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Reoriente • vol.1, n.1 jan/jun 2021
anos no Instituto de Desenvolvimento Econômico do governo Nasser. Depois, aceitou
um convite do governo do Mali recém-independente para ser consultor de política
econômica (1960-1963). Sua decepção com as políticas de crescimento econômico,
priorizadas a todo custo por esses governos nacionalistas, motivou-o na busca por um
paradigma diferente de superação das desigualdades crônicas.
Em lugar de perseguir carreira na Europa, Amin continuou na África para atuar
como pesquisador no Instituto Africano de Desenvolvimento Econômico e de Plane-
jamento (IDEP), centro de pesquisa da ONU em Dacar, capital do Senegal, vizinho ao
Mali. O IDEP é um braço de pesquisas da UNECA (Comissão Econômica das Nações
Unidas para a África), o equivalente africano da CEPAL.
Também em Dacar, em 1975, Samir Amin fundou o think tank Fórum do Tercei-
ro Mundo, uma das entidades que mais tarde (1997) seriam constituintes do Fórum
Global para Alternativas – e este, por sua vez, do Fórum Social Mundial em 2001. A
organização viria a ser uma das referências intelectuais do movimento difuso deno-
minado como “altermundismo” ou “alterglobalismo”, em cuja fundamentação teórica
Amin teve destaque.
Em termos mais concretos, mais do que propugnar um tipo alternativo de globali-
zação, a produção conceitual de Amin interpela as contribuições europeias à história
econômica mundial como exatamente isso: europeias, não universais. Trata a Europa
como mais uma região nos milênios de formação do cenário global, não como seu
centro, muito menos um centro “natural”. Ou, nas palavras de Enrique Dussel, com
quem teve amplas convergências, situa a Europa como a periferia do sistema-mundo
antigo, pelo menos até a expansão colonial do século XV em diante.
Se foi na tese doutoral que Amin lançou a proposta estruturante da “acumula-
ção do capital em escala mundial” com o desenvolvimento desigual como ontologia
do Terceiro Mundo – ou, mais adequadamente, das periferias do sistema-mundo –,
a maturidade de análise foi alcançada com O Eurocentrismo: crítica de uma ideologia
[1988]. Aqui, o economista egípcio reinterpreta a história do sistema-mundo, salien-
tando os protagonismos do mundo muçulmano (do Magrebe à Ásia Central) e da Chi-
na – que, no entanto, deveu precisamente à sua estabilidade milenar a ultrapassagem
pela Europa moderna. Mas examina, de forma detida, todos os empréstimos culturais,
ideológicos e econômicos dos sistemas asiáticos e africanos (China, Pérsia, Mesopo-
tâmia, Egito) que a Europa tomou para estruturar a sua modernidade. Na dimensão
filosófica, ele faz questão de salientar que a metafísica não é um sinônimo de “irracio-
nalidade” (enquadramento que ele atribui à modernidade), mas sim uma busca pela
conciliação entre fé e razão (AMIN, 2009, p. 116).
Ao analisar a acumulação do capital em escala realmente mundial – para além do
eixo atlântico costumeiramente privilegiado pelas ciências sociais anglófonas ou euro-
cêntricas –, Amin volta o relógio não em 500 anos, como Braudel propunha, nem nos 5
000 de Gunder Frank, mas em 2 300 anos: especificamente, volta à formação do mundo
helenístico que integrou a Europa mediterrânea ao Oriente Médio, como dois “subsiste-
mas tributários” de um sistema-mundo tributário que, de 300 a.C. a 1500 d.C., precedeu
o moderno sistema-mundo descrito por Wallerstein (AMIN, 2006, p. 19-39). A idiossin-
crasia desse modelo analítico se justifica quando inserida numa perspectiva que toma a
gestão dos excedentes pelo Estado como critério essencial para descrever as estruturas de