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ARTIGOS
Reoriente • vol.1, n.1 jan/jun 2021
Vigência da obra de Theotonio dos Santos
e da teoria da dependência
Francisco Lopez Segrera
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Comemoramos recentemente o nascimento, em (11/11/1936), de eotonio Dos Santos,
que faleceu em 27 de fevereiro de 2018. Com esse objetivo, a CLACSO publicou sua An-
tologia Essencial
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. Seu trabalho representa, em nossa opinião, o mais inovador na teoria
da dependência e, desde o início do século XXI, evoluiu para ser ampliado e integrado
à teoria dos sistemas-mundo, demonstrando, mais uma vez, a relevância e a validade da
teoria da dependência.
Mas Dos Santos não é apenas um teórico de enorme importância, ele também foi:
diretor de múltiplas revistas de excelência em ciências sociais, como Sociedad y De-
sarrollo, publicada pelo CESO no Chile (1972-1973), e Política e Administração, pela
Fundação Escola de Serviço Público-FESP no Rio de Janeiro; membro dos conselhos
editoriais de diversas revistas de alta qualidade, como a International Review of Sociology,
nos Estados Unidos, e a Economía Internacional, no México, entre outras; organizador
de eventos importantes, como o XVI Congresso da Associação Sociológica Latino-A-
mericana (ALAS, 1986), da qual se tornou presidente, e o X Colóquio sobre Economia
Mundial (1989) na Maison des Sciences de l’Homme (Paris); professor emérito da Uni-
versidade Federal Fluminense (UFF) e fundador e Presidente da Cátedra e Rede sobre
Economia Global da Unesco e Desenvolvimento Sustentável (REGGEN).
Além disso, Dos Santos ofereceu cursos de mestrado e doutorado nas principais
universidades da América Latina e do Caribe, dos Estados Unidos, do Canadá, da
Europa, do Japão, da China, da Rússia, da Índia e outras regiões e países.
Mas o que define Dos Santos é seu status como um intelectual comprometido com
as causas dos povos de “Nossa América. Este tem sido o leitmotiv de sua vida e o que
inspirou sua ação e seu trabalho. Por isso foi perseguido pelas ditaduras do Brasil e do
Chile. É por isso que no México, junto com sua carreira acadêmica, nunca abandonou
a luta política, que continuou no Brasil após seu retorno, como fundador, junto ao
líder Leonel Brizola, do Partido Democrático do Trabalho (PDT), um partido com um
programa socialista. É por isso que Fidel Castro, Hugo Chávez e outros líderes revolu-
cionários de grande estatura demonstraram sua admiração por ele.
Eu conheci Theotonio pessoalmente – e aquela que era então sua companheira e
sua colaboradora na formulação da teoria da dependência, professora Vânia Bambirra
– na Cidade do México em 1976. Sua personalidade me causou grande impressão,
não apenas por sua cultura humanista enciclopédica, seu profundo conhecimento
das ciências sociais e seu domínio da ciência econômica em sua dimensão analítica
e quantitativa, mas também por sua simplicidade, sua austeridade e seu desprendi-
mento material. Tudo isso, assim como sólidos valores revolucionários e sua condição
de intelectual comprometido, colocou-lhe um modelo ético a seguir, o que implicou
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Doutor em Estudos Latino-americanos (Sorbonne, Paris). Professor titular adjunto do
ISRI (Cuba).
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Antología Esencial de eotonio dos Santos: http://www.clacso.org.ar/librerialatinoamericana.
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uma grande admiração pela Revolução Cubana, uma grande confiança no futuro de
nossos povos e uma visão clara das formas que deveriam assumir as lutas para alcançar
grandes mudanças sociais.
Sua heterodoxia e sua flexibilidade na análise e na aplicação do método marxista
sem rigidez é outra característica essencial de seu trabalho.
A partir daquele momento - e especialmente entre 1996 e 2002, quando eu era asses-
sor regional para Ciências Sociais na Unesco e depois diretor de seu Escritório Regional
em Caracas e do IESALC – e até sua morte, sempre mantivemos uma intensa colabo-
ração. Sua obra foi, mesmo antes de conhecê-lo pessoalmente, a principal influência in-
telectual para meu trabalho, no que diz respeito ao capitalismo dependente em nossos
países. Nunca esquecerei nossas longas caminhadas e diálogos no Rio de Janeiro, em
Niterói, em Paris, em Caracas, em Havana, em Amsterdã e muitas outras cidades.
Desde aquela reunião no México (1976), estivemos unidos em múltiplos projetos e
eventos até sua morte em 2018. Dos Santos escreveu o prólogo do meu livro Cuba cairá?
(Vozes, 1995). Criamos com ele a Cátedra Unesco-United Nations University (UNU) e
a Rede sobre Economia Global e Desenvolvimento Sustentável (REGGEN), da qual foi
presidente. Ele preparou – juntamente com Ruy Mauro Marini – a nosso pedido, uma
Antologia do Pensamento Social Latino-Americano no século XX.
Em 1996, da Unesco-Caracas, decidimos fundar, junto com o professor colombia-
no Francisco Mojica, a Rede Latino-Americana de Estudos Prospectivos (RELAEP),
da qual fui presidente durante seus anos de existência (1996-2004). Theotonio par-
ticipou de todos os congressos que realizamos entre 1996 e 2004, quando essa Rede
deixou de existir, e dos dois volumes que publicamos.
Em 1998, reunimos um valioso grupo de intelectuais próximos a Theotonio para
escrever ensaios em homenagem a ele por seus 60 anos. O resultado foi um livro de dois
volumes The Challenges of Globalization (Unesco, 1998), com contribuições do próprio
Dos Santos e de autores relevantes como Ruy Mauro Marini, Samir Amin, Immanuel
Wallerstein, André Gunder Frank, Celso Amorim e Vânia Bambirra, entre outros. O
livro foi introduzido por um excelente ensaio de seu discípulo Carlos Eduardo Martins.
Então, no ano 2000, sua esposa, a cientista social Monica Bruckmann, outra grande co-
laboradora nossa, publicou no Peru uma nova edição de Os Desafios da Globalização. O
então presidente de Cuba, Fidel Castro, achou esse trabalho de grande interesse e decidiu
começar a realizar eventos anuais sobre globalização no Centro de Convenções de Ha-
vana a partir de 1999. No primeiro desses eventos, do qual participei, estabeleceu-se um
longo diálogo na plenária entre Dos Santos e Fidel – que admirava muito o trabalho de
Theotonio. Fidel o convidou para jantar e o diálogo continuou.
Em 1999, Theotonio Dos Santos ficou na minha casa, em Caracas, e foi chamado
pelo presidente recentemente eleito Hugo Chávez, que admirava muito seu trabalho.
Ele se comprometeu a dar assessoria permanente ao Centro Internacional Miranda
(CIM), que estava em processo de criação, já que não podia aceitar sua direção devido
a compromissos anteriores.
Em 2003, o professor Dos Santos coordenou um evento REGGEN, “Seminário In-
ternacional Hegemonia e Contra-hegemonia: os impasses da globalização e dos pro-
cessos de regionalização. O primeiro volume do livro Os impasses da globalização,
– coordenado por Theotonio e organizado por Carlos Eduardo Martins, Fernando Sá
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e Monica Bruckmann – reúne uma seleção dos trabalhos apresentados nesse evento
por autores como Immanuel Wallerstein, André Gunder Frank, Theotonio Dos San-
tos, Giovanni Arrighi, Francisco López Segrera, Samir Amin, Gilberto Dupas, Estrella
Bohadana, René Armand Dreifuss, assim como Xie Shou-Guang e Gao Xian (DOS
SANTOS, 2003). Na introdução do livro, Dos Santos afirmou que o seminário havia
mostrado que a impressão da hegemonia do pensamento único era falsa, na medida
em que “existia um conjunto de trabalhos teóricos e analíticos que conseguiram carac-
terizar e compreender os aspectos gerais da globalização, interpretando-os com uma
estrutura teórica progressista.
Depois continuamos a nos encontrar com Dos Santos em novos espaços entre
2004 e 2018: um evento emocionante em São Paulo (2009) para comemorar a obra de
Ruy Mauro Marini, que resultou no livro América Latina e os desafios da globalização:
ensaios dedicados a Ruy Mauro Marini (2009); congressos do REGGEN; congressos
do CLACSO; congressos em Havana e no Rio de Janeiro; no livro da Unesco que ele
editou com Julio Carranza, América Latina e Caribe: possíveis cenários e políticas so-
ciais (2011); em um seminário em Fortaleza, na sede do REGGEN (2013); em um
workshop de Prospectiva no IAEN em Quito (2014)
Em novembro de 2015, participamos, na cidade de Medellín, Colômbia – assim
como Theotonio e Monica Bruckmann – da VII Conferência CLACSO, na qual foram
dados os primeiros passos – a pedido dos diretores da CLACSO - para começar a
preparar sua Antologia Essencial publicada pela CLACSO em 11 de novembro de 2020
para comemorar seus aniversários. Monica e Theotonio me fizeram a grande honra de
me pedir para me dedicasse a organizar a Antologia.
Entre novembro de 2015 e alguns dias antes de sua morte, em fevereiro de 2018,
trabalhamos na Antologia, com ele e sua esposa, Monica. Foi uma tarefa muito difícil,
dada a extensão de seu trabalho, produzido em dois idiomas, espanhol e português.
Alguns dias antes de sua morte, ele deu sua aprovação aos textos selecionados e tam-
bém à minha apresentação publicado no volume II, que tem 1773 páginas. O volume
I tem 800 páginas, com uma excelente introdução de Monica Bruckmann, que car-
regou o peso principal dessa Antologia, que ambos preparamos, em condições muito
dramáticas, atendendo à grave doença de Theotonio e sempre atentos aos cuidados de
seus filhos. Ela demonstrou com isso, mais uma vez, um grande amor por Theotonio
e uma enorme capacidade de trabalho. Theotonio permaneceu otimista e lúcido até o
final. Nós, que o tivemos como mestre, devemos agora ser gratos por seu legado, ser
coerentes com ele e difundi-lo o máximo possível.