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Reoriente • vol.1, n.1 jan/jun 2021
vocação nem as práticas imperialistas dos Estados Unidos: no máximo, imprime neles
sua forma peculiar de governar e tomar decisões, mas dentro da estrutura imutável de
suas políticas imperialistas em todo o mundo. Nesse contexto, deve-se vislumbrar as
diferenças, por exemplo, entre Barack Obama e Donald Trump sobre várias questões
como imigração, acordos de livre-comércio, intervencionismo estrangeiro, guerras, ou
políticas internas em relação à saúde e à cidades-santuário, para mencionar alguns
tópicos de interesse. Diferenças que, naturalmente, também são notadas entre Trump
e Biden ao tratar assuntos como saúde, políticas de controle da pandemia que atinge a
população, salários, políticas de emprego e imigração.
Deve ficar claro, entretanto, que o presidente dos Estados Unidos é um verdadeiro
representante do imperialismo global que trabalha ad hoc para um sistema que co-
meçou a ser construído a partir da segunda metade do século XIX – o imperialismo
como um sistema econômico, político e de dominação baseado no modo capitalista de
produção de mercadorias, na propriedade privada da terra e dos meios de produção e
na exploração da força de trabalho pelo capital – e cuja raison d’être é a expansão terri-
torial, e a despossessão de povos e comunidades, de países e regiões inteiras. Quando
este projeto é insuficiente ou dificultado pela democracia, não hesitam em recorrer ao
uso da força e, em última instância, à guerra. Portanto, é completamente secundário
se a Presidência Imperial é ocupada por Bush, Obama, Clinton, Trump ou Biden. No
máximo, a única coisa que muda é “o estilo de governar”, mas dentro dessa ordem
estrutural-institucional de interesses geopolíticos e militares que a predeterminam e
cuja síntese é a expressão da unidade da direção militar e financeira dentro do bloco
de poder imperialista dos Estados Unidos (SOTELO, 2019-b).
O rumo dos acontecimentos não é alterado em razão da personalidade que se eleja
para a Presidência dos Estados Unidos. Ela é superdeterminada por essas coordenadas
e parâmetros geopolíticos e estratégicos de sua ação no mundo, no espaço regional e
global. É uma ilusão, para dizer o mínimo, pensar que a trajetória da história mundial
mudaria dependendo da eleição de outro candidato que não Trump. Com Obama,
Hillary ou Biden o comportamento imperialista dos Estados Unidos não muda, parti-
cularmente na América Latina: busca-se derrubar os governos nacionais-populares e
progressistas e estabelecer relações de dominação e hegemonia com os demais.
Esquecer essa premissa é atribuir a fatores circunstanciais, secundários e subjetivos
a dinâmica essencial das mudanças, como a escolha de um candidato, as formas de
suas ações, suas boas ou más intenções pessoais em relação à tomada de decisões e
até mesmo suas ameaças, na época, de cancelar um instrumento de dominação como
o TLC e confiscar as remessas, como o Sr. Trump advertiu em várias ocasiões. É não
entender que os fenômenos sociais e humanos fluem e se constituem como produtos
globais historicamente determinados que articulam dialeticamente múltiplas relações
que explicam sua natureza e sua dinâmica dentro de uma totalidade concreta. Esses
fatos, insistimos, são típicos de um sistema imperialista, independentemente de quem
o lidera. Por isso, forças anti-imperialistas e anticapitalistas nunca devem ter ilusões
sobre um regime e seus representantes que respondem à dinâmica de dominação po-
lítica, acumulação de capital e perpetuação da ordem capitalista existente em crise e
declínio histórico. Isso leva a Sapir a considerar que a crise financeira de 1997-1998 é,
em essência, um “momento importante da crise do ‘século americano” (SAPIR, 2008,