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Urbanização, Superexploração e Espaço Metropolitano Brasileiro no
Capitalismo de Plataformas
André Almeida de Abreu *
RESUMO
O espaço urbano tem se metropolizado, convertendo cada vez mais dimensões da vida social em merca-
doria. Simultaneamente, o empresariamento do Estado e do trabalho tem favorecido a superexploração
nas grandes metrópoles brasileiras, cada vez mais adensadas, espraiadas, verticalizadas e desiguais. O
presente artigo consiste no produto de uma revisão bibliográca como ponto de partida para a produção
de uma tese doutoral, lançando olhar sobre a plataformização do trabalho e seu entrelaçamento com os
processos de globalização, metropolização do espaço e empresariamento neoliberal. O intuito é analisar
como o capitalismo informacional forneceu as bases para o desenvolvimento do capital por platafor-
mas. Também pretendemos reetir sobre as possibilidades de ação contra as formas hegemônicas de
produção do espaço, produzindo a negação do processo de superexploração do subproletariado urbano
brasileiro.
Palavras-chave: Metropolização. Superexploração. Plataformização
ABSTRACT
Urban space has become metropolised, converting more and more dimensions of social life into mer-
chandise. At the same time, state and labor entrepreneurship has favored overexploitation in the large
Brazilian metropolises, which are increasingly dense, spread out, verticalized and unequal. is article
consists of the product of a bibliographic review as a starting point for the production of a doctoral
thesis. It takes a look at the platforming of work and its intertwining with the processes of globalization,
metropolization of space and neoliberal entrepreneurship. e aim is to analyze how informational
capitalism provided the basis for the development of platform capital. We also intend to reect on the
possibilities of action against the hegemonic forms of space production, producing the negation of the
process of overexploitation of the Brazilian urban subproletariat.
Keywords: Metropolization. Overexploitation. Platformization
RESUMEN
El espacio urbano se ha convertido en metrópolis, convirtiendo cada vez más dimensiones de la vida
social en mercancías. Al mismo tiempo, el emprendimiento estatal y laboral ha favorecido la sobreex-
plotación en las grandes metrópolis brasileñas, cada vez más densas, dispersas, verticalizadas y desi-
guales. Este artículo consiste en el producto de una revisión bibliográca como punto de partida para
la elaboración de una tesis doctoral. El artículo analiza la plataforma del trabajo y su entrelazamiento
con los procesos de globalización, metropolización del espacio y emprendimiento neoliberal. El obje-
tivo es analizar cómo el capitalismo informacional proporcionó la base para el desarrollo del capital
de plataforma. También pretendemos reexionar sobre las posibilidades de acción contra las formas
hegemónicas de producción del espacio, produciendo la negación del proceso de sobreexplotación del
subproletariado urbano brasileño.
Palabras-clave: Metropolization. Sobreexplotación. Plataformización
* Professor de Geograa da Rede Municipal de Educação de Maricá. Douturando em Geograa pela
PUC-RJ.
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ARTIGOS (DOSSIÊ)
Introdução
Pode-se dizer que o capitalismo, nas últimas quatro décadas, registrou um salto
cientíco-tecnológico. Esse processo gerou a aceleração dos uxos de mercadorias,
capitais, informação e pessoas. Com efeito, o espaço geográco se complexicou e
precisou ser cada vez mais entendido como um conjunto indissociável de sistemas de
objetos e sistemas de ações (SANTOS, 2006).
O presente artigo resulta da revisão bibliográca realizada ao longo do primeiro
semestre do curso de doutorado do autor e, por esse motivo, ainda carece de uma
dimensão empírica para embasar sua construção teórica e epistemológica. O texto
tem o intuito de estabelecer uma conexão entre processos como a globalização e a
metropolização, de um lado, e o capitalismo de plataformas e a reestruturação do
capital e do espaço, de outro. A ideia é discutir o entrelaçamento desses temas por
meio do desenvolvimento de um diálogo entre alguns autores visitados e revisitados
ao longo do primeiro semestre do curso de doutorado do programa de Pós-gradua-
ção em Geograa da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ).
Algumas das principais categorias trabalhadas nas disciplinas realizadas são desen-
volvidas neste artigo, procurando conectar as discussões realizadas ao longo do curso
com minha proposta de tese – a qual versa sobre a plataformização do trabalho no
contexto metropolitano brasileiro.
Na primeira parte do texto, discuto sobre o capitalismo informacional por meio
de processos como a globalização, com foco na intensicação dos processos de mer-
cadicação e empresariamento do espaço, bem como de diversas esferas da vida so-
cial, ampliando o avanço do modelo empreendedor neoliberal.
Na segunda parte do texto, o foco da discussão é o capitalismo de plataformas e
sua consolidação no espaço metropolitano brasileiro, ampliando a superexploração
do subproletariado excedente (MARINI, 2022; SINGER, 1981) mediante mecanis-
mos de modernização conservadora e valendo-se da ideologia do empreendedoris-
mo e intensicando a metropolização do espaço.
Por m, encaminhamos o desfecho do artigo procurando caminhos que nos le-
vem a construir as possibilidades de ações que sirvam como instrumento de resis-
tência contra as diversas formas de exploração, tendo como horizonte utópico uma
outra produção social do espaço, radicalmente humana e diferente das formas hege-
mônicas, que produzem um espaço alienado.
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Capitalismo informacional, ações e o direito à produção do espaço
A despeito do que pensam os tecnicistas – que enxergam o espaço como uma tábu-
la rasa – com seus modelos e códigos numéricos, o espaço é socialmente produzido.
Indo além, o espaço com o qual nos deparamos hoje resulta, historicamente, de uma
innidade acumulada de ações humanas. Tais ações, em geral, são coletivas, produtos
de uma luta contínua pela sobrevivência, de um lado, e do surgimento de mais e mais
desejos e necessidades, no bojo da relação homem-meio. Podemos dizer, conforme
Marx (2009), que o homem modica o meio, coletivamente, mediante o trabalho, para
satisfazer suas necessidades. Ao fazê-lo, o homem não modica apenas o meio, mas
transforma a si mesmo e, como consequência, inferimos, produz também o espaço.
É verdade, como quer Santos (2006), que tais ações possuem intencionalidades,
revelando, por vezes, projetos hegemônicos ou ações contra-hegemônicas em um
espaço geográco em disputa. Ocorre que há uma diversidade de relações entre ho-
mem e meio, sociedade e natureza, que produzem espaço de formas distintas, de
acordo com modos de vida diversos uns dos outros. No meio urbano, tais diferenças
aparecem o tempo todo. O espaço produzido por uma comunidade pesqueira é, na-
turalmente, distinto daquele que encontramos numa favela formada por imigrantes
nordestinos, que, por sua vez, difere-se completamente de outra favela, marcada pela
ocupação de corpos negros. São racionalidades não hegemônicas, presentes no coti-
diano desses territórios.
Toda essa diversidade, entretanto, é atravessada (por vezes, atropelada) por um
modelo de urbanização que traz consigo a racionalidade do grande capital, dos tec-
nocratas, a qual privilegia o espaço concebido, planejado para gerar lucro, subordi-
nando o uso do espaço ao seu valor de troca, em um processo cada vez mais acelera-
do de mercadicação do espaço urbano (FERREIRA, 2013).
Esta tem sido a dinâmica do processo de urbanização sob o capitalismo. Em um
mundo predominantemente urbano, o Direito à Cidade – ou direito à produção do
espaço, se preferir – é negado à maioria dos cidadãos em prol de um processo de
produção do espaço dominado pelos interesses das grandes rmas, com represen-
tantes de grandes corporações – os quais não foram eleitos por ninguém – denindo
os rumos da vida urbana de milhões de citadinos, num modelo de urbanização que
é antidemocrático e que tem se agravado com os processos de expansão urbana das
regiões metropolitanas no Brasil (LEFEBVRE, 2013). É preciso lutar pelo direito à
cidade. Entendemos a noção de direito à cidade não a como introdução de um direito
normativo – ainda que essa dimensão seja importante na luta vigente – mas através
da ideia de que a luta pelo bem-estar e pela justiça deve estar associada ao entendi-
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ARTIGOS (DOSSIÊ)
mento de que tais conquistas dependem da relação entre direito e emancipação. Os
cidadãos que buscam emancipação devem propor tantos direitos quanto forem ne-
cessários para a conquista de uma vida digna para todos. Compreendemos que a luta
é pelo direito à cidade justa e, consequentemente, pelo reconhecimento de que todos
os citadinos são produtores do espaço.
É bem verdade que a urbanização capitalista privilegia o lucro em detrimento
das necessidades básicas da maioria da população, produzindo um espaço urbano
acentuadamente desigual e que viola as diversas dimensões do Direito à Cidade. En-
tretanto, o desenvolvimento do capitalismo informacional, marcado pela globaliza-
ção – a qual tem intensicado os uxos de capital, mercadorias e informação – tem
elevado muitos desses processos a um novo nível. Essa mudança não é apenas de
ordem quantitativa, mas qualitativa, e diz respeito a um salto no processo de urbani-
zação provocado pela globalização do capitalismo, à qual têm se seguido sucessivos
processos de reestruturação tecnológica, do capital e do espaço. O salto no processo
de urbanização observado período do capitalismo informacional é o que se tem cha-
mado de metropolização.
O que ocorre quando um fenômeno como a plataformização do capital e do tra-
balho encontra um espaço urbano metropolizado? Sabemos que, nas metrópoles, a
acentuada concentração da renda e a desigualdade geram, ao mesmo tempo, uma
demanda por serviços, seguida de ampla oferta de força de trabalho de baixo custo
ávida por trabalhos que exijam baixa qualicação. O resultado é a existência de um
vasto setor de serviços de baixa remuneração, importante objeto para o estudo das
relações de trabalho, principalmente quando consideramos a vasta gama de transfor-
mações que o setor de serviços tem observado a partir da introdução do capitalismo
de plataformas no Brasil ao longo dos últimos anos. Empresas de aplicativo de entre-
ga encontram no chamado quadrilátero metropolitano brasileiro um denso núcleo
urbanizado, tecnicamente equipado, socialmente desigual, espacialmente segregado
e saturado em termos de deslocamento, propiciando condições favoráveis à conso-
lidação do capitalismo de plataformas. Aprofundaremos agora a conexão entre os
fenômenos da metropolização e da plataformização do trabalho.
Metropolização, mercadificação do espaço e a plataformização do trabalho
Hoje, o aspecto concorrencial alcança dimensões antes impossíveis, e a conversão
das relações sociais em processos mercadicados tem atingido quase todas as esferas
da vida social. Cidades concorrem entre si para atrair investimento, dependendo o
bem-estar dos citadinos do bom humor do mercado (um punhado de super-ricos
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do mercado nanceiro). Por outro lado, o Estado e seus diversos entes e instituições
absorvem a lógica empresarial para garantir aquilo que é visto como mais importan-
te: o lucro. Tudo é empresa! Até as pessoas, pois o processo de pejotização escancara
cada vez mais que cada pessoa não deve mais ser um cidadão, alguém possuidor de
direitos, mas, isto sim, uma empresa, um CNPJ que, dizem, depende apenas de sua
capacidade de “capitalizar” de gerar riqueza para obter sucesso (DARDOT & LAVAL,
2016). Os derrotados desse processo são vistos com os únicos culpados por seu p-
prio insucesso, não merecendo o bem-estar a que, teoricamente, teriam direito.
A esse processo de mercadicação – termo proposto pelo geógrafo Álvaro Fer-
reira (2016) – do meio urbano se somam o adensamento urbano, a verticalização
e o espraiamento das cidades. Não estamos mais diante apenas de um processo de
urbanização, mas da metropolização do espaço (LENCIONI, 2017). O processo de
reestruturação produtiva no Brasil – o qual inclui uma reestruturação das relações
de trabalho, do capital e do espaço – foi acompanhado de um aprofundamento da
metropolização do espaço no contexto urbano brasileiro. Os processos de globaliza-
ção, neoliberalização e metropolização, entrelaçados, têm conduzido a uma profunda
mercadicação das mais variadas esferas da vida social. Faz parte desse percurso o
empresariamento das diversas entidades (do Estado até o indivíduo. A ideologia do
empreendedorismo avança em níveis nunca antes vistos.
A metropolização guarda algumas características da própria urbanização, mas vai
além dela. Não quer dizer que a urbanização deixou de existir, mas que há um fenô-
meno diferente não apenas em intensidade, mas de natureza distinta. A mudança de
quantidade se converteu em diferença da qualidade do fenômeno, agora metropolita-
no. A metropolização “se constitui num processo socioespacial que transforma pro-
fundamente o território. A bem da verdade, não se trata de uma simples transforma-
ção, mas de uma verdadeira metamorfose, pois implica profundas alterações, quer de
formas, bem como de estrutura e natureza” (LENCIONI, 2017, p.41). Por outro lado,
a relação urbano-rural antecedente, característica de divisões de trabalho anteriores
à atual, tem sido substituída por uma espacialidade híbrida, em que a dimensão me-
tropolitana está presente no rural, alterando-o, principalmente nos comportamentos,
fruto daquela difusão dos códigos metropolitanos (FERREIRA, 2016).
Podemos dizer que a metropolização é lha de um longo processo de globaliza-
ção, o qual culminou na fase nanceira-informacional dos dias atuais. As regiões me-
tropolitanas são as primeiras a absorver as metamorfoses provocadas por processos
globalizantes. “Dominada pela lógica da cumulação, ela [a metrópole] aponta a con-
dição de integração ao processo global, isto é, à economia global onde se coloca pra-
ticamente a contradição entre espaços integrados e desintegrados ao capital mundial
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ARTIGOS (DOSSIÊ)
(CARLOS, 2015, p. 85).O revolucionamento dos meios de transporte e comunicação
das últimas cinco décadas gerou uma intensicação dos uxos e uma aceleração dos
ritmos, reduzindo aquilo a que Harvey (2013) denomina tempo de giro do capital.
Esse processo teve sérias repercussões para a produção do espaço, tais como a am-
pliação do adensamento urbano, da verticalização e do espraiamento urbano-metro-
politano, já lembrados aqui.
Uma multiplicidade de ritmos mais “lentos” presentes no cotidiano dos espaços
urbanos não hegemônicos é atravessada pelo ritmo acelerado da cotidianidade pro-
gramada (LEFEBVRE, 2021), cada vez mais acelerada de um processo de metropo-
lização voraz.
Outra dimensão do fenômeno metropolitano é a inovação, o surgimento de novas
técnicas, cada vez mais sosticadas, que alteram as relações sociais. Assim, as me-
trópoles têm sido polos de atração para diversas corporações devido a uma série de
razões enumeradas pela geógrafa Sandra Lencioni
a metrópole se constitui numa forma urbana de tamanho expressivo, quer relativo ao número
de sua população, quer em relação a sua extensão territorial. O segundo ponto é que a me-
trópole possui uma gama diversa de atividades econômicas, destacando-se a concentração
de serviços de ordem superior; o terceiro é que ela se constitui num lócus privilegiado de
inovação; o quarto é que se constitui num ponto de grande densidade de emissão e recepção
dos uxos de informação e comunicação, e o quinto é que a metrópole se constitui num nó
signicativo de redes, quer sejam de transporte, informação, comunicação, cultura, inovação,
consumo, poder ou, mesmo, de cidades (LENCIONI, 2017, p. 201)
Por esse motivo, acreditamos que o espaço metropolitano tem se tornado uma área
de interesse para corporações nacionais e internacionais vinculadas direta ou indireta-
mente ao ramo das tecnologias de informação e comunicação (TICs), consistindo em
um importante objeto de análise para entender em que medida empresas por platafor-
mas digitais têm buscado se inserir em zonas metropolitanas como um locus privilegia-
do, explorando seus recursos urbanos e a força de trabalho dessas regiões.
Entendemos que o capitalismo de plataformas – cujas empresas do ramo se inse-
rem nas metrópoles – é uma dimensão do capitalismo informacional, ambos guar-
dando características, no mínimo, semelhantes, tais como a importância do controle
dos uxos de informação para a acumulação de capital, a subordinação de regiões
tecnicamente arcaicas às regiões mais modernas e a submissão da ação humana ao
império da técnica.
Nesse ínterim, a modicação da técnica se converte em transformação das rela-
ções sociais de produção, modicado a divisão social do trabalho. Esta, por sua vez,
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consiste em divisão técnica e territorial do trabalho. Assim, a técnica e o território se
convertem em instrumentos em disputa, tendencialmente em favor do capital. Argu-
mentamos que as estratégias técnicas são também estratégias territoriais.
Plataformização e superexploração do trabalho
A atual fase nanceira-informacional do capitalismo tem fornecido as condições tec-
nológicas para o desenvolvimento das plataformas digitais como instrumentos de acu-
mulação de capital. Mas o que são plataformas? Poell et al (2020) dene as platafor-
mas como infraestruturas digitais reprogramáveis que facilitam e moldam interações
personalizadas entre usuários nais e complementadores, organizadas através coleta
sistemática, processamento algorítmico, monetização e circulação de dados em rede.
A plataformização, por outro lado, está vinculada a formas de governança das
plataformas, que se materializam por meio da classicação algorítmica, privilegiando
sinais de dados especícos em detrimento de outros, moldando assim quais tipos de
conteúdo e serviços podem ser vistos em destaque e o que permanece “fora do radar”
para os usuários (POELL ET AL, 2020). Em suma, a plataformização é um processo
por meio do qual oligopólios de empresas de tecnologia comunicacional controlam
uxos de informação, permitido uma ingerência acentuada na conexão digital entre
fornecedores, vendedores e consumidores nais a partir de procedimentos bilaterais
ou até multilaterais de mercado digital.
No Brasil, a revolução digital e a precariedade das relações de trabalho favorece-
ram o processo de plataformização. A massa excedente de trabalhadores se ampliou
desde 2008, pois a crise econômica, de um lado, empurrou parte considerável dos
brasileiros para a pobreza acentuada, aumentando o volume de trabalhadores com
pouca ou nenhuma qualicação disponível no mercado à procura de trabalho. A me-
tamorfose digital dos serviços, de outro lado, permitiu a esses trabalhadores, ávidos
por qualquer trabalho que garanta sua sobrevivência, encontrassem uma alternativa
que não exigisse qualquer qualicação (principalmente no caso dos aplicativos de
entrega). Além disso, apesar da baixa remuneração, muitos desses aplicativos de ser-
viços de entrega ou transporte permitem para alguns uma rápida fuga da condição de
desemprego – pela via do subemprego, é claro.
A disseminação da indústria digital forneceu a base para o surgimento do capi-
talismo de plataformas. Todo esse processo, como já mencionamos, seria impossível
sem a revolução digital que ocorreu em todo o globo desde o início deste século.
Desde o início da pandemia da Covid-19, tem se percebido o vertiginoso crescimen-
to dos serviços de entrega e transporte por aplicativo de aparelhos celulares, cada vez
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ARTIGOS (DOSSIÊ)
mais perceptível na paisagem das grandes cidades brasileiras quando observamos
o uxo de entregadores circulando pela cidade em suas motocicletas ou bicicletas
portanto mochilas em que constam as marcas das empresas de aplicativos de entrega
– dentre as mais famosas estão o Ifood, o Rappi, Uber Eats, Loggi e, no ramo de livros
e aparelhos, a Amazon. O desenvolvimento do sistema técnico tem aprofundado a
sociedade de consumo e acelerado seus ritmos e uxos.
É notável a forma inexorável como, no capitalismo informacional, tecnologias se
inserem no tecido social por meio do consumo, consolidando novas técnicas na me-
diação das relações sociais, utilizando-se dessa força para subordinar o trabalho. O
consumo das novas tecnologias viabiliza um modo de vida desejado, consolidando o
império da técnica em detrimento do trabalho, cada vez mais controlado e subordi-
nado ao capital por meio das novas tecnologias. Assim, duas dimensões do capitalis-
mo em sua fase nanceira-informacional têm penetrado no tecido social: a sociedade
de consumo e a sociedade de controle – subordinadas ao sistema técnico. Santos
(2006), já apontava para o fato de que aqueles que detêm o monopólio da técnica são
plenamente capazes de exercer domínio sobre os que não a detêm.
O desenvolvimento daquilo a que Santos (2006) denominou meio técnico-cientí-
co-informacional e sua subsequente reprodução dependem não apenas da merca-
dicação de quase todas as esferas da vida social, mas do surgimento, na superestru-
tura, de um sistema ideológico que dê sustentação ao capitalismo informacional. Se
antes, o regime fordista tinha como base ideológica correspondente o keynesianismo,
a base ideológica do regime exível é a doutrina neoliberal. O arquétipo neoliberal
vai além da primazia do mercado sobre o Estado de bem-estar social, ultrapassa o
tripé (macro)econômico preconizado pela Consenso de Washington. O neolibera-
lismo criou um tipo ideal de indivíduo: o empreendedor. Na visão neoliberal, não
há diferença qualitativa entre um megaempresário da Faria Lima e um vendedor in-
formal de refrigerante nas ruas. São todos empreendedores. A diferença seria apenas
quantitativa: o megaempresário, bem-sucedido, dispõe apenas de um volume maior
de renda em relação a seu colega vendedor ambulante.
O mito do empreendedorismo não apenas escamoteia as divisões de classe. Para
utilizar uma terminologia miltoniana, tal ideologia trata a racionalidade presente no
circuito inferior da economia urbana como igual aquela vigente no circuito supe-
rior (SANTOS, 2008). Os apologistas do empreendedorismo ignoram uma diferença
substancial: enquanto o capitalista da Faria Lima tem por objetivo a reprodução am-
pliada de seu capital, o vendedor ambulante busca a sobrevivência. Esta é a diferença
fundamental entre ambos os circuitos. O circuito superior tem como prioridade a
captação do trabalho excedente alheio. O circuito inferior, por sua vez, tem como
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exigência primordial a reprodução do trabalho necessário – ainda que o trabalho
excedente possa ser obtido pelo pequeno comerciante, ele o faz para se reproduzir
enquanto trabalhador.
O que resulta da ideologia empreendedorista neoliberal é o empresariamento de
tudo. Tudo e todos seguem a lógica empresarial. As pessoas, o Estado, as cidades etc.
O que tem regido a sociedade é não apenas o consumo, mas a concorrência. Nessa
visão, todos são homo econômicos, calculam custos e ganhos e operam de forma a
derrotar seus concorrentes. A consequência é o aparecimento de práticas sociais alie-
nadoras, a alienação do espaço. As ações humanas não são autônomas, mas subor-
dinadas à lógica da mercadoria, da tecnocracia. Há uma subordinação do sistema de
ações ao sistema de objetos (SANTOS, 2006).
Caso enxergássemos para além da superfície – se víssemos além daquela pseudo-
concreticidade apontada por Karel (1969) – compreenderíamos o caráter alienador do
processo. Hoje, o homem, criador da mercadoria e da técnica, enxerga-se mais como
criatura e menos como criador. Aliena o protagonismo criativo para a mercadoria, para
a máquina e, enm, para a técnica. Vivemos no mundo invertido do fetichismo.
A reestruturação produtiva e tecnológica das últimas décadas, aliada à ideologia
do empreendedorismo, abriu o caminho para o surgimento do capital por platafor-
mas digitais. O revolucionamento dos meios de comunicação forneceu a base técnica
necessária sobre a qual se ergueu o capitalismo de plataformas, conforme demonstra
Tom Slee
Essa foi uma as bases objetivas não só para que a Google e Facebook estivessem entre as mais
poderosas empresas do mundo, mas também para que um conjunto cada vez mais amplo de
bens e serviços fosse oferecido não mais por empresas ou conglomerados especializados, mas
por plataformas que, a custo quase zero, tinham o poder de conectar imediatamente consu-
midores e varejistas, reduzindo os custos envolvidos em suas transações. (SLEE, 2017, p. 26)
Tem cado claro que esta narrativa de cerca de quinze anos atrás subestimava a
mais importante transformação do capitalismo no século XXI: a emergência da em-
presa-plataforma. O aumento na capacidade de processar, coletar, armazenar e anali-
sar dados foi de tal magnitude que seu custo, que era de onze dólares por gigabyte em
2000, caiu para dois centavos de dólar em 2016 (SLEE, 2017).
De uma forma geral, é possível inferir, como Santos (2006), que se antes, no meio
natural, objetos naturais eram predominantes na paisagem, com a presença de obje-
tos humanizados, hoje, no meio técnico-cientíco-informacional, o espaço geográ-
co forma-se pela concatenação de dois sistemas indissociáveis: o sistema de objetos e
o sistema de ações. Nesse novo meio, o território é marcado pela presença de verda-
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ARTIGOS (DOSSIÊ)
deiras próteses (SANTOS, 2006).
Os sistemas digitais têm se complexicado, tornado-se mais sosticados, permi-
tindo o controle à distância e em tempo real das ações humanas. Exemplo disso é o
que Abílio (2017) chama de subsunção real da viração, ou seja, a capacidade técni-
ca dos sowares de serviços digitais utilizados por empresas-plataforma (tais como
Uber, 99 pop, Ifood, Rappi, Loggi etc.) permite que essas corporações monitorem os
percursos, as corridas e as entregar dos trabalhadores cadastrados em seus sistemas,
controlando a produtividade e permitindo um sistema de remuneração por peça que
não incorpora os trabalhadores “parceiros” como assalariados vinculados às empre-
sas, mas apenas como “colaboradores, desresponsabilizando as empresas em relação
aos riscos do trabalho e aos direitos trabalhistas. É importante lembrar que os novos
modos de controle do trabalho criados pelo capitalismo de plataformas não elimi-
nam, mas, ao contrário, incorporam as formas de subsunção preexistentes, agora sob
novas bases.
No curso do fenômeno do capitalismo de plataformas, a ideologia do empreen-
dedorismo é utilizada de modo a legitimar o modelo de exploração, retratando os
trabalhadores como “parceiros, empreendedores autônomos “patrões de si mesmo,
sobre os quais as empresas não devem ter qualquer responsabilidade. Defendemos
que esse processo consiste na (super)exploração, pelo capital por plataformas, de
uma massa excedente de trabalhadores superexplorados (SINGER, 1981). Essa mas-
sa de trabalhadores excedentes resulta de um processo estrutural que mantém tais
trabalhadores à margem do setor produtivo da economia e rebaixa o valor da força
de trabalho em termos gerais. Esse processo é impelido pela deterioração dos termos
de troca da burguesia nacional em relação ao mercado mundial (MARINI, 2022).
Explicamos como se congura tal fenômeno estrutural socioeconômico brasileiro, o
qual parece representar um círculo vicioso: Dado o baixo desenvolvimento das forças
produtivas e a deterioração dos termos de troca, o capitalista brasileiro é impelido a
estocar capital na forma de patrimônio ou rendê-lo em capital ctício ou nanceiro
em vez de reinvestir na reprodução do processo produtivo. O resultado é um baixo
consumo produtivo da força de trabalho, produzindo uma massa excedente de tra-
balhadores de um lado, e um excedente de capital estocado, de outro. Além disso, a
superexploração do trabalho – entendida por Marini (2022) como a remuneração do
trabalhador abaixo do valor de sua força de trabalho – consiste num mecanismo, ope-
rado pela burguesia nacional, para compensar a transferência de valor das economias
dependentes para as economias desenvolvidas, fenômeno que ocorre no âmbito do
sistema da troca desigual no mercado mundial. Ressaltamos que existem diferentes
noções de superexploração do trabalho. Para os teóricos marxistas que assentam seus
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estudos acerca do capital monopolista – tais como Paul Baran e Paul Sweezy, para ci-
tar apenas os exemplos mais notáveis – o termo superexploração remete à ampliação
da taxa de exploração da força de trabalho mediante a substituição do capital variável
pelo capital constante, alterando a composição orgânica do capital. Entretanto, não
mobilizamos tal vertente na condão da análise sobre a superexploração do traba-
lho por acreditar que a noção formulada por Marini (2022) é a mais adequada para
o estudo da relação entre o capitalismo de plataformas e o subproletariado urbano
brasileiro. O foco da discussão acerca da superexploração neste artigo são, de fato, as
formulações propostas por Ruy Mauro Marini.
Acreditamos que o sistema de remuneração por peça, adotado pelas empresas
de entrega por aplicativos, dispensa tais corporações, as quais operam os aplica-
tivos, da responsabilidade de arcarem com os custos de reprodução da força de
trabalho, empurrando para o trabalhador o risco de sequer obter a remuneração
equivalente a seu trabalho necessário. Para explicar, faz-se necessário um exemplo:
para manter suas forças vitais capazes de suportar o labor, um entregador gasta
diariamente parte daquilo que recebeu no dia anterior. Os gastos básicos incluem,
no mínimo, transporte, alimentação, a fração diária das contas de luz, gás, telefo-
nia móvel e, em muitos casos, aluguel da casa. Digamos que, para cobrir os gastos
básicos, o trabalhador precise realizar vinte entregas diárias. Este é então o equiva-
lente de seu trabalho necessário. A diferença entre o total de entregas diárias de um
trabalhador e a quantidade de entregas que garante seu trabalho necessário (assu-
mimos aqui que são 20 entregas) corresponde ao trabalho excedente. Em geral, o
trabalhador recebe o equivalente de seu trabalho necessário e entrega o excedente
para o patrão. Entretanto, no sistema de remuneração por peça dos aplicativos,
essa proporção varia de acordo com a quantidade entregas diárias. Nesse sistema,
caso o trabalhador sofra qualquer imprevisto (acidente, assalto, defeito no veículo,
etc.) e não consiga ultrapassar as vinte entregas diárias correspondentes ao traba-
lho necessário, a empresa por aplicativo (Ifood, Rappi, Loggi, etc.) extrai o mesmo
percentual xo de sempre, tomando parte de seu fundo de consumo como fundo
de exploração, remunerando sua força de trabalho abaixo de seu valor devido à
expropriação de uma parcela de seu trabalho necessário.
Concordamos com Katz (2020) quando arma que o valor da força de trabalho
em economias dependentes como o Brasil é estruturalmente baixo. O problema é que
o autor ignora processos de exploração do trabalho cuja remuneração é inferior a
esse valor já estruturalmente rebaixado. Quando o fundo de consumo do trabalhador
é expropriado pelo capitalista, o que ocorre não é um clássico processo de exploração,
mas a superexploração da força de trabalho.
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Assim, há dois elementos estruturais que marcam as relações sociais de produção
em uma economia dependente intermediária, como é o caso do brasil: 1) O rebaixa-
mento estrutural do valor da força de trabalho, em comparação com as economias de-
senvolvidas, ocasionado principalmente pelo baixo desenvolvimento das forças pro-
dutivas nacionais; 2) A superexploração da força de trabalho de uma parcela da massa
excedente de trabalhadores que corresponde ao subproletariado, ocasionada pelo se-
questro de uma parte de seu fundo de consumo, convertida em fundo de exploração.
Inferimos que o fenômeno das plataformas digitais, ao se consolidar na formação
socioespacial brasileira – com destaque para as zonas metropolitanas – evidencia
mecanismos de modernização conservadora. O capital de plataformas, ao penetrar
nas metrópoles brasileiras, encontra um conjunto de relações sociais de produção
preexistentes, estruturadas com base na superexploração do subproletariado urbano,
fagocitando aquelas relações. Como resultado, o capitalismo de plataformas absorve
uma parcela da massa excedente de força de trabalho, reproduzindo a exploração
de uma velha fração de classe por meio de novas tecnologias (sowares, logaritmos
etc.) que permitem ao capital se manter centralizado e, ao mesmo tempo, ampliar seu
controle sobre o trabalho disperso.
Buscamos propor a noção de subsunção real-virtual do trabalho para a ilustrar
a forma de controle exercida por tais corporações a partir dos sowares, indicando
que apesar de digitais, tais mecanismos proporcionam formas reais de controle dos
trabalhadores, em tempo real. Nesse sentido, concordamos com Tozi (2020) em sua
ideia de que essas empresas não são apenas plataformas digitais, mas plataformas
territoriais, pois é o território que se apresenta, ao mesmo tempo, como fundamento
da tomada de decisão e recurso diferencial de rendimento, como se debaterá a seguir.
Partindo da ideia de Santos (2006), pode-se armar que haveria uma produtividade
espacial, ou geográca, para as plataformas digitais.
Concordando com tal raciocínio, defendemos que toda reestruturação técnica e
do capital é acompanhada por um processo simultâneo de reestruturação do espaço
(bem como das relações sociais de produção). Logo, pode-se dizer que estratégias
tecnológicas e econômicas costumam envolver estratégias espaciais, inseridas na dis-
puta pelo espaço. Sendo assim, é fundamental que nos apropriemos do conjunto dos
sistemas técnicos para buscar uma forma outra de produção do espaço, empoderan-
do os diversos grupos sociais e comunitários, com seus modos de vida, no âmbito
da produção das cidades. Pode-se dizer que a apropriação dos sistemas técnicos por
aqueles que visam à solidariedade dos de baixo (SANTOS, 2000) é fundamental na
luta pelo direito à cidade.
Seguindo a lógica de pensamento aqui proposta, concordamos com Ribeiro (2013)
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quando postula uma análise que lance o olhar sobre as micro-conjunturas presentes no
dia a dia dos citadinos, a m de captar as formas como relações sociais que emergem do
cotidiano se conectam com os sistemas técnicos e de ações e ajudam a compreender as
complexas inter-relações entre ação e técnica no âmbito daqueles sistemas.
No meio urbano, as diversas formas de apropriação do espaço (e da técnica!) que
se desenvolvem com certa autonomia em relação ao modelo hegemônico – e mesmo
se apropriando do mesmo para dar a ele novos signicados – têm como locus privi-
legiado o cotidiano, pois é nele em que se inserem relações sociais de proximidade e
conança e é por meio dele que tais relações penetram o lugar e preenchem de con-
teúdo o espaço. O cotidiano envolve o sentido de pertencimento, fundamental para a
consolidação de valores e relações sociais duradouros.
Portanto, se quisermos compreender de que forma o sistema técnico penetra no
tecido social e inui sobre a produção do espaço, é preciso olhar para o micro e en-
tender a partir dele a produção de valores e signicados, mesmo quando analisamos
processos superiores à escala local. Não há como compreender plenamente as ações
sem olhar para o cotidiano, pois
A ação desloca-se para o dia a dia, emergindo em inesperados espaços públicos e privados
e no âmago do tecido social. Estes deslocamentos geraram, para o pensamento crítico, a ne-
cessidade de compreender âmbitos e esferas da vida coletiva historicamente secundarizados
na reexão teórica do capitalismo. Esta profunda mutação, observada nas últimas décadas,
também constitui um dos veios explicativos da valorização contemporânea do espaço. (RI-
BEIRO, 2013, p. 138)
É por esse motivo que se quisermos entender as formas como a sociedade de
consumo – entendida aqui de forma conjunta à sociedade de controle – penetra no
tecido social por meio dos sistemas técnicos e de ações, devemos ter o cotidiano
como foco do nosso olhar. O sistema técnico não pode ser visto de forma atomizada,
separado do conjunto das relações sociais. Não há produção social do espaço e nem
consolidação de qualquer sistema sem a incorporação de técnicas, valores e ações
pelo tecido social. E tal incorporação só é possível no âmbito do cotidiano. Nenhuma
prática socio-espacial ocorre apenas no âmbito racional. As paixões, crenças e demais
emoções importam em demasia para a penetração de qualquer valor no tecido social.
Ainda que as vivências produzidas no cotidiano possam ofuscar a verdade enquanto
meio para se construir um processo emancipatório, elas fornecem elementos para fa-
zer emergir o real, fazer-nos entender os processos como eles são. Basta construirmos
os instrumentos políticos e epistemológicos para isso.
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ARTIGOS (DOSSIÊ)
Considerações Finais
O presente artigo teve como intuito desenvolver, ainda que introdutoriamente, uma
análise do capitalismo de plataformas no contexto metropolitano brasileiro. O objetivo
era produzir uma análise de tal fenômeno que, de um lado, expusesse o entrelaçamento
entre globalização, empresariamento neoliberal e metropolização do espaço e, de outro,
buscasse o entendimento sobre como o sistema técnico e o sistema de ações, conecta-
dos um ao outro, penetram no tecido social de forma a inuir na produção de um espa-
ço urbano cada vez mais mercadicado, regido pela lógica do mercado e da alienação.
Entender o capital por plataformas como uma dimensão do capitalismo informa-
cional foi fundamental para realizar a análise proposta. A atual fase do capitalismo
tem revelado imbricações entre a sociedade de consumo e a sociedade de controle
nunca antes registradas na história. É por meio do consumo (sobretudo no meio
digital) que entramos em contato com um sosticado sistema técnico amparado nos
sowares que, de um lado, ampliam o acesso aos bens de consumo e, de outro, poten-
cializa a capacidade de as corporações privadas (e mesmo as instituições públicas) de
obter todo tipo de informação privada dos usuários da rede de internet.
É imprudente analisar a penetração do sistema técnico sem olhar para as micro-
-relações e a esfera do cotidiano. É igualmente equivocado pensar aquele sistema se-
parado do sistema de ações. Talvez o caminho seja mesmo centrar-se na apropriação
como categoria útil para analisar as formas como tais sistemas (carregados de inten-
cionalidade) penetram no tecido social. A apropriação, vista na esfera do cotidiano,
pode ser a chave para encontrarmos possibilidades de ação que se postulem contra o
sistema do capital e sua forma alienadora de produção do espaço. Isto só será possível
por meio do diálogo com os movimentos contra-hegemônicos, do pluralismo e do
respeito aos diferentes modos de produzir o espaço.
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