KING, Sam. Imperialism and the development myth: how rich countries dominate in the twenty-first century. Manchester: Manchester University Press,

2021.

Fábio Maldonado*

Ao longo de 18 capítulos, Imperialism and the Devolpment Myth articula temáticas condizentes com diferentes níveis de abstração, a crítica da economia mundial ao debate sobre o imperialismo, monopólios e sua articulação com a dependência. O ponto de chegada do livro converge para uma análise crítica sobre a China – temática fundamental e, por essa razão, objeto de grande polêmica. Em função do espaço, nos concentraremos nos capítulos 2 ao 15, que debatem as categorias de imperialismo, capital monopolista e capital não-monopolista e suas aplicações para a compreensão do capitalismo atual.

Ainda assim, nos parece importante passar rapidamente pelo primeiro capítulo. Nele, o autor classifica os países do sistema mundial de uma maneira que não nos parece a mais adequada, na medida em que toma os países dependentes como países de “Terceiro Mundo”, retomando classificações características da Guerra Fria e ignorando toda uma bibliografia de autores dos países periféricos sobre a questão. Muito mais proveitoso e preciso teoricamente seria se o autor classificasse esses países como dependentes. Mais do que um capricho semântico, isso demonstra que o autor não incorporou as contribuições da Teoria Marxista da Dependência em sua reflexão teórica. Theotonio dos Santos (1978) já havia indicado a lacuna que as teorias clássicas do imperialismo continham ao não terem se debruçado sobre os desdobramentos do desenvolvimento capitalista mundial a partir dos países que são objeto da expansão imperialista.

Outra questão, ainda no capítulo 1, que mereceria uma discussão mais atenta, gira em torno da metodologia utilizada para classificar os países imperialistas e dependentes. King recorre ao produto interno bruto (PIB) per capita como instrumen-to principal. Aqui, o autor levanta um debate profícuo e importante, colocando em perspectiva, por exemplo, a entrada da China no clube dos países imperialistas ao indicar a inconsistência de se analisar apenas o PIB. No entanto, a classificação através do PIB per capita não nos parece suficiente e pode induzir ao erro. Em nossa perspectiva, esta seria no máximo uma aproximação, cujo trajeto deveria incorporar outras mediações. Vejamos.


* Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Integração da América Latina, da Universidade de São Paulo (PROLAM-USP).

Reoriente • vol.2, n.2 jul/dez 2022 • DOI: 10.54833/issn2764-104X.v2i2p315-321 315

Para o ano de 2022 (FMI, 2022; BM, 2022), os cinco maiores PIB per capita do mundo são: 1) Luxemburgo, 2) Singapura, 3) Irlanda, 4) Catar, e 5) Suíça. Os Estados Unidos, a maior potência imperialista, aparecem em sétimo, atrás da No-ruega. Já a Alemanha aparece na 19a posição, ao passo que Canadá, França, Reino Unido e Japão aparecem respectivamente em 24º, 26º, 28º e 30º. Nessa mesma direção, os países que compõem os BRICS estariam atrás de inúmeros países dependentes. A Rússia se encontra em 53º, a China em 77º, o Brasil em 85º, a África do Sul em 103º e Índia em 128º.

Dito isso, nos parece que o cerne da contribuição de Sam King está no debate sobre as categorias de imperialismo, capital monopolista, capital não-monopolista e capital não-monopolista monopolista, bem como seus desdobramentos para a compreensão do capitalismo atual.

Para chegar nesse momento da exposição, o livro dialoga criticamente com as concepções sobre o imperialismo de autores de países desenvolvidos, cujas refle-xões foram escritas entre o final do século XX até a atualidade – sendo um dos pontos altos do livro. De início, King critica a deformação e abandono de Lenin por esses autores. Segundo essas leituras, a teoria do imperialismo em Lenin não teria pretensões científicas (Emmanuel, White-Settler Colonialism and the Myth of Investment Imperialism), consistindo na subordinação das exigências científicas pela atividade de agitação política (Arrighi, Geometria do Imperialismo, 1979), seria de-feituosa e assentada num erro fundamental (Panitch e Gindin, Global Capitalism and American Empire, 2004), sendo, portanto, um panfleto (Harvey, Uma Breve História do Neoliberalismo, 2007).

Aproveitando os 20 anos da invasão dos Estados Unidos ao Iraque, é importante ressaltar que somente após esse fato histórico os autores marxistas começaram a recuperar a ideia de imperialismo. O trabalho mais influente desse período foi O Novo Imperialismo, de David Harvey, publicado justamente em 2003. O trabalho de Harvey propõe uma nova abordagem do imperialismo, a partir do conceito chave de “acumulação por despossessão”. Contudo, para Sam King, o trabalho de Harvey não conseguiria explicar a exploração do “Terceiro Mundo” ou a reprodução da dominação imperialista.

Por seu turno, a corrente que se alinha com a Monthly Review, sobretudo John Bellamy Foster, tem enfatizado a exploração imperialista na periferia, identificando a crescente polarização entre os países ricos e pobres a partir da transferência de valor econômico da periferia para o centro. A questão central para King, no entanto, é explicar por qual mecanismo os países dependentes são forçados continuamente a trans-ferir valor. Nesse aspecto, Foster não foca sua investigação no processo de trabalho,

mas numa “arbitragem global do trabalho”, entendendo que o sistema teria deslocado a produção para regiões mundiais com menor custo de trabalho, mantendo, ao mesmo tempo, a divisão entre centro e periferia. Esse processo se daria a partir de fatores contratuais, como acordos internacionais de comércio, deslocando a explicação da teoria do valor de Marx para relações contratuais.

Segundo King, a partir de 2011, houve uma nova virada na produção marxista sobre o imperialismo em função da exploração econômica do Terceiro Mundo. Nessa linha, o autor analisa Imperialism in the Twenty-First Century (2016), de John Smith, que teria demonstrado empiricamente como a produção global de mercadorias causa a transferência de valor da periferia para o centro. Smith propõe que a superexploração do trabalho na periferia explicaria a transferência de valor e deveria ser incorporada na teoria do imperialismo, sendo a essência (escondida) do imperialismo. Contudo, de acordo com King, Smith não explica como as multinacionais e os Estados imperialistas assegurariam sua proeminência na apropriação desse valor, dado que a superexploração do trabalho na periferia estaria a cargo dos capitalistas dessa região, de sorte que não é explicada a razão pela qual esses capitalistas não consegui-riam reter o mais-valor criado em suas próprias fábricas, minas e fazendas. Assim, a superexploração do trabalho por si só não daria conta de explicar nem o intercâmbio desigual nem a reprodução da dominação imperialista.

Para King, é exatamente nesse aspecto que a teoria do imperialismo de Lenin é rejeitada pelo trabalho de Smith, pois não conseguiria explicar a atual divisão da economia mundial, na medida em que o monopólio negaria a lei do valor. Smith considera que a fonte da dominação monopólica não estaria na inovação tecnológica ou na esfera da produção, mas na área jurídica. Não por outra razão, o autor defende que “[...] os enormes lucros da Apple surgem das patentes tecnológicas, assim como das marcas e do varejo” (SMITH, 2016, p. 250). Ainda assim, é exatamente a dominação monopólica assegurada pelas patentes o que explicaria, para Smith, a transferência de valor.

Sam King argumenta que o principal erro teórico de Smith ocorre pelo fato de o autor seguir Arghiri Emmanuel e Samir Amin na suposição de que o imperialismo não deveria ser analisado como uma forma de competição capitalista. É em função disso que o autor afirma que “[...] o desenvolvimento da divisão internacional do trabalho no período neoliberal manifesta uma evolução da relação capital-trabalho, na qual cada vez mais assume a forma de uma relação entre o capital do Norte e o trabalho do Sul” (SMITH, 2016, p. 50). Nessa análise, o capitalista do Terceiro Mundo não existiria. Para King, a terceirização, enquanto processo largamente utilizado no período neoliberal, não significa a eliminação do capitalista do Terceiro Mundo,

mas justamente sua contratação. Isso significa que o valor produzido na periferia é apropriado primeiramente pelos capitalistas dessa região, e uma parte desse valor é transferida para os capitais imperialistas via mercado, devido ao fato de as mercadorias serem vendidas abaixo de seu valor. Com efeito, o valor produzido é redis-tribuído através da competição intercapitalista, envolvendo capitais que produzem mercadorias distintas.

O problema seria explicar teoricamente e demonstrar como a dominação imperialista é reproduzida através do processo de trabalho e como isso se expressa na dominação do mercado mundial. Daí a necessidade de recuperar Lenin e desfazer alguns equívocos sobre a categoria de imperialismo.

Antes de mais nada, King discorda de autores como Anwar Shaikh, John Smith, Alex Callinicos, Panitch e Gindin entre outros que entendem que o central da teoria do imperialismo de Lenin seria a exportação de capitais. Segundo King, a exportação de capital não é o aspecto central, mas sim a categoria de monopólio. Por seu turno, o colonialismo era um fenômeno presente e importante para o imperialismo no co-meço do século XX. Outra coisa, no entanto, é afirmar que, para Lenin, colonialismo seria sinônimo de imperialismo.

Em seguida, o autor resgata uma extensa polêmica sobre o imperialismo como estágio superior (último) do capitalismo. A polêmica parece clara: na medida em que o imperialismo seria o estágio superior do capitalismo, não haveria espaço para sua própria metamorfose, isto é, para que seu desenvolvimento gerasse novos fenômenos e características. Sob esse prisma, Lenin teria se equivocado, já que o capitalismo continuou se metamorfoseando. Contudo, King argumenta que a ideia de “estágio superior” do capitalismo estaria presente no capítulo 27 (“O Papel do Crédito na Produção Capitalista”) do livro 3 d’O Capital (MARX, 2017). Ao se referir ao surgimento das sociedades por ações, Marx captou o profundo antagonismo social que socializa a produção entre os produtores e transforma os grandes proprietários de capital em verdadeiros monopólios. Nesse sentido, Lenin se referia ao estágio superior do desenvolvimento das relações sociais de produção.

Cabe observar, também, que capital financeiro monopolista não significa o que hoje se entende por financeirização – a primazia das finanças sobre o setor produtivo. Para Lenin (2012, p. 75), a concentração “[...] da produção; monopólios resultantes dela; fusão ou junção dos bancos com a indústria: tal é a história do aparecimento do capital financeiro e do conteúdo deste conceito”. De acordo com King, resgatar essa definição permitiria entender o capital financeiro no século XXI.

Para diversos autores, o monopólio em Lenin apontaria para a suspensão da competição capitalista. No entanto, o monopólio significa apenas a superação da “livre

concorrência”, levando a competição capitalista a outro estágio, intensificando-a. Em outras palavras, seria uma nova forma de competição, que manteria “[...] o quadro geral da livre concorrência formalmente reconhecida” (LENIN, 2012, p. 48). Dessa forma, o imperialismo não negaria essa característica fundamental do capitalismo, mas a reporia em uma forma mais avançada. Com efeito, a monopolização bem-su-cedida da pesquisa e desenvolvimento (P&D) que desenvolve o processo de trabalho, “[...] garante, por definição, uma renovação do monopólio sobre técnicas produtivas avançadas e, deste modo, [...] sobre o processo de trabalho como um todo” (KING, 2021, p. 127).

Em relação aos capitais não-monopolistas, é importante reforçar que esses também competem no terreno da livre concorrência. Afinal, “[...] os monopólios, de-correntes da livre concorrência, não a eliminam, mas existem acima e ao lado dela, engendrando assim contradições, fricções e conflitos particularmente agudos e in-tensos” (LENIN, 2012, p. 123-124). Nesse sentido, King distingue três formas de competição capitalista: i) entre os monopólios; ii) entre os capitais não-monopolistas;

iii) e entre os capitais monopolistas e capitais não-monopolistas. O “‘revoluciona-mento’ monopolista dos meios de produção não poderia levar a um aumento geral nos lucros para o setor monopolista, a não ser que este coexista com o capital não-

-monopolista, de quem se pode extrair mais-valor extraordinário” (KING, 2021, p. 128). Assim, na “[...] medida em que pode monopolizar as formas mais avançadas do trabalho necessário, ele [capital monopolista] pode se apropriar parasitariamente do valor de outras partes do processo de trabalho” (KING, 2021, p. 131). Eis a relação econômica que o imperialismo manteria com os países dependentes.

Segundo King, isso se expressaria “[...] na diferença entre a taxa média de lucro do monopólio e a taxa média de lucro [do capital] não-monopolista” (KING, 2021, p. 139), estando de acordo com o que Marx indicou sobre aqueles capitais indivi-duais que detêm produtividade de trabalho superior aos seus concorrentes no mesmo ramo industrial, cuja consequência seria um lucro acima da média. Essa lógica também se estende entre diferentes ramos. “Isto é a teoria marxista do trabalho da troca desigual” (KING, 2021, p. 140).

Para o autor, o traço mais importante da sustentação econômica do imperialismo no período neoliberal é, exatamente, o monopólio sobre o processo de trabalho. Nesse período, a tendência geral consistiu em proteger política e economicamente os processos de trabalho mais sensíveis, deslocando para o exterior e terceirizando os processos de trabalho mais básicos. Isso expandiu o alcance do mercado como mecanismo regulador na distribuição do valor, permitindo um grau maior de transferência de valor. Por seu turno, a tecnologia contemporânea permitiu a separação

geográfica de processos de trabalho sofisticados. Esse processo significaria a divisão ampliada entre o trabalho simples e o trabalho complexo.

Em relação aos capitais não-monopolistas oriundos dos países dependentes, King observa que, devido à posição ocupada na divisão internacional do trabalho, há uma tendência de queda de preços das mercadorias, de sorte que os progressos técnicos alcançados por esses capitais pressionariam os preços de suas mercadorias para bai-xo. Assim, a maior massa de mais-valor em função do aumento de produtividade acaba sendo apropriada pelas corporações multinacionais e sociedades imperialistas através da fixação de preços pelos monopólios. “Esta perda de mais-valor força-os a reproduzirem-se anemicamente, incapazes de realizarem plenamente sua auto ex-pansão” (KING, 2021, p. 168).

Outro efeito da divisão internacional do trabalho consiste na intensificação com-petitiva entre os capitais não-monopolistas. Para King, a intensa competição baseada no desconto seria o modelo de negócio predominante dos capitais dependentes. Nesse sentido, fica claro como o autor não incorpora a categoria de superexploração da força de trabalho. Quando se tratada dos monopólios, King cobra dos autores citados o deslocamento do olhar para esfera da produção; contudo, o autor comete o mesmo erro ao tratar dos países dependentes. Eis uma grande lacuna em sua análise.

De toda forma, a competição entre esses capitais segue a lógica da competição capitalista em geral, a saber, a concentração e centralização dos capitais. Isto resultaria na formação do que Sam King denomina como monopólios não-monopólicos. Aqui, o autor cita a contribuição de Ruy Mauro Marini sobre o subimperialismo, fenômeno no qual alguns capitais dependentes alcançam o estágio do monopólio, ainda que de maneira dependente e subordinada.

Indo adiante, o autor entende que conforme indústrias e fábricas se espalham pelo mundo, se dissemina a ideia de que estaria ocorrendo uma industrialização e desenvolvimento nos países onde elas se encontram. Na contramão das leituras burguesas, reformistas e marxistas que vão nessa direção, King observa que a generalização do processo industrial muda o sentido da industrialização no período atual. A incor-poração de certos aspectos da indústria nas economias dependentes não significaria necessariamente desenvolvimento ou uma posição mais privilegiada na divisão internacional do trabalho, ao passo que a especialização em certos aspectos industriais e o abandono de outros – conforme ocorre, por exemplo, nos Estados Unidos – não significaria desindustrialização. Pois, “[...] a não ser que definamos industrialização como a produção de bens utilizando trabalho manual abundante e não, conforme Marx, como a substituição de trabalho manual por máquinas, então os Estados Unidos claramente não se desindustrializaram até os anos 2000” (KING, 2021, p. 194).

O outro lado da moeda seria o ritmo frenético do avanço técnico, de modo que a superioridade técnica representa uma base instável de dominação imperialista de longo prazo, exigindo uma constante inovação tecnológica através da organização sistemática de P&D.

De modo geral, avaliamos que o livro do autor australiano Sam King consiste em uma grata contribuição para o avanço dos estudos marxistas no campo da economia política (e, mais precisamente, de sua crítica). Cabe, aqui, o registro de que a amplitude temática consiste, ao mesmo tempo, em uma grande virtude do livro e em uma limitação, na medida em que condensa temas que exigem cuidado e rigor, de modo que poderiam ser explorados separadamente em diversos livros.


Referências


DOS SANTOS, Theotonio. Imperialismo y dependencia. México, D.F.: Ediciones Era, 1978.

KING, Sam. Imperialism and the development myth: how rich countries dominate in the twenty-first century. Manchester: Manchester University Press, 2021

LENIN, Vladimir Ilitch. Imperialismo, estágio superior do capitalismo: ensaio popular. São Paulo: Ex-pressão Popular, 2012.

MARX, Karl. O capital: crítica da economia política. São Paulo: Boitempo, 2017. Livro III: o processo global de produção capitalista.

SMITH, John. Imperialism in the twenty-first century: globalization, super-exploitation, and capitalism’s final crisis. New York: Monthly Review Press, 2016.