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RESENHAS
de départ da trajetória marxiana, rumo à elaboração de sua teoria social, destaco seu
período de juventude, iniciando a abordagem de Colônia, a partir de 1842, na Gaze-
ta Renana, na qual Marx rapidamente passa a exercer o comando editorial, quando
não somente ganha experiência como jornalista, mas também aprofunda sua crítica
política e, percebe que deve se qualificar teoricamente para responder a questões da
vida social. Nesse sentido, é que Netto enfatiza que Marx, em sua estada em Kreusz-
nach, apesar de envolvido com o projeto dos Anais Franco-Alemães, não deixou de
lado sua atividade intelectual e lá estuda a Filosofia do Direito de Hegel, que Netto
ressalta como o momento do estudo da política e do Estado moderno, que resulta em
um manuscrito que conhecemos como a Crítica da Filosofia do Direito de Hegel, de
1843. Ali, desvelam-se os elementos do “misticismo lógico” de Hegel sobre a conexão
Estado/Sociedade Civil (que Marx chamará de Bürguerlische Geselschaft – a sociedade
civil burguesa). Naquele manuscrito, como ressalta o autor, Marx “acerta as contas”
com a teoria hegeliana do Estado e, ao mesmo tempo, avança em relação à questão
democrática, radicalizando-a e seguindo na perspectiva de compreender a política
para além do âmbito jurídico, apontando para o político-social. O jovem Marx evolui
encontrando os nexos do Estado na dinâmica da sociedade civil, mas ainda com difi-
culdades teóricas que o atormentam
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. Na sequência e como resultado das superações
construídas em Kreuznach, já em Paris, Marx escreve dois ensaios: Sobre a Questão
Judaica, escrito em finais de 1843 e Contribuição à Crítica da Filosofia do Direito de
Hegel – Introdução, ambos publicados em fevereiro de 1844, no número único e du-
plo dos Deutsch-Französische Jahrbücher (Anais Franco-Alemães). Em Sobre a Questão
Judaica evidenciam-se algumas rupturas essenciais, ainda que sua visão da economia
política seja rudimentar.
No entanto, pode-se dizer que, nos ensaios publicados nos Anais, Marx já faz uma
abordagem materialista sobre o tema, supera a visão liberal da democracia e realça a
luta político-social, como também entende Netto, que ressalta ser o materialismo do
jovem Marx diferente e superior àquele iluminista. Já Lenin, em seu verbete Karl Marx,
redigido para o Dicionário Granat, em 1914, afirma que “[...] Nos artigos de Marx
publicados pela revista [Anais Franco-Alemães], ele aparece-nos já como um revolu-
cionário que proclama ‘a crítica implacável de tudo o que existe’ e, em particular, ‘a
crítica das armas’, e apela para as massas e o proletariado”
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. Na perspectiva lenineana,
pode-se entender que nesses textos Marx já se insinua como um pensador revolucio-
nário. Netto, por sua vez, ainda o vê como um democrata radical. De qualquer modo,
objetivamente, ali intrincavam os primeiros passos e elementos teóricos que iriam
proporcionar a Aufhebung/salto na transição do democrata radical para o comunista.
Assim, o processo de construção do conhecimento sob a óptica da crítica socialis-
ta já se manifestava claramente no segundo artigo publicado no mesmo número dos
Anais, Contribuição à crítica da Filosofia do Direito de Hegel – introdução, em que
aparece pela primeira vez em sua obra o termo proletariado e onde aprofunda suas
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Lukács chama a atenção para sua crise teórica, de 1843, e o próprio Marx se refere a essa crise
no Prefácio de 1859 da Contribuição à crítica da economia política. Veja-se György Lukács, Il
Giovane Marx, Roma Riuniti, 1978, p. 52
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Veja-se Vladímir Ilitch Lenin, Lenin – Obras completas, v. i, Madri, id: Akal, 1978. v. I. p. 157-158.