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Editorial
Neste segundo número, a Reoriente aborda grandes temas do sistema mundial capita-
lista ao tomar em consideração sua longa duração, a crítica de sua economia política,
questões emergentes do século XXI e dimensões estratégicas do pensamento contra-
-hegemônico. Assim, a expansão da economia mundial capitalista, seus ciclos, suas
crises, imperialismos, hegemonias, dependência, subimperialismos, nacionalismos e
grandes nomes do pensamento crítico são os temas-chave que permeiam este novo
volume que ora publicamos.
Na segunda parte de sua entrevista, Orlando Caputo, destacado pensador da
teoria marxista da dependência, aponta a necessidade de aprofundar a relação entre
o estudo da economia mundial e a teoria da dependência, para dinamizá-la e apro-
fundá-la. O autor diverge de François Chesnais e Robert Brenner, que vinculam a
globalização à imposição de um regime de acumulação nanceirizado, e aponta,
desde meados dos anos 1980, a recuperação da taxa de lucro e do protagonismo
do capital produtivo sobre o capital nanceiro, situação que se consolida a partir
dos anos 1990. Tal recuperação associa-se ao fortalecimento relativo da liderança
dos Estados Unidos frente ao Japão, interrompendo sua ascensão e lançando-o na
estagnação prolongada. Todavia, Caputo assinala que a globalização neoliberal da
economia mundial foi uma resposta à queda das taxas de lucro nos anos 1970-80 e
impulsionou os investimentos transnacionais dos Estados Unidos e Reino Unido,
gerando uma superprodução de mercadorias que alavancou a China e o sudeste
asiático como centros produtivos.
Tal movimento e seus impactos globais não foram sucientemente captados por
aqueles que permaneceram reféns do nacionalismo metodológico, mantendo-se res-
tritos à análise das economias nacionais. Abriu-se uma profunda disputa na econo-
mia mundial entre, de um lado, a China, que vai se tornando a potência econômica
dominante, e, de outro, os Estados Unidos, que permanecem como potência hege-
mônica mundial por sua capacidade de articular as dimensões do econômico, polí-
tico, militar e ideológico, e busca limitá-la e contê-la. Ele aponta que se produziram
seis crises cíclicas no interior do processo de globalização entre os anos 1970-2000,
mas, a partir de 2008, as crises passam a ser do processo de globalização, e é aí onde se
inscreve a mais recente, de 2020, que pode colocar em questão a hegemonia mundial
do neoliberalismo e abrir o espaço para amplas formas de reorganização mundiais.
O autor analisa ainda o padrão de acumulação neoliberal na América Latina, os
bloqueios que essa forma de dependência coloca para o seu desenvolvimento, as ex-
plosões sociais no Chile, seus impactos sobre as mudanças políticas em curso, os
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novos aportes no âmbito das teorias da dependência e do imperialismo, a crise eco-
lógica, as pandemias e sua vinculação à globalização capitalista.
Javier Ezcurdia e Christopher Chase-Dunn, duas das principais referências nas
análises dos sistemas-mundo, abrem a seção de artigos e apontam que o mundo en-
tra numa nova era dos extremos, de grandes riscos, mas também de oportunidades
para a esquerda mundial. Para neutralizar os riscos da guerra, da catástrofe, e guiar
a transição rumo a um novo sistema mundial que promova a emancipação da hu-
manidade das estruturas de opressão e violência que a submetem e a ameaçam, as
esquerdas devem forjar um instrumento organizacional capaz de articular essas lutas
em múltiplas dimensões. Os autores propõem a construção de um arcabouço diago-
nal, que chamam de navio, pelas linhas que lhe dão formato, para vincular de forma
horizontal e com o mínimo de hierarquias as lutas nacionais, locais, globais, de classe
e interseccionais em projetos mundialmente solidários, coordenados e capazes de se
retroalimentarem. Destacam a necessidade de construção de um fórum global que
promova temas como o nacionalismo progressista antifascista, a justiça climática, os
direitos humanos, o feminismo, o antirracismo, os direitos indígenas, a descoloniza-
ção, os direitos queer, as redes de compartilhamento, o transnacionalismo anticor-
porativo, a governança global democrática, o ativismo popular local progressivo, as
alianças pela paz e contra a guerra etc.
Leonardo Leite e Marcelo Carcanholo propõem uma revisão da teoria do impe-
rialismo para situar historicamente os marcos explicativos da gênese da dependência.
Apontam o seu estabelecimento a partir do estabelecimento da grande indústria, da
criação do mercado mundial e das transferências internacionais de valor que provo-
ca. Tal proposição implica estender o conceito de imperialismo para fora do âmbito
de um capitalismo monopolista, antes do surgimento deste, já no início do século
XIX, quando o mercado mundial se estruturou de forma desigual e combinada.
Sahan Savas Karatasli analisa a dinâmica do nacionalismo em busca de Estado
distinguindo-a do nacionalismo que se exerce no âmbito do Estado. O autor toma
em consideração o período de 1492-2013 e lastreia vasta análise empírica histórico-
-comparativa para construir uma robusta sistematização teórica. Ele aponta que as
crises dos ciclos sistêmicos de acumulação – principalmente as terminais –, o desen-
volvimento desigual e a relação entre agência e estrutura são chaves para impulsionar
contextos estruturais de proliferação desse tipo de nacionalismo, bem como as suas
probabilidades de êxito. Os resultados que atingem são muito mais determinados
pelo contexto em que atuam combinado com a presença de uma capacidade própria
de organização, do que pela intensidade com que agitam suas bandeiras e seus
objetivos. O autor menciona que a conjuntura atual que combina nanceirização,
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crise geopolítica, crise social e que instala o caos sistêmico a partir do início do século
XXI, abre espaços estruturais para a atuação de movimentos nacionalistas em busca
de Estado. O autor alerta para o fato de que nem todas as mobilizações nacionalistas
são progressistas, podendo assumir caráter regressivo se as velhas elites realizam um
pacto com nacionalistas em busca de Estado para fortalecer a coerção e lançar uma
parte da população contra outra com o objetivo de manter privilégios.
Claudio Katz analisa o fenômeno do subimperialismo no Oriente Médio to-
mando em consideração três casos: Turquia, Arábia Saudita e Irã. Buscando ins-
piração na obra de Ruy Mauro Marini, o autor situa o subimperialismo como a
atuação de economias intermediárias em seu espaço geopolítico regional através
de poderosas incursões militares e busca de autonomia relativa diante das grandes
potências. Entretanto, arma que, no Oriente Médio, o subimperialismo também
se articula a uma história de longa duração de rivalidades pré-capitalistas. Para ele,
a Turquia é o principal poder subimperialista na região, com importante arsenal
atômico vinculado à Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), mas
certa capacidade de atuação própria, que se aprofundou com a reação de Endorgan
à Primavera Árabe e à tentativa de desestabilização de seu governo em 2016, apoia-
da por Obama, quando fortaleceu suas vinculações à Rússia. Ao analisar a Arábia
Saudita, Katz destaca três características do seu subimperialismo: o investimento
direto nas economias vizinhas, a cooperação antagônica com os Estados Unidos
e o expansionismo militar no Oriente Médio, e são esses três aspectos que ele se
dedica a analisar. O autor argentino destaca que o Irã é o principal rival geopolítico
do regime wahabista. A reorientação do seu alinhamento geopolítico com a queda
da monarquia Pahlavi e a revolução islâmica colocaram o país em conito com
o poder estadunidense, aproximando-o da Rússia e inscrevendo-o em inúmeros
conitos regionais pela disputa do poder político na região.
Jones Manoel aborda a elaboração de uma contra-história do liberalismo desen-
volvida pelo destacado autor italiano Domenico Losurdo (1941-2018), tomando
como referência central a questão Stalin. Ele refuta os epítetos de neostalinista lan-
çados contra Losurdo, apontando estes que fazem parte da mesma estratégia con-
tra-revolucionária que demonizou Robespierre, os líderes da Revolução Haitiana,
da Revolução Russa para ocultar os vínculos do liberalismo com o colonialismo e o
racismo, denunciados pelo jacobino francês, pelos jacobinos negros e pelo sucessor
de Lenin no comando do Estado soviético. Ao acolher essas e outras dimensões po-
sitivas do período stalinista, mesmo sem deixar de criticá-lo, Losurdo sofre ataques
ferozes do paradigma liberal que penetra em setores expressivos da esquerda que
lhe são caudatários.
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EmBem Viver e democracia no pensamento de Mariátegui e Gramsci, César Ger-
maná inaugura uma aproximação entre esses dois grandes pensadores. Nas palavras
do autor, em vida, ambos se ignoraram, mas tanto Gramsci quanto Mariátegui ques-
tionaram em tempos e processos históricos distintos a ideologia do progresso inevi-
tável, sustentada pelas correntes liberais e pelo marxismo eurocêntrico. Para Germa-
ná, a partir desses dois grandes pensadores, a questão da democracia no socialismo
não se refere às relações dos cidadãos com o Estado como uma máquina institucional
separada do controle imediato dos produtores e, menos ainda, à crítica ética à dita-
dura. Em vez disso, aponta a necessidade de erradicar o caráter explorador das rela-
ções de produção capitalistas. E essa supressão não pode ser realizada se não forem
superadas as instituições políticas que implicam a privatização do poder político e
que impedem a socialização do poder. As reexões de Mariátegui e Gramsci sobre
democracia e socialismo nos ajudam a compreender que a democracia direta consti-
tui uma das bases essenciais para a construção do projeto de bem viver.
Na seção de resenhas, Jales Dantas da Costa apresenta a análise da importante
biograa de Gustav Meyer sobre Friederich Engels, publicada pela editora Boitempo
em homenagem aos 200 anos de seu nascimento. Carlos Alberto Serrano Ferreira faz
a crítica do livro de Carlos Eduardo Martins, Dependency, neoliberalism and globali-
zation in Latin America, publicado pela editora Brill, que atualiza e estende o original
em português, além de estabelecer um novo olhar sobre o conceito de superexplora-
ção da força de trabalho que reivindica e, ao mesmo tempo, pretende revisar alguns
aspectos do enfoque de Ruy Mauro Marini para desenvolvê-lo.
Na sessão de homenagens, Maribel Aponte Garcia homenageia o jamaicano Nor-
man Girvan (1941-2014), uma das principais referências do pensamento crítico
mundial, destacando seus aportes para a formulação de uma teoria da dependência
caribenha. Dídimo Castillo dedica seu texto a Marco Gandasegui, hijo (1943-2020),
um dos maiores sociólogos panamenhos, destacando seus estudos sobre os Estados
Unidos, sua estrutura de poder e hegemonia, que levaram à fundação de um grupo
de trabalho no Conselho Latino-americano de Ciências Sociais (CLACSO) sob sua
inspiração. Castillo destaca os elementos centrais do aporte de Gandasegui, distingue
os vetores básicos da crise de hegemonia e como as cisões que provocam na clas-
se dominante se atualizam à medida que aquela se agrava, aprofundando conitos
internos. Deni Alfaro Rubbo analisa a biograa e a obra de Aníbal Quijano (1928-
2018), um dos cientistas sociais latino-americanos de maior projeção internacional,
apontando que sua originalidade vem da capacidade de fundir de forma própria as
várias inuências que sofreu, como as do Instituto Latinoamericano de Planicación
Económica y Social (ILPES), da teoria da dependência elaborada no CESO e das
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análises dos sistemas-mundo, por meio do que realiza uma vigorosa crítica à mo-
dernidade capitalista, ao imperialismo, à dependência e à colonialidade do poder,
impulsionando novos sujeitos e novas formas de emancipação.
A Reoriente agradece especialmente a colaboração neste número de Raquel Coe-
lho, Pedro Martinez e Lourdes Flores Bordais.
Carlos Eduardo Martins, Joana das Flores e Roberto Goulart Menezes