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RESENHAS
DIESEN, Glenn. Europe as the Western Peninsula of Greater Eurasia:
geoeconomic regions in a multipolar world. London:
Roman & Littlefield, 2021, 230 p.
Carlos Eduardo Martins
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Glenn Diesen é ainda pouco conhecido do público brasileiro e latino-americano.
Nascido na Noruega em 1979, exerce, entre outras atividades, a função de professor e
pesquisador da Universidade de South-Easthern Norway, da Escola de Altos Estudos
de Ciências Econômicas de Moscou, e é membro do Clube de Discussão de Valdai,
ink ank fundado em 2004 e que reúne centenas de intelectuais e personalidades
de diversas partes do planeta com o objetivo de auxiliar o governo russo a elaborar
uma visão própria da geopolítica mundial, capaz de estabelecer alternativas à globali-
zação neoliberal e à pretensão de unipolaridade estadunidense. Autor de vários livros
de destaque, como e Decay of Western Civilisation and Resurgence of Russia (2020)
e Russian Conservatism: mananging change under permanent revolution (2021), Die-
sen vem se notabilizando como um dos mais relevantes autores de um pensamento
que busca lançar os fundamentos estratégicos de um mundo multipolar através da
construção de um espaço geoeconômico eurasiano capaz de confrontar a hegemonia
mundial dos Estados Unidos, bem como sua projeção para o Atlântico Norte, e supe-
rar o domínio dos poderes marítimos sobre o das grandes massas terrestres. Exata-
mente por essa razão, tem sofrido ataques do liberalismo intelectual dominante, que
busca desqualicar a importância de suas contribuições.
Ele aponta que a hegemonia está ligada ao controle de três dimensões: indús-
trias estratégicas, corredores de transporte e instrumentos nanceiros. O domínio do
Atlântico Norte sobre o mundo se estabeleceu pela superioridade do controle maríti-
mo na garantia dos corredores de transporte, o que permitiu àqueles que lhes dirigi-
ram obter vastos suprimentos de matérias-primas, impor uma divisão internacional
do trabalho articulada e usufruir de proteção do território contra ameaças militares,
particularmente em Estados-ilhas, como a Grã-Bretanha, e os Estados Unidos. Toda-
via, o autor assinala que essa superioridade não é denitiva, mas histórica, podendo
ser modicada pelo desenvolvimento de vastos corredores de transporte bimodais
* Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo (2003). Professor Associado do Instituto de
Relações Internacionais e Defesa da Universidade Federal do Rio de Janeiro e do quadro permanente do
Programa de Pós-Graduação em Economia Política Internacional (PEPI/UFRJ), professor visitante no
Arrighi Center for Global Studies e pesquisador do CLACSO.
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nas grandes massas territoriais, promotores da articulação entre conexões terrestres
e marítimas. A associação entre tais corredores e o domínio tecnológico e nanceiro
pode alterar signicativamente as relações de poder no mundo e substituir o domínio
dos grandes poderes marítimos, que relegava as grandes zonas territoriais à posição
periférica, limitando em grande parte o desenvolvimento de sua infraestrutura aos
interesses dos grandes centros de poder mundial.
Diesen assinala que a política externa estadunidense deu centralidade à contenção
dos poderes territoriais na Eurásia desde as obras de Nicholas Spykman e George Ken-
nan, o que orientou suas ações no pós-guerra. Discípulos de Halford Mackinder e de
sua teoria do Heartland – que desaou a tese de Mahan da inevitável superioridade do
poder marítimo ao armar que quem desenvolvesse os corredores de transporte no
coração da Eurásia, Alemanha-Rússia, e o integrasse alcançaria a hegemonia mundial
–, Spykmann e Kennan constroem seus paradigmas do Rimland e da contenção. A con-
tenção destacou a necessidade de os Estados Unidos controlarem a periferia ocidental
da Eurásia e a necessidade de usarem a Alemanha, a Otan (Organização do Tratado do
Atlântico Norte e o Japão como instrumentos de isolamento e de limitação da capa-
cidade industrial da União Soviética e dos poderes eurasianos. A visão geopolítica de
Henry Kissinger que estabeleceu a política de open-door para a China a partir dos anos
1970, foi marcada por essa mesma concepção, buscando isolá-la da União Soviética,
aprofundando e fragmentando a cooptação de poderes na Eurásia. Tais preocupações
estruturais da política norte-americana impediram que a proposição de um domínio
global liberal norte-americano no pós-Guerra Fria fosse capaz de incorporar a Rússia,
mantendo-se a política de isolamento e de ameaça militar pela expansão da Otan para o
Leste, de um lado e, de outro, a de desindustrialização por meio da penetração do neo-
liberalismo. Essa orientação exige cada vez mais subordinar a Europa ao poder estadu-
nidense, aprofundando suas assimetrias, o que Diesen trata sob o conceito de balanço
da dependência, processo cada vez mais contraditório com os interesses estratégicos
europeus à medida que a hegemonia dos Estados Unidos aprofunda seu declínio e per-
de a capacidade de prover bens públicos, exigindo lealdades e alianças para atender
exclusivamente aos seus interesses particulares.
O crescente deslocamento do poder industrial e econômico para a China a partir
de sua crescente inserção na economia mundial, que combinou o desenvolvimento
da soberania nacional com janelas de oportunidade proporcionadas pelas políticas
de open-door, levou os Estados Unidos, a partir da eleição de Donald Trump, a rom-
perem com a política de acomodação do país asiático na ordem mundial liberal, para
privilegiarem a de contenção. Longe, entretanto, de esse giro representar um ponto
fora da curva imposto pelo exotismo de Trump, sinalizou, em verdade, uma mudan-
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ça de paradigma e o m da ascensão pacíca da China na economia mundial. Isso se
evidencia no crescente direcionamento da OTAN contra a China, no uso do espaço
Indo-Pacíco como instrumento de cerco, na crescente militarização do Mar do Sul
da China e nas sanções comerciais, nanceiras e diplomáticas para restringir a pro-
moção de corredores de transporte bimodais impulsionados pelo país asiático. Tais
tendências destacadas por Diesen buscam não apenas limitar a ascensão da China,
mas sobretudo o estabelecimento geoeconômico e geopolítico da Eurásia, por meio
do qual a Rússia poderia reforçar a sua autonomia jogando um papel estratégico na
articulação da Europa com a China. O suporte nanceiro e militar estadunidense à
guerra na Ucrânia, as draticas sanções nanceiras e comerciais impostas à Rússia,
a criação da Aukus (Austrália, Reino Unido e Estados Unidos), a manutenção da
guerra comercial e diplomática por Biden contra a potência sínica e a doutrina de
conceito estratégico da OTAN, considerando uma ameaça à ordem internacional a
pretensão da China de dominar a fronteira tecnológica, ter acesso a materiais estra-
tégicos e aliar-se à Rússia, indicam o estabelecimento de uma nova era. Nesse livro,
publicado em 2021, Diesen aponta e antecipa as linhas fundamentais dessas tendên-
cias para onde convergem republicanos e democratas, mesmo com diferentes estilos
e matizes, revelando a agudeza de sua visão geopolítica.
A crise de 2008 marcou para a China o salto do paradigma da ascensão pacíca
para o do jogo de cooperação positiva win-win. Na ascensão pacíca, a China for-
talecia sua soberania, mas se subordinava à hegemonia estadunidense e sua ordem
internacional, articulando a dinâmica econômica interna à criação de plataformas
de exportação para a potência anglo-saxã e utilizava seus superávits comerciais para
sustentar o parasitismo norte-americano por meio da compra de seus títulos da dí-
vida pública. Com o jogo de cooperação positiva, a China não apenas opera nos
espaços internacionais de interesse dos Estados Unidos mas os subordina à criação e
estabelecimento dos seus próprios espaços geopolíticos: lança a nova Rota da Seda,
lidera a criação do BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), fortalece a
Organização para a Cooperação de Shangai e coloca como meta até 2049 dominar
a fronteira tecnológica digital, espacial e ambiental, promover corredores de expor-
tação bimodais que desenhem a integração geoeconômica das grandes massas da
Eurásia e do Sul, e estabelecer instrumentos nanceiros que substituam a hegemonia
do dólar. A criação do Novo Banco de Desenvolvimento (BRICS), do Banco Asiático
de Investimento em Infraestrutura, do Fundo da Rota da Seda, a internacionalização
do renminbi, o uso de moedas digitais, o aumento das reservas em ouro e o emprego
de sistemas nanceiros alternativos ao Society for Worldwide Interbank Financial Te-
lecommunication (SWIFT) como o Cross-Border Interbank Payment System(CIPS),
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são instrumentos que vêm sendo usados para abrir alternativas ao dólar.
Entretanto, a política de sanções, cerco e ameaça militar contra China e Rússia por
parte dos Estados Unidos tem implicado no resultado inverso ao planejado, como já
apontava o autor, impulsionando a aproximação entre esses dois grandes pilares da
Eurásia, deles com países isolados pela ordem internacional norte-americana e com
outros, como a Índia, que buscam aproveitar as oportunidades de acesso a enormes
mercados criadas pela adesão de aliados aos vetos e sanções norte-americanos, como
é o caso da União Europeia. Cabe à União Europeia fazer a opção entre aprofundar o
balanço da dependência e constitui-se num protetorado militar dos Estados Unidos,
anexo de sua política externa, ou armar sua autonomia e acreditar-se como região
estratégica de um mundo multipolar, entre o hemisfério ocidental e o Oriente, opção
defendida por Diesen
O pensamento de Diesen representa um importante aporte para uma geopolítica
do século XXI, mas seus limites estão na matriz realista de que parte para fundar a
sua visão contra-hegemônica, o que o leva a conceber o Estado como uma unidade,
suprimindo as contradições internas e as lutas de classes que o fundamentam do seu
referencial teórico. Dessa forma, tende a referendar como constitutiva da subjetivi-
dade russa uma unidade civilizatória e cultural conservadora, de longa duração, an-
tiliberal, que Putin mobilizaria frente às ameaças expansionistas anglo-saxãs. Assim,
as lutas internas são minimizadas e temáticas relacionadas a direitos universais são
vistas com restrição, quando, em verdade, as disputas no interior do Estado podem
ser também parte do processo de armação e desenvolvimento de novos polos de
poder no mundo, como foi o giro proporcionado pelo estabelecimento do paradig-
ma do New Deal na política pública estadunidense nos anos 1930, que iria ganhar
novas dimensões com o keynesianismo militar dos anos 1940 e do pós-guerra e com
a Grande Sociedade de Lyndon Johnson nos anos 1960. Tais limites, todavia, não de-
vem obscurecer os imensos aportes trazidos pelo autor para pensarmos, com autono-
mia, a América Latina como parte de um novo eixo geopolítico emancipario que,
mais que eurasiano, deverá expressar a emancipação do Sul Global da longa duração
colonial e imperialista no mundo.