação a um visitante, amigos em relação ao que celebra um momento de virada na vida, uma pessoa saudável em relação a uma pessoa doente, uma pessoa capaz em relação a uma pessoa incapacitada. E, como sugerido, ocorre que o que todos esses pares compartilham não é algo da estrutura social, mas algo que a cena da interação face a face permite. (Ainda que se fosse restringir a uma esfera da vida social – por exemplo, a atividade dentro de uma organização complexa – um acoplamento frouxo entre a ordem da interação e estrutura social permanece. A precedência que alguém dá ao seu chefe imediato, também dá ao chefe imediato dele/dela, e assim sucessivamente até o topo da organização, pois precedência é um recurso interacional que fala da hierarquia ordinal e não da distância entre as posições). É fácil o suficiente, então, e mesmo útil, especificar em termos de estrutura social quem realiza um dado ato de deferência e de presunção com relação a quem. No estudo da ordem da interação, no entanto, depois de dizer isso, é preciso buscar quem mais faz isso com relação a quem mais, então categorizar os que o fazem com um termo que contemple todos, e similarmente com os que recebem. E é preciso fornecer uma descrição tecnicamente detalhada das formas envolvidas. </P>
<P>Em segundo lugar, uma abordagem de “acoplamento frouxo” permite encontrar um lugar adequado para o poder aparente dos modismos de efetuar mudanças nas práticas rituais. Um exemplo recente, conhecido de vocês todos, foi a mudança rápida e um tanto temporária para a vestimenta informal no mundo corporativo durante as últimas fases do movimento hippie, às vezes acompanhada por mudanças nas formas de saudação, tudo sem grande mudança correspondente na estrutura social. </P>
<P>Em terceiro lugar, é possível apreciar a vulnerabilidade dos atributos da ordem da interação à intervenção política direta, tanto de baixo quanto de cima, em ambos os casos contornando as relações socioeconômicas. Assim, em tempos recentes, negros e mulheres têm rompido espaços públicos segregados conjuntamente, em muitos casos com consequências duradouras para os arranjos de acesso, contudo sem muita mudança na posição de negros e mulheres na estrutura social. E é possível compreender o propósito de novos regimes em introduzir e reforçar uma prática que atinge o modo como amplas categorias de pessoas aparecerão em público como, por exemplo, quando os nacional-socialistas na Alemanha exigiam que judeus usassem braçadeiras de identificação em lugares públicos, ou o governo soviético ao tomar uma medida oficial para desencorajar o uso do véu por mulheres do grupo étnico Khanty siberiano, ou o governo iraniano tomando o véu em direção exatamente oposta. E é possível compreender também a efetividade dos esforços diretamente voltados para alterar os intercâmbios de contato, tal como quando uma saudação revolucionária, um cumprimento verbal ou um termo de tratamento são introduzidos de cima, em alguns casos de modo bastante permanente. </P>
<P>E, finalmente, é possível compreender a influência que aqueles em um movimento ideológico podem conseguir ao concentrar seus esforços nas saudações e despedidas, em termos de tratamento, tato e dissimulação, além de outras conjunturas para polidez na gestão dos contatos sociais e das trocas verbais. Ou a confusão que pode ser feita por uma doutrina que leve a rompimentos sistemáticos de padrões de vestimentas públicas decentes. Nessas questões, os hippies americanos, e depois “The Chicago Seven”, eram amadores interessantes, os grandes terroristas das formas de contato eram os quakers da metade do século XVII na Grã-Bretanha que conseguiram, de alguma forma, (como Bauman descreveu recentemente) desenhar uma doutrina que ataca diretamente os arranjos então estabelecidos pelos quais estruturas sociais e os valores oficiais amplos recebiam a devida e apropriada polidez em relações sociais. (Para garantir, outros movimentos religiosos do período empregaram algumas dessas recalcitrâncias também, mas nenhum de modo tão sistemático). Aquele bando resistente de simples oradores deveria sempre estar diante de nós como um exemplo do poder maravilhosamente perturbador da indelicadeza sistemática, nos lembrando novamente das vulnerabilidades da ordem da interação. Não há dúvida: os discípulos de Fox elevaram monumentalmente a arte de se tornar um pé no saco. </P>
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<P>VIII </P>
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<P>De todas as estruturas sociais que interagem com a ordem da interação, as que parecem interagir de modo mais íntimo são as relações sociais. Gostaria de dizer uma palavra sobre elas. </P>
<P>Pensar sobre a quantidade ou a frequência de interações face a face entre dois indivíduos relacionados – os dois lados de uma relação – como sendo de alguma forma constitutivas da relação deles é estruturalmente ingênuo, tomando amizades decorrentes de proximidade como modelo para todas as relações. E, no entanto, é claro, a ligação entre relações sociais e a ordem da interação é forte. </P>
<P>Tome, por exemplo, (em nossa própria sociedade) o caso da convivência, ou melhor ainda, a de ser um conhecido. Essa é uma instituição decisiva do ponto de vista de como lidamos com indivíduos em nossa presença imediata, em nossa presença telefônica, um fator chave na organização de contatos sociais. O que está envolvido é o direito e a obrigação de aceitar mutuamente e reconhecer abertamente a identificação individual em todas as ocasiões iniciais de proximidade produzidas casualmente. Essa relação, uma vez estabelecida, é definida como algo que continua pela vida toda – uma característica imputada muito menos corretamente ao laço do casamento. A relação social que chamamos de “meros conhecidos” incorpora ser conhecido e quase nada além disso, constituindo assim um caso-limite – uma relação social cujas consequências são restritas às situações sociais –, pois aqui a obrigação de fornecer evidências dessa relação é a relação. E essa evidência é própria da interação. Conhecimento do nome do outro e o direito de usá-lo no tratamento implica a capacidade de especificar quem é que se está chamando para conversa. De modo semelhante, uma saudação acidental implica o começo de um encontro. </P>
<P>Quando nos voltamos para relações “mais profundas”, o ser conhecido e suas obrigações permanecem um fator, mas agora não mais o fator decisivo. No entanto, surgem outras ligações entre relações e a ordem da interação. A obrigação de trocar saudações na passagem é ampliada: o par pode ser obrigado a interromper seus cursos de ação independentes de modo que um encontro pleno possa ser abertamente dedicado a demonstrar satisfação pela oportunidade de contato. Durante essa pausa convivial, cada participante é constrangido a demonstrar que ele ou ela manteve fresco em sua mente não somente o nome do outro, mas também partes de sua biografia. Questionamentos ocorrerão sobre os parceiros românticos da pessoa, sobre viagens recentes, sobre doenças, se houver alguma, sobre resultados de carreira e diversos outros assuntos que falam da atenção do questionador com relação ao mundo da pessoa saudada. De modo correspondente, haverá a obrigação de atualizar o outro com relação às suas próprias circunstâncias. É evidente que essas obrigações ajudam a ressuscitar relacionamentos que podem ter esvanecido devido à falta de contato; mas elas fornecem também as bases para iniciar um encontro e um assunto inicial fácil. Portanto, talvez seja necessário admitir que a obrigação de manter a biografia ativa de nossos conhecidos (e garantir que eles consigam sustentar o mesmo com relação a nós) é tão importante para a organização dos encontros quanto para a relação das pessoas que se encontram. Essa contribuição à ordem da interação é também muito evidente em relação à nossa obrigação de lembrar o nome pessoal de nosso conhecido na ponta da língua, nos permitindo sempre empregá-lo como um vocativo em conversas com várias pessoas. Afinal de contas, o uso do nome pessoal no início da frase é um instrumento eficiente para alertar aos ouvintes cativados qual deles será endereçado. </P>
<P>Assim como os que têm relações próximas são obrigados a desfrutar de um encontro de saudação quando se encontram acidentalmente na presença imediata um do outro, também depois de um tanto de tempo sem estarem em contato, eles são obrigados a garantir um encontro, seja por telefone ou carta, ou maquinando conjuntamente oportunidades para um contato face a face – o maquinar em si permitindo um contato mesmo que nada saia da maquinação. Aqui, em “contatos devidos” é possível ver que encontrar-se em si é algo completamente fabricado na ordem da interação e se define como um dos bens mutuamente previstos em relacionamentos. </P>
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<P>IX </P>
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<P>Ainda que seja interessante tentar tratar das conexões entre a ordem da interação e as relações sociais, há uma outra questão mais urgente: aquilo que a sociologia tradicional denomina de status sociais difusos ou (em outra versão) traços principais determinados por status. Para concluir as minhas considerações hoje à noite, eu gostaria de comentar essa questão. </P>
<P>Em nossa sociedade, é possível dizer que existem quatro status difusos decisivos: idade, gênero, classe e raça. Ainda que esses atributos e as estruturas sociais correspondentes funcionem de modo bastante diferente na sociedade (talvez raça e classe sendo os mais conectados), todos compartilham dois atributos decisivos. </P>
<P>Primeiro, eles constituem uma grade transversal na qual cada indivíduo pode ser relevantemente localizado com relação a cada um dos quatro status. </P>
<P>Segundo, nossa localização com relação aos quatro atributos é evidente em virtude das marcas que nossos corpos trazem consigo para todas as situações sociais, nenhuma informação anterior sendo necessária. Independente de podermos ser individualmente identificados ou não em uma situação social particular, nós quase sempre podemos ser imediatamente identificados categoricamente dessas quatro formas. (Quando isso não é possível, problemas sociologicamente elucidativos surgem). A fácil perceptividade desses traços nas situações sociais não é, evidentemente, totalmente fortuita; na maioria dos casos, a socialização, de formas sutis, garante que nossa localização com relação a esses aspectos seja mais evidente do que em outras situações. Mas, é claro, qualquer traço que não é facilmente perceptível dificilmente poderia adquirir a capacidade de um traço difuso determinado por status (ou melhor, identificado por status), ao menos na sociedade moderna. O que não significa dizer que essa perceptibilidade é de igual importância no papel que esses status difusos desempenham na nossa sociedade. Evidentemente também não é dizer que a perceptividade por si só garante que a sociedade fará uso dessa propriedade de forma estrutural. </P>
<P>Tendo agora essa imagem esquemática dos status difusos, considere um exemplo paradigmático de um contexto comumente analisado pela microanálise: a classe de eventos no qual um “atendente”, em um cenário preparado para o propósito, rotineira e regularmente fornece bens de algum tipo a uma série de compradores ou clientes, tipicamente em troca de dinheiro ou como uma fase intermediária em um processamento burocrático. Em síntese, uma “transação de serviços” – aqui centrando-se no tipo no qual atendente e cliente se encontram na mesma situação social, em contraste com transações que ocorrem pelo telefone, ou pelo correio, ou com uma máquina de venda automática. O formato institucionalizado para conduzir essas transações se baseia em um complexo cultural mais amplo que engloba protocolos governamentais, regras de trânsito e outras formalizações de precedência. </P>
<P>Na sociedade contemporânea quase todo mundo realiza transações de serviços diariamente. Qualquer que seja o significado último dessas transações para os destinatários, está claro que a forma como eles são tratados nesses contextos tem grande chance de influenciar seu senso de pertencimento à comunidade mais ampla. </P>
<P>Em quase todas as transações contemporâneas de serviços, um acordo básico parece prevalecer: que todos os candidatos ao serviço serão tratados “igualmente” ou “da mesma forma”, ninguém sendo favorecido ou desfavorecido com relação aos outros. Não é necessário, é claro, olhar para a filosofia democrática para dar conta da institucionalização desse arranjo: de maneira geral, essa ética fornece uma fórmula muito eficaz para a rotinização e o processamento de serviços. </P>
<P>O princípio da igualdade de tratamento em transações de serviços tem algumas implicações óbvias. Para lidar com mais de um candidato ao serviço de cada vez de tal forma que seja percebida como ordenada e justa, um arranjo em fila provavelmente será empregado, isso provavelmente envolvendo uma regra de atender por ordem de chegada. Essa regra produz uma ordenação temporal que bloqueia totalmente a influência de tais status e relações sociais diferenciais que os candidatos trazem com eles à situação de serviço – atributos que têm significância enorme fora da situação. (Aqui está o caso por excelência de “determinismo local” como um dispositivo de bloqueio). Dessa forma, imediatamente ao entrar em uma arena de serviços, os clientes irão considerar de seu interesse localizar o sistema local de rastreamento (sejam papéis numerados retirados de uma máquina, ou nomes colocados em uma lista, ou uma fila humana que requer o corpo como um marcador de lugar, ou uma orientação ativa com relação a identidade pessoal dos presentes e da pessoa que entra logo depois de si). Também se espera que eles administrem uma ordenação em sub-filas demarcadas por múltiplos atendentes, tudo isso como parte de sua pressuposta competência. E, claro, se o lugar das pessoas na fila deve ser respeitado, os companheiros de fila precisarão sustentar a disciplina de enfileiramento entre eles, separada das relações com o atendente. </P>
<P>Junto com o princípio da igualdade, outra regra está presente em todos os lugares em que há transações contemporâneas de serviço: a expectativa de que qualquer um buscando serviço será tratado com “cortesia”; por exemplo, que o atendente rapidamente dará atenção ao serviço requisitado e o executará com palavras, gestos e jeito que de alguma forma demonstram a aprovação do demandante e prazer no contato. Implicado está (quando tomado conjuntamente com o princípio da igualdade) que o cliente que faz uma pequena compra não será mais mal recebido do que aquele que faz uma compra grande. Aqui tem-se a institucionalização – de fato a comercialização – da deferência e novamente algo que parece facilitar a rotinização do atendimento. </P>
<P>Considerando as duas regras que mencionei – igualdade de tratamento e tratamento cortês –, participantes de transações de serviço podem sentir que todos os atributos externamente relevantes estão sendo mantidos suspensos e somente os gerados internamente podem desempenhar um papel, como, por exemplo, quem chega primeiro é servido primeiro. Mas, obviamente, o que de fato acontece enquanto os clientes sustentam esse senso de tratamento normal é uma questão complexa e precária. </P>
<P>Tome, por exemplo, as suposições implícitas no atendimento sobre quem se qualifica como um candidato efetivo. Qualificações situacionalmente perceptíveis com relação à idade, sobriedade, habilidade linguística e solvência precisarão ser satisfeitas antes que indivíduos sejam autorizados a se apresentarem como qualificados para o serviço. (O pedido “um café para viagem” pode não receber a resposta lacônica “creme ou açúcar?” caso se trate de um mendigo fazendo o pedido; um pedido educado no balcão de uma farmácia de hospital em West Philadelphia por “valium de 25 miligramas, por favor” ao submeter a prescrição pode muito bem evocar abertamente a resposta “Como você vai pagar por isto?”; e tentativas de comprar bebidas alcóolicas em qualquer lugar do país podem muito bem invocar um pedido para ver o documento certificando a idade). </P>
<P>Regras de qualificação à parte, acordos sobre o relaxamento das regras de enfileiramento são comuns. Por exemplo, diante de uma fila, indivíduos que chegam podem alegar ou apresentar circunstâncias atenuantes, implorar por precedência e ser agraciado com esse privilégio especial (ou tê-lo concedido caso a necessidade seja evidente) pela pessoa cuja posição na fila será a primeira a sofrer um revés pela licença concedida. O custo ao dono dessa licença também é arcado por todos os membros da fila que estão atrás do doador, mas geralmente eles parecem estar dispostos a delegar a decisão e segui-la. Um tipo mais comum de relaxamento das normas ocorre quando o primeiro da fila se voluntaria a trocar de lugar com a pessoa seguinte na fila (ou é demandada por ela a fazê-lo) porque essa pessoa está aparentemente com pressa ou parece ter somente uma necessidade muito urgente do tempo do atendente – uma troca que não afeta as outras partes na fila. </P>
<P>Existem outros acordos que precisam ser considerados. As transações de serviço podem ser realizadas de maneira tal que o atendente nem chega a olhar para o rosto do cliente. (Isto, de fato, fornece a lógica do termo genérico “transação de serviço” em vez de “encontro de serviço”). O arranjo padrão, no entanto, envolve troca de olhares, aceitação das obrigações mútuas do encontro social e uso de títulos civis (especialmente pelo atendente) no intercâmbio inicial, tipicamente no início ou no término do enunciado. Em nossa sociedade, isso significa um vocativo com marcação de gênero e um tom de comportamento tido como adequado para transações entre os gêneros. (Notem, títulos podem quase sempre ser omitidos, mas se são utilizados, eles devem corretamente refletir o gênero). Se um cliente é um pré-adulto, então isso também deve se refletir na seleção de vocativo pelo atendente e no seu “registro de fala”. </P>
<P>Se o atendente e o cliente se conhecem individualmente pelo nome e têm uma relação prévia, a transação normalmente é iniciada e terminada por um ritual de relação: termos de tratamento de identificação individual normalmente são usados junto com a troca de questões e bem-querer encontradas em saudações padrão e despedidas entre conhecidos. Contanto que essas perturbações iniciais e finais de sociabilidade sejam sustentadas como um envolvimento subordinado durante a transação, contanto que as outras pessoas presentes não sintam que seu movimento na fila está sendo impedido, então não haverá nenhum sentimento de intrusão na aplicação do tratamento igualitário. A administração de relações pessoais é assim delimitada. </P>
<P>Eu sugeri em termos esquemáticos elementos da estrutura das transações de serviço que podem ser tomados como institucionalizados e oficiais, tanto que ordinariamente, quando se entende que eles se aplicam a um cenário de serviço particular, aqueles presentes sentem que nada marcado ou inaceitável ou fora do comum ocorreu em termos de substância ou cerimônia. Com isso em mente, duas questões decisivas podem ser tratadas no que diz respeito à gestão de status difusos em transações de serviço. </P>
<P>Primeiro, notem que não é incomum que indivíduos buscando serviço sintam (de maneira justificada ou não) que eles receberam tratamento desigual ou deselegante. De fato, todos os vários elementos da estrutura padrão do serviço podem ser “trabalhados”, explorados e secretamente violados em um número quase infinito de formas. E da mesma forma que um cliente pode ser discriminado dessas formas, outros podem ser injustamente favorecidos. Tipicamente essas violações tomarão a forma de atos que podem ser negados, aquela forma cuja injustiça pode ser disputada pelo ator se ela ou ele é abertamente questionada(o). E, é claro, nessa linha todo tipo de “expressão” pode ser dada para atributos oficialmente irrelevantes, baseados externamente, sejam eles associados a status difusos, relações pessoais ou à “personalidade”. Eu acredito que para compreender esses efeitos é preciso rastreá-los até o ponto particular no enquadramento do serviço no qual ocorrem, e deve-se ver que nenhuma formulação simples é possível sobre a mistura de relevâncias oficiais e não oficiais concedidas aos vários atributos dos atendentes e dos clientes. O que será reconhecido em um dado ponto estrutural será rigorosamente avaliado a partir de contra-princípios em outro ponto. Novamente, portanto, encontra-se um enquadramento institucionalizado (ainda que vinculado culturalmente e temporalmente) consideravelmente diferenciado em sua estrutura que pode servir como recurso para a realização de todo tipo de finalidade, do qual um, mas somente um, se refere à discriminação informal no sentido tradicional. </P>
<P>A segunda questão crítica é que a noção de “igualdade” ou “tratamento justo” não deve ser entendida de modo simplista. Quase não se pode dizer que algum tipo de tratamento igual baseado objetivamente ocorre, exceto talvez onde o atendente é eliminado e uma máquina de venda automática é colocada no lugar. O que se pode dizer é que a percepção estabelecida dos participantes de um tratamento igualitário não é perturbado pelo que ocorre, e isso, é claro, é algo bem diferente. Uma percepção de que um “determinismo local” prevalece não nos diz muito sobre o que, objetivamente falando, de fato ocorre. </P>
<P>Tudo isso é evidente no que tem sido dito sobre as formas aceitáveis pelas quais as relações pessoais podem ser reconhecidas em encontros de serviço. A gestão da fila nos fornece outro caso em questão. O que as filas protegem é a posição ordinal localmente determinada pela regra da ordem de chegada. Mas quanto tempo alguém deve esperar por um serviço depende não somente da posição ordinal na fila, mas do quão prolongado é o assunto de cada um que está na sua frente. No entanto, é preciso descontar essa última contingência. Caso a pessoa imediatamente à frente de outra leve uma quantidade de tempo não usual para o serviço, ela será ordinariamente restringida a reclamações não oficiais e principalmente gestuais. O problema é particularmente acentuado em sub-filas. Em bancos, supermercados, balcões de check-in no aeroporto, o cliente pode ter que selecionar uma sub-fila e então pode descobrir, depois de conseguir uma boa posição nela, que trocar para outra fila aparentemente mais rápida pode implicar uma perda estratégica. Os participantes podem então se ver comprometidos com o risco de uma fila que oferece o serviço com atraso maior que a média. A resposta normativa a esse tratamento desigual é o senso de má sorte ou de má administração pessoal das contingências – algo definível como gerado localmente, mas não percebido como uma questão de tratamento injusto pelo atendente. </P>
<P>Sub-filas podem ilustrar um outro ponto. Grandes hotéis atualmente fornecem múltiplas filas para check-in, cada uma das quais identificada com uma faixa de iniciais do sobrenome. A inicial do sobrenome de alguém é certamente uma propriedade que se traz consigo à situação, não algo gerado na situação, mas é percebido como não tendo significância social – algo sobre o que não se tem sentimento. (Em protocolos estatais, um instrumento semelhante pode ser empregado para evitar questões problemáticas de precedência, notadamente alocar prioridade ao embaixador de residência mais longa). O senso de tratamento igualitário nesses casos não fala dos determinantes de prioridade empregados, mas daqueles que são explicitamente excluídos. </P>
<P>Um último exemplo. Em filas para serviços há a situação de dois candidatos que chegam à cena exatamente na “mesma” hora. Nessa conjuntura de indeterminação com relação às regras da fila – conjunturas nas quais expressões não pretendidas ou desejadas de desigualdade podem ser geradas –, os concorrentes têm um conjunto mais amplo de acordos para utilizar, uma forma republicana de noblesse oblige, de acordo com a qual o indivíduo mais forte, mais capaz ou superior em status social concede precedência ao outro, como um protetor faria com um protegido. O tratamento preferencial ocorre, mas é iniciado pelo indivíduo que de outra forma estaria em posição de forçar o oposto a ocorrer. Agora não há dúvida de que ordinariamente esses momentos raramente formam uma oscilação na cena de serviço, deixando todos sentindo que não ocorreu nenhuma violação da regra da igualdade. Mas, é claro, categorias de indivíduos recebendo esta cortesia de prioridade podem se sentir tratados com indulgência e, em última instância, desacreditados. Sempre, uma base de discriminação que o indivíduo pode aceitar hoje como não tendo significância, amanhã pode levar a graves reações de menosprezo ou privilégio. </P>
<P>Em suma, a percepção normal de que atributos externamente baseados estão oficialmente excluídos de terem um papel em transações de serviço e de que o determinismo local prevalece – à parte, é claro, de violações secretas, reais ou imaginárias – é uma realização da percepção. Atributos baseados externamente recebem de fato “reconhecimento” rotineiro e sistemático, e vários determinismos locais além da ordem de chegada são sistematicamente desconsiderados. Tratamento “igualitário”, então, de nenhuma forma é sustentado pelo que de fato ocorre – oficialmente ou não oficialmente – durante transações de serviço. O que pode ser sustentado – e rotineiramente é sustentado – é o bloqueio de certas influências externas em alguns pontos estruturais no enquadramento de serviço. Fora disso nós geramos um senso de que o tratamento igualitário prevalece. </P>
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<P>X </P>
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<P>Eu termino este discurso com uma lamúria pessoal. Nós concordaremos, eu penso, que nosso trabalho é estudar a sociedade. Se você pergunta por que ou com qual finalidade, eu responderia: porque ela existe. Louis Wirth, cujos cursos eu fiz, teria achado essa resposta uma vergonha. Ele tinha uma resposta diferente, e desde a sua época a sua resposta se tornou a padrão. </P>
<P>Pessoalmente, acredito que a vida social humana é nossa para ser estudada de forma naturalista, sub specie aeternitatis. Do ponto de vista das ciências biológicas e físicas, a vida social humana é somente uma pequena sarna irregular diante da natureza, não particularmente passível de análise sistemática profunda. E assim são as coisas. Mas ela é nossa. Com algumas poucas exceções, somente estudantes do nosso século conseguiram manter-se firme com essa visão, sem devoção ou necessidade de tratar questões tradicionais. Somente em tempos modernos estudantes universitários foram sistematicamente treinados para examinar todos os níveis da vida social meticulosamente. Eu não acredito que até agora nossas reivindicações possam ser baseadas em realizações magníficas. De fato, eu já ouvi dizer que deveríamos ficar contentes em trocar o que já produzimos por algumas poucas boas distinções conceituais e uma cerveja gelada. Mas não há nada no mundo que devemos trocar pelo que temos: a vontade de sustentar, em relação a todos os elementos da vida social, um espírito de investigação sem restrições e sem patrocínio, e a sabedoria de cumprir esse mandato sem olhar para nenhum lugar além de nós mesmos e da nossa disciplina. Essa é a nossa herança e é isso que até agora nós temos que legar. Se é preciso ter uma garantia para atender às necessidades sociais, que seja para as análises não patrocinadas dos arranjos sociais usufruídos por aqueles com autoridade institucional – padres, psiquiatras, professores escolares, polícia, generais, líderes governamentais, pais, homens, brancos, cidadãos, operadores da mídia e todas as outras pessoas bem localizadas que estão em posição de marcar versões da realidade com carimbo oficial. </P>
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<P>Tradutoras </P>
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<P>BRUNA GISI (brunagisi@usp.br) é professora doutora do Departamento de Sociologia (DP) da Universidade de São Paulo (USP, Brasil) e pesquisadora associada do Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da mesma universidade. É doutora e mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia (PPGS) da USP e graduada em ciências sociais pela Universidade Federal do Paraná (UFPR, Curitiba, Brasil). </P>
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<P>ROBERTA SOARES (roberta.osoares@gmail.com) é doutoranda em ciências da educação na Universidade de Montréal (UMontreal, Canadá). É mestre pelo PPGS da USP e bacharel em ciências sociais pela mesma universidade. </P>
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<P>Recebido em: 20/06/2019 Aprovado em: 25/06/2019 </P>
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