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RESENHAS
BORON, Atilio A. Bitácora de un navegante:
teoria política y dialéctica de la historia latinoamericana –
antología esencial. Buenos Aires: CLACSO, 2020. 724 p.
Joana das Flores Duarte
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Bitácora de un navegante: teoria política y dialéctica de la historia latinoamericana é o
título da ontologia essencial publicada pelo Conselho Latino-Americano de Ciências
Sociais (CLACSO). Trata-se de um livro que reúne cinquenta anos de trabalho e in-
vestigação teórica do politólogo e sociólogo argentino Atilio Alberto Boron. Doutor
em Ciência Política pela Universidade de Harvard, atualmente é diretor do Centro de
Complementação Curricular da Faculdade de Humanidades e Artes da Universidade
Nacional de Avellaneda. É também professor consultor da Faculdade de Ciências So-
ciais da Universidade de Buenos Aires, investigador do Instituto de Estudos da América
Latina e do Caribe (IEALC) e investigador superior do CONICET (Conselho Nacional
de Investigações Cientícas e Técnicas). Foi vice-reitor da Universidade de Buenos Aires
(1990-1994) e Secretário Executivo do Conselho Latino-americano de Ciências Sociais
(CLACSO) entre 1997 e 2006.
A seleção dos dezoito artigos escritos originalmente em mais de trinta livros, re-
vistas e periódicos para compor essa obra foi minuciosa, buscando mostrar o amadu-
recimento teórico e crítico dentro e fora do universo acadêmico de um dos maiores
intelectuais latino-americanos da contemporaneidade.
Dividida em três partes, a ontologia proporciona um encontro com Boron em seus
distintos tempos. Na primeira delas, intitulada “Estado, mercado e imperialismo, temos
textos raros e de difícil acesso, como “Clases populares y política de cambio en América
Latina, escrito pelo jovem Boron, em 1969. Neste texto, fica evidente seu incômodo
com os conceitos e as categorias conservadoras e limitadoras da sociologia e da ciência
política norte-americana e ao mesmo tempo, sua busca e inquietação por um aparato
crítico, teórico e metodológico alternativo. É também, nessa primeira parte, que Mi
camino hacia Marx - Breve ensayo de autobiografía político-intelectual, texto autobio-
gráfico de Boron, remonta suas raízes de origem italiana e a imigração da família para
a Argentina. Resgata a importância da sua socialização primária que, segundo o autor,
formou-o politicamente, pois nasceu em pleno vigor do peronismo. Já na juventude,
explica que a vida acadêmica e o clima intelectual dos anos de 1960 foram marcos im-
portantes, porém com as contradições, tendo em vista que foi essa uma década com
profundas frustações ocasionadas pelo governo de Frondizi. Desses conflitos, a inter-
rupção de sua formação com o golpe de Estado, em 1966. Nesse momento, Boron inau-
gura um longo período de exílio, passando pelo Chile, EUA e México.
Já na segunda parte, intitulada “Teoria social y práxis política, a ontologia resgata tra-
balhos sobre autores importantes da teoria social crítica, tais como Rosa Luxemburgo,
Marx, Engels, Lênin entre outros. Nesta ontologia, é possível debruçarmo-nos em
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Doutora pela PUCRS. Professora do curso de Serviço Social da Universidade Federal de São
Paulo (Unifesp). Integrante do Grupo de Trabalho: Feminismos, resistências e emancipação, do
CLACSO.
Reoriente • vol.1, n.1 jan/jun 2021
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tempos distintos sobre a vida e a obra de Atilio Alberto Boron. Notórias são as mar-
cações relativas às transformações das décadas de 1960 e 1970 analisadas por ele, que,
sob forte influência marxista e as repercussões do exílio, tornaram esse sociólogo um
intelectual público.
E, por fim, a terceira parte, Revolución en nuestra América, brinda-nos com dois
textos que versam sobre a importância política e revolucionária de Fidel Castro e Hugo
Chávez. Boron mostra-nos que não estamos diante de uma “herança” ou um “legado,
mas de uma permanente e necessária transição revolucionária em Nossa América,
defendida e radicalizada por esses dois grandes líderes. Dentre as posições, aquela
que destaca Boron como um dos maiores intelectuais da esquerda latino-americana é,
justamente, sua inseparabilidade da perspectiva socialista democrática.
Nessa ontologia, portanto, apreende-se que o autor não só faz o resgate dos escritos
numa estrutura meramente cronológica, mas os temporaliza, ao mediá-los em seus
respectivos tempos e processos sócio-históricos. Com isso, Boron publiciza a atuali-
dade do seu pensamento em meio século, revisa algumas considerações, bem como
aponta, instiga e analisa as transformações ocorridas nesse período, na América Latina
e no mundo. Parece-nos, nesse sentido, que Boron, ao navegar contra a corrente, tem
em sua bússola o horizonte de uma sociedade radicalmente diferente. Afirmação essa
que se faz partindo do seu texto Hegemonía e imperialismo en el sistema interna-
cional”, originalmente em outubro de 2003, em Havana (Cuba), na XXI Assembleia
Geral do Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (CLACSO). Boron eviden-
cia, nesse texto, a natureza predatória do capitalismo e os impactos dessa política para
a humanidade. Cabe, portanto, ao conjunto das forças progressistas e compromissa-
das com a transformação social, em especial, nas economias periféricas e dependen-
tes, o exame preciso dos problemas desencadeados pela nova hegemonia mundial.
Ao mesmo tempo, quais alternativas de mudanças partiriam dos movimentos sociais,
por serem esses capazes de romper com as estruturas anacrônicas de poder impostas
peloneoliberalismo.
Nota-se nesse precioso texto o chamado à responsabilização das massas, conside-
rando que não há possibilidade de mudar radicalmente um sistema sem uma indig-
nação/revolta generalizada e consciente. Por isso, para Boron, não seria essa uma ação
promovida exclusivamente pelos meios acadêmicos, mas vinculados aos movimentos
de base, às demandas e às necessidades concretas das massas.
Orientado pelo socialismo democrático, essa ontologia traz a experiência do exí-
lio e a formação política e intelectual do autor. Essa formação dá corporeidade a um
Boron mais “amadurecido, implicado às lutas sociais e aos movimentos de base da
esquerda latino-americana. Em seu texto autobiográfico mencionado anteriormente,
Boron destaca a etapa mexicana, período esse que, segundo ele, estava profundamen-
te marcado pela forte orientação do Terceiro Mundo, impressa pelo então presidente
Luis Echeverría Álvarez, pela solidariedade às vítimas, pela resistência às ditaduras
e pelo entusiasmado apoio aos sandinistas, que culminaria com uma grande vitória
em 1979. É nesse artigo também que Boron revisita e examina alguns dos seus escri-
tos, apontando que, naquele contexto, não foi difícil ingressar plenamente nos deba-
tes precipitados pela conjuntura. Cita um polêmico artigo em que criticava aqueles
que utilizaram, erroneamente, a partir de sua análise, o conceito de fascismo para
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caracterizar as sangrentas ditaduras da região. Isso porque, segundo o autor, esses gru-
pos ditatoriais não tinham intenção nem capacidade de mobilizar e ativar os setores
médios para transformá-los em redutos de seus regimes. Somando-se a isso, a falta
de condições concretas para estruturar um projeto que alterasse substancialmente as
“burguesias nacionais” para uma nova etapa de internacionalização do capitalismo e
predomínio das grandes transnacionais. Ainda, segundo Boron, nas ditaturas do Cone
Sul, Antonio Gramsci, por exemplo, não teria sobrevivido sob o regime de Videla ou
Pinochet. Para o autor, essas ditaduras foram piores que o fascismo. A comparação não
é propícia, principalmente porque reproduz de forma mecânica – e nada dialética –
uma caracterização sem mediação com o período entreguerras, o desenvolvimento do
capitalismo global e suas expressões nos países periféricos e dependentes.
Foi dessa experiência, somada aos estudos nos EUA, que acresceu ao autor a pos-
sibilidade de sustentar em debates acadêmicos e fora deles, mais especificamente nos
anos de 1980, suas críticas à “transição pós-franquista. São nessas obras que notamos
o distanciamento de Boron do denominado pensamento hegemônico e das relações
estritamente acadêmicas. Da afirmação feita a partir do seu texto De académicos, in-
telectuales y mercenários, em que laça uma arguta crítica à herança da colonialidade
do poder científico construído por ela, nas palavras do autor:
[...] el nuestro es el continente que ha padecido la más prolongada y profunda expe-
riencia de sometimiento colonial del planeta, fundada sobre un genocidio – que según
cálculos conservadores habría aniquilado a unas sesenta millones de almas – y cuyos
efectos se sienten hasta el día de hoy. (BORON, 2020, p. 630).
A obra mostra como Atilio Boron buscou, mesmo na condição de professor, investiga-
dor e docente, escrever e desenvolver suas teses para o grande público, ou seja, para a
classe trabalhadora, no curso de sua vida prossional. Isso é notável nos seus escritos
que, sem perder de vista a erudição, apresentam textos uídos e acessíveis, como toda
obra de domínio público deve ser. Ao negar o academismo como espaço único de
formação e conhecimento, Boron ensina-nos que a luta se faz e se constitui junto às
bases. E, nesse sentido, não há espaço para uma ideia saudosista do passado, porque o
outrora é elemento central e vivo do próprio presente. Assim tem sido Atilio Alberto
Boron em mais de meio século de vida, luta e produção intelectual: um homem dedi-
cado ao pensamento e à luta revolucionária!