Reoriente • vol.2, n.1 jan/jun 2022 • DOI: 10.54833/issn2764-104X.v2i1p143-144 143
Darcy Ribeiro: Experiências pessoais
Isaac Roitman
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No início da década de 60 do século passado, eu estava iniciando a pós-graduação na
Universidade Federal do Rio de Janeiro. Tinha notícias esparsas sobre a implantação da
Universidade de Brasília (UnB), conduzida por Darcy Ribeiro e Anísio Teixeira. Naquela
época, jamais pensei que teria o privilégio de desenvolver minha carreira na UnB.
Quando cheguei à UnB em 1972, mediada por Amadeu Cury, que foi reitor da
UnB, encontrei alguns vestígios do plano diretor da universidade, destruídos pela
crise de 1965, quando a quase totalidade de professores, solidários a professores
perseguidos, pediu demissão. Esse episódio está bem documentado no livro
Universidade Interrompida (editora UnB), de autoria de Roberto Salmeron.
Meu primeiro contato pessoal com Darcy foi na segunda metade da década de 80,
quando fui Decano (Pró-Reitor) de Pesquisa e Pós-Graduação em uma cerimônia de
diplomação de cursos de graduação em todas as áreas de conhecimento, realizada em
um ginásio de esportes. Tive o privilégio de sentar-me ao lado de Darcy, na tribuna
de honra. Ele seria o paraninfo dos formandos. Antes de cantarmos o Hino Nacional,
os estudantes adentraram na arena do ginásio. Eu, emocionado, me dirigi ao Darcy
e disse: “Esses jovens vão construir um Brasil feliz. Darcy respondeu: “Certamente.
Darcy faria um discurso. Observei que estava agitado, peguei em suas mãos tremulas
e providenciei um copo com água. Ele se acalmou e fez um brilhante discurso,
encantando os jovens, lançando luzes nos seus futuros.
O meu segundo encontro com Darcy foi em 1995, quando fui convidado pelo
Reitor da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF),
Wanderley de Souza, para colaborar na implantação dessa universidade, que Darcy
chamava de Universidade do Terceiro Milênio. O encontro durou quatro horas
e foi realizado no Hospital Sarah Kubitschek, onde Darcy recebia os cuidados de
doença grave. Eu deveria assumir a direção do Centro de Biociências e Biotecnologia
(CBB) e minha expectativa era receber orientações da minha missão nessa nova
universidade. Foi exatamente o contrário. Darcy pouco falou e provocou-me para
saber dos meus planos e ideias. Lembro-me muito bem de uma frase de Darcy
naquela ocasião: “Roitman, a UENF é uma universidade experimental. Faça que suas
ideias se transformem em realidade. Não leia as diretrizes do MEC, eu resolvo depois
em Brasília. Essa frase foi o meu lema nos quase dois anos que permaneci na UENF.
* Professor Emérito da Universidade de Brasília
144 HOMENAGENS
Um episódio que pode ser enquadrado na dimensão da arte do humor aconteceu
dias depois de minha chegada à UENF. Estava programada uma aula magna que
seria proferida pelo então Ministro da Educação, Paulo Renato de Souza. Antes
da cerimônia, o Ministro visitaria o CBB, provavelmente pela excelência dos
equipamentos. A joia da coroa era um super microscópio eletrônico de última
geração. Coloquei um avental e fui receber o Ministro e Darcy, acompanhados de
autoridades e de um grande número de jornalistas. O ponto alto da visita seria mostrar
ao Ministro o moderno microscópio do CBB. Eu ainda não tinha consolidado o
mapa geográco do CBB e levei a comitiva para ver o microscópio eletrônico antigo
e ultrapassado. Ao meu lado, Darcy me cutucou e disse: “Não é esse Roitman, é o
outro. Para não confessar meu condenável erro, disse: “Deixe ele ver esse, que é o
que ele adquiriu quando foi Reitor da Universidade Estadual de Campinas, depois
mostramos o outro. Darcy me respondeu: “Excelente ideia.
Também cou gravado em minha memória o depoimento pessoal da fuga de
Darcy da unidade de tratamento intensivo (UTI), inclusive com parada para um
pastel e um caldo de cana, que resultou na conclusão do livro O Povo Brasileiro.
Durante minha estada na UENF em Campos dos Goytacazes, era frequente,
nos ns de semana, um encontro com Darcy em seu apartamento em Copacabana,
seguido de uma confraternização em um bar nas proximidades. Cada encontro com
ele era um aprendizado. Conversar com Darcy era inspirador. Ele transmitia energia
para as transformações necessárias para construirmos um Brasil melhor e mais justo.
Em 2017, quando se lembrava os 20 anos do falecimento de Darcy, a Secretária de
Comunicação da UnB me desaou a fazer uma entrevista imaginária, com indagações
que eu responderia como se fosse ele. Aceitei o desao e, por uma semana, z uma
imersão para responder os questionamentos. A entrevista “Nos 20 anos da morte de
Darcy Ribeiro, uma entrevista imaginária” pode ser acessada no portal da UnB.
Termino este breve depoimento com uma frase de Darcy que é atual para
construirmos uma civilização sonhada por ele: “Brasil, último país a acabar com
a escravidão, tem uma perversidade intrínseca na sua herança, que torna a nossa
classe dominante enferma de desigualdade, de descaso. As ideias e ideais de Darcy
estão vivas e são um combustível para construirmos um país feliz para as próximas
gerações.