LIBRARIANSHIP FROM THE PERSPECTIVE OF EDGARD MORIN’S COMPLEX THOUGHT: A BRIEF REFLECTION
Claudia Barbosa dos Santos de Souza
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1520-8053
Mestra em Ciência da Informação pelo Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação (PPGCI) do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT) em convênio com a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Brasil. Professora Assistente de Biblioteconomia na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), Brasil.
Discente de Doutorado no Programa de Pós-graduação em Ciência da Informação da Universidade Estadual Paulista (Unesp).
E-mail: claudia.bs.souza2@gmail.com
ATUAÇÃO BIBLIOTECÁRIA SOB A ÓTICA DO PENSAMENTO COMPLEXO DE EDGARD MORIN: UMA BREVE REFLEXÃO
Marta Lígia Pomim Valentim
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4248-5934
Pós-Doutorado pela Universidad de Salamanca (USAL), Espanha. Doutora em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo (USP), Brasil.
Professora Titular da Universidade Estadual Paulista (Unesp). Docente do Departamento de Ciência da Informação e do Programa de Pós-graduação em Ciência da Informação da Unesp, câmpus de Marília, Brasil.
E-mail: marta.valentim@unesp.br
RESUMO: No contexto atual, a complexidade do fazer bibliotecário não deve ser dimensionada somente a partir dos afazeres habituais, formativos (teóricos e técnicos) e legais. Deve-se contemplar também a complexidade local, regional e nacional em que esse labor está inserido, principalmente no que tange às atividades de gestão. Sendo assim, este estudo objetivou analisar a atuação bibliotecária sob a perspectiva dos princípios da Teoria da Complexidade de Edgar Morin. Para tanto, realizou-se uma revisão bibliográfica na Base de Dados Referenciais de Artigos de Periódicos em Ciência da Informação. Os resultados demonstraram que o fazer bibliotecário e a instituição biblioteca possuem características complexas em virtude da sua evolução histórica, do contexto e das atividades sob sua responsabilidade. Evidenciou-se que as atividades de gestão do conhecimento, em consonância com os afazeres tradicionais, podem ser imprescindíveis para gerenciar equipes multidisciplinares no que se refere à gestão do capital intelectual. Conclui-se, então, que os princípios da Teoria da Complexidade (em maior ou menor grau) subsidiam o repensar dos afazeres bibliotecários com vistas à melhor maneira de gerenciar as demandas e as realidades impostas pelo ecossistema organizacional.
PALAVRAS-CHAVE: Atuação Bibliotecária; Atuação Profissional; Teoria da Complexidade; Edgar Morin.
ABSTRACT: In today’s context, the complexity of librarianship should not only be measured by the usual, training (theoretical and technical) and legal tasks, but also by the local, regional and national complexity in which it operates, especially in terms of management activities. The aim of this study was to analyze librarianship from the perspective of Edgar Morin’s Complexity Theory principles. To this end, a bibliographic review was carried out in the Reference Database of Journal Articles in Information Science. The results show that librarianship and the library institution have complex characteristics due to their historical evolution, the context and the activities they are responsible for. It was shown that knowledge management activities, in line with traditional tasks, can be essential for managing multidisciplinary teams in terms of intellectual capital management. The conclusion is that the principles of Complexity Theory (to a greater or lesser extent) help librarians to rethink their tasks, with a view to finding the best way to manage the demands and realities imposed by the organizational ecosystem.
Keywords: Librarian Performance; Professional Performance; Complexity Theory; Edgar Morin.
1 INTRODUÇÃO
As bibliotecas são unidades responsáveis pela gestão e promoção da informação, do conhecimento e da cultura, ajudando assim na consolidação da cidadania. Esses espaços de trabalho existem há muito tempo, sempre se adequando às demandas da sociedade para melhor atender um determinado público. Além disso, a trajetória delas está associada à história dos registros da informação (Milanesi, 1983, 2013).
A atuação do bibliotecário se modificou ao longo do tempo, ou seja, ele deixou de ser “profissional erudito” e se tornou um profissional que “[...] sabe ler os livros sem abri-los”, portanto deve conhecer as temáticas e as informações que são disponibilizadas nas unidades de informação (Melot, 2019, p. 15).
Para Santos e Rodrigues (2013, p. 116-117), os “[...] saberes biblioteconômicos estão voltados para a reflexão sobre a aplicação das práticas e normas à criação, organização, e administração das bibliotecas”. Portanto, repensar a atuação do bibliotecário nos faz refletir sobre a sua formação, o seu papel social e o contexto no qual está inserido, bem como nas atribuições arbitradas social ou legalmente em seu espaço de atuação.
Atualmente, a complexidade do fazer bibliotecário não deve ser dimensionada somente a partir dos seus afazeres habituais, formativos (teóricos e técnicos) e legais, pois estes devem contemplar a complexidade local, regional e nacional em que está inserido, principalmente no que tange às atividades de gestão.
Segundo Valentim (2004, p. 167-169), a formação na área de Ciência da Informação está pautada nas diretrizes multidisciplinares da área, em que o bibliotecário tem sua atuação “[...] voltada à geração, processamento e uso de dados, informação e conhecimento produzidos externamente à organização, visando a tratar pra interagir/mediar e agregar valor a esse processo”. É justamente a partir da reflexão sobre as atividades bibliotecárias que se transcende o caráter custodial, em que cabe a observação da Biblioteconomia sob à ótica da Teoria da Complexidade.
No que tange à compreensão de mundo, a Teoria da Complexidade se apresenta como desafio. Contudo, a partir da abordagem de Morin (2000), cujo debate sobre o pensamento complexo visa distinguir e não separar, trabalha-se no âmbito da compreensão da contradição e do que é imprevisível, na dialógica da ordem e da desordem. Dessa forma são apresentados os sete princípios que norteiam o pensamento complexo.
Nessa perspectiva, a presente pesquisa apresenta os seguintes questionamentos: (1) Como os princípios da Teoria da Complexidade podem ajudar a repensar a atuação bibliotecária na atualidade? e (2 ) De que maneira a gestão do conhecimento pode contribuir para essa nova realidade? Fundamentada nessas questões, esta pesquisa almeja analisar a atuação bibliotecária sob o prisma da Teoria da Complexidade de Edgar Morin1 como uma maneira de reavaliar as múltiplas possibilidades de atuação.
O estudo se justifica por tratar de tema relacionado aos campos da Biblioteconomia, Ciência da Informação e Administração, bem como por pretender fomentar reflexões nos âmbitos acadêmico e profissional.
2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
A pesquisa é do tipo qualitativa, definida por Taquette e Borges (2020, p. 50-53) como:
Aquela que se preocupa com um nível de realidade que não pode ser medida em números. Trabalha com um universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes que não captáveis ou perceptíveis exclusivamente por variáveis matemáticas.
Quanto aos objetivos, trata-se de uma pesquisa exploratória, que, segundo Vergara (2011), “[...] é realizada em área na qual há pouco conhecimento acumulado e sistematizado”. No caso desta pesquisa, buscou-se verificar lacunas científica no que tange a possíveis correlações entre o fazer bibliotecário e a Teoria da Complexidade. Para tanto, uma revisão bibliográfica foi realizada a partir de buscas feitas na Base de Dados Referenciais de Artigos de Periódicos em Ciência da Informação (BRAPCI). Sem que houvesse delimitação quanto ao período, a pesquisa cobriu as publicações existentes de 1972 até o ano presente. As palavras-chave utilizadas para a busca foram: atuação profissional; atividades bibliotecárias; biblioteca. Os campos utilizados foram: título, resumo e palavras-chave.
3 BIBLIOTECAS E BIBLIOTECÁRIOS: MISSÃO E FINALIDADE
No decorrer do tempo e com as mudanças políticas, sociais e culturais no Brasil, as bibliotecas, com características próprias e missões distintas, foram sendo criadas para atender às demandas existentes na sociedade. Em consequência, evidenciou-se que a presença do profissional que atua nesse tipo de unidade de informação era necessária. Assim, o perfil do bibliotecário foi se adequando para atender a razão de ser dessas unidades de informação e, assim, requereu-se a especialização desse profissional. Esse aspecto da especialização do bibliotecário é abordado nos estudos sobre a criação dos primeiros cursos de Biblioteconomia no Brasil.
Milanesi (2002), por exemplo, em seu texto “Formação do informador”, apresenta uma série de inquietações sobre a atuação do bibliotecário e sua formação no decorrer do tempo. O autor direciona sua reflexão principalmente ao seguinte questionamento: “O profissional se adequa às novas realidades informacionais?” No entanto, ainda hoje a mesma inquietação persiste direcionada às múltiplas possibilidades de atuação bibliotecária.
De organizador e preservador do acervo e/ou coleções ao profissional da informação contemporâneo, que lida com inúmeras e distintas necessidades informacionais, o bibliotecário contemporâneo se depara com múltiplas perspectivas de atuação, em diferentes tipos de unidades de informação, desde as tradicionais bibliotecas (pública, universitária e escolar) às organizações de diversos segmentos. O uso de Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) é fator determinante e influenciador nas mudanças que ocorreram ao longo do tempo na dinâmica do fazer bibliotecário (Lankes, 2016).
Em complemento, Lankes (2016) afirma que os bibliotecários utilizam o conhecimento acumulado ao longo do tempo para construir uma nova Biblioteconomia, uma que esteja voltada para o conhecimento e para a comunidade. Além disso, enfatiza que, atualmente, os bibliotecários são agentes de mudança, pois:
Compartilham conhecimento e trabalham com montanhas de informações antes do google, antes do facebook e até mesmo antes da água encanada [...] não são ameaçados nem ultrapassados pela internet, eles levam a internet adiante e forjam o mundo ao seu redor – muitas vezes sem que você perceba (Lankes, 2016, p. 22-23).
Ao refletir sobre os fundamentos e os desafios contemporâneos da Biblioteconomia, Araújo (2017, p. 69) destaca as ações das unidades de informação, por meio de atividades culturais humanas, até a consolidação científica. O autor apresenta algumas características das correntes funcionalista e crítica, sob a perspectiva dos sujeitos e dos estudos sobre representação como um modo de delimitar as principais mudanças ocorridas nas bibliotecas, suas missões, suas práticas e, principalmente, no que se refere à atuação bibliotecária.
Tais práticas foram influenciadas pelo contexto político e social de cada época, seja em âmbito local, regional ou global. Da atuação tecnicista à atuação humanista, Araújo (2017) apresenta e ressalta os desafios contemporâneos para as bibliotecas e para os bibliotecários em detrimento do surgimento e do uso das TIC e de seus efeitos colaterais. O autor enfoca desde a divulgação de informações não verdadeiras até a necessidade de atuação “para e pela cidadania”, à qual bibliotecas e bibliotecários são naturalmente conduzidos a participar.
4 PENSAMENTO COMPLEXO E SEUS PRINCÍPIOS
O maior desafio para a sociedade contemporânea se refere à mudança do jeito de pensar. Morin (2000) afirma que o pensamento científico está balizado em três pilares: a ordem, a separabilidade e a razão.
A noção de “ordem” é a tradicionalmente entendida como determinada e já entendida pelo mundo. A “separabilidade” corresponde ao pensamento cartesiano, em que se justifica a necessidade de especialização e hiperespecialização disciplinar como maneira de resolver determinado problema. Já a “razão” é entendida como a lógica indutivo-dedutivo-identitária, na forma de razão absoluta, em que a indução é proposta como lei universal, mas não tem valor de prova.
Segundo Morin (2000), o pensamento complexo convoca não ao abandono da lógica indutivo-dedutivo-identitária, mas à “[...] combinação dialógica entre a sua utilização, segmento por segmento, e a sua transgressão nos buracos negros onde ela para de ser operacional” (Morin, 2000, p. 199-201).
A partir de uma exposição clara, Morin apresenta as três teorias que alicerçam a Teoria da Complexidade ou o pensamento complexo. Além disso, define sete princípios norteadores, quais sejam: a Teoria da Informação, a Teoria Geral dos Sistemas e a Cibernética, que foram criadas em meados da década de 1940.
A Teoria da Informação sustenta o conceito de informação a partir do “[...] tratamento da incerteza, da surpresa, do inesperado”, mediante a aplicabilidade da redundância e da desordem como modo de se obter o novo (informação) (Morin, 2000, p. 201).
A Cibernética de Norbert Wiener, citada por Morin (2000), é uma teoria pautada em máquinas autônomas que, por sua vez, apresenta a ideia de retroação, introduzindo a ideia de círculo causal, em que ressalta a regulação autônoma do sistema. A teoria apresenta o conceito de feedback e sua aplicabilidade de forma negativa (círculo de retroação), que busca estabilizar um sistema (Morin, 2000, p. 202).
A Teoria Geral dos Sistemas de Ludwig von Bertalanffy, segundo Morin (2000), é alicerçada no pensamento de organização e hierarquia, além dos subsistemas e suas imbricações. Segundo Demo (1989, p. 208), esta teoria surge com o objetivo de sanar o reducionismo e o mecanicismo apresentado pelo funcionalismo clássico.
Os sete princípios (complementares e interdependentes) que guiam o pensamento complexo são apresentados por Morin (2000, p. 210-212), conforme segue:
1. Princípio sistêmico ou organizacional: inter-relaciona o conhecimento das partes ao conhecimento do todo.
2. Princípio hologramático: evidencia esse aparente paradoxo dos sistemas complexos, enfatiza que não somente a parte está no todo, mas também que o todo está inserido na parte.
3. Princípio do círculo retroativo: possibilita o conhecimento dos processos autorreguladores, rompe com o princípio da causa linear, proporcionando equilíbrio dinâmico e regulando o sistema.
4. Princípio do círculo recursivo: ultrapassa a noção de regulação para a de autoprodução e auto-organização; incide em um circuito gerador em que produtos e produtores são os mesmos. Afirma que a sociedade é resultado das suas relações sociais, por meios dos indivíduos que a compõem.
5. Princípio de auto-eco-organização (autonomia e dependência): a autonomia é desenvolvida de forma dependente da cultura. O princípio da auto-eco-organização vale, evidentemente de maneira específica, para os humanos que desenvolvem sua autonomia, dependendo da sua cultura, e para as sociedades que dependem do seu meio ambiente geoecológico.
6. Princípio dialógico: une dois princípios ou noções que devem excluir-se um ao outro, mas são indissociáveis em uma mesma realidade. A dialógica possibilita assumir racionalmente a associação de ações contraditórias para conceber o imenso fenômeno complexo.
7. Princípio da reintrodução do conhecimento em todo conhecimento: opera a restauração do sujeito e torna presente a problemática cognitiva central: da percepção à teoria científica, todo conhecimento é uma reconstrução/tradução por um espírito/cérebro em uma cultura e em um tempo determinados.
De acordo com Camillo, Mello, Silva e Lima (2020, p. 16), “[...] o pensamento complexo, bem como sua capacidade de vislumbrar a ideia de conjunto ao unir pensamentos, pode favorecer a solidariedade, a ética e, portanto, promover a cidadania”.
Pensar a complexidade2 a partir dos parâmetros estabelecidos por Morin (2000) é perceber que a atuação do conhecimento acontece mediante a diversidade (lida com a incerteza e é capaz de conceber a organização) e está apta a reunir, contextualizar, globalizar e ao mesmo tempo reconhece o que é singular, individual e concreto (Morin, 2000, p. 213).
5 DISCUSSÕES E RESULTADOS
As bibliotecas precisam que seus processos, serviços e produtos sejam gerenciados de modo eficiente e eficaz, da mesma maneira que uma empresa, e a “[...] maioria das vezes, com fins não lucrativos, com resultados e avaliados constantemente” (Maciel; Mendonça, 2006, p. 7).
Como organizações, as bibliotecas possuem maior ou menor grau de complexidade em relação à sua estrutura física, seu acervo, sua diversidade de usuários e recursos humanos (Lemos, 2008, p. 112). Sendo assim, gerenciar uma unidade de informação requer o atendimento a dois aspectos básicos que, segundo Prado (2000, p. 3-4), são: o aspecto intelectual, que se relaciona à “[...] preocupação de servir a um público que pede conhecimento, podendo ser especializado ou não”; e o material voltado ao tratamento técnico do acervo/coleções, para que possa ser disponibilizado de modo a otimizar o acesso e a pesquisa eficientemente.
Na atualidade, as unidades de informação enfrentam o desafio de gerir uma enorme massa informacional que necessita ser organizada e gerenciada com o intuito de transformá-la em resposta útil para quem precisa. Logo, antever as demandas impõe um processo contínuo de aquisição, processamento, gerenciamento e disseminação da informação, pois essas unidades de informação constituem-se em fontes de produção de conhecimento (Walter; Eirão; Reis, 2010).
Santa Anna (2016) e Maciel e Mendonça (2006) afirmam que o bibliotecário precisa ter conhecimentos adicionais à formação, sendo necessárias competências gerenciais para complementar as grandes funções biblioteconômicas: formação e desenvolvimento de coleções, organização de coleções, dinamização de coleções e funções gerenciais. Todas essas funções são interdependentes e sofrem interferência de inúmeros fatores, principalmente das TIC.
Gerenciar unidades de informação é desafiador, porque os impactos das transformações sociais, culturais, científicas e tecnológicas agem diretamente nos modos de acesso, de mediação e de uso da informação. Além disso, eles influenciam significantemente fazeres, serviços e produtos a serem ofertados a públicos distintos (Valentim, 2008).
Nesse cenário diverso, a Gestão do Conhecimento (GC)3 é compreendida como oportunidade para o trabalho do bibliotecário, por apresentar novas possibilidades de atuação, em consequência exige novas competências e habilidades, principalmente as voltadas para a gestão do capital intelectual (Souto, 2014).
Para que a GC seja implementada, primeiramente é preciso a constituição de uma equipe multidisciplinar4, em que cada profissional atuará numa função específica (respeitando-se sua expertise), isso possibilitará autonomia aos membros da equipe que atuarão na unidade de informação (Valentim, 2004, p. 156-157).
Souza (2023), em sua pesquisa sobre rede de bibliotecas, apresenta as práticas de GC como um modelo de gestão que pode ser aplicado em unidades de informação, com vistas à integração da rede e dos profissionais, bem como a padronização dos procedimentos e o compartilhamento de experiências vivenciadas. O autor ressalta, também, a necessidade de se desenvolver o trabalho interdisciplinar, pois esses profissionais atuam em conjunto com profissionais de outros segmentos, como os da educação e da cultura.
O paradigma da complexidade proposta por Morin, “[...] rompe com várias posturas da modernidade, principalmente no que se refere à busca de certezas e de uma verdade absoluta” (Santos; Pelosi; Oliveira, 2012, p. 68).
A partir dos princípios definidos no âmbito da Teoria da Complexidade, pode-se analisar o fazer bibliotecário da seguinte maneira:
Princípio sistêmico ou organizacional: o conhecimento das partes é inter-relacionado ao todo. Na prática biblioteconômica, pode ser vislumbrado por meio de: catalogação coletiva; compartilhamento de ações específicas de gestão da informação; banco de ideias como maneira de otimizar ações futuras; gestão de pessoas que atuam em unidades de informação; conhecimento das competências e das habilidades de cada profissional que integra a equipe, de modo a gerenciar uma equipe interdisciplinar que atue eficientemente.
Princípio hologramático: Morin (2000) evidencia o paradoxo dos sistemas complexos em que não somente a parte está no todo, mas também o todo está inserido na parte. Trata-se de compreender que a unidade de informação faz parte do ecossistema da instituição no qual está inserida, atuando de maneira proativa e estabelecendo relações que visem atender à missão institucional para além de suas funções biblioteconômicas.
Princípio do círculo retroativo: Morin (2000) evidencia os processos autorreguladores, que promovem o equilíbrio dinâmico e regulam o sistema. Há a necessidade do mapeamento dos processos adotados na unidade de informação e para ela, bem como daqueles que se comunicam com o ecossistema institucional, a fim de ajudar na elaboração do planejamento estratégico da unidade de informação em consonância com o institucional. É uma maneira de otimizar os fazeres e os saberes.
Princípio do círculo recursivo: segundo Morin (2000), os indivíduos produzem a sociedade por meio de suas interações, promovendo a linguagem coletiva e cultura. No âmbito das unidades de informação, pode ser entendida também como a capacidade de auto-organização, por meio de ações que visem criar e promover a cultura de criação e disseminação da informação, a partir de ações individuais e coletivas dos membros que atuam na equipe da unidade de informação.
Princípio de auto-eco-organização (autonomia e dependência): a relação de interdependência nas unidades de informação pode ser vista por meio de certa autonomia que possuem em suas atividades voltadas à gestão da informação, em suas atividades biblioteconômicas, sem deixar de lado a influência do meio no qual estão inseridas. Influências políticas, sociais e culturais podem nortear diretrizes de atuação, a exemplo da formação e desenvolvimento de coleções, em que o bibliotecário não pode se isentar de selecionar itens de qualquer temática para o acervo, desde que estes atendam às demandas de seu público, de usuários e de sua própria missão e finalidade.
Princípio dialógico: Santos, Fernandes, Damian e Albuquerque (2018, p. 494) explicam que os elementos e as forças antagônicas podem ser associadas e complementares, na luta por um objetivo a ser alcançado, e que a ordem e a desordem não são excludentes, mas podem em conjunto e de modo interativo construir ou desconstruir determinado elemento ou situação. Nesse ponto, pode ser compreendido no cotidiano de uma equipe multidisciplinar o trabalho de vários profissionais (com distintas formações), que propõem soluções para determinado assunto ou problemática de maneira diferente. Logo cabe ao bibliotecário (gestor) mediar as informações e apresentar e justificar a opção mais adequada, para isso pode utilizar práticas de GC no intuito de evidenciar algo que ainda não foi ressaltado por parte da equipe.
Princípio da reintrodução do conhecimento em todo conhecimento: em relação a este princípio, evidencia-se a importância e a participação do sujeito cognoscente no processo de GC, pois é por meio da participação dos sujeitos que ocorre a troca de informação e conhecimento. Assim, promove-se a inovação necessária, seja ela de qualquer tipo (processos, serviços e/ou produtos).
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nesta pesquisa, buscou-se analisar os princípios da Teoria da Complexidade e da atuação do bibliotecário em seus afazeres informacionais mediante o desafio da gestão de unidades de informação no contexto contemporâneo. Para tanto, foi necessário evidenciar as práticas consideradas “clássicas” no âmbito da Biblioteconomia em detrimento das novas possibilidades de atuação, no que diz respeito à gestão de unidades de informação.
Foram analisadas as práticas bibliotecárias e os princípios da Teoria da Complexidade, a partir da missão e finalidade de bibliotecas e bibliotecário. Também avaliou-se como tais princípios podem contribuir para reavaliar as múltiplas possibilidades de atuação dos bibliotecários, independentemente dos tipos de unidades de informação em que atuam. Assim, o objetivo da pesquisa visou responder aos seguintes questionamentos: Como os princípios da Teoria da Complexidade podem ajudar a repensar a atuação bibliotecária na atualidade? De que maneira a gestão do conhecimento pode contribuir para esta nova realidade?
Constatou-se, a partir da revisão de literatura realizada, que o fazer bibliotecário, desde a criação das primeiras bibliotecas, está intrinsicamente relacionado à custódia, à preservação e ao registro para posterior disponibilização a determinado público. Pesquisas no âmbito da Ciência da Informação têm apresentado novas perspectivas de temáticas a serem estudadas, incluindo novos paradigmas e novos desafios aos profissionais da informação, entre eles o bibliotecário.
O fazer bibliotecário, em sua longa trajetória, tem mudado em detrimento ao contexto político, social, cultural, educacional e tecnológico no qual está inserindo. Esse profissional tem buscado adaptar-se constantemente para antever e atender a múltiplas demandas de um público diverso. Outro fator a ser considerado se refere à possibilidade de atuação do bibliotecário em unidades de informação não tradicionais, justamente porque são unidades de trabalho em que lhe é requerido formação distinta da formação tradicional (tecnicista), portando se exige formação complementar que possibilite obter novas competências e habilidades.
Entende-se que as bibliotecas são instituições complexas que possuem atividades definidas impactante pelo ecossistema institucional no qual estão inseridas, tendo assim a responsabilidade de coadunar sua missão com a da instituição. Algumas unidades de informação possuem equipes multidisciplinares, com profissionais de diversas formações, que atuam em prol do bom funcionamento da unidade de informação, mas que necessitam ser gerenciadas de maneira eficiente e eficaz. De igual modo, a atuação dos bibliotecários em tais instituições também é complexa, o que requere dele conhecimento e habilidades que transcendem o fazer biblioteconômico.
É por meio da GC que o profissional pode demonstrar sua potencialidade no que tange à gestão de uma equipe diversa; pois, além de gerir todos os processos voltados ao acervo ou à informação, ele também deve ser capaz de gerenciar o conhecimento tácito gerado, tanto individualmente quanto coletivamente.
A partir da análise da Teoria da Complexidade, principalmente pela crítica de Morin à Teoria Geral dos Sistemas, é possível repensar a dinâmica na qual a biblioteca está inserida no ecossistema institucional. Em todos os princípios que regem a Teoria da Complexidade, é possível vislumbrar a atuação bibliotecária, no intuito de rever suas ações e reavaliar os parâmetros de atuação da equipe, uma vez que se compreende que as práticas de GC podem ser inseridas no modelo de gestão das unidades de informação.
Sendo assim, acerca da relação entre a missão e a finalidade da biblioteca e do fazer bibliotecário com os princípios da Teoria da Complexidade, pode-se inferir que as unidades de informação possuem em suas equipes sujeitos organizacionais que criam e disseminam informação e conhecimento em acordo com as demandas e missões definidas mediante planejamento estratégico da unidade de informação.
O bibliotecário indiano Ranganathan (2009) afirma que a biblioteca é um organismo em crescimento, que pode e deve ser gerenciada de modo eficiente e eficaz, e que o fazer bibliotecário transcende aos limites físicos da instituição. Com base na afirmação do autor, observa-se nos princípios da Teoria da Complexidade uma oportunidade ímpar para questionar e revisar o fazer bibliotecário tradicional, a fim de adequar a realidade da unidade de informação a modelos contemporâneos de gestão como, por exemplo da GC.
Esta pesquisa exploratória requer aprofundamento, a partir de um estudo de caso, em que profissionais diversificados que atuem em unidades de informação possam ser entrevistados, para possibilitar o alinhamento concreto entre a GC e a Teoria da Complexidade, bem como evidenciar as competências requeridas para a atuação dos bibliotecários gestores de unidades de informação.
FINANCIAMENTO
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES)
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WALTER, Maria Tereza Machado Teles; EIRÃO, Tiago Gomes; REIS, Luciana Araújo. Regulamentos, orçamentos, etcétera: miniguia. Brasília, DF: Briquet de Lemos, 2010.
1
Edgar Morin é considerado um dos principais pensadores contemporâneos e um dos principais teóricos do campo de estudos da complexidade. Sua abordagem é conhecida como “pensamento complexo” ou “paradigma da complexidade”. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Edgar_Morin. Acesso em: 3 fev. 2024.
2
O pensamento complexo não se reduz nem à ciência, nem à filosofia, mas permite sua comunicação [...] o modo complexo de pensar não tem somente a sua utilidade para os problemas organizacionais, sociais e políticos [...] afronta a incerteza e pode esclarecer as estratégias do nosso mundo incerto (Morin, 2000, p. 213).
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A gestão do conhecimento trabalha no âmbito do conhecimento tácito (fluxos informais), ou seja, são informações e conhecimento gerados pelas pessoas, e que não estão consolidados em algum tipo de veículo de comunicação. Os fluxos informais são compostos por informações e conhecimento não estruturados, ou seja, aqueles gerados pelos setores da organização, porém sem seleção, tratamento e acesso (Valentim, 2002, p. 4, 8).
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O comprometimento de cada membro da equipe somente será real à medida que as habilidades e competências forem de fato complementares e inter-relacionadas, bem como necessárias às tarefas e ações solicitadas à equipe (Valentim, 2004, p. 158