Apresentação ao dossiê Olhares Cruzados sobre a Normalização
Resumo
Os artigos reunidos neste dossiê têm em comum o fato de perseguirem lógicas relacionais alternativas à hegemonia da cisheterossexualidade reprodutiva, no mundo e na análise das ciências sociais. Procuram assim contribuir para uma antropologia da normalização e da regulação biopolítica, processos discutidos pela/os autora/es neste número como relativos às dinâmicas de produção da diferença e estratificação relacional envolvendo parentesco, gênero, sexualidade, corpo e saúde.
Os textos foram originalmente apresentados como ensaios para a disciplina “Antropologia da normalização: Práticas e mentalidades de regulação biopolítica”, ministrada pelos organizadores deste dossiê no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social (PPGAS) da Universidade de São Paulo (USP), no primeiro semestre de 2019. O objetivo foi discutir uma visão crítica aos discursos antropológicos sobre a economia das trocas simbólicas, privilegiando um olhar para as lógicas relacionais e o controle da vida no contexto das sexualidades não reprodutivas e das experiências de gênero que tensionam, desafiam e extrapolam o regime micropolítico cisheterossexual vigente e hegemônico. A proposta procurou restituir o lugar da sexualidade e da dissidência como campos produtores de um “universo de regras”, questão discutida na disciplina com base em duas referências fundamentais: a etnografia de Néstor Perlongher sobre os códigos de relação que organizam o negócio do desejo, a partir de sua pesquisa sobre prostituição masculina na região central de São Paulo no começo dos anos 1980 (Perlongher, 1987); e as reflexões esparsas de Michel Foucault sobre a amizade como um “modo de vida”, quando tratou, na mesma época, das potências da homossexualidade em fornecer uma nova gramática relacional (Foucault 1981, 1982a, 1982b).