Reoriente • vol.2, n.1 jan/jun 2022 • DOI: 10.54833/issn2764-104X.v2i1p136-141 141
inadiável: compreender o que foi o processo de deculturação, desenraizamento pelo
caldeamento, aculturação e emprobrecimento cultural. O negro e o índio, primeiro
desumanizados (tratados como coisas ou como bichos), boçais, re-humanizados
se converteram em ladinos (ladino que vem de latino e quer dizer povo latino/
americano), na sua expressão “uma ninguendade”, que é o brasileiro. Uma nova
espécie no plano étnico, não indígena, não africana, não europeia e inteiramente
distinta de todas elas. Esse ninguém e homem tábua rasa é o brasileiro comum que
se construiu mais receptivo às inovações do progresso que o camponês europeu
tradicionalista. Por outro lado, e não menos importante, Darcy destaca em todos seus
principais livros que o brasileiro é sobretudo um homem traumatizado e deculturado,
produto do caldeamento racial de seus contingentes e de sua aculturação no corpo
de novas etnias. Daí a importância de estudos sobre processos de deculturação e
trauma, processos traumáticos de natureza biótica, econômica e psicossocial. “Biótica”
pelas epidemias, “econômica” por massacres e etnocídios, mesmo levando em conta
as bravas resistências dos índios e as lutas cruentas dos negros contra a escravidão.
Já os processos de natureza psicocultural são processos traumáticos oriundos do
sofrimento causado pelo preconceito social e pela discriminação interiorizada em
seus valores básicos, que produzem as mais variadas e sérias doenças psíquicas.
Para Darcy, nos processos de deculturação e trauma, há, no Brasil, um aspecto ainda
mais perverso: a imagem de solidariedade quando de fato se desarma o negro da
luta contra a pobreza e se dissimula as condições a que é submetido. Essa ideologia
assimilacionista ilude e esconde que a vitória só é alcançável com a revolução social.
Neste ponto, sublinho a constatação de Darcy na leitura do discurso ideológico
neoliberal, teoria e ideologia que se sustentam na elegia ao individualismo, à
concorrência e à introjeção da fatalidade na naturalização da pobreza na ideia
perversa de que o indivíduo (pobre) é o responsável por sua própria pobreza.
Entretanto, Darcy vai além ao constatar que o fundamentalismo do mercado no
Brasil dá mais um passo na sua perversidade, destacando a raça como fator de atraso.
Ou seja, índios, negros, mulatos são os responsáveis por seus próprios fracassos.
Além de toda essa violência econômica, social e psíquica, Darcy adiciona mais um
elemento na deculturação sofrida: a violência imposta pela indústria cultural através
da rádio, cinema e TV, uma massa de bens culturais que carregam o marketing de
uma forma de vida vazia, voltada para o consumo, no capitalismo atual. Darcy
sublinha que todos esses fenômenos ameaçadores da vida e da cultura brasileira se
fazem com a conivência de uma classe dominante que, entre outros desabonos, é
“enferma de desigualdade” e se afunda na defesa do espontaneísmo do mercado
e na irresponsabilidade social do neoliberalismo..(Ribeiro, 2008, p. 247). Mas em