Reoriente • vol.2, n.1 jan/jun 2022 • DOI: 10.54833/issn2764-104X.v2i1p187-191
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va de classe, nos induzem a pensar as particularidades das nossas formações sociais,
produzindo conhecimento, e abominam o eurocentrismo das análises que permeiam
os partidos de esquerda neste momento.
No texto A categoria político-cultural de amefricanalidade, Lélia Gonzalez retoma
a questão da colonização e traz um elemento a mais: racismo, colonialismo, imperia-
lismo e seus efeitos. Aqui se faz importante reforçar os tipos de racismo que se dão
de forma diferenciada na América Latina – os países de colonização saxônica e os de
colonização ibérica: racismo aberto e racismo disfarçado. No primeiro, desenvolvido
em países anglo-saxões, é negro quem possui antepassados negros; a miscigenação
torna-se algo praticamente impossível. O que ocorre é uma segregação total dos gru-
pos negros, como foi o caso da África do Sul, com a sua doutrina “igual, mas sepa-
rado”. O contrário acontece nos países latino-americanos. Aqui imperou o racismo
disfarçado, ou, segundo nominou Lélia Gonzalez, “racismo por denegação”. Em suas
palavras, “[...] a chamada América Latina que, na verdade, é muito mais Ameríndia
e amefricana do que outra coisa, apresenta-se como o melhor exemplo de racismo
por denegação” (GONZALEZ, 2020, p. 130). Amérindia é o termo usado pelo psi-
canalista Magno Machado Dias (MD Magno) em um congresso sobre psicanálise e
linguagem nos anos 1980. Magno fala de uma América-Africana, faz alusão ao ro-
mance de Mário de Andrade Macunaíma e, a partir do nascimento deste, à questão
da raça. Não no sentido
[...] físico-antropológico ou biológico do termo, mas no sentido de coalescência discursiva
(aliás, é como Lacan dene: raça como repetição discursiva) desse que, no texto, é chamado o
herói da nossa gente – ou seja, aquele que poderia arcar com a posição paterna – certamente,
tivesse ganho, às avessas, a batalha discursiva? (MD, 2008, p. 7).
Mas o que diz sobre o racismo latino-americano é que ele é “[...] sucientemente
sosticado para manter negros e índios na condição de segmentos subordinados no
interior das classes mais exploradas, graças à sua forma ideológica mais ecaz: a ideo-
logia do branqueamento” (MD, 2008, p. 131).
A categoria amefricanidade aponta para um rompimento por meio da linguagem.
Para romper com o que nos torna “cativos de uma linguagem racista”, a autora propõe
“amefricanidade” ou americanos “para designar a todos nós” (GONZALEZ, 2020, p.
134). Para Lélia Gonzalez, as
[...] implicações políticas e culturais da amefricanidade são de fato, democráticas: exatamente
porque o próprio termo nos permite ultrapassar as limitações de caráter territorial, linguístico
e ideológico, abrindo novas perspectivas para um entendimento mais profundo dessa parte
do mundo onde ela se manifesta: a América como um todo (Sul, Central, Norte e Insular).