O LEGADO DO CURSO DE BIBLIOTECONOMIA PARA A BIBLIOTECA NACIONAL: OS PRIMEIROS EGRESSOS

THE LIBRARY SCIENCE’S COURSE LEGACY TO THE BRAZILIAN NATIONAL LIBRARY: FIRST GRADUATES

Caio da Gama Gaudie Ley

ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6618-4699

Graduando de Biblioteconomia da Universidade Federal Fluminense (UFF).

caio.gaudie@gmail.com

Carlos Henrique Juvêncio

ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2376-4823

Professor do departamento de Ciência da Informação da Universidade Federal Fluminense (UFF). Doutor em Ciência da Informação pela Universidade de Brasília (UnB).

carloshjuv@gmail.com

RESUMO: O primeiro curso de Biblioteconomia fundado no Brasil começou a funcionar em 1915, na Biblioteca Nacional. Seu objetivo era formar profissionais aptos ao exercício das tarefas desempenhadas na instituição. Partindo dessa premissa, este artigo busca acompanhar a trajetória profissional de alguns dos egressos das primeiras turmas de Biblioteconomia da Biblioteca Nacional e desvelar se, após o curso, essas pessoas vieram a confirmar suas prerrogativas. Para alcançar tais objetivos, utilizamos como fonte de pesquisa o arquivo histórico da Biblioteca Nacional, custodiado pela Divisão de Manuscritos da instituição, buscando recuperar nomes e dados sobre os personagens, tendo como aliados os relatórios institucionais publicados anualmente nos Anais da Biblioteca, e que compõem um instrumento importante na busca de informações sobre os alunos do curso e o pessoal da Biblioteca. Conclui que a intenção inicial do curso de formar profissionais aptos ao trabalho na Biblioteca Nacional se efetiva, e vários deles contribuem para que esta possa cumprir sua missão institucional.

PALAVRAS-CHAVE: Biblioteca Nacional. Biblioteconomia. História. Memória.

ABSTRACT: The very first Library Science course in Brazil began its activities in 1915, offered by the National Library. It aimed preparing professionals capable of accomplishing activities presented in the institution. Therefore, this project’s intent is to recover the professional path followed by some of the course’s first students and identify if after graduated those students were aligned with the course’s primary objectives. In order to accomplish this intent, we used the National Library’s historical archive hosted by the institution’s Manuscripts Division, retrieving the identity and relatable data about the main characters in this research. Moreover, making use of the National Library’s annual institutional reports we allied important information retrieval sources concerning both course’s students and the Library’s crew. The outcome of this research is that the course’s first intention - to graduate professionals capable of working in the Library - is effective, and many of them contributed to the accomplishment of its institutional mission.

Keywords: National Library. Library Science. History. Memory.

1 Introdução

A trajetória histórica da Biblioteca Nacional do Brasil (BN) remonta à Biblioteca Real da Ajuda (antiga Biblioteca Real de Portugal), destruída em virtude do terremoto que assolou Lisboa em 1755 e reconstruída graças aos esforços da Coroa Portuguesa e da Corte, em prol do seu símbolo. Esta acaba por vir para o Brasil, como consequência da fuga da Família Real portuguesa, dada a invasão das tropas napoleônicas ao seu país em 1808 (SCHWARCZ; AZEVEDO; COSTA, 2002).

A trajetória da Biblioteca Nacional é marcada por constantes mudanças de direção e endereço, além de ser o segundo item mais caro na indenização que o Brasil fez a Portugal por conta de sua independência (SCHWARCZ; AZEVEDO; COSTA, 2002). Contudo, sua sorte se transforma no início do século XX, quando, no rol das grandes mudanças urbanas implementadas no então Distrito Federal, atual cidade do Rio de Janeiro, ganha um novo prédio e suas funções e acervo são totalmente remodelados sob a égide de seu mais longevo diretor: Manoel Cícero Peregrino da Silva (JUVÊNCIO, 2016).

Contudo, dentre as mais variadas mudanças implementadas na Biblioteca Nacional, a que mais chama atenção é a criação do primeiro curso de Biblioteconomia do Brasil. Este teve como modelo, segundo Sá (2013) e Pinto (2015), a École des Chartes na França, sendo regulamentado em 1911, embora só venha efetivamente a funcionar em 1915, tendo em vista a falta de candidatos (WEITZEL, 2009).

Ortega y Gasset (2006) observa que a profissão de bibliotecário, bem como o seu fazer, são uma resposta à demanda social que deriva da necessidade comunitária, ou seja, ela surge porque a sociedade como um todo necessitava de alguém que pudesse ser o guia em meio a um mundo crescente de informações. Nesse sentido, segundo Silva (1913), a Biblioteca Nacional cria seu curso de Biblioteconomia buscando sanar a sua necessidade de profissionais aptos a lidar com a diversidade e o tamanho do seu acervo, sobretudo a partir da remodelação pela qual a instituição passou em 1910 ao ter seu novo prédio inaugurado.

Manoel Cícero Peregrino da Silva foi a mente por detrás das grandes transformações vivenciadas pela BN nos dois primeiros decênios do século XX (JUVÊNCIO, 2016). Além de reorganizar todo o acervo e implementar diversas mudanças nos serviços oferecidos pela instituição, ele ainda projetou um curso de Biblioteconomia voltado a formar pessoal para a Biblioteca. Ele observa que:

A honestidade é condição essencial a ser exigida daquelles a cuja guarda são confiados os livros, que de outra sorte estariam expostos a serios perigos. Não é sufficiente, porém, ser honesto: é indipensável estar verdadeiramente compenetrado da noção do dever, sem a qual os cargos são sinecuras e as bibliothecas logares de ocio. A ausencia dessa noção clara e precisa causa os maiores desastres. Ha quem pretenda ser admittido numa bibliotheca com o unico intento de dispôr de muitos livros, romances talvez, talvez livros de sciencia, para os ler nas horas de trabalho. É tão inaceitavel essa classe de candidatos, como a dos que têm aversão ao livro e se vão entreter com os jornaes noticiosos e as illustrações ou passar o tempo em palestra, aimpedir o trabalho alheio. Sem a convicção de que lhe corre o dever de produzir uma somma apreciavel de trabalho, de que para outro fim não foi admittido e não é mantido, de que de outro modo se transforma em pensionista e se reduz a verdadeiro parasita, sem essa nitida comprehensão, o empregado de bibliotheca é, não só uma perfeita inutilidade, mas um estorvo ao engrandecimento, ao progresso da instituição1 (SILVA, 1913, p. 4).

Assim, podemos perceber que Peregrino da Silva não desejava ter nos quadros da instituição pessoas descompromissadas com sua missão ou com o seu acervo; ele desejava, então, profissionais que compreendessem sua importância e que fossem dotados de conhecimentos técnicos para melhor tratamento dos documentos. Deste modo, o curso aborda temas ligados à bibliografia, paleografia e diplomática, iconografia e numismática, retratando, de certa maneira, as seções que compunham a instituição à época: Impressos, Manuscritos, Estampas e Cartas Geográficas, Moedas e Medalhas (WEITZEL, 2010).

Logo, este artigo busca preencher lacunas com relação à História da Biblioteconomia no Brasil, tendo em vista que ainda é incipiente a busca por informações que elucidem aspectos do surgimento e desenvolvimento do ensino de Biblioteconomia no país, mesmo este já contando com mais de um século. Ademais, é importante frisar que o curso da Biblioteca Nacional foi o terceiro instituído no mundo, ficando atrás somente do de Chicago e Paris (CASTRO, ٢٠٠٠). Logo, ao esclarecermos aspectos de nossa história, ajudamos a desvendar um pouco mais sobre o ensino da disciplina no mundo, servindo de parâmetro para novas descobertas e (re)leituras dos fatos até então conhecidos.

Assim, nosso objetivo principal com este artigo é compreender o surgimento do curso de Biblioteconomia na Biblioteca Nacional à luz do perfil de seus egressos. Dessa forma, tem por objetivos específicos: a) Traçar o perfil de alguns dos egressos da primeira turma de Biblioteconomia da Biblioteca Nacional; b) Mapear a atuação destes após a formação no curso.

Constitui-se numa pesquisa qualitativa histórico-documental, cujas fontes de estudo foram, sobretudo, os Anais da Biblioteca Nacional que, à época, por tradição, arrolavam em suas páginas finais os relatórios institucionais, revelando aspectos importantes da organização da instituição, bem como do curso de Biblioteconomia, tais como nomes de alunos, disciplinas ofertadas, professores etc.

Além disso, nossa pesquisa encontrou respaldo em obras que versam sobre a História da Biblioteconomia no país, das quais podemos destacar a conceituação em perspectiva histórica da Biblioteconomia por César Augusto Castro no livro História da Biblioteconomia brasileira: perspectiva histórica, e o trabalho realizado por Simone Weitzel ao debruçar-se sobre o processo de desenvolvimento de coleções no Brasil, lançando uma perspectiva sobre o funcionamento interno da Biblioteca Nacional, bem como a estruturação do curso.

2 Os Arquitetos da Biblioteconomia no Brasil

É perceptível que o curso só funciona de fato após a ação de seus dirigentes. Um paralelo pode ser traçado à construção do seu novo prédio, reivindicação antiga, mas que só foi efetivada meio século após sua última mudança e mais de 30 anos após reclamações reiteradas por várias gestões2. É importante compreender que o curso é arquitetado ao longo dos anos, destacando, sobretudo, as gestões de Peregrino da Silva, efetivo fundador, e Ramiz Galvão, que lança as bases para sua construção já na década de 1870.

Manoel Cícero Peregrino da Silva nasceu em 1866, numa das mais tradicionais famílias pernambucanas. Formou-se em Direito pela chamada Escola de Recife, onde teve contato com boa parte das mentes intelectuais da fundação da República brasileira e do Positivismo, como Clóvis Bevilacqua e Epitácio Pessoa, futuro presidente da república.

Fora assim, então, que por influência de sua família e indicado por amigos “[...] assume [...] o posto de bibliotecário da Faculdade de Direito do Recife, substituindo Clóvis Bevilacqua. E é nesse período que suas ações como promotor da erudição começam a se destacar.” (BITTENCOURT, 1955 apud JUVÊNCIO, 2016, p. 85).

Enquanto esteve à frente da Biblioteca da Faculdade de Direito, a instituição

[...] sofre diversas mudanças tais como a catalogação de todo o seu acervo, a implementação de catálogos para orientar as pesquisas, ampliação do número de obras disponíveis para consulta (contando em 1898 com mais de 10 mil volumes), mudança de prédio e a edição, em 1896, do “Catalogo Geral da Bibliotheca da Faculdade de Direito do Recife (JUVÊNCIO, 2016, p. 86).

Além de diversas condecorações e notas repletas de elogios quanto a sua competência e trabalhos realizados, percebe-se que lhe era atribuída a evidente imagem de um aclamado gestor. Seus feitos, então, são premiados com o convite de Epitácio Pessoa, então Ministro da Justiça e Negócios Interiores a dirigir a Biblioteca Nacional. Mais do que a mudança geográfica para a capital, o cargo, mesmo tendo “[...] uma chusma enorme de candidatos [...] é mal remunerado, dá 600$ por mês; a posição, porém, é bonita.” (PESSOA, 1900 apud BITTENCOURT, 1955).

Peregrino da Silva encampa o desafio e assume a direção da instituição em meados de 1900. Os anos seguintes são de verdadeiras transformações e seus feitos são aclamados:

A biblioteca Nacional, na posição de mais importante acervo do país, herdeira de um patrimônio real e imperial, instalada num edifício especialmente construído para seu acervo e dirigida por um dos maiores administradores que já passaram pela instituição, Manoel Cícero, tornou-se credora da confiança dos homens públicos e de cultura que continuaram desta data em diante a prestigiá-la, enriquecendo-a de valiosos tesouros bibliográficos. (CUNHA, 1980, p.167 apud OLIVEIRA; CARVALHO; SOUZA, 2009, p.13).

Outra figura importante na história da Biblioteca Nacional, e também viabilizadora da criação do curso de Biblioteconomia, foi Benjamin Franklin Ramiz Galvão, que dirigiu a Biblioteca entre 1870 e 1882:

Se Peregrino da Silva inaugura o primeiro curso de Biblioteconomia do país na BN, Ramiz Galvão fizera o primeiro concurso para bibliotecário. Ambos compreendendo que a instituição necessitava de pessoal qualificado e apto a realização das tarefas que ela demandava (JUVÊNCIO, 2016, p. 104).

“O primeiro concurso para preenchimento de vagas, em especial para bibliotecário”, idealizado por Ramiz Galvão, consistia em exames de conhecimentos de “História Universal, Geografia, Filosofia, Bibliografia, Iconografia, Literatura, Catalogação de Manuscritos e Traduções do Latim, Francês e Inglês” (FONSECA, 2007 apud PINTO, 2015), e, assim como este configura-se como um de seus feitos fundamentais, que atestam sua visão estratégica e em prol da Biblioteca, sua história na instituição é também marcada por outros feitos, dentre os quais, observa-se

[...] o estabelecimento de um regulamento, em 1879, que divide a Biblioteca em três seções: impressos, cartas geográficas, manuscritos e estampas. O horário de atendimento ao público é ampliado das 9 às 11 e das 18 às 21 horas, e o quadro de pessoal também é modificado. O quadro passou a ser composto por um bibliotecário, três chefes de seção, três oficiais, um secretário, oito auxiliares, um guarda e um porteiro (CASTRO, 2000 apud PINTO, 2015, p. 19).

A partir da leitura do relatório de 1878 dos Anais da Biblioteca Nacional, torna-se possível compreender tais referências ao seu trabalho, assim como os paralelos traçados entre sua gestão e a de Peregrino da Silva. As publicações supracitadas são fruto de sua gestão, como será exposto mais adiante, e não somente se atém ao seu exercício, como estabelecem vínculo indissociável com a instituição.

A introdução da segunda publicação oferece informações sobre a constituição do Catálogo de Manuscritos da Biblioteca Nacional, que se inicia com o seguinte parágrafo:

Dá-se hoje comêço á publicação do catalogo dos manuscriptos da Bibliotheca Nacional do Rio de Janeiro, satisfazendo-se por ésta fórma a uma necessidade indeclinavel e tanto mais urgente em estabelecimentos d’esta ordem, quanto menos geralmente conhecidos do público são os thesouros de que se tracta (MELLO, 1878, p.1).

As páginas seguintes versam sobre a consolidação da coleção manuscrita abarcada pela Biblioteca desde sua vinda de Portugal, bem como os trâmites institucionais ocorridos à época, o processo de aquisição de documentos, a explicitação de funcionários e suas atribuições, entre outros (MELLO, 1878). Ao retomar os trâmites que envolvem a criação do Catálogo de Manuscritos da Biblioteca Nacional, relata-se que

[...] até 1873, em virtude da falta de pessoal idoneo, não sei havia feito d’estas riquezas mais do que um inventario sumarissimo e incompleto, sinão desordenado e quasi imprestavel. Nesse anno porêm começou o trabalho regular do catalogo dos manuscriptos incumbido pela direcção da Bibliotheca ao sñr, Alfredo do Valle Cabral, a quem manda a justiça se-tribute neste logar a devida homenagem pelos relevantes serviços que assim prestou ao paiz e ás lettras. E’ obra sua boa parte do catalogo, que ora sae a lume da publicidade (MELLO, 1878, p. 11).

Embora seu início houvesse sido prejudicado de certo modo, este panorama altera-se quando,

[...] em 1876, graças ao decreto n. 6,141 de 4 de Março d’esse anno, que reformou o regulamento da Bibliotheca, deu-se organização conveniente a ésta secção, habilidando-a a continuar e completar os bons trabalhos iniciados trez annos antes. O catalogo que hoje se-começa a publicar é mais uma prova de que a alludida reforma consultou o bem público, e foi um grande passo na vida d’esta utilissima instituição (MELLO, 1878, p. 11).

Com as diversas referências aos seus leitores, percebe-se, na direção de Ramiz Galvão, considerável preocupação com o público e, principalmente, com a imagem da Biblioteca perante esse público, sendo ressaltada novamente em outro parágrafo:

As riquezas da Bibliotheca Nacional, graças á publicação de nossos Annaes, vão sendo conhecidas dos litteratos e bibliophilos: da preciosa Collecção de Diogo Barboza Machado tomou outrem a seu cargo dar conhecimento ao publico; á nós toca hoje tractar da não menos importante Collecção do Conde da Barca… (GALVÃO, 1876, p. 3).

Ao referir-se aos bibliófilos e literatos como reconhecedores das riquezas da Biblioteca Nacional, percebe-se o contato, ainda que restrito a segmentos específicos, entre a Biblioteca Nacional e seu entorno; contato este evidentemente reforçado pelas publicações dos anais, digitalizados e disponibilizados pela instituição desde o ano de sua criação (1876), até 2016.

Outros feitos a serem observados são:

[...] o início da publicação dos Anais da Biblioteca Nacional, do famoso Catálogo da Exposição de História do Brasil, do Catálogo da Exposição Camoniana por ocasião do tricentenário do grande poeta lusitano (BIBLIOTECA NACIONAL, 2007, p. 22).

E, ainda, destaca-se que “[...] com o passar do tempo, a biblioteca manteve sua força de guardiã da história, somando ao seu grande acervo a maior e talvez a mais completa coleção de documentos originais existentes sobre a república e a escravidão” (BIBLIOTECA NACIONAL, 2007, p. 22).

Como pontuado anteriormente, Peregrino da Silva assumiu posturas similares em relação à perspectiva de crescimento e inovação dentro do espaço da Biblioteca Nacional, destacando-se a aprovação de um novo regulamento que divide a instituição em quatro seções: Impressos, Manuscritos, Estampas e Moedas e Medalhas; através do decreto 8.835 de 11 de julho de 1911 (BRASIL, 1911); a transferência do prédio da Biblioteca Nacional em 1910 para sua sede e a criação do curso em 1911.

A transferência do prédio foi reivindicada no contexto específico da “reforma urbanística implementada por Pereira Passos”, nos anos de 1900, que:

[...] tinha por objetivo livrar o então Distrito Federal das várias doenças que sazonalmente acometiam a sua população, devido, principalmente, às condições de vida precárias que levavam. Sob este prisma, os antigos e centenários cortiços que abrigavam grande parte dos habitantes cariocas desde os tempos da Colônia foram derrubados, sob o argumento de que graças à grande aglomeração de pessoas em espaços diminutos o surgimento e a proliferação de doenças era facilitado (JUVÊNCIO, 2016, p. 135-136).

Sendo assim, as desconstruções e desapropriações realizadas por Pereira Passos no Rio de Janeiro da época davam espaço a novas construções, que eram erguidas por meio de “[...] projetos pré-estabelecidos pelo governo, através de concursos para a aprovação de seus planos, desta forma surge a Avenida Central (atual Avenida Rio Branco)” (JUVÊNCIO, 2016, p. 136).

Portanto, as demandas ao governo por parte de Peregrino da Silva dar-se-ão deste período de efervescência, motivada pela falta de espaço físico para acomodar suas obras (JUVÊNCIO, 2016).

Fazia-se necessário um prédio pensado especialmente para a acomodação do acervo. Mais que isso, que traduzisse a carga simbólica que a instituição representava para a cultura, as letras da Capital Federal e a própria identificação que a Biblioteca provia para a nação e o Estado brasileiro, além de um espaço de sociabilidade para os que a freqüentavam (BIBLIOTECA NACIONAL, 2010 apud JUVÊNCIO, 2016, p. 136).

Percebe-se aqui a preocupação com um prédio planejado para receber tal acervo e estrutura bibliotecária, mas, sobretudo, a preocupação com a sua “carga simbólica” e consequente importância/imponência que a Biblioteca Nacional carregaria consigo.

No tocante à inauguração do curso de Biblioteconomia, como explicitado por Juvêncio (2016) ao longo de sua tese, ocorre em um período de “florescimento e a adoção de novos pensamentos”, além da predileção de Peregrino da Silva em se “inspirar/espelhar no moderno” (JUVÊNCIO, 2016, p. 164).

Peregrino da Silva “[...] cria o Curso visando preparar profissionais aptos aos serviços executados pela instituição” (SILVA, 1910, p. 772), e organiza-o da seguinte forma:

Art. 34. O curso de biblioteconomia constará das seguintes materias que constituirão uma só serie e de cujo ensino serão encarregados os directores de secção:

a) bibliographia;

b) paleographia e diplomatica;

c) iconographia;

d) numismatica.

Art. 35. O ensino deverá ser theorico e pratico, cada materia abrangendo todo o objecto de uma secção, inclusive a parte administrativa e a pratica dos diversos serviços (BRASIL, 1911 apud JUVÊNCIO, 2016, p. 164).

O período inaugural do curso, tomando a matriz francesa como referência para a implementação do mesmo, é visto por Weitzel (2009) como “menos tecnicista”. As matérias eram ministradas pelos Chefes de Seção responsáveis por cada disciplina.

3 A Efetivação do curso e a sua herança à Biblioteca

Traço da gestão de Peregrino da Silva, a valoração dos funcionários da Biblioteca e aprimoramento de serviços prestados são observáveis por toda sua trajetória. Nesse sentido, destacam-se duas medidas importantes que constam nos relatórios anuais. Exemplo disto é a seção “Comissões nos Estados e no estrangeiro” – projeto que visava recuperar informações disseminadas ao redor do mundo e concentrá-las na BN, como forma de fazer a instituição cumprir sua missão e compromisso com a memória nacional. No relatório de 1913, Peregrino observa que:

Regressou da Europa, tendo terminado a comissão em que se achava, o sub-bibliothecario João Gomes do Rego, director da secção de moedas e medalhas. Apresentou minucioso relatorio do que lhe foi dado observar nos gabinetes numismaticos da Bibliotheca Nacional de Pariz, da Casa da Moeda da mesma cidade, da Bibliotheca Real de Bruxellas, do Museu Imperador Frederico, em Berlim, do Museu Britannico de Londres e da Bibliotheca Nacional de Lisboa, tendo dado conta da maneira por que estão organisados os diversos serviços (SILVA, 1914, p. 687).

E, no mesmo ano, prossegue:

Foi approvada por esse ministerio a designação que fiz do official Cicero de Brito Galvão para durante cinco mezes estudar no Instituto Internacional de Bibliographia de Bruxellas a organisação do repertorio bibliographico universal e familiarisar-se com o systema de classificação decimal nelle adoptado, de modo a poder melhor encarregar-se de pôr em ordem as fichas daquelle repertorio, que vão sendo fornecidas pelo Instituto, e dar principio ao repertorio brasileiro (SILVA, 1914, p. 687).

O último tópico desta seção aborda o decreto que rege as obras publicadas em âmbito nacional e seu vínculo fundamental com a Biblioteca, fazendo-se receptora do envio de um exemplar de cada obra publicada em território nacional à instituição. Nos parágrafos correspondentes, narra a atribuição da tarefa de percorrer os estados brasileiros ao sub-bibliotecário Alfredo Mariano de Oliveira, de modo a:

[...] reclamar dos administradores das officinas graphicas e casas editoras o cumprimento do disposto no decreto e instrucções a que me referi, recolher um exemplar das obras que ainda não houvessem sido remettidas á Bibliotheca, obter informações a respeito das que não pudessem ser encontradas e conseguir das repartições postaes fosse facilitada a remessa do que arrecadasse e do que viesse a publicar-se (SILVA, 1914, p. 687).

Houve, ainda, uma “nova catalogação” (SILVA, 1918, p. 201), atividade que recebeu, conforme explícito no relatório de 1918, 10:000$000 (dez mil contos de réis) para a realização deste “importante serviço”. O produto final deste serviço, que se dividiu em três áreas – Número de Obras (catalogadas e recatalogadas), Número de fichas tiradas e Número de fichas distribuídas no catálogo (ambas divididas em autor e assunto) – , resultou, em números: 4.918 obras catalogadas e recatalogadas, 15.500 fichas tiradas e 14.819 fichas distribuídas no catálogo.

Ainda que os números evidenciem a rapidez deste empreendimento, vale ressaltar que toda esta atividade foi realizada num total de 279 dias, contando com os seguintes funcionários:

[...] Officiaes Carlos Peixoto (depois promovido a sub-bibliothecario), Cicero de Brito Galvão e bacharel Edgard de Araujo Romero, amanuenses Carlos Mariani (mais tarde promovido a official) e Manoel Cassius Berlink, auxiliares dr. Oscar Luna Freire e Emmanuel Eduardo Gaudie Ley, ascensorista Romeu Mendes Ribeiro e servente Manoel Godinho (SILVA, 1918, p. 201).

Cabe ressaltar que, embora envolvidos no mesmo projeto de catalogação, cada nome compreende uma trajetória diferente dentro da instituição. Destacam-se:

Carlos Mariani: nomeado amanuense através da portaria de 13 de julho de 1911, Bacharel Carlos Mariani é um dos funcionários que, no ano de 1917, formou-se pelo Curso de Biblioteconomia. É promovido a oficial no ano de 1919 pela portaria de 24 de dezembro do mesmo ano (MAGALHÃES, 1919, p. 271).

Em 1933, em virtude da necessidade por uma renovação no corpo docente (que será explicitada mais adiante), é promovido a “bibliotecário, por merecimento” (GARCIA, 1933, p. 4) pelo decreto de 5 de julho do mesmo ano, período em que assumiu a cadeira de Iconografia. No ano de 1934, é designado a assumir o cargo de substituto da Direção Geral da Biblioteca Nacional, quando há “impedimentos temporários” do diretor-geral (GARCIA, 1934, p. 462).

Já retomando suas atividades como diretor da primeira Secção (Iconografia), no ano seguinte, é transferido à Seção de Estampas e Cartas Geográficas, exercendo igual cargo. Faleceu no ano de 1937, no dia 13 de outubro, como diretor da 3.a Seção - embora tenha substituído novamente, no início deste ano, o Diretor Geral da instituição (GARCIA, 1937, p. 360).

Oscar Luna Freire: participante do concurso para preenchimento de vagas de auxiliares em 1913, Freire obteve o segundo lugar dentre nove candidatos, não sendo selecionado para atuar nesse ano. Sua efetivação ocorreria, de fato, no ano de 1915, pela portaria de 30 de maio do mesmo ano, para a vaga de auxiliar (SILVA, 1915, p. 672). As publicações referem-se a Freire como auxiliar até o ano de 1922, em que é denominado amanuense (SOUZA, 1922, p. 427).

Foi aluno do Curso de Biblioteconomia no período de 1931, após restabelecimento de suas atividades, obtendo a nota final de 9,5 e, consequentemente, graduando-se no curso (GARCIA, 1933, p. 521). De amanuense, foi promovido a Oficial em 1935 (GARCIA, 1935, p. 404), e é mencionado como Bibliotecário a partir de 1937. Faleceu em 25 de outubro de 1939.

Emmanuel Eduardo Gaudie Ley: embora não seja a personalidade em si, a primeira menção do nome Gaudie Ley nos relatórios anuais da instituição remonta à atuação de seu bisavô, à época Sargento-mor d’Odenanças André Gaudie Ley, presente na seção de “Rezultado dos trabalhos e indagações statísticas da provincia de Matto-Grosso”, realizado por Luiz D’Alincourt (D’ALINCOURT, 1880, p. 95).

Já sua primeira aparição nos relatórios anuais diz respeito ao concurso ocorrido “em fins de 1916; de conformidade com o art. 2.o do decreto n. 11.569, de 28 de abril de 1915”, em que foi nomeado ao cargo de auxiliar “por portaria de 27 de março de 1917”, tendo sido aprovado em segundo lugar (MAGALHÃES, 1918, p. 356).

Participou da nova classificação da Biblioteca Nacional, e também da “Organização do ‘Boletim Bibliographico’” (SILVA, 1921, p. 231). Além disso, dirigiu a segunda comissão rumo à Ouro Preto, de modo a recuperar parte do acervo da Casa dos Contos (SOUZA, 1922, p. 450), e organizou o catálogo da Gonzagueana da Biblioteca Nacional, como consta no relatório do ano de 1927. (GARCIA, 1927, p. 418).

Gaudie Ley é promovido a “sub-bibliotecário, por merecimento”, pelo decreto de 5 de julho de 1933 (GARCIA, 1933, p. 516) e, após reestruturação do curso em 1933, é convidado a lecionar a cadeira de História Literária, pela portaria de 26 de abril de 1933 (GARCIA, 1933, p. 517). No ano seguinte, passou a lecionar História Literária aplicada à Bibliografia (GARCIA, 1934, p. 462). Sua promoção a Bibliotecário ocorre no ano de 1935, pelo decreto de 21 de janeiro (GARCIA, 1935, p. 404).

Outros dois momentos a serem destacados são: a sua viagem aos Estados Unidos, “de acordo com o ofício n. 6896, de 27 de agosto da Divisão do Pessoal deste Ministério”(GARCIA, 1940, p. 391), de modo a familiarizar-se com os padrões internacionais de organização e, num segundo ponto, sua participação na “comissão encarregada de elaborar o Código Brasileiro de Catalogação de Bibliotécas” (GARCIA, 1942, p. 276). As últimas informações recolhidas pelos relatórios dizem respeito a sua substituição “devido à doença” (BRASIL, 2010, p. 174).

Cumpre-nos observar que Carlos Mariani, Oscar Luna Freire e Emmanuel Eduardo Gaudie Ley3, como egressos do curso de Biblioteconomia da Biblioteca Nacional, são exemplos de que a proposta do curso de formar pessoas aptas ao trabalho na BN se concretiza, realizando várias atividades e fazendo a instituição cumprir sua missão. Outro ponto importante a ser observado é o cuidado com a implantação de novas políticas dentro da biblioteca e o envolvimento de seus funcionários na busca de melhoria dos serviços ofertados, como explicitado no “officio n. 14, de 15 de janeiro de 1918”:

Não se trata, na verdade, de um novo catalogo que se tenha agora imaginado para substituir os existentes, mas de impulsionar com melhor apparelhamento os catalogos, ha tres annos, encetados para supprir os 4antigos, ainda hoje em uso simultaneamente, mas eivados pelo tempo, continuada utilização e orientação variada no correr de dezenas de annos, de lacunas e desconnexões a que a Directoria da Bibliotheca desde alguns annos vem procurando pôr termo. Ao mesmo tempo, com o plano agora adoptado para a realização do serviço, alarga-se a esphera dos fins antes pretendidos. Si nelle se proseguir com pertinacia e sem alteração, conseguir-se-á com a sua ultimação o seguinte resultado: constituição de um duplo catalogo de autores e assumptos, uniforma e expurgado dos defeitos adquiridos pelos catalogos, por qualquer motivo deslocadas no correr dos annos e que ainda têm nos antigos, sem prestar serviços á consulta, as fichas correspondentes; descoberta, quando concluida a nova catalogação, de obras que por qualquer motivo tenham desapparecido ou tenham tido baixas das colecções; contagem, por obras e volumes, dos exemplares existentes, com discriminação dos andares, estantes, prateleiras; ordenação definitiva dos volumes de cada prateleira e preenchimento de lacunas ainda existentes, tornando-se desse modo possivel o catalogo topographico, de indeclinavel necessidade, e que deverá acompanhar, mal se possa, os catalogos destinados á consulta (SILVA, 1919, p. 311).

No entanto, em 1931, ano de retomada das atividades do curso após sua interrupção em 19224, a Biblioteca Nacional deparava-se com um empecilho:

[...] em 1933, se encerra o ciclo da primeira geração de professores com as mortes de Constâncio Alves e Mário Behring e a aposentaria [sic] de Aurélio Lopes de Souza, que veio a falecer no ano seguinte. João Carlos de Carvalho já havia falecido há cerca de dez anos e não foram encontrados dados relativos à aposentadoria ou falecimento de João Gomes do Rego (WEITZEL, 2010, p. 168).

Apesar disso, o retorno deu-se pela formação de uma nova geração, dentre os quais constam alunos egressos da primeira fase do curso (década de 1910), reforçando novamente seu compromisso institucional, apesar do intervalo entre as duas fases iniciais do curso:

Carlos Mariani, Emanuel Eduardo Gaudie Ley e Floriano Bicudo Teixeira foram os funcionários promovidos a diretores de seção e a professores no mesmo ano, em 1933. A grande responsabilidade da função foi reconhecida pelo então diretor Rodolfo Garcia, que fez publicar portaria elogiando o desempenho dos novos professores (WEITZEL, 2010, p. 168).

Sendo os professores supracitados responsáveis por lecionar as seguintes disciplinas: Iconografia e Cartografia (Carlos Mariani e Floriano Bicudo Teixeira); e História literária aplicada à Bibliografia (Emmanuel Eduardo Gaudie Ley e Luiz Corte Real de Assunção).

No rol das disciplinas, há de se fazer uma comparação com a grade oferecida anteriormente, em contraste com a de 1933. Portanto, se outrora configurava-se por Bibliografia, Paleografia e Diplomática, Iconografia e Numismática (WEITZEL, 2009, p. 9), em 1934 seriam Iconografia e Cartografia, História Literária aplicada à Bibliografia, Bibliografia e Paleografia e Diplomática, com seus professores, respectivamente: Eugênio

Teixeira de Macedo (set.) e Floriano Bicudo Teixeira (out./nov.), Emanuel Eduardo Gaudie Ley, Carlos Mariani e José Bartolo da Silva (WEITZEL, 2010, p. 169).

A partir de então, percebe-se uma mudança na perspectiva e na formação bibliotecária no Brasil, e, de acordo com Briquet de Lemos (2014), esse fato deve-se à gradual distância do perfil e influências europeias da área e a predominância da via estadunidense, crescente após o final da década de 1930, acarretando na ida de bibliotecários brasileiros aos Estados Unidos (excetuando-se o período de guerra, que dificultava a logística dessas viagens), os quais retornavam com influências mais tecnicistas e voltadas ao tratamento documental, oposta às primeiras influências francesas. O autor também parabeniza o empenho desses bibliotecários de forma nominal:

Além de Sílvia Grillo, sabe-se que, na década de 1940, bibliotecários da Biblioteca Nacional, como Heloísa Cabral da Rocha Werneck, Cecilia Helena de Oliveira Roxo e Emanuel Eduardo Gaudie Ley, Otávio Calazans Rodrigues, Vera Barbosa Oliveira e Maria Antonieta de Mesquita Barros foram estudar ou conhecer bibliotecas norte-americanas. (LEMOS, 2014, p. 43-44).

Este estudo de capacitação de bibliotecários brasileiros no modelo americano foi essencial para a mudança de perfil da Biblioteca Nacional. Ainda assim, destacam-se atividades exercidas por profissionais da Biblioteca em relação ao trato documental anterior à essa capacitação, ressaltando o cuidado da instituição em relação à memória nacional, e da documentação que a registra (como as diversas viagens realizadas à época da gestão de Peregrino da Silva, que tinha também o perfil de capacitação dos funcionários através de uma perspectiva visionária). Destaca-se, nesse primeiro momento, o envio de funcionários da Biblioteca Nacional a Ouro Preto (MG), viagem destinada ao reconhecimento do Arquivo da Casa dos Contos, levantamento de massa documental, e posterior traslado da documentação de Minas Gerais para o Arquivo Nacional no Rio de Janeiro (SOUZA, 1922). Essa expedição divide-se em dois momentos e, portanto, duas comissões.

A primeira, realizada em 1919:

Sabedora a Directoria da Bibliotheca de existir em Ouro Preto, nos altos do edificio da antiga Casa dos Contos, onde está hoje a Agencia dos Correios, grande quantidade de manuscriptos do seculo 18.o, entre os quaes, possivelmente, haveria documento historicos, proprios assim para as nossas collecções, solicitou autorisação desse Ministerio, em officio n.o 108, de 29 de março, para enviar áquella cidade, em commissão, um funccionario da casa (SOUZA, 1922, p. 269)

Assume, para tal tarefa, Manoel Cassius Berlink. Através da citação “o serviço no sótão da Casa dos Contos, onde encontrei nas duas salas de baixo, pilhas de papéis, com vidros quebrados por cima”, estima-se a dificuldade encontrada pelo oficial ao realizar tal tarefa (BRASIL, 1992, p. 94). A respeito da expedição, “tinha um caracter mais geral, abrangendo outros Estados da União, a commissão em Ouro Preto. Os poucos documentos trazidos, recolheu-os o Archivo Nacional” (SOUZA, 1922, p. 269). No que se trata do recolhido,

Convenientemente examinados e separados na secção de manuscriptos, apurava-se, ao terminar o anno, a existencia, no acervo recolhido, de 3.971 documentos e 30 codices.

De accordo com a recommendação constante de aviso desse Ministerio, que tambem neste ponto acceitou a proposta da Directoria da Bibliotheca, para o Archivo Nacional teriam de remetter-se 1.416 documentos e 29 codices, devendo ficar para a Repartição a differença dos totaes indicados, isto é, um codice e 2.555 documentos (SOUZA, 1922, p. 270).

Já a segunda comissão enviada, sob a supervisão de Emmanuel Eduardo Gaudie Ley, lidou com maior aporte de documentos, embora voltados majoritariamente à documentação do Século XVIII:

Comissão no estado de Minas Geraes: Informada a Directoria, no mez e Abril, pela Delegacia do Thesouro Nacional em Bello Horizonte, de que seria favoravel a occasião para ali se completar a pesquiza de documentos antigos (começada em Ouro Preto em 1921), d’entre os que, do mesmo acervo, ella havia recebido da repartição federal funccionando no mesmo edificio, nessa cidade, em que estivera a antiga Casa dos Contos, resolveu, convencida na conveniancia da medida, pedir-vos autorização para se recomeçar o serviço. Foi confiada a nova pesquiza ao amanuense Emmanuel Eduardo Gaudie Ley, a quem se deram instrucções eguaes ás de 1921 para o trabalho feito nesse anno. Teria de limitar-se á escolha de documentos historicos do seculo 18.o e, quando muito, aos do principio do 19.o. Na conformidade do aviso de autorização, seriam recolhidos ao Archivo Nacional os que, de caracter mais administrativo do que historico, devessem de preferência ter entrada nessa Repartição.

A comissão, autorizada por aviso de 15 de julho, teve dois mezes de duração. Tal era a massa de papeis a examinar e separar, que de modo nenhum poderia ter sido feito no prazo de um mez, a principio projectado. Completado o serviço, que o referido amanuense conscientemente desempenhou, tiveram de ser remettidos para o Archivo Nacional nove caixões contendo 1.836 codices e 344 documentos avulsos. Ficaram na Bibliotheca, para serem opportunamente contados e estudados, numerosos documentos, acondicionadoos em 18 caixões expedidos de Bello Horizonte. O desencaixotamento, por então, teria sido impossivel, dada a falta de moveis e de espaço na secção de manuscriptos. (SOUZA, 1922, p. 450).

Novamente, é possível notar a presença de egressos no curso em diversas atividades que não seriam, a priori, designações de bibliotecários para tais tarefas. No entanto, pelo observado nos relatórios, foram em sua maioria executadas com louvor, norteadas pelo ímpeto profissional e social nas diferentes instâncias institucionais.

4 Conclusão

Portanto, o compromisso dos primeiros egressos da Biblioteca Nacional mostra-se vitalício à instituição, conforme o retrospecto exposto dos egressos de primeiras turmas e eventuais alunos matriculados no curso da Biblioteca Nacional, que carregam consigo os valores institucionais através do tempo, e contribuem imensamente com a memória da instituição.

Carlos Mariani, Emmanuel Eduardo Gaudie Ley e Oscar Luna Freire são da primeira, segunda e quinta turma do curso, respectivamente. Sua atuação na Biblioteca Nacional e no curso de Biblioteconomia são legados que transcendem a simples atuação profissional, e exercem um vínculo indissociável com a herança deixada para futuros estudantes, mesmo um século depois de seu ingresso na instituição. Gaudie Ley e Mariani evidenciam ainda mais esse compromisso ao ministrar aulas a futuros discentes do curso, demonstrando seu zelo com as gerações bibliotecárias vindouras.

O curso de Biblioteconomia da Biblioteca Nacional “[...] funcionou até 1973, quando foi integrado à FEFIEG - Federação das Escolas Federais Isoladas do Estado da Guanabara, hoje Universidade do Rio de Janeiro - UNI-RIO” (SANT’ANNA, 1988, p. 305). Atualmente, a sigla UNIRIO refere-se a Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro.

A matriz curricular atual do curso de bacharelado conta com 2.025 horas de disciplinas obrigatórias, 540 horas de disciplinas optativas, 300 horas de estágio supervisionado, 200 horas de atividades complementares, e 30 horas de Trabalho de Conclusão de Curso5. Similar aos princípios de aliança entre teoria e prática, almejados na inauguração do curso, e com a preocupação em atualizar os alunos dos métodos consolidados, modernos e atuais dentro da área.

Portanto, percebe-se que todas as transformações, lutas e conquistas por parte de todo o corpo de funcionários da biblioteca, apesar de adversidades (como a interrupção do curso temporariamente), resultou na perpetuação dos ideais consolidados na fundação da Biblioteca Nacional e, portanto, na fundação da Biblioteconomia no Brasil de modo geral.

Sendo assim, observa-se a perpetuação dos modelos de gestão positivos observados ao longo das transformações sofridas pela Biblioteca Nacional: o zelo com seus registros institucionais, seu envolvimento com o cotidiano ao seu redor e a capacitação de novos bibliotecários que visam o futuro e valorizam o passado.

Agradecimentos

Ao Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC) da [suprimido para não identificação dos autores] e ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pela oportunidade e pela bolsa para desenvolvimento desta pesquisa. Agradeço às profissionais do Arquivo Central da UNIRIO, em especial a Paula Cotrim, Jane Oliveira e Sininho, que não mediram esforços em me auxiliar nesta pesquisa e trajetória acadêmica, recepcionando-me sempre da melhor maneira.

Referências:

ANAIS DA BIBLIOTECA NACIONAL, Rio de Janeiro, 1876- .

BRASIL. Decreto n. 8.835, de 11 de julho de 1911: Aprova o regulamento da Bibliotheca Nacional. Diário Oficial da União, 16 jul. 1911.

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D’ALINCOURT, Luis. Rezultado dos trabalhos e indagações statísticas da província de Mato-Grosso, Cuyabá, 1828. Annaes da Bibliotheca Nacional do Rio de Janeiro, v. 3, p. 68 - 161, 1877.

GARCIA, Rodolfo. A Biblioteca Nacional em 1933. Anais da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, v. 55, p. 514 - 526, 1934.

GARCIA, Rodolfo. A Biblioteca Nacional em 1934. Anais da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, v. 56, p. 460 - 480, 1935.

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GARCIA, Rodolfo. A Biblioteca Nacional em 1937. Anais da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, v. 59, p. 357 - 383, 1938.

GARCIA, Rodolfo. A Biblioteca Nacional em 1940. Anais da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, v. 62, p. 382 - 415, 1941.

GARCIA, Rodolfo Augusto de Amorim. A Biblioteca Nacional em 1942. Anais da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, v. 64, p. 274 - 305, 1943

GAUDIE LEY, Emmanuel Eduardo. Gonzagueana da Biblioteca Nacional. Annaes da Bibliotheca Nacional, v. 49. p. 417 - 492, 1927.

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1

Optamos por não realizar a atualização dos vocábulos com vista a manter a fidedignidade dos textos.

2

Para saber mais consultar Juvêncio (2014).

3

Mais informações sobre egressos podem ser acessadas em Moura; Dahás; Weitzel (2016).

4

Para saber mais sobre o hiato existente na oferta do curso recomenda-se a leitura de Sá (2013).

5

exposto no site da instituição, acessível através do link: http://www.biblioteca.unirio.br/cchs/eb/matriz-curricular-bacharelado/view