O comportamento informacional no tratamento de feridas varia conforme o uso de dispositivos digitais e as necessidades dos usuários?

Does informational behavior in wound care vary according to

digital devices use and users’ needs?

Bruno Santana da Silva

ORCID: http://orcid.org/0000-0002-7689-8000

Doutor em Informática pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio)

email: bruno@imd.ufrn.br

Paulo Vanzolini Moura da Silva

ORCID: http://orcid.org/0000-0001-6595-564X

Graduando em Tecnologia da Informação pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)

email: p.vanzolini@hotmail.com

RESUMO: Ainda que a literatura relate estudos sobre o comportamento informacional de enfermeiros, entende-se pouco sobre os aspectos relacionados a esses comportamentos. Diante disso, este trabalho investigou se e como variam os comportamentos informacionais durante o tratamento de feridas quando variam os usos de dispositivos digitais e as necessidades de informações sobre as feridas. Realizou-se uma pesquisa quantitativa descritiva a partir de dados coletados de 566 participantes de quase todos os estados brasileiros, no primeiro bimestre de 2020. Observou-se variações no uso das fontes, na frequência de obtenção e no modo de registro de informações conforme variava o uso de dispositivos digitais e as necessidades informacionais durante o tratamento de feridas. As maiores variações foram identificadas entre as necessidades informacionais e os modos de registro utilizados pelos participantes, com até 28% de diferença. As demais variações investigadas chegaram até 13%, 11%, 9% e 8%. Observou-se tendências de similaridade, de aumento e diminuição nessas variações.

PALAVRAS-CHAVE: Comportamento informacional. Enfermagem. Saúde. Ferimentos e lesões.

ABSTRACT: Although literature reports studies on informational behavior of nurses, little is understood about aspects related to these behaviors. Therefore, this work investigated whether and how informational behaviors vary during wound care when uses of digital devices and needs for information about wounds vary. A descriptive quantitative research was carried out based on data collected from 566 participants from almost all Brazilian states, in the first two months of 2020. Variations were observed in use of information sources, in frequency of obtaining information and in way of recording information according to variation of digital devices use and informational needs during wound care. The greatest variations were identified between information needs and registration modes used by the participants, with up to 28% difference. The remaining investigated variations reached 13%, 11%, 9% and 8%. Similarity, increase and decrease trends were observed in these variations.

Keywords: Information behavior. Nursing. Health. Wounds and injuries.

1 Introdução

A humanidade tem convivido com o aumento de volume, complexidade e fluxo de informações, em particular nas últimas décadas, pelo desenvolvimento de tecnologias que facilitam coletar, armazenar e gerir informações produzidas. Os desafios de gestão de informações tornaram-se tão grandes que facilmente ultrapassam nossas capacidades cognitivas. São raras as situações em que as pessoas não precisam de apoios para lidar com as informações atualmente. Neste contexto, os sistemas de informação apresentam-se como importantes ferramentas no cotidiano das pessoas, de modo a auxiliarem na satisfação de suas necessidades informacionais (WILSON, 1981; MARTÍNEZ-SILVEIRA; ODDONE, 2007; ROCHA et al., 2017). Desenvolver novos e melhorar sistemas de informação existentes requer uma boa compreensão de comportamentos e necessidades informacionais dos seus usuários.

Vários fatores podem estar relacionados com as necessidades e os comportamentos informacionais, tais como: demografia, propriedades da informação, particularidades das fontes de informação, compreensão sobre o uso das fontes de informação, etc. (MARTÍNEZ-SILVEIRA; ODDONE, 2007; LECKIE; PETTIGREW; SYLVAIN, 1996). Entender esses fatores podem auxiliar nas formações e treinamentos dos usuários, bem como na adequação de sistemas informacionais a essa realidade.

O estudo destes fatores costuma dar origem a uma compreensão sobre um “usuário médio” ou um “usuário padrão” de sistemas de informação analógicos, digitais ou híbridos. O usuário médio reúne as necessidades e os comportamentos informacionais mais comuns na população de usuários. Desse modo, o usuário médio costuma orientar esforços de projeto, desenvolvimento, implantação e avaliação de sistemas de informação que possam atender adequadamente a maioria dos usuários. Entretanto, apesar das vantagens de se trabalhar tendo em mente um usuário médio, essa estratégia tem a desvantagem de não considerar de modo apropriado a diversidade e a dinâmica da população de usuários. Diferentes usuários podem ter diferentes necessidades e comportamentos informacionais. Um mesmo usuário pode ter necessidades e comportamentos informacionais diferentes ao longo do tempo. Assim, estudos de usuários de informação também precisam buscar entender melhor as diferenças entre usuários e suas diferentes necessidades e comportamentos informacionais.

A diversidade e a evolução dos usuários podem influenciar significativamente os sistemas de informação, principalmente os digitais. Essa variação vai exigir que os sistemas de informação tenham características particulares, tais como flexibilidade, capacidade de (auto)adaptação e compatibilidade com tecnologias assistivas. No âmbito digital, por exemplo, há mais de três décadas existem trabalhos que buscam formas de projetar e construir sistemas de informação digitais que acomodam a diversidade e a evolução natural dos usuários (KÜHME; MALINOWSKI, 1993; SILVA; BARBOSA, 2008; SILVA et al., 2009).

No contexto da enfermagem, uma atividade comum é tratar feridas na pele (KORDESTANI, 2019; SANTOS et al., 2011). Os profissionais de enfermagem costumam consumir e produzir um conjunto significativo de informações durante o tratamento de feridas. Em alguns casos, esse tratamento pode ocorrer por semanas ou meses. Deste modo, sistemas de informação são ferramentas habituais para auxiliar os enfermeiros durante o tratamento de feridas.

Existem diferentes sistemas de informação utilizados nesse contexto; desde os mais simples e tradicionais baseados em papel e caneta, até os sistemas digitais como aplicativos para smartphones ou sistemas web, por exemplo. Pesquisas recentes continuam buscando desenvolver tecnologias digitais e sistemas de informação digitais construídos com essas tecnologias para apoiar o tratamento de feridas (ROCHA et al., 2021). Entretanto, o desenvolvimento e a melhoria de sistemas de informação precisam considerar, acomodar e oferecer apoio adequado às necessidades e aos comportamentos informacionais de enfermeiros durante o tratamento de feridas. Isso implica considerar não apenas o “enfermeiro médio”, mas deve incluir também a diversidade e a evolução naturais desses usuários da informação.

As necessidades e comportamentos informacionais de enfermeiros têm sido objeto de estudo da literatura (BLYTHE; ROYLE, 1993; ROYLE et al., 2000; LATHEY; HODGE, 2001; FRANÇA, 2002; BARO; EBHOMEYA, 2013; SILVA; SILVA, 2021). Todavia, poucos são os trabalhos que abordam especificamente o tratamento de feridas na pele. Esses trabalhos ainda se concentram na identificação de características gerais do público alvo (“usuário médio”), sem aprofundar a investigação sobre fatores específicos que podem estar relacionados com as diferenças entre necessidades e comportamentos informacionais dos enfermeiros. Essa lacuna compromete o desenvolvimento e a melhoria de sistemas de informação mais adequados à diversidade e à evolução natural dos usuários.

Assim, este trabalho buscou contribuir com a compreensão da diversidade de comportamentos informacionais de enfermeiros no tratamento de feridas. Ele teve por objetivo investigar se e como variam os comportamentos informacionais durante o tratamento de feridas quando variam os usos de dispositivos digitais e as necessidades de informações sobre as feridas. Buscou-se respostas para as seguintes questões de pesquisa: As fontes de informação usadas durante o tratamento de feridas variam conforme o dispositivo digital que o usuário utiliza? A frequência de obtenção de informações usadas durante o tratamento de feridas varia conforme o dispositivo digital que o usuário utiliza? O modo de registro de informação usado durante o tratamento de feridas varia conforme o dispositivo digital que o usuário utiliza? O modo de registro utilizado influencia as informações das feridas consideradas durante o tratamento de feridas?mA fonte de informação utilizada influencia a frequência de obtenção de informações durante o tratamento de feridas?

O relato da pesquisa encontra-se estruturado em cinco seções. Inicia-se com uma seção de apresentação da metodologia empregada que caracteriza principalmente o modo como os dados foram coletados e analisados, bem como os cuidados éticos tomados. Na seção seguinte, os resultados são apresentados em um perfil geral dos participantes acompanhado das comparações previstas nas questões de pesquisa. A próxima seção resume e discute os resultados com reflexões e novos questionamentos. O trabalho termina com considerações finais e apontamentos de possíveis trabalhos futuros.

2 Metodologia

Com a intenção de buscar respostas para as questões enunciadas, foi realizada uma pesquisa quantitativa descritiva (CRESWELL, 2010) através de um questionário online com 15 perguntas (FINK, 2003). O questionário foi elaborado no Google Forms e enviado para estudantes e profissionais de enfermagem via lista de e-mails, Facebook e Instagram. Apenas seis perguntas deste questionário foram consideradas nesta pesquisa:

  1. Qual sua formação profissional?
  2. Quais dispositivos (celular, computador, etc.) você já utilizou ou costuma usar?
  3. O que você precisaria saber sobre um paciente para tratar suas feridas?
  4. Com que frequência você consegue obter essas informações sobre a saúde do paciente?
  5. Como você registra informações sobre o tratamento de feridas?
  6. Você já usou algum software específico para o tratamento de feridas?

O Comitê de Ética (omitido) aprovou esta pesquisa, com parecer de número (omitido) na Plataforma Brasil. Como esperado, no começo do questionário os participantes tiveram a chance de consentir de forma livre e esclarecida sobre sua participação nesta pesquisa.

A análise quantitativa dos dados contabilizou quantos participantes relataram usar um dispositivo digital X ou relataram ter uma necessidade informacional F sobre a ferida, também indicaram um comportamento informacional Y (fonte de informação, frequência de obtenção ou modo de registro). Assim, foi possível verificar se e como a variação no uso de dispositivos digitais ou a variação nas necessidades informacionais sobre a ferida estão relacionadas com a variação nos comportamentos informacionais indicados.

Considerando cada questão de pesquisa, primeiro os participantes foram divididos pelo dispositivo utilizado ou pela necessidade informacional indicada. A quantidade de participantes nesses subgrupos foi computada (valor T). Então, cada um desses subgrupos de participantes foi subdividido de novo conforme o comportamento informacional referenciado na respectiva questão de pesquisa. Computou-se então a quantidade de participantes nesses novos subgrupos (valor S). Por fim, calculou-se a porcentagem de participantes que usaram dispositivos digitais e relataram determinado comportamento informacional em relação ao total de participantes que utilizaram tal dispositivo (S dividido por T, multiplicado por 100). Também foi calculada a porcentagem de participantes que possuíam uma necessidade informacional sobre a ferida e também indicaram determinado comportamento computacional, em relação ao total de participantes que possuíam tal necessidade. Enunciar os resultados em porcentagens facilitou a identificação de tendências de variação, já que os subgrupos contêm diferentes quantidades absolutas de participantes.

3 Resultados

Um total de 566 pessoas de quase todos os estados brasileiros participaram desta pesquisa entre janeiro e fevereiro de 2020. As exceções foram os estados de Rondônia, Roraima e Mato Grosso do Sul. A grande maioria é profissional de enfermagem (86,2%), mas também participaram 78 estudantes (13,8% do total) de cursos técnicos e de graduação em enfermagem.

A Tabela 1 compara o costume de usar dispositivos digitais com as fontes de informação utilizadas pelos participantes durante o tratamento de feridas. A consulta ao participante foi quase a mesma em todos os dispositivos. A consulta a outros profissionais de saúde foi um pouco mais frequente entre os participantes que usam tablet, do que entre aqueles que usam câmera fotográfica (-6%), computador notebook ou desktop (-9%) e celular (-14%). A consulta a prontuário médico em papel foi semelhante entre aqueles que usam tablet e câmera fotográfica, mas menor entre aqueles que usam notebook ou desktop (-6%) e celular (-7%). A consulta de informações em software apresentou uma porcentagem similar entre os dispositivos considerados, com pequeno destaque para aqueles que usam câmera fotográfica (+4%). A maior variação identificada no uso das fontes de informação quando comparado com o uso de dispositivos digitais ocorreu quando os colegas profissionais de saúde eram as fontes de informação, com 14% de diferença. Nos demais casos, essas variações diminuíram pelo menos pela metade, com até 7% de diferença.

perguntando ao paciente ou acompanhante

perguntando a outro profissional de saúde

prontuário médico em papel

consultando algum software

celular ou

smartphone

98%

52%

46%

16%

notebook ou

desktop

98%

57%

47%

17%

câmera fotográfica

97%

60%

53%

20%

tablet

98%

66%

52%

16%

maior variação

1%

14%

7%

4%

A Tabela 2 compara o costume de usar dispositivos digitais com a frequência de obtenção de informações durante o tratamento de feridas. As frequências de obtenção de informações “sempre que necessário”, “na maioria das vezes”, “em poucas vezes” e “não consigo obter” variaram pouco entre os dispositivos (4%, 4%, 3% e 2% respectivamente). A frequência de obtenção de informações “algumas vezes sim, outras não” variou mais entre dispositivos chegando até 8% de diferença, com menor valor para celular (36%) e maior para tablet (44%). O costume em usar um tipo de dispositivo digital não parece ter sido significativo para a frequência de obtenção de informações desejadas no tratamento de feridas.

sempre que necessário

na maioria das vezes

algumas vezes sim, outras não

poucas vezes

não consigo obter

celular ou smartphone

79%

67%

36%

11%

3%

notebook ou desktop

76%

68%

38%

12%

2%

câmera fotográfica

75%

69%

40%

12%

2%

tablet

77%

71%

44%

9%

1%

maior variação

4%

4%

8%

3%

2%

A Tabela 3, por sua vez, compara o costume de usar dispositivos digitais com o modo de registro de informações produzidas durante o tratamento de feridas. As maiores variações ocorreram quando os participantes tiram fotos (9%) e anotam no celular (7%). Já o não registro, os registros em papel, em computador e em áudio variaram muito pouco entre os dispositivos (1%, 3%, 4%, 3% respectivamente). É curioso observar que mais participantes acostumados com câmera fotográfica (38%) e tablet (38%) registraram em computador, do que aqueles acostumados com o uso de computadores notebook e desktop (35%). O registro por meio de anotações em celular foi maior entre os participantes acostumados com câmera fotográfica (23%) e tablet (25%), do que entre os participantes acostumados com celular (18%) e computador notebook e desktop (18%). O registro em fotos foi maior entre os participantes acostumados com câmera fotográfica (79%), seguido por aqueles acostumados com tablet (72%), celular (71%) e computadores notebook e desktop (70%).

não registra

anoto em papel

anoto em celular

anoto em computador

tiro fotos

gravo áudios

celular ou smartphone

9%

63%

18%

34%

71%

5%

notebook ou desktop

8%

66%

18%

35%

70%

5%

câmera fotográfica

8%

66%

23%

38%

79%

7%

tablet

9%

64%

25%

38%

72%

4%

maior variação

1%

3%

7%

4%

9%

3%

A Tabela 4 compara o modo de registro de informações produzidas durante o tratamento de feridas com a necessidade de informações sobre a ferida. Os participantes que não registram informações produzidas durante o tratamento de feridas apresentam menor necessidade informacional sobre a ferida. Em média, são 12% menos participantes interessados no tamanho total da ferida, 21% menos na área total, 18% menos na área dos tecidos internos da ferida, 16% menos na aparência e textura dos tecidos internos da ferida e 20% menos na profundidade da ferida. Os participantes com necessidade do tamanho do contorno da ferida fazem registro de informações na seguinte ordem: grava em áudio (93%), anota no computador (90%), anota em celular (89%), tira fotos (89%) e anota em papel (87%). Os participantes com necessidade da área total da ferida fazem registro de informações na ordem: grava em áudio (100%), anota em celular (94%), anota em computador (92%), anota em papel (91%) e tira fotos (90%). Aqueles com necessidade da área dos tecidos que compõem a ferida usam os modos de registro na ordem: grava em áudio (96%), anota em computador (90%), anota em celular (88%), tira fotos (88%) e anota em papel (87%). Os que apresentaram necessidade de analisar a aparência e textura dos tecidos que compõem a ferida usam os modos de registro na ordem: grava em áudio (96%), anota em computador (92%), anota em papel (91%), tira fotos (90%) e anota em celular (89%). Os participantes com necessidade de analisar a profundidade da ferida registram informações na ordem: grava em áudio (100%), anota em computador (94%), tira fotos (92%), anota em papel (91%) e anota em celular (90%).

Ao somar as necessidades de cada informação sobre a ferida, os modos de registro apresentam a seguinte ordem decrescente: grava em áudio, anota em computador, anotar em celular, tirar fotos e anotar em papel. Diante de tantas informações com características visuais importantes (cor, textura, tamanho, etc.) e de grande familiaridade dos participantes com dispositivos capazes de tirar fotos, é curioso identificar que o registro em fotos aparece na penúltima posição dos modo de registro considerados, enquanto que o registro em áudio sempre assume o primeiro lugar.

Diferente das variações analisadas anteriormente, as necessidades informacionais sobre as feridas apresentaram diferenças bem maiores quando comparadas com os usos dos dispositivos digitais. As maiores variações ocorrem nos usos de dispositivos digitais em relação à área total e à profundidade da ferida, com diferença de 28% e 26% nesta ordem. Por outro lado, as menores variações nos usos de dispositivos digitais foram observadas na aparência e textura dos tecidos e no tamanho do contorno da ferida, com até 20% e 15% respectivamente.

tamanho do contorno

área total

área dos tecidos

aparência e textura dos tecidos

profundidade

não registra

78%

72%

72%

76%

74%

anoto em papel

87%

91%

87%

91%

91%

anoto em celular

89%

94%

88%

89%

90%

anoto em computador

90%

92%

90%

92%

94%

tiro fotos

89%

90%

88%

90%

92%

gravo áudios

93%

100%

96%

96%

100%

maior variação

15%

28%

24%

20%

26%

A Tabela 5 compara as fontes de informação utilizadas pelos participantes com a frequência de obtenção da informação desejada. Os participantes que sempre obtêm as informações desejadas consultam as fontes de informação na seguinte ordem: software (89%), outro profissional de saúde (81%), paciente (79%) e prontuário médico em papel (78%). Aqueles que obtêm as informações desejadas na maioria das vezes consultam as fontes de informação na seguinte ordem: outro profissional de saúde (73%), software (71%), prontuário em papel (70%) e paciente (68%). Os que obtém as informações desejadas “algumas vezes sim, outras não”, “em poucas vezes” e “não conseguem obter” consultam as fontes de informação na seguinte ordem: software (42%, 20% e 8%), prontuário médico em papel (42%, 14% e 3%), outro profissional de saúde (38%, 12% e 3%) e paciente (36%, 11% e 2%). Quando as maiores frequências de obtenção das informações são somadas, o uso das fontes de informação aparece na seguinte ordem: software (160%), outro profissional de saúde (155%), prontuário médico em papel (148%) e perguntando ao paciente (147%). As frequências de obtenção de informações desejadas “sempre que necessário” e “em poucas vezes” foram as que mais variaram quando se analisa todas as fontes de informações consultadas, com diferença de até 11% e 9% respectivamente. As demais frequências de obtenção das informações variam quase pela metade entre as fontes de informação consultadas.

sempre que necessário

na maioria das vezes

algumas vezes sim, outras não

poucas vezes

não consigo obter

perguntando ao paciente ou acompanhante

79%

68%

36%

11%

2%

perguntando a outro profissional de saúde

81%

73%

38%

12%

3%

prontuário médico
em papel

78%

70%

42%

14%

3%

consultando
algum software

89%

71%

42%

20%

8%

maior variação

11%

5%

6%

9%

5%

4 DISCUSSÕES

Em um país de grandes dimensões como o Brasil, uma diversidade de estudantes e profissionais de enfermagem era esperada. Todavia, as relações entre perfis de sujeitos informacionais e seus comportamentos ainda são pouco conhecidas (MARTÍNEZ-SILVEIRA; ODDONE, 2007; LECKIE et al. 1996). Este trabalho ajuda a aumentar esse entendimento para um grupo específico de participantes, ainda que não se possa fazer inferências estatísticas porque a amostra não foi probabilística. Os Quadros 1 e 2 resumem os principais resultados para auxiliar suas discussões. A principal característica das relações entre (1) o uso de dispositivos digitais e das necessidades informacionais sobre feridas e (2) os comportamentos informacionais relatados foi indicada por símbolo de semelhança (≈), tendência de aumento () ou tendência de diminuição ().

fontes de informação

frequência de obtenção de informações

modo de registro de informações

dispositivo

A consulta a pacientes e a softwares foi similar entre os dispositivos utilizados.

A consulta a outros profissionais de saúde e a prontuários em papel apresentaram tendência de aumento com o uso dos dispositivos na seguinte ordem: celular, computador notebook ou desktop, câmera fotográfica e tablet.

A soma das frequências de “sempre que necessário” e “na maioria das vezes” apresenta tendência de estabilidade entre os dispositivos utilizados.

O não registro e o registro em papel, em computador e em áudio foi similar entre os dispositivos.

O registro em anotações no celular foi maior para aqueles acostumados com câmera fotográfica e tablet comparado a outros dispositivos.

Registro em foto teve destaque maior (+7%) para aqueles acostumados com câmera fotográfica, comparado a outros dispositivos.

modo de registro x necessidade
informacional sobre a ferida

fontes de informação x frequência
de obtenção de informações

Quem não registra informações durante o tratamento de feridas também apresenta as menores necessidades informacionais sobre a ferida.

As maiores necessidades informacionais totais ocorreram na ordem decrescente de registro em: áudio, computador, fotos, papel e celular

Quem mais obtém as informações desejadas (soma das frequências de obtenção “sempre que necessário” e “na maioria das vezes”) consulta mais as fontes de informação na seguinte ordem decrescente: software, outro profissional de saúde, prontuário médico em papel e perguntando ao paciente.

O costume de utilizar dispositivos capazes de manter informações não influenciou significativamente a consulta a pacientes e a softwares como fontes de informação. No caso dos pacientes, esse comportamento pode estar relacionado com a manutenção da importância e eficácia desta fonte de informação mesmo com a disponibilidade de outras fontes. Já no caso dos softwares, é curioso observar que o aumento da familiaridade com dispositivos tecnológicos não foi suficiente para estimular o uso de softwares como fonte de informação. Será que os softwares disponíveis não atendem as necessidades informacionais dos participantes? Será que existe dificuldade no uso destes softwares como fonte de informação? Será que não existe suporte tecnológico (e.g. computadores e internet) suficiente para utilizar os softwares nos locais de trabalho? Será que existem dificuldades culturais? Provavelmente uma combinação desses e outros fatores influenciam esse comportamento informacional. É difícil explicar o aumento da consulta a outros profissionais de saúde e a prontuários em papel com a familiaridade de uso de dispositivos como celular, computador, câmera fotográfica e tablet. Será que a familiaridade com dispositivos evidencia as limitações de usar software a ponto de aumentar o uso de outras fontes de informação? Que outros fatores relacionados estariam implícitos nesses casos?

A familiaridade com uso de dispositivos digitais não teve influência significativa na frequência de obtenção de informações necessárias. Será que essa familiaridade faria alguma diferença no uso de softwares como fonte de informação? Ainda que na vida pessoal o profissional de enfermagem esteja acostumado a usar dispositivos digitais, ele pode enfrentar problemas no local de trabalho sobre a disponibilidade desses dispositivos e respectivas infraestrutura necessárias, sobre os softwares disponíveis, sobre a gestão de informações ou mesmo sobre questões culturais, que atrapalhem seu maior uso.

O maior registro em celular daqueles acostumados com máquina fotográfica e tablet pode ter relação com maior familiaridade de recursos avançados nesses dispositivos tecnológicos. Quase todos os participantes têm celular, mas a maioria pode fazer uso de recursos básicos como ligações e mensagens de texto. Quando alguém está acostumado a usar também outros dispositivos como máquina fotográfica e tablet, isso pode ser indício de que ele está disposto a aprender mais sobre o uso de novas tecnologias e tende a possuir um repertório mais rico de interações com esses dispositivos. Em condições assim, o celular pode se tornar uma opção interessante para registro. Algo análogo aconteceu com o registro em fotos. Aqueles familiarizados com câmeras fotográficas realizam mais registros em fotos, provavelmente por estarem mais acostumados com esta atividade sabendo da relevância da imagem para o tratamento de feridas.

A compreensão da necessidade informacional sobre a ferida foi acompanhada pelo registro de informações produzidas durante o tratamento de feridas. O não registro de informações sobre a ferida aumentou para aqueles que demonstraram menores necessidades informacionais sobre a ferida. Isso pode ser um indício de que a compreensão da necessidade informacional geralmente adquirida e aprimorada pela formação e experiência prática em enfermagem pode ser conjugada com outros fatores para influenciar o comportamento informacional durante o tratamento de feridas.

Os participantes que apresentaram maiores necessidades informacionais totais realizam o registro de informações nesta ordem: áudio, computador, fotos, papel e celular. O áudio pode ter recebido destaque pela facilidade de registro que acompanha o fluxo natural da fala e por poder registrar informações de várias fontes como pacientes, outros profissionais de saúde e do próprio profissional realizando o atendimento. O computador pode ter recebido destaque por fazer parte dos sistemas de informação presentes nos locais de trabalho dos participantes. As fotos podem ter acompanhado a necessidade de lidar com imagens das feridas e da disponibilidade de dispositivos capazes de fazer tal registro. O papel provavelmente foi usado pela tradição e grande disponibilidade. Anotações em celular podem ter aparecido em último lugar pela dificuldade de entrada de dados de modo textual.

Software, outro profissional de saúde, prontuário médico em papel e pacientes são as fontes de informação mais utilizadas em ordem decrescente pelos participantes que mais obtêm informações desejadas. Se existe familiaridade com dispositivos tecnológicos e software é a fonte de informação com maior eficácia (obtenção das informações necessárias com maior frequência), por que software foi a fonte menos utilizada pelos participantes? É importante investigar os fatores que atrapalham os profissionais de saúde usufruírem das vantagens que essa tecnologia pode oferecer, principalmente em um momento em que a informática na saúde tem evoluído bastante em termos tecnológicos.

No outro extremo aparece o paciente e seu acompanhante como fonte de informação menos eficaz e mais utilizada. Seu maior uso é compreensível porque as informações se tratam do próprio paciente, mas é importante procurar meios para lidar melhor com o esquecimento natural das pessoas e com informações sobre o sujeito que ele mesmo nem se dá conta. Nesses casos, existem vantagens para utilizar em conjunto outros sistemas e fontes de informação. Os comportamentos informacionais poderiam ser mais equilibrados entre as fontes de informação, para aproveitar melhor suas vantagens, diminuir o impacto das desvantagens e atender melhor, mais eficiente e com consumo de menos recursos as necessidades informacionais dos profissionais de enfermagem durante o tratamento de feridas.

3 Considerações finais

Este trabalho realizou uma pesquisa qualitativa descritiva para investigar se e como a variação entre o uso de dispositivos digitais e as necessidades informacionais têm relação com a variação no comportamento informacional de estudantes e profissionais de enfermagem no tratamento de feridas na pele. Um total de 566 participantes de quase todos os estados brasileiros forneceram dados através de um questionário online nos primeiros dois meses de 2020.

Identificou-se tendências de semelhanças e de aumento entre o uso de dispositivos e os comportamentos informacionais relatados pelos participantes. Também foi possível identificar tendências de diminuição e de aumento entre as necessidades e comportamentos informacionais indicados pelos participantes. As maiores variações ocorreram entre as necessidades informacionais e os modos de registro normalmente utilizados, chegando até 28%. Nas demais comparações realizadas nas questões de pesquisa, as maiores variações foram de 13%, 11%, 9% e 8%.

É necessário investigar no futuro se as variações identificadas neste trabalho ocorrem de forma semelhante em outros contextos e com outros sujeitos informacionais. Além disso, essas variações poderiam ser consideradas aceitáveis ou não? Seriam desejáveis ou indesejáveis? Por quê? Se forem aceitáveis ou desejáveis, elas precisam ser acomodadas nos sistemas de informação que apoiam o tratamento de feridas. Ou seja, elas devem ser consideradas no desenvolvimento de novos sistemas de informação e na melhoria de sistemas de informação existentes, principalmente os digitais. Então, como acomodar nos sistemas de informação as variações nas necessidades e nos comportamentos informacionais dos seus usuários? Como os sistemas informacionais podem ser avaliados para verificar se acomodam adequadamente essas variações?

Referências:

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BLYTHE, J.; ROYLE, J. A. Assessing nurses’ information needs in the work environment. Bulletin of the medical library association, [S. l.], v. 81, n. 4, p. 433, 1993.

CRESWELL, J. W. Projeto de pesquisa: Método Qualitativo, Quantitativo e Misto. 3ª edição, Artmed, 2010.

FINK, A. The Survey Handbook, 2nd edn. SAGE, Thousand Oaks/London. 2003.

FRANÇA, L. D. O comportamento informacional dos profissionais médicos e enfermeiros do Programa Saúde da Família (PSF) – Sistema Único de Saúde (SUS). 2002. Dissertação (Mestrado em Ciência da Informação) - Escola de Ciência da Informação. Universidade Federal de Minas Gerais, 2002.

KORDESTANI, S. S. Chapter 5 - Wound care management. In: Kordestani, S.S. (Editor) Atlas of wound healing: a tissue regeneration approach. Elsevier, 2019, p. 31-47.

KÜHME, T., MALINOWSKI, U. (eds.) Adaptive User Interfaces: Principles and Practice. North-Holland: Elsevier, 1993.

LATHEY, J. W.; HODGE, B. Information seeking behavior of occupational health nurses: how nurses keep current with health information. AAOHN journal, v. 49, n. 2, p. 87-95, 2001.

LECKIE, G. J.; PETTIGREW, K. E.; SYLVAIN, C. Modeling the information seeking of professionals: A general model derived from research on engineers, health care professionals, and lawyers. The Library Quarterly, v. 66, n. 2, p. 161-193, 1996.

MARTÍNEZ-SILVEIRA, M.; ODDONE, N. Necessidades e comportamento informacional: conceituação e modelos. Ciência da Informação, v. 36, n. 2, p. 118-127, 2007.

ROCHA, J. A. P.; DUARTE, A. B. S.; PAULA, C. P. A. Modelos de práticas informacionais. Em Questão, v. 23, n. 1, p. 36-61, 2017.

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Tabela 1 - Dispositivo digital utilizado versus fontes de informação utilizadas

Fonte: Dados coletados nesta pesquisa.

Fonte: Dados coletados nesta pesquisa.

Tabela 2 - Dispositivo digital utilizado versus frequência de obtenção de informações

Fonte: Dados coletados nesta pesquisa.

Tabela 2 - Dispositivo digital utilizado versus modo de registro de informações

Fonte: Dados coletados nesta pesquisa.

Tabela 2 - Necessidade sobre informações da ferida versus modo de registro de informações

Tabela 5 - Fontes de informação utilizadas versus frequência de obtenção das informações desejadas

Fonte: Dados coletados nesta pesquisa.

Fonte: Dados coletados nesta pesquisa.

Quadro 1 - Resumo dos principais resultados

Fonte: Dados coletados nesta pesquisa.

Quadro 2 - Resumo dos principais resultados