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Reoriente • vol.1, n.1 jan/jun 2021
A tese central de Frank é simples: ao contrário do que supunham ideologicamente
Braudel e Wallerstein, jamais existiram diversas economias mundiais na Idade Moder-
na, mas uma única economia mundial na qual o tão cantado excepcionalismo europeu
não era nem jamais poderia ter sido hegemônico. Portanto, a Europa, como centro
do projeto de pesquisa e de suas teorias, constituiu não somente erro grave, mas pura
produção de ideologia. Com mais precisão ainda: “em termos econômicos a escala
mundial, nem Portugal no século XVI, nem os Países Baixos no século XVII nem
Inglaterra do século XVIII foram de maneira alguma “hegemônicos”. Tampouco em
termos políticos. Nada disso! Em todos esses terrenos, as economias da Ásia estavam
muito mais “avançadas”, e impérios como o Ming/Ching chinês, o dos mongóis na Ín-
dia e inclusive o da Pérsia dos sefarditas e o turco otomano possuíam um peso político
e inclusive militar muito superior a qualquer dos impérios europeus do período”.
Eis a dimensão da heresia de Frank. Anota aí: uma heresia não é um arroubo aca-
dêmico! Gunder Frank estuda a economia mundial desde sempre como poucos pen-
sadores de nosso tempo (Acumulação mundial – 1492-1789), e, em consequência, seu
último voo de águia revoga também suas próprias ilusões e erros do passado. Nada
escapa de seu vigoroso revisionismo, pois até mesmo a especificidade que Marx julga-
va decisiva na análise histórica – aquela diferença especifica que poderíamos verificar
no reino da produção ocorrida na esteira da Revolução Industrial, ou seja, o “modo de
produção capitalista”, é, para ele, uma completa miopia, fruto da imaginação de Marx,
sem fundamento histórico algum! À luz de sua pesquisa, tampouco teria existido uma
“Grande Transformação” no século XVIII; ao contrário, a transformação de fato ocor-
re muito tempo antes e jamais na Europa. Não se trata de pista nova, pois Frank já
esboçara elementos importantes desse programa de pesquisa no artigo Five thousand
year world system history, publicado um ano antes da obra que comentamos.
Na mesma toada, Enrique Dussel (Ética de la liberación) alertou – a partir dos ras-
tros deixadas por Frank e Samir Amim – sobre o caráter ideológico de qualquer excep-
cionalidade europeia na constituição da economia mundial ao afirmar que “tudo que
um Max Weber atribuiu como fatores “internos” medievais ou renascentistas europeus
para a gênese da Modernidade, se realizou com mais força no mundo mulçumano
séculos antes”. Frank, portanto, não está sozinho nesse novo capítulo da historiografia
que todavia não ganhou força na América Latina e, com pesar reconheço, menos ainda
no Brasil. Aqui, ninguém ousa algo sem autorização do meridiano de Paris e menos
ainda sem permissão da academia estadunidense.
Além da tese central, Frank oferece formulações para uma nova história do carros-
sel do comércio global que joga por terra a hipótese de Marx segundo a qual a con-
quista da América teria dado início ao “mercado mundial”, obviamente, uma enorme
simplificação. Ora, nos séculos XIII e XIV, a economia mundial se apoiava predomi-
nantemente na Ásia; mesmo Veneza e Genova, tão cantadas em verso e prosa pelos his-
toriadores econômicos eurocêntricos, não passavam, segundo Frank, de entrepostos
entre a demanda da Europa e produtos asiáticos.
Ademais, se o mercado mundial tinha na Ásia seu centro durante vários séculos
e tampouco era marginal quando a “revolução industrial” teria deslocado o centro da
acumulação mundial para a Europa, outro tanto, com igual força, ocorreria no mundo
do dinheiro, que no livro de Frank ganha o nome de “cassino global”, na clara preten-