THE ANALYTICAL CATEGORY GENDER AND FEMINIST MOVEMENTS: DIALOGUES IN INFORMATION SCIENCE
A CATEGORIA ANALÍTICA GÊNERO E OS MOVIMENTOS FEMINISTAS: DIÁLOGOS NA CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO
Gisele Rocha Cortes
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6843-4938
Doutora em Sociologia pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp), Brasil. Professora Associada do Departamento de Ciência da Informação da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Brasil. Professora do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação (PPGCI) da UFPB, Brasil.
E-mail: giselerochacortes@gmail.com
RESUMO: Este artigo objetiva colaborar para a tematização da categoria analítica “gênero” na área da Ciência da Informação (CI), focando na origem do conceito gênero e sua imbricação com os movimentos feministas, por meio de uma recuperação de sua origem no âmbito das Ciência Humanas e Sociais. Quanto ao procedimento metodológico, trata-se de uma pesquisa básica, de caráter exploratório-descritivo, com delineamento bibliográfico. A revisão de literatura foi dinamizada com a escolha de estudos que versam sobre a categoria “gênero” e sua origem, considerando a interface com a ação dos movimentos feministas. Para localizar os artigos que abordam a temática gênero na CI, utilizou-se a Base de Dados em Ciência da Informação (BRAPCI). Constata-se que ampliar o escopo de diálogos da categoria gênero na CI, Arquivologia e Biblioteconomia potenciará o aprofundamento das ações de organização, gestão, preservação, disseminação da informação para o acesso, circulação, apropriação e produção de conhecimentos na direção de uma cultura dos direitos humanos.
PALAVRAS-CHAVE: gênero; feminismos; informação; ciência da informação; mulheres.
ABSTRACT: This article aims to contribute to the thematization of the analytical category “gender” within the field of Information Science (IS), focusing on the origin of the gender concept and its intersection with feminist movements, through a recovery of its origins within the realm of Humanities and Social Sciences. Methodologically, it employs a basic research approach, characterized as exploratory-descriptive, utilizing a bibliographic design. The literature review was enhanced by selecting studies that discuss the gender category and its origins, considering its interface with feminist movements. To locate articles addressing gender themes in IS, the Information Science Database (BRAPCI) was utilized. It is evident that broadening the scope of dialogues on the gender category in IS, Archival Science, and Librarianship will enhance efforts related to organization, management, preservation, dissemination of information for access, circulation, appropriation, and production of knowledge, towards fostering a culture of human rights.
Keywords: gender; feminisms; information. information science; women.
1 INTRODUÇÃO
A opressão e os discursos de poder legitimadores das desigualdades de gênero produzem e sustentam, em diferentes sociedades e contextos históricos, tratamentos diferenciados e hierárquicos às mulheres, cisgênero e transgênero. No contexto brasileiro, as desigualdades e discriminações têm gerado exclusão e dificuldade para as mulheres acessarem recursos, direitos e oportunidades.
No âmbito científico, a misoginia e o machismo enraizados socialmente impactam a progressão das mulheres. Dentre as 1,4 mil bolsas disponibilizadas pelo Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq), no nível mais alto, o 1A, apenas 385 das vagas são ocupadas por pesquisadoras. Esse número diminui significativamente ao se tratar especificamente da posição das pesquisadoras negras. Entre as bolsistas de doutorado-sanduíche do CNPq, somente 4,9% são mulheres negras, não havendo qualquer indígena ou cigana. A desigualdade salarial constitui outro vetor que explicita as disparidades de gênero no Brasil. Conforme o 1º Relatório de Igualdade Salarial do Ministério do Trabalho e Emprego (Brasil, 2023), divulgado em 2024, as mulheres, apesar de terem mais escolaridade, ganham 19,4% a menos do que os homens, sendo que a desigualdade pode ser maior, dependendo do grupo ocupacional. (Brasil, 2024). Ao se agregar os marcadores sociais de gênero e raça, as desigualdades são potencializadas. O Brasil se configura como o país que mais mata pessoas trans no mundo, no décimo quarto ano seguido, conforme relatório divulgado pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais, sendo a maioria dessas pessoas negras.
Nesse breve contexto, explicita-se que as desigualdades impactam a vida das mulheres, cisgênero e transgênero, situadas em diferentes marcadores sociais, tais como gênero, raça/etnia, identidade de gênero, orientação sexual, classe social, idade, regionalidade, deficiência, dentre outros. As dinâmicas políticas, econômicas, culturais e sociais diferenciam as formas de dominação masculina ao longo do tempo, sendo necessário um enfoque analítico sobre as desigualdades de gênero descolada de leituras universalizantes sobre a operacionalização e vivência das opressões. “Embora os significados possam variar de uma cultura para outra, qualquer sistema de sexo-gênero está sempre interligado a fatores políticos e econômicos em cada sociedade” (Laurentis, 1994, p. 211). Assim, a dominação masculina, em suas várias modalidades, institucionais, políticas e simbólicas, é estrutural e se alicerça em conteúdos e discursos hierarquicamente diferenciadores no tocante às normas de gênero, pelas quais a categoria social homem possui direitos e privilégios sobre a categoria social mulheres (Saffiotti, 1992).
Tais processos decorrem de um intenso e duradouro processo de socialização e sociabilidades, moldadas pelas relações de poder, no âmbito de contextos sociais racistas, capitalistas e cisheteropatriarcais1 (Crenshaw, 2002; Akotirene, 2019).
Nesse cenário, problematiza-se o quanto é imprescindível tematizar e informar sobre o conceito “gênero”, enfocando sua origem e a sua imbricação com a práxis dos movimentos feministas para o enfrentamento das violências e discriminações contra as mulheres, persistentes em distintos espaços sociais. Desnaturalizar os “papéis” socialmente impostos às mulheres e aos homens implica assumir um compromisso com a redução de relações violentas entre os gêneros e com um processo de socialização para as novas e antigas gerações de mulheres e homens, pautado no respeito, na justiça social e na equidade de gênero. Considera-se que o compromisso de transformar e ressignificar esquemas hegemônicos de gênero envolve mulheres e homens, instituições sociais e áreas do conhecimento em uma perspectiva interdisciplinar e integrada, uma vez que implicam em mudança de mentalidades, de representações internalizadas nas estruturas subjetivas e objetivas. Pautar a origem do conceito “gênero” e sua utilização como categoria histórica e analítica (Scott, 1990) significa também se posicionar no sentido de enfrentar a desinformação.
Segundo Ana Brisola e Arthur Bezerra (2018, p. 3319), a desinformação implica em informação descontextualizada, fragmentada, manipulada, anulada de sua historicidade e tendenciosa, ocultando a realidade. “A desinformação não é necessariamente falsa; muitas vezes, trata-se de distorções ou partes da verdade”. Na sociedade brasileira, nos últimos anos, a desinformação perpassou, de forma intensa, as discussões sobre gênero, por meio do conceito “ideologia de gênero”. Rogério Junqueira (2017) enuncia que:
Depreciando os estudos científicos e acadêmicos, funciona como um slogan catalisador de manifestações contrárias a políticas sociais, reformas jurídicas e ações pedagógicas de promoção dos direitos sexuais e punição de suas violações, de enfrentamento de preconceitos, prevenção de violências e combate a discriminações (hetero) sexistas (Junqueira, 2017, p. 48).
A Ciência da Informação (CI), desde sua origem, caracteriza-se como uma área do conhecimento perpassado pela perspectiva da responsabilidade social e pelo delineamento de pesquisas pautadas no enfrentamento das desigualdades sociais sob a ótica informacional. Enquanto campo de conhecimento que empreende estudos sobre os processos de produção, coleta, organização, recuperação, interpretação, representação e disseminação da informação (Capurro; Hjorland, 2007), a compreensão das dinâmicas de gênero e as análises de seu impacto na disseminação da informação são fundamentais para a construção de uma sociedade mais inclusiva e igualitária (Pinto; Araújo, 2022).
Postula-se que a interface dos estudos de gênero com o fenômeno informacional é imprescindível para o enfrentamento da discriminação e promoção da igualdade de gênero. Assim, este artigo apresenta como objetivo colaborar para a tematização da categoria analítica “gênero” na área da Ciência da Informação (CI), focando na origem do conceito “gênero” e sua imbricação com os movimentos feministas, por meio de uma recuperação de sua origem no âmbito das Ciências Humanas e Sociais. Justifica-se a escrita do presente artigo e sua argumentação pelo fato de que, apesar do avanço das pesquisas sobre gênero na CI e nas subáreas Arquivologia e Biblioteconomia, em especial desde 2010 (Luciano et al., 2022), há carência de discussões com o recorte deste texto, o qual se propõe a elucidar a origem do conceito “gênero” em sua imbricação com os movimentos feministas para contribuir na interface com a informação. Soma-se a tal constatação o fato de que a CI, com suas diversas vertentes de pesquisa, poderá colaborar para o processo de desenvolvimento e de fortalecimento de novos conhecimentos e práticas pautadas na equidade de gênero nas agendas de pesquisa e nas intervenções na realidade, empreendidas por pesquisadores/as, docentes, discentes e profissionais do campo da Arquivologia, Biblioteconomia e Ciência da Informação.
Quanto ao procedimento metodológico, trata-se de uma pesquisa básica, de caráter exploratório-descritivo, com delineamento bibliográfico. A revisão de literatura foi delineada com a escolha de estudos que versam sobre a categoria “gênero” e sua origem, considerando a interface com os movimentos feministas. Para localizar os artigos que abordam a temática gênero, utilizou-se a Base de Dados em Ciência da Informação (BRAPCI), no recorte temporal de 1962 até 2024. O levantamento foi realizado com base nos descritores “gênero” e “feminismo” articulados, em revistas brasileiras e estrangeiras, Indexadas na BRAPCI, além de livros, capítulos e eventos na base, envolvendo título, resumo, palavras-chave e autoria. Foram recuperadas 40 produções no total, sendo 2 repetidas. Foram selecionadas, dentre as 38 pesquisas, especialmente aquelas com foco no mapeamento da produção científica sobre mulheres, gênero e feminismo no âmbito da Ciência da Informação, totalizando 8 pesquisas. Com base nesses estudos e demais literaturas delineadas na CI e no âmbito das Ciência Humanas e Sociais, apresenta-se a tematização da categoria analítica “gênero” e feminismo, com vistas a contribuir para a sua interface com a Ciência da Informação (CI).2
A pesquisadora Luciane Beckman (2022) aponta que o acesso e a apropriação da informação podem favorecer a compreensão da estruturação da ordem simbólica na construção das discriminações e violências contra as mulheres, bem como fornecer elementos que possibilitem o fomento a ações culturais e informativas de natureza variada voltadas ao exercício da cidadania das mulheres.
Este artigo está organizado em cinco seções, incluindo esta introdução. A seção dois aborda a origem do conceito de gênero e sua interligação crucial com os movimentos feministas, que desempenharam um papel central na problematização das relações de poder e da violação dos direitos humanos das mulheres. A seção três explora as definições históricas e analíticas de gênero, destacando como as construções de gênero são moldadas pelos contextos sociais, econômicos, culturais, políticos e informacionais de cada sociedade. Além disso, destaca-se a importância de incorporar o gênero dentro de um quadro analítico que também considere marcadores sociais como classe social, raça, deficiências, identidade de gênero, entre outros. Na seção quatro, são discutidas as interfaces entre o conceito de gênero e a Ciência da Informação, enfocando a relevância de pesquisas e práticas desenvolvidas por profissionais da informação para promover relações de gênero simétricas/igualitárias. Por fim, apresentam-se as considerações na seção cinco.
2 A CATEGORIA ANALÍTICA GÊNERO: INDISSOCIÁVEL IMBRICAÇÃO COM OS MOVIMENTOS FEMINISTAS
Conforme Berenice Bento, em entrevista a Diego Dias (2014), o gênero é um elemento que serve de alicerce para a política do Estado, no ocidente. O Estado moderno fornece centralidade à noção de gênero no delineamento de suas políticas quando os assuntos relacionados às populações são abordados em torno das concepções do masculino/homem e feminino/mulher, geralmente em uma perspectiva binária, linear e reducionista.
Quando falamos sobre as relações de poder, quando sugerimos que gênero não deve ser um assunto da medicina, quando defendemos o radical direito à autodeterminação de gênero, estamos buscando libertar o gênero do biopoder. Gênero é hoje um assunto de Estado. Ao produzir as identidades de homem e mulher com base na biologia, estamos produzindo identidades de gênero a partir de um processo extremamente violento, está vinculado à produção de identidades sexuais. A produção do sujeito no mundo segue um protocolo de gênero e de sexualidade (Dias, 2014, p. 486).
As problematizações relativas à constituição das relações de poder e às violações dos direitos humanos das mulheres, ao longo da história, foram (têm sido) protagonizadas pelos movimentos feministas. Em distintas vertentes, estudos acadêmicos, práxis políticas e as agendas de lutas feministas denunciaram as diferentes expressões da violência de gênero, as quais, em seu ápice, culminam nos indignantes casos de feminicídio3, em que as mulheres são mortas pelo fato de serem mulheres.
Traçar a história dos movimentos feministas no Brasil, em diferentes contextos políticos e sócio-históricos, enunciando as distintas correntes teóricas e abordagens feministas (feminismo da igualdade, feminismo da diferença, feminismo pós-estruturalista, feminismo socialista, feminismo marxista, feminismo decolonial, dentre outros)4, além das influências dos contextos políticos internacionais, não é possível no escopo deste trabalho. Há consenso de que, respeitando as variações epistemológicas e político-ideológicas, além de diferentes formas de atuação, os movimentos feministas se opuseram e se opõem à conversão das diferenças em desigualdades, pautando a luta das mulheres como sujeito de direitos. Com o intuito de visibilizar a importância das ações políticas e sociais dos movimentos feministas na origem do conceito de gênero, realiza-se, de forma breve, uma incursão sobre as histórias de resistência desse movimento social no Brasil, desde a década de 1970. Conforme Ludmilla Cardoso et al. (2023, p. 14), “É preciso engajar cada vez mais pessoas nas lutas feministas, conscientizando-as sobre a importância de se defender os direitos e a dignidade das mulheres”.
No Brasil, os movimentos feministas se constituíram como protagonistas na desnaturalização das desigualdades de gênero. Na década de 1960 e 1970, a organização do movimento feminista e sua progressiva visibilidade, conforme Heloisa de Hollanda (2019), ocorreu durante o período do regime de exceção política que se seguiu ao golpe militar de 1964.
Nessa dinâmica, as ações dos movimentos estavam articuladas ao Partido Comunista e à Igreja Católica progressista, instituição importante enquanto opositora ao regime militar. No que tange ao feminismo acadêmico, destaca-se a produção de Heleieth Saffioti, que defendeu sua tese A Mulher na Sociedade de Classes: mito e realidade, na Universidade Estadual Paulista, em 1967, abordando a interface entre feminismo, marxismo e a opressão do sistema capitalista. “Nunca é demais lembrar que, em 1967, o objeto de pesquisa ‘mulher’, por si só, ainda não se constituía como questão legitima para uma tese acadêmica” (Hollanda, 2019, p. 13). Conforme Gisele Côrtes e Aurekelly Silva (2023), nas décadas de 1960 e 1970, no Brasil, o feminismo, por meio de estratégias diversas – como grupos de reflexão, mobilizações de rua, campanhas educativas, produção de textos, ocupação dos meios de comunicação, formação de núcleos de pesquisa nas universidades e produção de conhecimentos relacionados aos direitos das mulheres – explicitou e denunciou o caráter político do espaço privado, visibilizando o slogan “o pessoal é político”. Nessa linha, forneceu centralidade a assuntos considerados de menor relevância, tais como sexualidade, direitos reprodutivos, violência doméstica, divisão sexual do trabalho, direito ao próprio corpo, ao divórcio, entre outras pautas.
No Brasil, as práticas de resistência dos movimentos feministas foram fortalecidas com a iniciativa da Organização das Nações Unidas (ONU) de instituir 1975 como o Ano Internacional da Mulher, assim como com a construção participativa e a promulgação da Constituição Federal de 1988. Maria Amelia Teles (1993) aponta que, nesse período, as mulheres estavam organizadas em bairros populares, nas fábricas, nas periferias, em universidades e centros de pesquisa que desenvolviam estudos atinentes à situação social das mulheres sob a perspectiva feminista. Segundo Matilde Ribeiro (2008) e Mirian Aquino (2010), as resistências e organizações de mulheres negras5, desde a escravização no Brasil, mobilizaram mecanismos de resistências em prol da abolição, melhoria das desumanas condições de trabalho, enfrentamento às violências dos patrões e o enfrentamento do racismo.6 Nos finais dos anos 1960 e início dos anos 1970, no cenário de ditadura militar, houve refluxo das ações do movimento negro e feminista, por conta de repressão, perseguições e estigmatizações. No final dos anos 1970, com a ascensão dos movimentos populares (sindical, estudantil), houve uma reorganização política. Ativistas assumiram como núcleo a luta pela democracia, a extinção das desigualdades sociais e a construção de políticas públicas. É imprescindível salientar o protagonismo social das feministas negras na dinâmica de lutas pela democracia, igualdade de direitos, desnaturalização dos preconceitos de raça e gênero e representatividade política e social das mulheres negras na sociedade brasileira. Ressalta-se o Manifesto das Mulheres Negras no Congresso das Mulheres Brasileiras, realizado em 1975,que apontou como a vida das mulheres negras na família, no trabalho e na economia era moldada por raça, gênero e sexualidade. Houve ainda o I Encontro Nacional de Mulheres Negras (ENMN), realizado na cidade de Valença, no Rio de Janeiro (Collins; Bilge, 2021).
Corrobora-se com as seguintes premissas de Nilma Lino Gomes (2017, p. 24) sobre o movimento negro:
Entende-se como movimento negro as mais diversas formas de organização e articulação das negras e dos negros politicamente posicionados na luta contra o racismo e que visam à superação desse perverso fenômeno na sociedade. Participam dessa definição os grupos políticos, acadêmicos, culturais, religiosos e artísticos com o objetivo explícito de superação do racismo e da discriminação racial, de valorização e afirmação, da história e da cultura negras no Brasil, de rompimento das barreiras racistas impostas aos negros e às negras na ocupação dos diferentes espaços e lugares na sociedade.
Em uma pesquisa intitulada Feminismo Negro Brasileiro: um estudo do movimento de mulheres negras no Rio de Janeiro e São Paulo, no período de 1985 a 1995, a autora Nubia Moreira (2007) destaca a organização do feminismo negro por meio da criação de organizações institucionalizadas, associações e entidades autônomas, assim como nos diálogos, interações e tensões estabelecidos com o movimento negro e o movimento feminista. Ela enuncia que o movimento de mulheres negras foi “[...] também o espaço de tensão acerca das especificidades das mulheres negras provenientes da urgência das demandas étnico-racial e de gênero” (Moreira, 2007, p. 57). A invisibilidade e a marginalização da categoria raça/etnia nas plataformas de luta do movimento feminista, com a centralidade nos debates de gênero e classe social, constituíram (constituem) um dos pilares de contestação do feminismo negro brasileiro e decolonial, em diversos países. Lélia Gonzalez (1984) assinala que as intelectuais e ativistas tenderam a reproduzir as práticas do feminismo norte-americano e europeu ao secundarizar, muitas vezes, as especificidades das vivências dos patriarcalismos por parte das mulheres negras, indígenas e de países colonizados.
Sueli Carneiro (2003) defende que a dimensão racial seja introduzida como elemento estruturante das desigualdades na agenda do movimento feminista hegemônico (branco, de classe média e intelectualizado), o qual, por um período significativo, foi prisioneiro da concepção eurocêntrica e universalizante das mulheres. Assim, postula-se que o compromisso com a defesa da cidadania, no interior do movimento feminista brasileiro, envolve “enegrecer o feminismo”: “[...] afirmamos e visibilizamos uma perspectiva feminista negra que emerge da condição específica do ser mulher, negra e, em geral, pobre, delineamos, por fim, o papel que essa perspectiva tem na luta anti-racista no Brasil” (Carneiro, 2003, p. 118).
Conforme Cláudia Cardoso (2012), a sobreposição de gênero, em prejuízo de outros marcadores sociais nos Estados Unidos e em outros países, foi problematizada, desde a década de 1970, por feministas negras, latinas, mestiças, indígenas e lésbicas, desembocando nas concepções pós-coloniais. Como exemplos, citam-se os escritos de Gloria Anzaldúa (2000), bell hooks (1995), Patricia Hill Collins (2021), Jurema Werneck (2016), Carla Akotirene (2018), Djamila Ribeiro (2016), Maria Aparecida Moura (2021), entre outras. As ativistas e teóricas negras ampliaram a visão sobre o conceito “gênero” para pensar as dinâmicas das relações de poder nas sociedades e a situação social das mulheres sem o reducionismo universalizante de um modelo único de mulher, assentado nas mulheres brancas, ocidentais, heterossexuais, pertencentes às classes favorecidas economicamente. Assim, elaborou-se a teoria e a prática interseccional por teóricas e ativistas feministas negras entre as décadas de 1960 a 1980, com destaque para o protagonismo do Feminismo Negro (Black Feminism), um movimento social composto por mulheres negras que atuaram contra o silenciamento de suas reivindicações, questionando e evidenciando a postura do movimento feminista hegemônico no sentido de universalizar as experiências das mulheres (Côrtes; Silva, 2023).
As feministas negras explicitaram a necessidade de reflexão sobre as mulheres em sua diversidade, tendo como aporte a imbricação de outras categorias de discriminação, em decorrência da classe social, raça, etnicidade, deficiência, orientação sexual, regionalidade, dentre outras (Crenshaw, 2002). Nessa direção, Bell Hooks (1995) afirma que é fundamental a análise do racismo e sua função na sociedade capitalista para uma análise das relações de classe, tendo em vista que o pertencimento de raça e classe produz diferenças no status social, nas condições de vida e nas experiências das mulheres. Essas problematizações foram fundamentais para delinear o conceito de interseccionalidade, que foi sistematizado7 pela jurista afro-americana Kimberlé Crenshaw, por meio de sua tese de doutorado8, defendida em 1989. A pesquisadora analisou como as discriminações de raça e gênero operam juntas e limitam as oportunidades das mulheres negras na sociedade. Segundo Kimberlé Crenshaw (2002, p. 177):
A interseccionalidade é uma conceituação do problema que busca capturar as consequências estruturais e dinâmicas da interação entre dois ou mais eixos da subordinação. Ela trata especificamente da forma pela qual o racismo, o patriarcalismo, a opressão de classe e outros sistemas discriminatórios criam desigualdades básicas que estruturam as posições relativas de mulheres, raças, etnias, classes e outras.
Tendo em vista o escopo e os objetivos deste artigo, não será aprofundada a discussão sobre interseccionalidade. Contudo, na breve apresentação das dinâmicas discutidas, observa-se que a atuação de profissionais da informação, sob o prisma da interseccionalidade, pode ser mais um elemento utilizado para potencializar práticas e produções teóricas com base no reconhecimento da sobreposição de opressões. A intersecção dos marcadores sociais de raça, gênero, classe social, sexualidade, regionalidade, deficiência e faixa etária impactam as identidades, as experiências, o acesso e a apropriação da informação, tanto das/os profissionais quanto das pessoas usuárias nos dispositivos informacionais (Côrtes; Silva, 2023).
3 CATEGORIA ANALÍTICA E HISTÓRICA GÊNERO: ORIGEM E DEFINIÇÕES
O termo “gênero” surgiu nas ciências humanas durante um período de formulações epistemológicas, transformações políticas, econômicas e culturais, em que novas vozes entram em cena e ressoam na produção de conhecimento entre os/as pesquisadores/as das Ciências Sociais, em fins do Século XX. A reformulação de modelos científicos, em especial baseados no modelo cartesiano e positivista de ciência, com seus ideários androcêntricos e funcionalistas na produção do conhecimento, propiciaram a construção do “campo de estudos sobre ‘mulheres’ – como eram denominados, nesse período, os estudos de gênero [...] é possível dizer que foi daí que o campo de investigação científica sobre as mulheres se ampliou, evidenciando forte relação do movimento social com movimentos feministas” (Scavone, 2008, p. 3).
No que se refere aos chamados “estudos sobre mulher”, os quais objetivavam lançar luz às experiências e aos registros da história das mulheres, em uma perspectiva empírico-descritiva, verificou-se, na década de 1970, a sua substituição pelo termo “gênero”, com análises alicerçadas em perspectivas relacionais da construção do feminino e do masculino. Nessa perspectiva relacional e histórica, as pesquisas abrangeram os homens como categoria empírica a ser analisada, emergindo compreensões que contemplaram a estrutura social mais do que aos indivíduos e seus “papéis” (Heilborn; Sorj,1999).
Para a definição do conceito “gênero”, inicia-se com as premissas da pesquisadora Heleieth Saffioti (1992), apontando que a desigualdade, longe de ser natural, é disseminada pela tradição, pelas estruturas de poder e pelos sujeitos envolvidos na trama de relações sociais. Nas relações entre mulheres e homens, a desigualdade de gênero não é dada antecipadamente, não decorre de um substrato biológico, mas se articula com a produção de significados, padrões e normas culturais, representações construídas socialmente em diferentes contextos e períodos históricos. A origem do conceito e sua diferenciação do conceito de sexo, conforme Heleieth Saffioti (1992), surgiu no campo médico, com Robert Stoller, no estudo Sex and gender: the development of masculinity and femininity. Em pesquisas com pessoas intersexuais e transgêneros, ele indicou que o sentimento de ser mulher ou homem é mais importante do que as características biológicas. É importante destacar que, em tal estudo, não se colocou em debate as relações de poder e as desigualdades de gênero. Na seara das discussões sobre a origem do conceito, com seu caráter sociocultural focado nas desigualdades de poder entre mulheres e homens, destaca-se Simone Beauvoir. Embora não tenha sido a formuladora do conceito de gênero, apresentou seus princípios na frase “ninguém nasce mulher, mas se torna mulher”, no livro O segundo sexo, com a primeira publicação em 1949. Lucila Scavone (2008) assinala que Simone Beauvoir refutou o determinismo biológico ou ordem divina e resgatou o prisma hegeliano: “ser é tornar-se, é ter sido feito tal como nós nos mostramos” (p. 175).
A categoria analítica “gênero” emerge em uma dinâmica de compreensão, das teorias feministas, de que são as relações sociais, respeitando-se distintos contextos históricos e espaciais, que produzem discriminações e desigualdades, com severos prejuízos às mulheres.
Conforme Danubia Fernandes (2016), ao longo de séculos, as práticas discursivas, assentadas no que concebemos atualmente como “verdades filosóficas e científicas universais” estruturaram as diferenças entre os sexos. As mulheres foram associadas ao corpo, ao emocional, à natureza e entendidas como uma produção do homem, ou seja, imperfeitas e incompletas. Se o homem representa a essência da humanidade e da potencialidade cognitiva, a mulher representa o ser inferior, conectada ao Eros, destinado às posições marginalizadas na sociedade, segundo a autora. Nessa dinâmica, as mulheres negras, em decorrência do racismo, são representadas como mais próximas da natureza, sendo concebidas no imaginário social como seres de menor valor social.
O conceito “gênero” explicita que as discriminações, a exclusão e a situação de desigualdade vivenciada pelas mulheres em diversos âmbitos, não são provenientes de uma essência feminina inferior, menos propensa ao desempenho de algumas funções. A categoria analítica é histórica, porque revela que as engrenagens de gênero se diferenciam conforme contextos sociais, econômicos, culturais, políticos e informacionais de cada sociedade. Não há linearidade e fixidez na forma como os condicionamentos de gênero operam nas identidades e como as problemáticas de trabalho, educação, família, maternidade, paternidade, divisão sexual do trabalho, enfim, como as interações e relações sociais são consubstancializadas pelas lentes de gênero em distintos cenários.
A pesquisadora Oyèrónkẹ’ Oyěwùmí, mediante a perspectiva analítica decolonial, problematiza que o racismo estrutural do sistema global, em que a Europa é tomada como modelo de conhecimento, ressoou na concepção ocidental de gênero. A autora corrobora com as concepções de que gênero constitui uma construção sociocultural. Entretanto, ela faz críticas a estudiosas feministas que empregam gênero e a categoria mulher como modelos explicativos universalizantes para a compreensão das discriminações e opressões das mulheres em todo o mundo.
O fato de que as categorias de gênero ocidentais são apresentadas como inerentes à natureza (dos corpos), e operam numa dualidade dicotômica, bináriamente oposta entre masculino/feminino, homem/mulher, em que o macho é presumido como superior e, portanto, categoria definidora, é particularmente alienígena a muitas culturas africanas. Quando realidades africanas são interpretadas com base nessas alegações ocidentais, o que encontramos são distorções, mistificações linguísticas e muitas vezes uma total falta de compreensão, devido à incomensurabilidade das categorias e instituições sociais (Oyěwùm, 2020, p. 93).
A pesquisadora Ana Maria Felipe (2009) corrobora com a necessidade de pautarmos as pesquisas sobre as mulheres negras subvertendo a lógica ocidental, propondo uma concepção contra-hegemônica de gênero com abordagem racial. Dessa forma, é possível visibilizar as mulheres negras como mulheres de poder, “[...] desde a África, como sendo aquelas que constituem culturas e valores que vão permanecer no fluir da realidade histórica do ser humano, naquilo que é mais significativo (Felipe, 2009, p. 16)9.
Nessa direção, Natália Cardona (2020) aponta a abordagem intercultural da Ciência da Informação, da Arquivologia e da Biblioteconomia, de modo a utilizar a informação para descolonizar o conhecimento pela promoção, apropriação e produção de saberes que não sejam exclusivamente brancos, europeus, anglo-saxônicos, masculinos e científicos. A autora propõe um quadro analítico que se baseie em estudos culturais e epistemologias do Sul, garantindo a produção e disseminação da informação com o reconhecimento de saberes locais, situados, contextualizados e em sintonia com a história e a memória latino-americana das mulheres, pessoas negras, de povos originários, LGBTQIA+ e demais grupos marginalizados.
A historiadora Joan Scott (1990) é uma referência basilar na conceituação de gênero. Seu artigo Gênero: uma categoria útil de análise histórica, publicado originalmente em 1986, nos Estados Unidos, apresenta a perspectiva histórica e relacional de gênero, cuja construção está envolta em relações de poder. Ela concebe gênero como elemento constitutivo de relações sociais fundadas sobre as diferenças percebidas entre os sexos, e como uma forma de fornecer sentido às relações de poder. Em sua acepção epistemológica, a construção das relações de gênero engloba quatro elementos interdependentes: 1. Os símbolos culturalmente disponíveis que evocam as representações simbólicas geralmente contraditórias e binárias (mulher ligada à emoção e homem à razão); 2. Os padrões normativos, presentes em diversas instituições sociais, que instauram as interpretações dos sentidos referentes ao masculino e ao feminino, na perspectiva binária. As representações, em geral, são naturalizadas e reproduzem sentidos, códigos, significados envoltos em relações de poder, com prejuízos às mulheres, como visto nos dados iniciais do presente artigo; 3. O gênero é constituído pelo parentesco, mas não se restringe a ele, pois é construído e perpassa diversos domínios sociais – a economia, a organização política, os dispositivos e regimes de informação; 4. A influência das relações, das organizações, das representações sociais historicamente situadas na construção da identidade subjetiva é outro elemento importante (Scott, 1990).
Assim, verifica-se que a noção de gênero, na acepção de Joan Scott, comporta reflexões e compreensões que nos possibilitam desnaturalizar a produção de sentidos construídos sobre as diferenças percebidas entre os sexos, por meio de intensos e duradouros processos de socialização. Tais dinâmicas têm como base a estrutura cisheteropatriarcal da sociedade ocidental, que dinamiza a subordinação das mulheres em várias esferas: na participação da vida pública, na culpabilização das mulheres ao exercer a sexualidade livremente, no afastamento do universo tecnológico e digital, e na maior dificuldade financeira para acessar as tecnologias de comunicação e informação, entre outras (Oliveira; Côrtes, 2021; Viana; Lima; Soares, 2022). As interpretações delineadas pela organização social sobre as distinções percebidas entre os sexos, nas esferas micro e macrossocial, devem ser analisadas sob o prisma sócio-histórico, relacional, permeado por relações de poder, as quais, sendo construídas, podem ser transformadas. É importante destacar que, na perspectiva relacional e sociocultural, a categoria “gênero” implica a compreensão das relações estabelecidas em diferentes contextos. Gênero não implica unicamente estudos e pesquisas sobre mulheres, mas sim análises relacionais e históricas que envolvem as relações entre mulheres, entre homens e entre mulheres e homens. Não há sujeitos fora das normas de gênero, de acordo com Heleieth Saffioti (1992, 2001).
A autora enuncia que a violência de gênero, estruturada na ordem patriarcal, configura uma estratégia de exploração – dominação da categoria social homens. Nesse sentido, o inimigo da mulher não é o homem, mas a organização social de gênero, que conforma mulheres e homens para relações assimétricas, desiguais. As prescrições e práticas sociais de modelos de masculinidades tradicionais e viris, assentadas na supremacia masculina, conformam socializações, normatizadas pelo androcentrismo, em que os homens são encorajados à violência e a naturalização da agressividade, tendo como base a força física, a potência sexual, o controle e o domínio das mulheres, expressos pela violência simbólica e não simbólica, conforme Daniel Souza (٢٠٢٢, p. ١٨-١٩).
Com o advento dos estudos sobre gênero e dos movimentos feministas, as masculinidades passaram a ser vistas em alguns campos das ciências não mais em um olhar essencialista, o que possibilitou novos olhares e questionamentos sobre questões de gênero, representando uma possibilidade para os homens diferenciarem- se do padrão de masculinidade socialmente estabelecido para eles.
Assim, o conceito “gênero” explicita diferentes modelos de feminilidades e masculinidades, descontruindo visões essencialistas e binárias em que os homens, por exemplo, são diminuídos por sentir e expressar suas emoções. Em análise sobre a produção de significados de gênero, Judith Butler (2003) enuncia que o gênero envolve os aparatos de produção mediante os quais os próprios sexos são estabelecidos. Assim, a autora traz para o debate a ideia da performatividade, ou seja, a repetição de gestos, atos, signos culturais do contexto cultural que produzem masculinidades e feminilidades, em geral, de forma binária e dualista, a exemplo da heterossexualidade obrigatória, que impõe a coerência entre sexo, gênero, prática sexual e desejo obrigatoriamente heterossexuais.
[...] entendida como um regime de sexualidade que norteia a vivência da sexualidade e as definições de gênero, como matriz de dominação, e que produz subjetividades, extrapolando a idéia de [...] orientação sexual. Nesta perspectiva, a heterossexualidade é uma ferramenta política e social, cuja função é subordinar as mulheres aos homens pode distribuir de maneira desigual o poder entre homens e mulheres (Wittig, ٢٠٠٦, p. ٣٣).
Tereza de Laurentis (1994) afirma que esse modelo de sociabilidade, produz-se, por meio de diferentes tecnologias sociais. Assim, disseminam-se atributos para a identificação de gênero binários e hierárquicos (homem – razão x mulher – emoção, homem – espaço público x mulher – âmbito privado, homem – agressividade x mulher – docilidade, homem afeito à área de exatas e tecnológica x mulher à área de humanas, entre outras representações que engessam as expressões, as oportunidades e potencialidades de mulheres e homens). A autora informa que a categoria gênero permite desconstruir a ideia de fixidez, ressaltando que os processos de construção de gêneros são múltiplos, fluidos, instáveis, discursivos, consistindo em efeitos produzidos em diferentes tempos históricos, nos indivíduos, nos corpos, nos comportamentos, nas subjetividades, nas instituições e nas relações sociais (Laurentis, 1994).
No que se refere, especialmente, à desconstrução de esquemas fixos e lineares de gênero, é importante ressignificar entendimentos baseados na universalização e essencialização do sujeito (mulher) e do sujeito (homem), abrindo perspectivas analíticas na direção do respeito às múltiplas expressões e vivências de feminilidades e masculinidades. Dessa forma, fomentam-se compreensões e possibilidades de atuação no campo informacional para o enfrentamento às exclusões, o respeito à alteridade e a busca pelo projeto humanizador do mundo, conforme explicita Henriette Gomes (2020).
4 GÊNERO E CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO: REFLEXÕES INICIAIS
Como a organização da vida social, as ciências também são estruturadas pelas relações de gênero. Historicamente, as hierarquias de gênero perpassaram a participação das mulheres na atividade científica. Autoras como Maria Mary Ferreira (2003), Patrícia Espirito Santo (2008), Gilda Olinto (1997; 2011), Leilah Bufrem (2012); Bruna Nascimento (2012), Gisele Rocha Côrtes (2012; 2020), Jacqueline Leta (2013), Natália Lima Romeiro (2019), Gracy Kelli Martins (2020), Leyde Klébia Silva (2020), Natalia Duque Cardona (2020), Henriette Gomes (2020), Maria Aparecida Moura (2021), Franciele Garcés da Silva (2021), Lindiwe Sophia Oliveira Fideles (2021), Luciane Beckman (2022), Denise Braga Sampaio (2021), Ana Patrícia Moura (2022), Anna Raquel Viana e Izabel França de Lima (2023), entre outras, têm se dedicado, com perspectivas distintas, a analisar a participação das mulheres e as relações de gênero na Ciência da Informação, na Arquivologia e na Biblioteconomia.
A informação se configura como elemento que favorece as transformações nas relações assimétricas de gênero. Concebe-se que a estratégia de luta para a construção de uma sociedade igualitária envolve a transformação da estrutura patriarcal, sendo necessárias mudanças nas estruturas subjetivas e objetivas que organizam o mundo social. Tais regimes de poder estão presentes nas relações sociais, nas identidades subjetivas, nas concepções, nos conteúdos e dispositivos informacionais, nas interpretações que os indivíduos e os grupos produzem e internalizam dessa configuração hierárquica (Côrtes, 2012; Pereira; Olinto; Lamas, 2022).
Neste artigo, compreende-se informação na perspectiva de Henriette Gomes (2020), sendo estabelecida e construída nas relações sociais, caracterizando-se como resultante do compartilhamento do conhecimento e saberes. O conhecimento é entendido como saberes, percepções, conhecimentos imediatos, conhecimentos do senso comum, de caráter científico, decorrentes de vivências e interações sociais, em que a dialogia ocupa lugar central nos planos da intra e intersubjetividade. Assim, o conhecimento emerge da associação de agenciamentos no coletivo, que se articulam a redes de sentido, dinamizadas na experiência singular das memórias dos sujeitos. Assim, a/o profissional da informação, em suas ações de interferência e suas práticas informacionais, sejam elas explícitas (mediação direta) ou implícitas (mediação indireta) (Santos Neto; Almeida Junior, 2017), pode atuar para contribuir na ressignificação de esquemas sociais, símbolos pautados em hierarquias e desigualdades de classe, gênero, raça/etnia, regionalidade, identidade de gênero, entre outros. Carlos Almeida, Rosa Manuel e Murilo Cunha (2021) na pesquisa “Epistemologias Feministas e Ciência da Informação: estudos e implicações”, preconizam a necessária subversão de práticas e abordagens androcêntricas na área para o reconhecimento e a visibilização das mulheres nos distintos processos informacionais, além de discorrerem sobre experiências delineadas na direção das perspectivas feministas.
No que tange à Ciência da Informação, à Arquivologia e à Biblioteconomia, a participação das mulheres é expressiva. Historicamente, as mulheres são protagonistas na construção da área e na produção de conhecimentos, mas não ficaram imunes a preconceitos. Constatam-se as lutas e desafios que as profissionais enfrentaram para se consolidar na área, subvertendo normas sociais, políticas e culturais, configurando-se como protagonistas na construção do campo. Conforme Edmir Perrotti (2017, p. 5), a postura protagonista envolve “[...] uma dimensão existencial inextricável. Significa resistência, combate, enfrentamento de antagonismos produzidos pelo mundo físico e/ou social e que afeta a todos”. A título de exemplo dos antagonismos e resistências das mulheres, destaca-se a Biblioteca Nacional, órgão de significativa relevância cultural para a sociedade brasileira e para a carreira biblioteconômica do Brasil, fundada por D. João VI em 1810. Mesmo existindo no Brasil bibliotecárias formadas e atuantes na área desde a década de 1930, somente em 1971 a referida biblioteca pôde ser dirigida por uma mulher, após 161 (cento sessenta e um) anos de sua criação (Sousa, 2014).
Autoras como Elisabet Martucci (1996), Gilda Olinto (1997), Maria Mary Ferreira (2003) enunciam estereótipos construídos em relação à profissão e às mulheres que nela se inseriram. Nas pesquisas, são apontadas a representação de uma imagem estigmatizada de bibliotecárias e desvalorização da carreira por ter concentração majoritária de mulheres. Ademais, um estudo elaborado por Suzanne Hildenbrand (1992) constata que as mulheres foram consideradas inapropriadas para o trabalho de gestão nas bibliotecas devido ao seu temperamento emocional e à falta de experiência empresarial. Ao longo de sua história, as arquivistas e bibliotecárias têm atuado subvertendo normas sociais e são protagonistas na construção das áreas e na produção de conhecimentos. Nos últimos anos, observa-se o aumento do contingente de homens nos Cursos de Biblioteconomia. Não obstante, de modo geral, nas cinco regiões brasileiras, ainda há uma predominância substancial de mulheres nos cursos (Pires; Dumont, 2016).10
Destarte, verificam-se as lutas e desafios que as mulheres enfrentaram para se consolidar na Ciência da Informação, na Arquivologia e Biblioteconomia.
No âmbito da Arquivologia, são ainda escassos os estudos na interface Arquivologia e gênero. A invisibilidade das mulheres nos arquivos está associada à narrativa histórica dominante, que possui como foco a valorização das experiências masculinas: “Cristaliza-se a crença de que “eles” ocuparam-se dos grandes feitos e das grandes obras, enquanto “elas” ficaram reduzidas à reprodução da ordem, ou seja, aos cuidados da casa e dos filhos” (Simioni; Eleutério, 2018, p. 20). As autoras problematizam o fato de que os arquivos não são produtos passivos, não se constituem em documentos acumulados por grupos ou sociedades humanas de modo neutro. Pelo contrário, eles são frutos de seleções, ordenamentos e inscrições institucionais que resultam de escolhas do que pode ou não ser dito, o que merece ou não ser lembrado, e quem tem direito ou não a ter sua memória preservada. Práticas androcêntricas são fortemente naturalizadas, as quais raramente se perguntam sobre as ausências, ou seja, sobre os nomes e grupos que não foram representados, a exemplo das mulheres. A autora Raquel Luise Pret (2020), no estudo O pioneirismo da mulher na Arquivologia brasileira, enuncia que, no campo de conhecimento, as questões de classe, raça e gênero atravessam a história da formação da área no país, sendo necessárias pesquisas na interface gênero e Arquivologia, com vistas a visibilizar as mulheres e reconhecer sua representatividade nas instituições de guarda de destaque no país e suas produções ao longo da história:
Apresentamos como resultados as formas que figuras femininas despontaram na consolidação de técnicas arquivísticas, inclusive compartilhando experiências e influências adquiridas na Europa e nos Estados Unidos como Nilza Teixeira Soares, Marilena Leite Paes, Helena Corrêa Machado e outras personalidades que também participaram ativamente na fundação e organização da Associação dos Arquivistas Brasileiros. Cabe destacar a influência das professoras Heloísa Bellotto e Ana Maria Camargo na produção científica da área, constituindo-se inclusive como referências internacionais, sobretudo pelas formulações acerca da tipologia documental, significativo contributo que instiga o desenvolvimento de estudos sobre classificação e avaliação dos documentos de arquivo (Pret, 2020, p. 1).
Na perspectiva da resistência, Karina Ceci Holmes (2023), em sua pesquisa sobre o arquivo pessoal da religiosa Mãe Beata, e Dulce Loss, Carlos Azevedo Netto e Bernardina Oliveira (2023), no estudo do terreiro de candomblé Ilê Axé Omilodé, visibilizam religiões de matrizes africanas e afro-brasileiras, as quais historicamente sofrem intolerância religiosa. Essas investigações revelam caminhos para o reconhecimento e a preservação dos arquivos ligados às religiões de matrizes africanas, valorizando conhecimentos, saber oral e a diversidade de vozes no âmbito da Arquivologia e da CI. A vertente de estudos atinentes às mulheres lésbicas e transgêneros no campo precisa ser aprofundada para a promoção de conhecimentos pautados no reconhecimento e no respeito à diversidade. A pesquisadora Denise Sampaio (2021) tem trilhado esse caminho ao abordar e problematizar o silenciamento da lesbiandade. Em sua tese de doutorado, e em outros estudos, a autora apresenta rica literatura sobre a temática, além de abordar as mulheres lésbicas na ditadura militar. A invisibilidade das mulheres transexuais no escopo das pesquisas no campo informacional é realidade. A busca pelo descritor mulheres transexuais na BRAPCI, recuperou apenas cinco artigos, dos quais somente quatro abordam especificamente as mulheres transsexuais11. Tal constatação revela o silenciamento sobre suas experiências, demandas e contribuições tanto no contexto social quanto nos ambientes informacionais. Como mencionado anteriormente, o Brasil é tristemente conhecido como o país que mais mata pessoas transexuais no mundo. Assim, é urgente visibilizar essa grave violação de direitos humanos. Em uma sociedade transfóbica como a nossa, pessoas transexuais se deparam cotidianamente com desafios para sobreviver e para acessar os direitos básicos. Reconhecer as suas contribuições na produção de saberes e conhecimentos, amplia a representatividade no escopo social e da CI, contribuindo na efetivação da responsabilidade social da área.
No que concerne à atuação das mulheres na Associação Nacional de Pesquisa em Ciência da Informação (ANCIB), Gisele Rocha Côrtes e Gracy Kelli Martins evidenciaram que a atuação e participação das mulheres é expressiva na CI. As pesquisadoras que presidiram a ANCIB e aquelas que têm produzido estudos com a interface informação e mulheres, nos GTs do ENANCIB, desenvolvem uma ação protagonista, pois têm ocupado espaço na produção de conhecimentos da área e subvertido sistemas de poder, alicerçados em representações, discursos e signos pautados na invisibilidade e na suposta falta de capacidade cognitiva das mulheres para o exercício da atividade científica. As práticas das pesquisadoras caminharam em direção contrária às normas hegemônicas de gênero, partilhando processos de resistência.
A ausência e invisibilidade de mulheres em bibliografias de cursos de educação básica, graduação e pós-graduação de universidades foi problematizada pelas pesquisadoras Nathália Lima Romeiro, Andréa Doyle e Anna Brisolla (2018). As autoras abordam o contexto de produção de informação sobre as pesquisas protagonizadas por mulheres, enunciando a necessidade de incluir as mulheres nas bibliografias dos cursos de Ciência da Informação para o enfrentamento da hegemonia masculina branca. Nessa seara, a pesquisadora Maria Aparecida Moura (2021) afirma que a produção e a presença das mulheres no campo da CI brasileira são significativas e longevas. Entretanto, sob o prisma autoral e temático, o protagonismo é mais atual. Ela enfatiza ainda que novas estratégias precisam ser potencializadas para aumentar a visibilidade das mulheres, para o enfrentamento do racismo e da ampliação da presença das mulheres negras no campo da Ciência da Informação, Arquivologia e Biblioteconomia, com vistas ao enfrentamento ao epistemicídio.
Nessa perspectiva, Marília Winkler de Morais e Luciana de Souza Gracioso (2023, p. 15) destacam a importância de focar no feminismo decolonial. Elas enfatizam a necessidade de reinterpretar práticas e interações nos processos de acesso e disseminação da informação, envolvendo o contexto das tecnologias informacionais, com ênfase nas questões latino-americanas.
O feminismo decolonial é um movimento que pensa a partir da nossa realidade colonial, que tem suas especificidades. Para além dos países latino-americanos, temos um universo de possibilidades que não se restringem às demarcações geográficas, mas indicam seu profundo alinhamento com os seres que as habitam: são os lugares tensos e criativos, o mundo Afrodiaspórico, a América Ladina, a Abya Yala (Morais; Gracioso, 2023, p. 15-16)
Ao analisar modelos teóricos de mediação da informação com interface nas relações de gênero, Giulia Crippa (2011) problematiza, no âmbito do debate político sobre as unidades de informação, a presença de linguagens, práticas e discursos que se apresentam como neutros, tomando as experiências do conhecimento masculino como norma. Ela propõe reflexões acerca da presença majoritária das mulheres na Ciência da Informação e na Biblioteconomia, com o intuito de garantir que os saberes e fazeres historicamente construídos pelas mulheres não sejam silenciados. Leilah Bufrem e Bruna Nascimento (2012) realizaram um estudo descritivo visando constatar a presença das mulheres como produtoras da informação científica. Para isso, utilizaram como campo empírico a BRAPCI. As autoras constataram a carência de estudos sobre a interface gênero na Ciência da Informação, apesar de, desde os anos 2000, a produção ter aumentado. Verifica-se também que a maioria das mulheres são autoras das pesquisas desenvolvidas, pontuando ainda que a atividade científica esteve historicamente associada à figura masculina.
Na pesquisa Mediação consciente da informação, apresentada no Encontro Nacional de Pesquisa em Ciência da Informação, Maria Cristiana Luciano et al. (2022) aponta que, das 20 (vinte) edições do evento, 18 (dezoito) contaram com apresentações de trabalhos com os termos “mulher”, “gênero” e “feminismo”. Entretanto, até o ano de 2010, apresentava-se apenas um trabalho por edição no ENANCIB. A partir de 2011, os estudos sobre essas temáticas começaram a ser incluídas nas discussões dos GTs, com 9 (nove) trabalhos apresentados em 2018 e 14 (quatorze) em 2019. Conforme a nuvem de tags, com as palavras-chave de todos os trabalhos, contatou-se que os temas mais abordados são: desigualdades das mulheres na Ciência, produção científica das mulheres, relações e desigualdades de gênero, relatos e denúncias de violência contra mulheres e violência doméstica, violência cometida contra as mulheres negras e a exclusão das mulheres negras da Ciência (Luciano et al., 2022).
No estudo, explicita-se também o pioneirismo e o protagonismo social da pesquisadora Gilda Olinto, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. A autora foi a primeira mulher a produzir trabalhos sobre gênero no ENANCIB, em 1995, com o trabalho intitulado Gênero, capital cultural e desempenho escolar. Na ocasião, ela promoveu discussões na área sobre a atuação do capital cultural na escola, suas relações com o conceito de classe social e sua aplicação em estudos que focam as questões de gênero. Destaca-se que, em 2021, foi criado o Grupo de Trabalho (GT) 12 - Informação, Estudos Étnico-Raciais, Gênero e Diversidades, fornecendo visibilidade à interface gênero e Ciência da Informação.
A dissertação de Ana Patrícia Moura (2022) analisou a mediação consciente da informação nas dissertações e teses sobre gênero e mulheres nos Programas de Pós-Graduação em Ciência da Informação (PPGCIs) acadêmicos no Brasil. O estudo investigou o conteúdo informacional de 28 dissertações e 7 teses produzidas na década de 2010 a 2020, das quais 86,1% foram elaboradas por pesquisadoras e 13,9% por pesquisadores. Os resultados mostram que a mediação da informação sobre gênero e mulheres nas produções científicas de dissertações e teses é capaz de desnaturalizar as culturas hegemônicas eurocêntricas presentes na sociedade, promovendo ações de protagonismo entre os grupos historicamente vulnerabilizados.
Caroline Pinheiro e Danielly Inomata (2022), também no propósito de analisar a produção científica de teses e dissertações sobre feminismo, mulheres e gênero nos PPGCIs brasileiros, identificaram que as principais temáticas abordadas incluem tecnologias da informação e comunicação, pesquisas sobre violência contra as mulheres, análise da produção científica, interseccionalidade do feminismo e questões étnico-raciais. Além disso, uma investigação no repositório digital da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), nos campos das Ciências Sociais e Humanidades, Comunicação e Saúde, sobre gênero, sexualidade, feminismo e teoria queer, revelou temáticas como feminismo, estudos culturais, relações de gênero, masculinidades e educação (Medeiros; Hoppen; Vanz, 2020).
Em reflexão a respeito da exclusão social das mulheres em interface com a mediação consciente da informação, Henriette Gomes e Gisele Côrtes (2020, p. 137) afirmam que é necessário que os/as profissionais da informação, atuantes em contextos de pesquisa e de ação profissional, colocarem-se na condição de mediadores(as) em busca da sua conscientização acerca das particularidades desse grupo social. A mediação da informação em torno da temática de gênero, em especial no atendimento das interagentes em contextos de risco, demanda o trabalho consciente de mediação para acesso e apropriação das informações necessárias às lutas de resistência das mulheres.
Nessa seara, Luciane de Fátima Beckman (2022) tem desenvolvido distintas pesquisas, sob a ótica da mediação da informação e da mediação cultural no enfrentamento à violência contra as mulheres, visibilizando a desnaturalização da violência de gênero, os movimentos feministas e as unidades de informação específicos de atendimento às mulheres em situação de violência. Na perspectiva de enfrentamento ao silenciamento das mulheres e à descolonização dos saberes na CI, com foco especial na Biblioteconomia, as pesquisadoras e bibliotecárias Franciele Carneiro Garcês da Silva e Nathalia Lima Romeiro têm elaborado potentes e fundamentais pesquisas, além de idealizarem o selo editorial Selo Nyota12, com robustas publicações sobre estudos na perspectiva étnico racial e gênero nos fazeres e saberes da Biblioteconomia e Ciência da Informação.
Os estudos citados13 fornecem caminhos e estratégias para o delineamento de pesquisas e ações na seara gênero e CI, além de reforçarem a ideia de não neutralidade do/a profissional. Compreende-se que a atuação do/a profissional da informação integra a estrutura social vigente e é capaz de transformar as estruturas ao contribuir com as lutas sociais em prol de uma sociedade justa, democrática e que garanta a permanência dos espaços críticos, colocando- se como protagonistas sociais (Gomes, 2020). Dessa forma, constata-se que há diversas práticas profissionais e pesquisas possíveis de serem desenvolvidas para a construção de uma sociedade assentada em um projeto político com igualdade de oportunidades para mulheres e homens.
Como visto, no campo informacional, experiências têm sido delineadas e podem ser socializadas e fortalecidas, com a visibilidade das práticas e pesquisas na interface gênero, feminismo e CI. Verificou-se a produção de pesquisas, práticas profissionais, de pessoas arquivistas e bibliotecárias, no sentido de visibilizar acervos, memórias, pesquisas e saberes produzidos por mulheres (em sua diversidade) e pelos movimentos feministas, com vistas a desconstruir os eixos de subordinação de gênero e raça que alocam às mulheres, usuárias da informação, o sentimento de abjeção e menos valia social. As possibilidades para consubstanciar ações e pesquisas, são diversas com os aportes informacionais da Ciência da Informação, Arquivologia e Biblioteconomia.
Considera-se que lançar luz para as concepções de mulheres e de homens, cis e transgênero, que orientam a produção teórica, as práticas profissionais de profissionais da informação, em diferentes ambientes informacionais, assim como as associações cientificas da Arquivologia, Biblioteconomia, Museologia e Ciência da Informação, é imperioso no planejamento e no delineamento de práticas informacionais inclusivas, acolhedoras e com respeito à alteridade. Tais dinâmicas envolvem os processos formativos continuados (para profissionais e pessoas usuárias dos ambientes informacionais), as políticas científicas do campo informacional para a ressignificação de saberes e poderes que estruturam exclusões.
Práxis inclusivas abrangem visibilizar os acervos, histórias, centros de documentação com foco nas mulheres, cisgênero e transgênero, em sua diversidade, mulheres negras, indígenas, com deficiências, dentre outros marcadores sociais. Incluem-se também a desconstrução de masculinidades hegemônicas e as práticas de incentivo à leitura de livros com autoria feminina, em especial, aquelas que não estão no eixo eurocêntrico e anglo-saxão, geralmente invisibilizadas, como enunciado na literatura decolonial descrita. Além disso, inserir o prenome das mulheres nas citações e nas referências das produções de livros, artigos, entre outros, constitui uma atitude simples, capaz de gerar significativas mudanças simbólicas. Pelo fato de a ciência ter se constituído como âmbito masculino, com representações de cientistas associadas a homens e brancos, não é raro, em nossa prática acadêmica e cotidiana, ouvir a nomeação “automática” do masculino para a autoria de trabalhos, invisibilizando as produções desenvolvidas por mulheres.
Com base nas reflexões deste artigo, oportunizadas pelas leituras das pesquisas, diálogos empreendidos e aprendizados ao longo da trajetória nos estudos de gênero e informação, espera-se ter contribuído para tematizar o conceito “gênero” na imprescindível imbricação com os movimentos feministas, no campo informacional. Reitera-se que, ao abordar o conceito “gênero” em qualquer campo do conhecimento, é fundamental lançar luz a sua origem e fortalecimento no âmbito dos movimentos feministas.
Assim, postula-se a necessidade de pautar a categoria informação de gênero. Ela é compreendida neste trabalho como vinculada às práticas de resistência que envolvem planejamento, produção, disseminação, organização, recuperação, gestão, mediação e representação da informação, delineadas em arquivos, bibliotecas, museus e demais ambientes de informação, físicos e digitais, da geração de conhecimentos críticos, no que tange à desnaturalização e à subversão das hierarquias de gênero. Tais práticas de resistência envolvem a mudança de mentalidades tanto de profissionais da informação quanto de pessoas usuárias, levando em consideração as relações de poder de gênero que historicamente dinamizam desigualdades, em especial, às mulheres em diferentes espaços sociais. Nesse âmbito, merece destaque o contributo das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC’s) como ferramentas de amplo alcance e impacto, com potencial para promover e desenvolver atividades na interface com a informação de gênero, favorecendo processos de acolhimento, inclusão e transformação social no que se refere à equidade de gênero, na perspectiva feminista, no campo informacional.
A atuação de profissionais da informação, nesse sentido, deve se pautar na produção e disseminação de significados, sentidos, narrativas e memórias assentadas no reconhecimento e valorização da pluralidade e experiências das mulheres, cisgênero e transgêneros, e na promoção de masculinidades não violentas, considerando os diferentes marcadores sociais de raça, etnia, classe social, deficiências, identidade de gênero, localidade, em distintos ambientes informacionais.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A interface dos estudos de gênero com o fenômeno informacional é imprescindível para enfrentar a discriminação e promoção da garantia dos direitos humanos das mulheres. Assim, buscou-se colaborar para a tematização do conceito “gênero” na CI, Arquivologia e Biblioteconomia, focando na origem do conceito e sua imbricação com os movimentos feministas, para promover práticas pautadas em relações de gênero simétricas/igualitárias. Levando em consideração as especificidades históricas, regionais e socioculturais, os movimentos feministas, compostos por mulheres de diversos setores, atuaram (atuam) por meio de potente ativismo político e formulações teóricas para transformação social da sociedade no sentido de garantir direitos e cidadania para mulheres e homens, sendo fundamental sua práxis para o delineamento teórico da categoria analítica e histórica “gênero”. O conceito “gênero” explicita que as discriminações e a situação de desigualdade vivenciada pelas mulheres em diversos âmbitos não são provenientes de uma essência feminina inferior ou menos propensa ao desempenho de algumas funções. A categoria analítica traz à tona que as desigualdades têm raízes culturais, históricas e sociais. Portanto, podem ser transformadas pela ação de mulheres e de homens que não pactuam com tais desigualdades.
Postula-se a necessidade da intersecção dos marcadores sociais de gênero, raça, classe social, deficiência, localidade, orientação sexual, dentre outros para a compreensão e respeito das diferentes expressões de feminilidades e masculinidades. As ativistas e teóricas negras ampliaram as reflexões e debate teórico sobre o conceito “gênero”, pautando as dinâmicas das relações de poder nas sociedades e a situação social das mulheres sem o reducionismo universalizante de um modelo único de mulher, assentado nas mulheres brancas, ocidentais, heterossexuais, pertencentes às classes favorecidas economicamente. Argumenta-se ser necessário que tais discussões sejam inseridas nos cursos de formação de profissionais da informação, para que futuros/as profissionais possam ressignificar entendimentos assentados na universalização e essencialização do sujeito (mulher) e do sujeito (homem). Desta forma, abrem-se perspectivas analíticas nos ambientes informacionais e nos estudos, na direção do respeito às múltiplas expressões e vivências de feminilidades e masculinidades de usuários/as, com o imprescindível respeito, acolhimento e visibilidade dos saberes e conhecimentos de lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros, queer, intersexuais, assexuais e demais orientações e identidades de gênero. Considera-se que o caráter social dos estudos delineados na perspectiva de gênero no âmbito da Ciência da Informação pode ser fortalecido, com vistas a dirimir desigualdades e ampliar leituras de mundo críticas numa perspectiva dialógica e transformadora no campo. Tal caminho pode ser consubstanciado com uma série de práticas informacionais para visibilizar e reconhecer as produções, acervos, arquivos e memória das mulheres no campo da CI, Arquivologia, Biblioteconomia e Museologia, assim como estabelecer reflexões sobre como os aportes teóricos e metodológicos da Ciência da Informação podem contribuir para o alargamento das narrativas e concepções contra-hegemônicas de gênero, pautadas na naturalização de hierarquias. Tais debates, assim como reflexões de gênero e feministas na perspectiva decolonial e com foco na população LGBTQIA+, serão abordadas em futuros ensaios.
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1
Refere-se à atenção global para a matriz colonial moderna, evitando desvio analítico para apenas um eixo de opressão, segundo a pesquisadora Carla Akotirene (2018)..
2
Reconhece-se que existem outras produções que debatem gênero e/ou movimentos feministas no âmbito da CI indexadas na BRAPCI, presentes nos anais do Encontro Nacional de Pesquisa em Ciência da Informação (ENANCIB) e nas dissertações e teses. Essas pesquisas não foram contempladas no presente artigo, devido à necessária delimitação. Mas deve ser ressaltada a relevância de suas reflexões sobre a temática.
3
Trata-se do assassinato de mulheres em contextos dinamizados pela desigualdade de gênero. A Lei do Feminicídio, Lei n. 13.104/105, entrou em vigor em 2015. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ato2015-2018/2015/lei/l13104.htm.
4
Para aprofundar a discussão, ver Heleieth Saffioti (1992) e Claudia Pons Cardoso (2012).
5
Em 1978, no âmbito da ditadura militar, eclodiu uma forte organização, o Movimento Negro Unificado (MNU), movimento que lutou pela promulgação da lei contra a discriminação racial no Brasil, em 05 de janeiro de 1989.
6
Tendo em vista que o artigo não se propõe a realizar um histórico das lutas dos movimentos feministas, realizam-se breves considerações, dado o limite da presente pesquisa.
7
Os fundamentos do conceito de interseccionalidade foram formulados no discurso da abolicionista negra Sojourner Truth, em 1851, na I Convenção dos Direitos das Mulheres em Ohio, intitulado E eu não sou uma mulher? (Ribeiro, 2016; Akotirene, 2018). Sojourner Truth elaborou, discursivamente, as estruturas do racismo, do cisheteropatriarcado e do capitalismo
8
A tese de Kimberlé Williams Crenshaw foi intitulada Desmarginalizando a interseção de raça e gênero: uma crítica feminista negra à doutrina antidiscriminatória, à teoria feminista e à política antirracista. University of Chicago Legal Forum, 14, 1989.
9
Importante destacar que, na CI, os/as pesquisadores/as Henry Oliveira e Mirian Aquino (2012) desenvolveram o conceito de informação etnicorracial, que traz contribuições para o desenvolvimento de pesquisas na perspectiva étnico-racial na Arquivologia, Biblioteconomia, Museologia e Ciência da informação.
10
Rebeca Cardone (2022), em pesquisa sobre o protagonismo social das mulheres na constituição e consolidação do ensino de Biblioteconomia na Paraíba, no período de 1969 a 2022, conclui ser notório o protagonismo social das mulheres na constituição e consolidação do ensino de Biblioteconomia na Paraíba e no Brasil.
11
Práticas informacionais: o perfil de mulheres transexuais e travestis do Espaço LGBT; Interações Sociais e Rupturas Observadas Através dos Estudos Informacionais: o contexto de travestis e mulheres transexuais brasileiras, Práticas informacionais de pessoas transexuais na (re)invenção de si e Acesso à informação para a construção da cidadania de mulheres transexuais.
12
Disponível em: https://www.nyota.com.br.
13
Devido ao escopo da pesquisa, não é possível citar todos os estudos realizados nessa linha. Mas eles podem ser localizados na BRAPCI e em repositórios de pesquisa.