Apresentação ao dossiê Tempo, Espaço e Sociabilidades na Zona Oeste Carioca

Julia O’Donnell; Marcella Araujo; Thomas Cortado

professora do Departamento de Antropologia Cultural (DAC) e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia (PPGSA) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ, Brasil). Tem doutorado e mestrado pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social (PPGAS) do Museu Nacional da UFRJ e graduação em história pela Universidade de São Paulo (USP, Brasil). É coordenadora do Urbano – Laboratório de Estudos da Cidade da UFRJ., Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil , professora do Departamento de Sociologia (DS) da UFRJ. Tem doutorado pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (Iesp) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj, Brasil), mestrado pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia (PPGSA) da UFRJ e graduação em ciências sociais pela Fundação Getúlio Vargas (FGV, Rio de Janeiro, Brasil). É coordenadora do Urbano – Laboratório de Estudos da Cidade da UFRJ., Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil , doutor pelo PPGAS/MN da UFRJ, mestre em etnologia e antropologia social pela École des Hautes Études en Sciences Sociales (EHESS, Paris, França) e graduado em ciências sociais pela Universidade de Paris X (Paris X, França). É pós-doutorando na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp, Brasil)., Universidade Estadual de Campinas, Brasil

5638. 2020 ; 13(1)


O dossiê Tempo, Espaço e Sociabilidade na Zona Oeste Carioca traz um conjunto de seis artigos sobre a vasta e ainda pouco estudada Zona Oeste do Rio de Janeiro. A publicação é um desdobramento do seminário de mesmo nome, realizado em junho de 2018, no Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). A iniciativa surgiu da constatação de que essa região, a despeito de reunir os maiores índices de crescimento urbano da cidade ao longo das últimas décadas, é ainda pouco estudada nas ciências sociais. Buscamos então reunir antropólogos e sociólogos cujos trabalhos vêm se dedicando a compreender alguns dos muitos aspectos que fazem da Zona Oeste um campo de pesquisa tão interessante quanto desafiador. O boom de empreendimentos na última década, a permanência de áreas de perfil predominantemente rural, a forte presença das milícias e a visível alteração da paisagem natural e social são alguns dos elementos que não deixam dúvidas sobre a importância do estudo da Zona Oeste carioca para a compreensão mais ampla dos processos de transformação urbana na cidade.

Foram pesquisas com trajetórias muito diversas que nos levaram à Zona Oeste. Julia O’Donnell seguiu os processos de expansão da cidade, que levava tantos moradores de Copacabana, bairro anteriormente estudado por ela (O’Donnell, 2013), a fugir das suas calçadas lotadas, do seu trânsito barulhento e dos seus prédios de quitinetes em direção aos novos condomínios fechados da Barra da Tijuca. Marcella Araujo chegou primeiro à Curicica, com a equipe de trabalho social de um escritório de arquitetura, e depois circulou por vários bairros ao longo do traçado da Via Transolímpica, realizando, nos dois casos, pesquisas sociais aplicadas. A imersão em campo fez com que ela começasse a desenvolver pesquisas acadêmicas em algumas localidades (Araujo, 2017a, 2017b, 2019). Thomas Cortado, por sua vez, seguiu as mudanças de moradores da Zona Norte para o Jardim Maravilha, maior loteamento irregular do Rio, onde passou a morar e realizou sua pesquisa de tese (Cortado, 2018).

Apesar do trabalho com camadas sociais distintas, nossas pesquisas encontravam vários pontos de diálogo. A expansão urbana em direção à Baixada de Jacarepaguá, a forte presença de discursos em torno da ideia de futuro e a relação com a paisagem natural da região pareciam atravessar as fronteiras que separam diferentes estratos sociais. Mas certamente não éramos os únicos a fazer pesquisa sobre a Zona Oeste. Nos últimos anos, os olhares de vários pesquisadores também foram capturados por fenômenos que se desenrolavam pelas dezenas de bairros que compõem as áreas de planejamento (AP) 4 e 5 do Rio de Janeiro: o aumento populacional, a visibilidade crescente das milícias e os maciços investimentos em infraestrutura urbana e olímpica.

Para compreender essas tantas transformações sociais, políticas, econômicas, culturais e urbanísticas, os estudos urbanos se veem diante de novos desafios. O que o “sertão carioca” tem a dizer sobre a história urbana do Rio de Janeiro? Quais são as formas de produção social de “loteamentos irregulares e “condomínios” para as classes médias e baixas? O que significa o progresso de que falam moradores dos mais variados estratos de renda? Quais outras paisagens compõem o imaginário da cidade? O que a percepção da tranquilidade significa, em uma cidade marcada pela linguagem da guerra e pacificação? Quais são as outras sociabilidades urbanas, além daquela da “cidade partida” entre asfalto e favela?

Com o intuito de contribuir para a sistematização do debate socioantropológico sobre a Zona Oeste, o primeiro artigo do dossiê, “Zona Oeste, uma fronteira dos estudos urbanos?”, escrito a quatro mãos por Marcella Araujo e Thomas Cortado, organiza a literatura acumulada sobre a Zona Oeste em torno de duas questões: as formas de organização do poder e a produção da cidade. Tomando como ponto de partida duas categorias nativas encontradas nos trabalhos de campo de ambos, o progresso e a tranquilidade, os autores destrincham as questões sociológicas que elas encobrem e buscam outros pesquisadores dos estudos urbanos que também procuram enfrentá-las. Sem a pretensão de esgotar a bibliografia especializada, Marcella e Thomas estão mais preocupados em oferecer uma agenda de pesquisa sobre a Zona Oeste: uma agenda que parta dos múltiplos sentidos da categoria “fronteira” e explore as muitas conexões entre rural e urbano, formas de moradia, estilos de vida e modos de exercício do poder, que atravessam a Zona Oeste.

Na sequência, o dossiê traz dois artigos sobre os desafios impostos pelas milícias, grupos de atores estatais que vendem privadamente segurança aos moradores, bem como suas vidas cotidianas e suas formas de fazer política. Ariley Dias, em “Crítica ao mundo cívico e os novos bens futuros”, analisa os desdobramentos da instalação de uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) em uma área de milícia. O autor mobiliza a discussão sobre política na favela, surgida em artigo homônimo de Luiz Antonio Machado da Silva ([1967] 2011), para analisar as transformações nas formas e nas arenas de “prestação de contas” na favela do Batan, bairro de Realengo, após a “pacificação”. Refletindo sobre os alargamentos e compressões de horizontes de futuro, Ariley acompanha etnograficamente os projetos – coletivos e familiares – dos moradores vivendo sob o domínio de diferentes atores criminais: traficantes de drogas, milicianos e policiais militares.

Simone Gomes, em “A cultura como alternativa: Uma aproximação a partir de sociabilidades militantes na Zona Oeste do Rio de Janeiro”, traz uma contribuição original para o estudo dos conflitos urbanos e dos movimentos sociais, ao explorar etnograficamente as formas do militantismo cultural na Zona Oeste. Em particular, Simone reproduz falas militantes que expõem angústias, dramas e visões específicas, e faz um mapeamento dos coletivos que atuam na região. Segundo a autora, o desenvolvimento do militantismo cultural na Zona Oeste aponta para uma mudança do significado dado à política na região, com o surgimento de pautas diferentes daquelas que defendiam os antigos “movimentos sociais urbanos”, mais voltados para o acesso a serviços urbanos.

Os três artigos finais do dossiê se voltam para múltiplas facetas da produção do espaço urbano na Zona Oeste. “O tempo da Barra da Tijuca: Concepções de passado, presente e futuro na narrativa midiática sobre o bairro”, de Ana Carolina Balthazar, se debruça sobre matérias publicadas no jornal O Globo nas décadas de 1960 e 1970 para analisar narrativas acerca das mudanças das classes médias em direção à Zona Oeste. Insistindo na associação da Barra da Tijuca com a ideia de progresso, o material analisado revela que a imagem do novo bairro foi construída, em grande medida, em oposição a Copacabana, cuja ocupação desordenada era frequentemente anunciada como um exemplo a ser evitado. A partir disso, Ana Carolina reflete sobre as concepções de passado, presente e futuro acionadas na construção midiática da Barra da Tijuca e sobre a lógica temporal que elas constroem.

“Entre abismos coletivos e paraísos particulares: A paisagem na imaginação da Barra da Tijuca”, de Rachel Paterman, por sua vez, reflete sobre o processo de urbanização do bairro a partir do campo do planejamento arquitetônico-urbanístico. Para isso, Rachel parte das intervenções do arquiteto paisagista Fernando Chacel na região para discutir as imbricações entre o natural e o construído na produção do espaço urbano. O artigo explora a relevância da categoria “paisagem” no processo de construção material e simbólica da Barra da Tijuca, mostrando sua centralidade na articulação formas variadas de imaginar, experimentar e comercializar essa parcela da cidade.

Por fim, “Entre futuros e ruínas: Os caminhos da Barra Olímpica”, de Julia O’Donnell, Lilian Sampaio e Mariana Cavalcanti, analisa o processo de surgimento da Barra Olímpica – região situada no entroncamento dos bairros de Camorim, Curicica e Jacarepaguá, que recebeu o maior aporte de investimentos públicos e privados durante a preparação para os Jogos Olímpicos de 2016. Partindo de uma perspectiva processual, as autoras recuperam a história da ocupação da Barra da Tijuca, analisando a progressiva associação de determinados estilos de vida e repertórios urbanísticos àquela parcela da cidade e seu atual deslizamento para a região da assim chamada Barra Olímpica. Para tanto, o artigo se organiza em torno de duas categoriais centrais, “futuro” e “ruína”, revelando como seu entrelaçamento permite compreender aspectos fundamentais do desenvolvimento urbano da Zona Oeste carioca.

Abarcando diferentes tempos e espaços, o conjunto de artigos que compõe este dossiê é uma pequena amostra das muitas frentes de pesquisa que a região vem abrindo nos campos da antropologia e sociologia urbanas. Nesse sentido, esperamos que a leitura dos textos aqui reunidos sirva de convite para que pesquisadores e interessados vejam na Zona Oeste carioca um campo fértil para o desenvolvimento de questões que permitem compreender não apenas as peculiaridades locais como também aspectos fundamentais do desenvolvimento urbano carioca em diferentes momentos da história.

Julia O’Donnell, Marcella Araujo e Thomas Cortado, organizadores do dossiê.


Referências
ARAUJO, Marcella.
ARAUJO, Marcella.
ARAUJO, Marcella.
CORTADO, Thomas.
MACHADO DA SILVA, Luiz Antonio.
O’DONNELL, Julia.

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