Visões complementares sobre a representação da realidade no cinema
Fabio Luiz Tezini Crocco
Alex Alves Fogal
Bárbara del Rio Araújo
Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (CEFET-MG)
fabiocrocco@nepomuceno.cefetmg.br
alexfogal@nepomuceno.cefetmg.br
barbaradelrio@contagem.cefetmg.br
Resumo: Este trabalho parte de uma perspectiva comparativa entre os teóricos Sergei Eisenstein e Sigrefied Kracauer para discutir as diferentes maneiras de se representar a realidade na estética cinematográfica. Através de uma visão complementar entre a obra Teoria do filme (1960), do pensador alemão, e O sentido do filme (1942), do soviético, apresentaremos os diferentes pressupostos que embasam a ideia de cinema, defendendo que a interlocução entre esses estudiosos se faz necessária para alicerçar o debate sobre forma estética e processo histórico-social.
Palavras-chave: Cinema; Teoria do filme; Representação da realidade.
Abstract: This paper presents a comparative perspective between the theorists Sergei Eisenstein and Sigrefied Kracauer to discuss the different manners to represent reality in the cinematographic aesthetic. Through a complementary view between the books Theory of film (1960), by the German philosopher, and The film sense (1942), by the soviet, we will present the different assumptions that underpin the cinema conception, defending the interlocution between these authors is necessary to build the debate about aesthetic form and historic-social process.
Keywords: Cinema; Film theory; Reality representation.
Representar a realidade de modo profundo e esclarecedor é um dos objetivos fundamentais da estética realista. Longe de pensar o realismo simplesmente como um “estilo de época” ou “escola literária”, este artigo pretende discuti-lo como uma técnica de representação viva e que continua atuante nos dias atuais. Seu sentido não foge dos conteúdos referentes à realidade social e possibilita intensificar sua expressão e tencionar, por meio da mediação de sua forma e conteúdo, a materialidade histórica e social. Ou ainda, “uma forma particular de captar a relação entre os indivíduos e a sociedade que ultrapassa a noção de um simples processo de registro” (PELLEGRINI, 2007, p. 138). Portanto, essa discussão encontra-se articulada às preocupações da estética materialista que historicamente apresentaram importantes contribuições, por exemplo, a partir das obras de Georg Lukács e Erich Auerbach, sem esquecer os teóricos tratados diretamente nesse trabalho.
Diante das prerrogativas básicas do realismo, este artigo pretende refletir sobre a representação da realidade na estética cinematográfica por meio de uma análise complementar entre a obra Teoria do filme (1960), de Sigrefied Kracauer, e O sentido do filme (1942), de Sergei Eisenstein. A finalidade desse texto, portanto, é promover um diálogo teórico para procurar aprofundar a reflexão sobre a estética realista no cinema e avaliar como essas perspectivas permitem, por meio de seus respectivos estilos e fundamentos, representar e revelar o mundo material, social e histórico em sua totalidade. A mediação dessas reflexões pode ser mais bem esclarecida a partir de algumas análises prévias sobre o contexto dos autores e suas produções teóricas.
Kracauer iniciou sua produção teórica aos 32 anos como colaborador e depois editor cultural do jornal alemão Frankfurter Zeitung, onde foi um dos primeiros a desenvolver a crítica cinematográfica. A partir dos anos 20 e durante aproximadamente quatro décadas produziu uma obra extensa e diversificada tanto em forma quanto em conteúdo. No jornal alemão publicou mais de mil artigos e ensaios sobre temas variados relacionados ao cotidiano da cidade, dialogando com a teoria social, cultura de massas, arte, comunicação e arquitetura. Parte dessa produção ensaística foi reunida e editada pelo autor, em 1963, na obra O ornamento da massa, mesmo título de seu artigo publicado em 1927. Mas o tema principal de suas reflexões, e pelo qual foi amplamente reconhecido, foi o cinema. A respeito do tema, a obra de Kracauer pode ser analisada a partir de dois momentos de grande profusão teórica: um referente ao período dos trabalhos ensaísticos produzidos em meados da década de 20 até início de 30, publicados no Frankfurter Zeitung, e outro com a publicação de seu tratado sobre o cinema – Theory of film: the redemption of physical reality – que nasceu enquanto projeto no exílio ainda na década de 40, mas foi por vezes alterado e publicado somente em 1960 nos Estados Unidos. Embora esses dois momentos teóricos sejam frequentemente considerados radicalmente distintos, eles podem ser problematizados e aproximados (CORPAS, 2013), assim como aponta o próprio Kracauer na introdução de sua obra History, publicada postumamente. Nela o autor reflete sobre a continuidade de sua produção desde a “época em que era editor cultural do Frankfurter Zeitung (1921- 1933), citando seu ensaio de 1927, ‘A fotografia’, e suas reflexões incompletas desenvolvidas em História. Antes das últimas coisas” (MACHADO, 2009, p. 890).
Já nos ensaios publicados no jornal alemão, Kracauer questionava, em suas análises microssociológicas, o processo de alienação promovido pelas condições de vida e trabalho no início do século XX devido ao processo técnico-industrial e à racionalização moderna. Nesse processo, resultante do conhecimento científico, da reificação e do fetiche da mercadoria enquanto características mistificadoras, a realidade se apresenta aos homens de maneira confusa e a partir de fragmentos desconexos que eles não têm a capacidade de juntar e ordenar. Nessa direção, Eugene Lunn afirma que Kracauer percebeu que “nos choques do novo ambiente urbano massivo, [...] o aparelho perceptivo humano se vê bombardeado de maneira contínua com sensações e estímulos que já não pode integrar de maneira coerente” (1986, p. 195).
Entretanto, para Kracauer, essa imagem mistificadora do mundo, apresentada enquanto fragmento, pode ser captada objetivamente pela fotografia e ordenada formalmente no cinema e, assim, revelar aquilo que não era visível de imediato. Ou seja, o cinema enquanto novo meio técnico de reprodutibilidade tem a potencialidade de corrigir e aprofundar a compreensão do mundo material. Essas reflexões presentes nos seus primeiros trabalhos de forma não sistematizada são problematizadas e ordenadas em seu tratado de 1960, no qual apresenta sua concepção de realismo cinematográfico.
Como será analisado adiante, o próprio título de sua obra Theory of film: the redemption of physical reality já apresenta sua intenção realista ao propor uma redenção (revelação) da realidade física. Nesse sentido, em seu epílogo Kracauer afirma que “o cinema pode ser definido como um meio particularmente equipado para promover a redenção da realidade física. Suas imagens nos permitem, pela primeira vez, nos apropriarmos dos objetos e ocorrências que constituem o fluxo da vida material” (KRACAUER, 1997, p. 300). Herdeiro da fotografia, o cinema possui um inquestionável vínculo com a realidade visível e se estrutura, portanto, na mediação do domínio da realidade e das capacidades técnicas do meio. A fotografia para Kracauer é o fundamento de sua teoria cinemática, pois permite captar o mundo de forma objetiva e natural, o que significa abordar o cinema enquanto estética material baseada na prioridade do conteúdo.
É a partir dessa mediação da forma e do conteúdo presente na abordagem realista que se torna relevante analisar as possíveis relações entre a teoria fílmica de Kracauer e a prática cinematográfica do diretor Sergei Eisenstein. Diferentemente das abordagens que enquadram de maneira superficial a obra de Eisenstein no formalismo russo, a preocupação desse artigo será problematizá-la sob a ótica do realismo que se preocupa, antes de tudo, em dialogar com o mundo objetivo e apresentar esteticamente seus conflitos e contradições. Pois, apesar de Eisenstein aprimorar e dar grande importância ao que Kracauer denominou de propriedades técnicas suplementares – prioritariamente a montagem –, o cineasta nunca negligenciou as condições materiais e ideológicas de seu tempo, e em sua produção criou uma maneira sui generis de mediar forma e conteúdo para, desse modo, melhorar a captação e a compreensão da realidade. Embora em determinados momentos de suas reflexões o próprio Kracauer acuse Eisenstein de abusar de recursos técnicos para proporcionar efeitos no público, o teórico alemão demonstra grande apreço pelo trabalho do cineasta soviético. Essa simpatia se deve, provavelmente, ao fato de Eisensten não abandonar sua responsabilidade em relação ao conteúdo da realidade e procurar, por meio de suas formas cinematográficas inovadoras, descortinar e dar sentido ao mundo material em seu processo sócio-histórico.
Sergei Eisenstein foi cineasta e pensador da obra cinematográfica. Produziu filmes que tanto política quanto tecnicamente marcaram época. Foi criativo, inovador e ao mesmo tempo preocupado com a intenção de sua obra. Sua relevância estética advém do objetivo de sua obra expressar as angústias e conflitos do mundo em transformação em que estava inserido e da estruturação singular de sua teoria fílmica. Muitos foram os fundamentos estéticos e teóricos que influenciaram a obra de Eisenstein, dentre eles estão as produções teatrais vanguardistas dos russos Meyerhold e Yevreinov, a "commedia dell'arte" italiana, a experiência do Proletcult, a teoria do reflexo condicionado de Bekhterev e Pavlov, os filme de Griffith, as experiências de montagem de Lev Kuleshov, as técnicas de reedição de Esfir Shub, o teatro Kabuki e, fundamentalmente, o materialismo histórico dialético. Assim, diante desse rico e diversificado amálgama teórico, Eisenstein produziu sua obra cinematográfica e teórica. Importantes textos do autor foram compilados nos livros O sentido do filme (1942) e A forma do filme (1949), que demonstram a riqueza e profundidade de sua produção cinematográfica. Embora sejam os mais conhecidos, não são os únicos escritos de Eisenstein, muitos outros foram editados postumamente, como, por exemplo, Reflexões de um cineasta e Lessons with Eisenstein, publicados no início da década de 60.
Exposta em seus escritos e materializada em suas produções cinematográficas, a abordagem cinematográfica de Eisenstein está diretamente articulada com dois processos revolucionários essenciais. O primeiro encontra-se na revolução dos meios técnicos de reprodutibilidade que, por meio da fotografia em movimento, possibilitou o nascimento e aprimoramento do cinema. O segundo corresponde à Revolução Russa de 1917. Vinculado à arte e à transformação objetiva de sua realidade, Eisenstein mediou forma e o conteúdo com intenções claras de promover a representação da realidade. Sua estética dialética, cujo fundamento é o conflito, tem como objetivo demonstrar o mundo em suas contradições inerentes com a finalidade de encadear os fragmentos da realidade numa totalidade de sentido. Sua obra, longe de ser simples propaganda ideológica, ora se aproximou dos interesses do partido comunista ora se afastou, fato manifesto nos inúmeros eventos que geraram mal estar entre a obra fílmica de Eisenstein e as intenções e direcionamentos culturais do governo soviético.1 Além de romper com os esquemas consagrados da produção cinematográfica existentes até o momento, Eisenstein criou e colocou em prática uma forma própria de produzir sua arte. Enquanto escritor, professor e diretor cinematográfico procurou dialogar com seu tempo e sua materialidade com uma profunda responsabilidade artística e política. Analisar mais atentamente sua obra cinematográfica e sua produção teórica torna-se fundamental para compreender sua concepção estética.
O espectador que já teve a oportunidade de assistir aos filmes O Encoraçado Potemkin, Alexander Neviski ou mesmo a projeção de A greve pode perceber o potencial de vanguarda do diretor Eisenstein, sobretudo no que diz respeito ao sistema de montagem entre as cenas e imagens. Não é novidade nenhuma afirmar que ali há uma semântica da composição diferenciada e que a forma, assim como o conteúdo, busca um novo sistema de associações e relações. Também não é nova a preocupação ideológica com que o artista manipula os elementos cinematográficos, conjugando experiências do passado e do presente, garantindo que a base genuína da estética e o material mais valioso de uma nova técnica sejam sempre a profundidade do tema, sobretudo no que diz respeito à representação elevada da coletividade e do trabalho cinematográfico soviético (EISENSTEIN, 2002a, p.13).
Quando, na cena de O Encoraçado Potemkin, observamos marinheiros, navios de guerra e o mar, é possível entender que, na associação dessas imagens e na sua violação, há o efeito de uma unidade entre o coletivo e o meio que cria esse coletivo. Ou ainda, na “escadaria de Odessa”, em que a marcha rítmica dos pés dos soldados descendo as escadas se confronta com o carrinho de bebê rolando escada abaixo, surge uma tensão formal, refletida na organização sintática e semântica que, através da técnica de câmera e montagem, proporciona a síntese plástica e também temática desses elementos. Essa síntese pode ser concebida pela estrutura geral, tentando absorver e fundir elementos díspares. As pretensões do cineasta, ao desenvolver essa projeção, são basicamente duas: representar a necessidade da exposição coerente e orgânica do tema, do material e da ação, além de trazer nessa narrativa o máximo de emoção e de vigor estimulante ao espectador.
O uso da montagem é um recurso importante, já que alude ao encadeamento através da inferência e do conflito. Para Eisenstein, interessante é trabalhar com a justaposição de objetos, fatos, fenômenos, pois o ser humano está acostumado a desenvolver uma síntese dedutiva, quando objetos isolados são colocados a sua frente. Além disso, o conflito dessa associação dentro do plano da montagem é um aspecto potencial, pois através dele, temos a dramatização da realidade e a vigoração de um novo conceito, uma nova qualidade:
A justaposição de dois planos isolados através de sua união não parece a simples soma de um plano mais outro plano – mas o produto. Parece um produto – em vez de uma soma das partes – porque em toda justaposição deste tipo o resultado é qualitativamente diferente de cada elemento considerado isoladamente (EISENTEIN, 2002b, p.16).
Enquanto na fotografia temos um sistema de reprodução que fixa eventos reais e elementos da realidade, no cinema, os foto-reflexos podem ser combinados de várias maneiras, tornando o mundo empírico ainda mais marcante e revelador. Os resultados podem variar desde uma realidade exata de combinações inter-relacionadas até alterações totais, composições imprevistas, em que a empiria é remanescente: a aparente arbitrariedade do tema e sua relação com o status quo da natureza é muito menos arbitrária do que parece. A ordem final é inevitavelmente determinada conscientemente ou inconscientemente pelas premissas sociais do realizador da composição cinematográfica (EISENSTEIN, 2002a, p.16).
A técnica da justaposição, a gerar uma terceira coisa através do conflito, foi usada por Lewis Carroll, por Joyce e, para o soviético, é a base de qualquer arte, pois é pelo conflito que se opera o princípio dialético e dramático, que garante a representação da realidade. A posição da câmera, a lógica organizadora do diretor e a lógica inerente ao objeto a ser representado materializam juntos a colisão e refletem a dialética do enquadramento da cena (EISENSTEIN, 2002a, p.44).
Liberado de qualquer imitação tacanha, o cinema de Eisenstein revela a representação de fragmentos que, mesmo isolados, não perdem de vista a totalidade e o processo histórico-social. No caso, a imagem total do filme, determinada pelos planos e pela montagem, emerge dando vida tanto ao conteúdo do plano quanto ao conteúdo da montagem numa relação de formas. Essa relação mútua instaura um acordo diverso do estilo cinematográfico naturalista, e o que se vê é uma representação particular do tema geral que penetra nos fotogramas fragmentados. Deste modo, há uma sobredeterminação que aparece na síntese dos fragmentos bem como em cada unidade que compõe o todo:
A representação A e a representação B devem ser selecionadas ante todos os aspectos possíveis do tema em desenvolvimento, devem ser procuradas de modo que em sua justaposição – isto é, a justaposição desses próprios elementos e não de outros alternativos – suscite na percepção do sentimentos do espectador a mais completa imagem do próprio tema (EISENSTEIN, 2002b, p.18).
O que se percebe é que, por meio do fragmento, de um caminho desconectado, surgem interações dinâmicas que conduzem à expressão da totalidade e à representação da composição. Essa mecânica interessa a Eisenstein, pois é nesse protótipo de criação de imagens pela arte que se engendra a realidade. É nesse conflito mediado que está a dialética da forma artística.
Para melhor entender essa premissa, é preciso retomar o texto “A dramaturgia do filme” em que o soviético deixa claro que a arte é conflito devido a sua natureza, metodologia e missão social. Para ele, a tarefa da arte é representar as contradições do ser humano e consequentemente do mundo. A natureza da arte, assim como o seu método, é conflituosa na medida em que revela a existência natural e a tendência criativa, a lógica da forma orgânica versus a lógica da forma racional. No caso, a justaposição de imagens é reveladora na medida em que desperta as contradições na mente do espectador, forjando conceitos a partir do choque dinâmico de diferentes objetos. A cadeia de elementos isolados forma a imagem que se relaciona diretamente com o espectador e com a vida. Nesse aspecto, a interpretação realista de um ator ou de uma cena não é constituída pela cópia dos resultados de sentimentos, mas por sua capacidade de fazer esses sentimentos surgirem, se desenvolverem, se transformarem em outros sentimentos – viverem diante do espectador (EISENSTEIN, 2002b, p.21).
Deste modo, a representação da realidade é vista como o processo e não como o produto formulado e acabado. Essa surge na contradição entre as características apriorísticas e o novo contexto. Nesse aspecto, ela é apenas sugerida, mas ocorre plenamente. É contraditório, mas coerente: a realidade não pode ser captada na íntegra e de maneira plena; ela está no amalgamado da forma, que faz o conteúdo vibrar; ela não é fixa, pelo contrário, surge e nasce.
O uso do fragmento, quando relacionado à totalidade, é um poderoso meio de composição, pois é revelador da verdade, segundo a concepção marxista, que diz que a realidade não se dispõe apenas como resultado, mas, sobretudo, como caminho. Eisenstein, imbuído dessa perspectiva, é contra qualquer hegemonia da representação, e através do processo de montagem, vislumbra, independente da imagem que se projeta, uma base comum que une diretor, espectador, filme etc. Não importa o quanto sejam opostos os polos em que essas esferas possam parecer se mover, eles se encontram na unidade final:
Mesmo na espontaneidade, as leis, bases, motivações necessárias para exatamente esta e não outra distribuição dos elementos de alguma coisa passam através da consciência e algumas vezes são reveladas em voz alta, mas a consciência não pára para explicar essas motivações – ela corre em direção à finalização da própria estrutura. (EISENSTEIN, 2002b, p.143)
Com isso, Eisenstein evidencia que o artista manipula os recursos e materiais, mas seu pensamento, assim como o objeto, é expresso não por uma fôrma, mas por uma forma, cuja dimensão associa a estética ao processo social e histórico. Em A forma do filme, por exemplo, o estudioso endossa uma discussão sobre a complementaridade e o distanciamento entre Hegel e Marx, revelando que a concepção de arte que lhe cabe está intrinsecamente relacionada à expressão da realidade:
Entende-se que a própria ideia do artista de modo algum é espontânea ou autoengendrada, mas é a imagem e espelho socialmente refletido, um reflexo da realidade social. Mas a partir do momento da formação, dentro dele, do ponto de vista e da ideia, aquela ideia parece como determinante de toda estrutura real e material de sua criação, todo o mundo de sua criação (EISENSTEIN, 2002a, p.123).
Nesse ponto, o teórico evidencia abertamente a concepção de mimese formal, em que processo artístico e social se relaciona numa dialética entre o particularismo da linguagem cinematográfica e a totalidade. Para Eisenstein, a obra de arte é construída sobre uma unidade dupla, onde se opera um processo de conscientização e revelação do movimento dos aspectos históricos. Deste modo, o soviético se aproxima da concepção adorniana de forma objetiva:
A definição psicológica da forma, segundo a qual um todo é mais que as suas partes, não basta para descrever o <Mais>. Com efeito, o <Mais> não é apenas a coerência, mas um outro, por ela mediatizado, e, apesar de tudo dela distinto. Os momentos artísticos na sua coerência sugerem o que nesta não se integra. Choca-se assim, porém, com uma antinomia filosófico-histórica (ADORNO, 1970, p.96).
O princípio da composição é o primado da totalidade, a qual vislumbra a realidade histórico-social. Adorno, assim como Eisenstein, percebe que existe importância na esfera criadora, entretanto as leis que governam os frutos desse “ato criativo” não são reduzidas à figura do artista. Ele nunca estará alheio à materialidade histórica de seu tempo e a sua subjetividade não passa ao largo do crivo da realidade:
A forma de que falamos aqui é inteiramente objetiva, com o que queremos dizer que ela se antepõe às intenções subjetivas, das personagens ou do autor, as quais no âmbito dela são apenas matéria sem autoridade especial, que não significa diretamente, ou que só significa por intermédio da configuração que a redefine (SCHWARZ, 1999, p.41).
A poética do realismo demonstra que a estética está em consonância com o seu tempo e lugar, isto é, a sua representação visa à realidade humana e social historicamente situada. Sem se limitar a entender a obra pela perspicácia ou inconsciência de quem a produziu, ou pela delimitação sociológica, percebe-se que a história e a sociedade são também – assim como a subjetividade do artista – um elemento interno ativo, que compõe a estrutura artística. O escritor se apodera dos materiais, da linguagem, das situações próprias a ele, e aí estão também as relações sociais e culturais. A invenção é, assim, livre, mas não arbitrária:
aquilo cujo movimento superficial não é senão burburinho vão; entrementes, por baixo ocorre um outro movimento, quase imperceptível, mas universal e ininterrupto, de tal forma, que o subsolo político, econômico e social parece ser estável, mas, ao mesmo tempo, parece estar insuportavelmente carregado de tensão (AUERBACH, 2009, p.440).
Assim como na montagem eisensteniana a fragmentação não exclui a totalidade – ao contrário, essa é obtida a partir do conflito –, a arte em geral também é a sistemática dos pormenores e sua relação com a macroestrutura social e histórica. Os elementos mesmo que desconexos e não integrados são comprimidos pela instância do todo, de modo que a totalidade force a coerência inexistente das partes e a transforme em expressão da realidade. Nesse aspecto, pela relação entre as partes internas e externas, toda arte deveria se chamar montagem (ADORNO, 1970, p.178).
Conforme foi visto acima, a concepção de forma estética para Sergei Eisenstein está longe de ser um mero invólucro do conteúdo. Para ele, a composição formal do filme deve trazer, enquanto estilo, os dispositivos históricos, sociais e ideológicos que atuaram em sua gênese. Essa concepção, de caráter dialético, está associada a uma noção de representação da realidade bastante sofisticada, para a qual o processo de mimesis não se reduz ao imitatio, mas se compromete também com o exercício da poiesis. 2
Já a concepção de Kracauer sobre a mesma questão, em grande parte das vezes, não se apresenta de maneira tão bem resolvida quanto a do cineasta russo. Apesar das variações que a abordagem do tema sofre em sua produção intelectual – o cinema sempre foi um objeto de seu interesse –, geralmente, o pensador alemão é associado a um realismo ingênuo e é acusado pela sistematicidade excessiva de sua interpretação sobre as produções fílmicas.3 Entretanto, será possível dizer que a concepção de realismo de Eisenstein e de Kracauer são tão diversas assim? Caso sejam, quais são os pontos de desencontro? Se há semelhanças, quais seriam? Para refletir sobre a questão, vejamos qual é a linha de interpretação que Kracauer desenvolve em sua obra mais conhecida sobre a arte cinematográfica: Theory of film: the redemption of physical reality.
A partir do título do livro já é possível termos uma noção da centralidade do conceito de realidade no estudo de Kracauer. Se pensarmos em dias como os de hoje, o caminho apontado é bastante louvável, visto que a maioria das teorias da moda buscam suprimir – ou apagar – a importância do mundo material de suas premissas, como se as transformações culturais, artísticas e sociais ocorressem in vitro e passassem a estar atreladas apenas ao discurso e à mentalidade dos sujeitos.4 A polêmica é boa, mas voltemos a Kracauer. Sua preocupação com o real e as formas de representá-lo é explícita, mas de qual real e de qual realismo ele nos fala? Na passagem a seguir, de Theory of film, já é possível ter uma amostra. Nela, o autor busca definir as propriedades básicas do cinema:
Las propiedades básicas son idênticas a las de la fotografia. Em otras palavras, el cine está singularmente dotado para registrar y revelar la realidad física, y, por consiguiente, desplaza hacia allí su centro de gravedad [...] Como médio reproductor, el cine tiene desde luego todo el derecho a filmar ballets, óperas famosas, etc.; pero aun suponiendo que esas reproduciones procuraran hacer justicia a los requisitos peculiares de la pantalla [...] La preservácion de actuaciones y representaciones que están fuera de la realidad física propiamente dicha es, em el mejor de los casos, una fúncion secundaria de um medio tan singularmente apropiado para explorar esa realidad (KRACAUER, 1989, p. 51).
Nota-se que, além de aproximar as propriedades do cinema às da fotografia, Kracauer coloca como função central dos filmes o registro e a revelação da “realidade física”. Para o estudioso, tudo aquilo que não for parte da realidade propriamente dita deve ser considerado como função secundária, incluindo-se aí os procedimentos técnicos, como a montagem, o ritmo e o modelo narrativo adotado. Segundo ele, “las propiedads básicas”, apontadas acima, são substancialmente diversas de “las técnicas” e “como regla, las primeras tienen precedencia sobre las segundas” (KRACAUER, 1989, p. 52). À primeira vista, parece possível dizer que a relação entre procedimento formal e representação da realidade não é enxergada de maneira integradora por Kracauer. Diferentemente de Eisenstein, o pensador não aposta numa concepção na qual o potencial realista da obra está intrinsecamente ligado à sua disposição estética.5 A exemplo do que se observa na passagem, ele até vislumbra a associação entre as duas instâncias, mas relega os elementos composicionais a um plano inferior.
Também quando aborda a relação do cinema com as outras artes, Kracauer aparenta apresentar uma visão de caráter pouco integrador, pois ele afirma que
Con fines estratégicos, suele ser más aconsejable convertir uma inclinación unilateral inicial, com el tempo, en algo menos estricto (siempre y cuando esté bien fundamentado), que partir de premisas demasiado amplias y luego tratar de especificarlas. Con esta última alternativa se corre el riesgo de desdibujar las diferencias entre los diversos médios, ya que rara vez nos lleva mucho más allá de las generalidades postuladas en un principio. El peligro es que así se tiende a confundir las artes entre sí. Mientras Eisenstein, el teórico, comienza a subrayar las similitudes entre el cine y los medios artísticos tradicionales, contemplándolo como su culminación suprema, Eisenstein, el artista, traspassa cada vez más los limites que separan el cine de los espectáculos teatrales más elaborados: piénsese em Aleksander Nevsky y em los aspectos operísticos de Ivan Grozny {Iván el Terrible} (KRACAUER, 1989, p.63).
Conforme se vê, o pensador alemão é receoso em relação à aproximação do cinema com outras artes, como por exemplo, os espetáculos teatrais e a literatura. Ele considera que a hibridização pode prejudicar alguns princípios básicos do cinema, entre eles, aquele que considera central, a capacidade de registrar a realidade física. A partir dessa linha de raciocínio, o autor de Theory of film traça uma divisão entre a tendência chamada de “realista” e a “formativa”. A primeira se compromete a reproduzir “el mundo circundante sin otra finalidad que mostrarlo” e é representada pelo estilo Lumière de filmagem (KRACAUER, 1989, p. 54). A segunda é definida como a tendência na qual “los diretores cinematográficos no se limitaron jamás a explorar la realidad física que tenían frente a la câmara” e sim, “procuraron pertinazmente penetrar em los reinos de la historia y de la fantasia”. O representante prototípico dessa vertente seria Méliès ( KRACAUER, 1989, p. 60). 6 Apesar de reconhecer que os dois modelos nem sempre estão em oposição e que, em alguns casos, as relações entre os impulsos realistas e formativos são, do ponto de vista artístico, mais gratificantes do que a separação estrita entre os dois, Kracauer argumenta que apenas aqueles que se enquadram naquilo que ele chama de “tendência realista” “ofrecen una penetrácion intelictiva y um goce que de otro modo son inalcanzables” (KRACAEUR, 1989, p. 62). Em seu modo de ver, filmes que seguem um estilo teatral ou poético eclipsam a significância da realidade física e, por isso, mesmo as obras desprovidas de “aspiraciones creativas” como noticiários, filmes científicos e educativos, são propostas plausíveis para o método cinematográfico “y quizá en mayor medida que aquellas otras películas que, a pesar de su caráter artístico, prestan escassa aténcion al mundo exterior” (KRACAUER, 1989, p. 63).
A concepção de realismo resultante dessa perspectiva é diferente, por exemplo, daquela que se observa em um dos maiores estudiosos do tema, Erich Auerbach. Para o filólogo alemão, a representação da realidade não precisa abrir mão da variabilidade, do choque entre as cenas e do arrebatamento dramático. Muito pelo contrário, tais procedimentos permitem matizar o processo de mimesis e levá-lo na direção de um “realismo figural”, dinâmico, a partir do qual o fato ou a matéria que é representada na obra nunca se converte em mero signo, pois conserva seu caráter histórico, social e ideológico (AUERBACH, 2009, p. 170). Esse modelo de realismo não obscurece a realidade e muito menos busca reduzi-la a mera visão de mundo do autor, pois, na verdade, o estilo se torna matizado para conseguir captar melhor a complexidade do real. O exercício formal, nesse caso, não consiste em um capricho parnasiano, visto que sua meta é tentar apreender algum princípio de totalidade do objeto enfocado, ou seja, algo que não está nela. E, para que tenha sucesso em sua empreitada, a forma artística precisa acompanhar a complexidade desse objeto, que é um mundo no qual “algo comum, com a mesma grandeza, existe em duas coisas diferentes” (MARX, 2006, p. 59).
Não é preciso muito esforço para perceber que, a priori, as concepções de cinema e de realismo que Eisenstein e Kracauer apresentam parecem ser diametralmente opostas. Entretanto, vejamos alguns detalhes. Conforme aponta Miriam Hansen, “Kracauer vê o processo histórico que culmina na modernidade como a perda crescente do sentido da vida, a dissociação entre verdade e existência: o mundo se desintegrando em uma multiplicidade caótica de fenômenos” (HANSEN, 2009, p. 12). Desse modo, o autor não via com bons olhos as experiências estéticas mais ousadas que, segundo seu ponto de vista, abandonavam a realidade cotidiana em troca do exercício formal. Para ele, o cinema deve atuar como “sintoma” e “agente” desse estado da modernidade, juntado os “detritos da história” para revelá-la em toda a sua negatividade (HANSEN, 2009, p. 18). Portanto, não é que a concepção de realismo trabalhada por Kracauer seja ingênua e menos complexa que a de Eisenstein, pois ele a assume deliberadamente. Para ele, o cinema deve atuar como “índice” impresso do processo histórico, por conseguinte, não se pode deixar que o excesso de impulsos “formativos” desvie o filme de sua função central. Por isso, em Theory of film, chega a considerar o método de Eisenstein, impactante, porém, “fatigoso”.7 (KRACAUER, 1989, p. 102). Percebe-se que o problema não é que a visão do pensador alemão seja equivocada ea do cineasta russo esteja correta: as intenções são parecidas, mas as vias escolhidas é que são um pouco diversas.
A questão é que, para ambos, a realidade se encontra nublada, quase que uma fantasmagoria, devido ao fato de sofrer as determinações do processo de produção capitalista. Porém, enquanto Eisenstein deseja captar esse processo de fetichização do real a partir da forma estética que utiliza – uma montagem baseada no princípio da contradição para revelar uma realidade contraditória –, Kracauer parece propor para o cinema uma função mais didática, como se o filme precisasse ser mais contido e organizado para melhor clarificar aquilo que se encontra obscurecido. Parece pertinente dizer que Eisenstein se encontra mais próximo de uma noção de realismo mais ampla, fundamentada por argumentos de base dialética, enquanto Kracauer adota uma perspectiva que se avizinha da noção de Realismo enquanto escola ou movimento artístico.8 O fato é que, cada um a sua maneira, se contrapõem à noção de forma pura e compreendem a importância da convergência entre os aspectos estéticos e extra estéticos, uma vez que a preocupação de ambos não é a arte enquanto entretenimento ou escapismo, mas como maneira de criar brechas diante da reificação predominante no mundo moderno para, assim, tentar entender os princípios que o organizam.
As potencialidades do cinema foram analisadas nesse breve trabalho com a finalidade de refletir sobre sua capacidade de revelar e promover a compreensão da realidade. As concepções realistas do cinema discutidas aqui, a partir das teorias de Kracauer e Eisenstein, apresentam-se enquanto técnicas de representação cuja finalidade é sistematizar e refletir, por meio de seus métodos específicos, o mundo concreto. Nesse sentido, embora as concepções dos dois teóricos apresentem singularidades na mediação da forma e do conteúdo estético, as finalidades almejadas com a obra cinematográfica caminham nessa mesma direção. Suas abordagens teóricas relacionam-se diretamente com as preocupações da estética materialista, cujo foco é a elaboração de um reflexo, ou de uma imagem aproximadamente fiel da realidade sócio-histórica e material, que possibilite a superação da alienação produzida pelas forças produtivas capitalistas. A dimensão artística, portanto, é uma forma particular de práxis e possui uma importante função gnosiológica que faz parte da teoria marxista do conhecimento, cujo objetivo é desvendar a realidade e expressar seus aspectos mais essenciais (KONDER, 1967, pp. 6-7).
Nessa direção, Lukács (1974) demonstra em sua estética materialista que a realidade imediata se apresenta de forma confusa e heterogênea na vida cotidiana, na qual os homens vivenciam apenas a superfície dos fenômenos. A arte procura superar o mundo fragmentado e dar forma e homogeneidade ao cotidiano, com a finalidade de estruturar e recuperar a unidade do real. Essa reapresentação da realidade pela obra estética busca uma unidade sensível de essência e aparência e possibilita a superação do imediato a partir do qual surge uma segunda imediaticidade. Consequentemente, na visão ontológica lukacsiana, a arte é uma atividade que parte da vida cotidiana para posteriormente retornar a ela de maneira a elevar a consciência sensível do sujeito, ou ainda produzir uma suspensão da cotidianidade e elevação da subjetividade. Desse modo, a especificidade da obra de arte consiste na forma com que a sua particularidade promove uma reapresentação estruturada do cotidiano, o que possibilita um reflexo antropomorfizador e cognoscente da realidade como um processo enriquecedor da subjetividade humana e do indivíduo com seu gênero. Ou seja, o resultado do trabalho artístico consiste em apresentar valores, materializáveis ou não, tangíveis ou intangíveis, cuja finalidade é superar o cotidiano imediato e elevá-lo na consciência dos sujeitos como uma segunda imediaticidade em que seja possível revelar na obra o caráter social da ação e expressão humana (LUKÁCS, 1974).
A categoria lukacsiana de realismo é uma noção central da estética marxista, pois representa a “adequação artística” às relações em transformação nas quais se encontram os homens. Apropriando-se dessa perspectiva, István Mészáros afirma que, diferente do “registro passivo” ou do “processo mecânico” da arte utilitarista, naturalista e abstrata, o realismo é marcado pela representação “dialética da mimese identificada como antropomorficamente ligada à constituição objetiva do homem” (1981, p. 179). O significado da representação é possibilitado porque o “homem sente o que sofre” e percebe pelos sentidos humanizados o mundo humano e social em que está inserido. Diferente da passividade da mimese naturalista desumanizada, do gozo particular e utilitário ou do abstracionismo sem significado, o sofrimento é criador de valor objetivo e, portanto, ativo. Segundo Mészáros, “sofrimento, sentimento e paixão constituem [...] uma unidade dialética, que é inerentemente ativa” (1981, p. 180). Nesse movimento a mimese torna-se ativa, criativa e humanizada.
Sendo o realismo a concepção artístico-cultural que procura, por meio da expressão da materialidade histórica e social, representar a realidade em que os homens estão inseridos, é o meio pelo qual se encontram as contribuições e a importância de Kracauer e Eisenstein. O teórico alemão, diante do anseio de compreender a modernidade, procura, a partir das ruínas, dos detritos e dos elementos aparentemente inúteis e desconexos, os subsídios para representar o mundo físico e dotá-lo de uma unidade a fim de recuperar o sentido dos objetos incorretamente julgados insignificantes. Para Kracauer a realidade é apresentada pelo cinema enquanto testemunho por meio do registro e da reapresentação daquilo que possa ter passado despercebido na vida imediata. A função do cinema, portanto, é revelar a essência do mundo aparente num documento que possibilite representar e analisar de forma mais aprofundada o mundo físico. O soviético não realiza uma ação tão distinta, pois procura nos fragmentos imagéticos dos objetos, fatos e fenômenos os devidos encadeamentos para alcançar uma unidade que mostre o mundo empírico de maneira mais acentuada e reveladora. O método dialético do cineasta, pautado na inferência e no conflito, visa representar as condições e contradições da totalidade material, superficialmente apresentada de forma desintegrada e caótica nas relações cotidianas. Assim, para Eisenstein, a composição cinematográfica elaborada pela montagem é a forma pela qual a realidade se revela.
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Esse mal estar pode ser exemplificado pelos casos de censura e críticas do governo em relação à obra cinematográfica de Eisenstein. Dentre eles estão os cortes e reedições sofridos pelo filme Outubro (1928), o cancelamento das rodagens de Que viva México (1930) e a proibição da realização de O prado de Bejin (1935-1937) e Ivan, o terrível, parte II (1946).↩
O termo imitatio diz respeito à noção iluminista de representação referencial, na qual a razão e a verossimilhança são priorizadas e a imaginação é relegada para o segundo plano (NUNES, 1999, p. 26-28). Já o processo de poiesis relaciona-se à noção de mimesthai , que sugere a interpenetração entre força representativa e imaginativa, o que corre quando o artista busca ultrapassar o plano da simples representação e coloca em jogo também o potencial expressivo (SOUZA, 2000, p. 27-37).↩
O estudo intitulado Variações sobre um filme-sinfonia na crítica de Siegfried Kracauer se dedica a entender as diferenças e aproximações de abordagem sobre o cinema no pensamento do autor.↩
Roberto Schwarz, em seu ensaio intitulado “O neto corrige o avô (Gianotti vs. Marx)”, mostra que chegamos a um ponto no qual o modo de produção capitalista é reduzido a uma “gramática das relações de trabalho”. O crítico, ironicamente, argumenta que, enquanto a “gramática se aprende à custa de exercícios e reprovações”, o funcionamento do capital “sem prejuízo de ser regrado, requer castigos de outra espécie, descritos por Marx no capítulo tremendo sobre acumulação primitiva, ou singelamente explicitado no arsenal das grandes potências” (SCHWARZ, 2012, p. 245).↩
Para Antonio Candido, por exemplo, a questão da representação da realidade pela forma estética deve se dar de maneira diferente. O crítico brasileiro, ao abordar a noção de “redução estrutural”, afirma que esta é o processo pelo qual os princípios que organizam a realidade histórica e social passam a compor a estrutura da obra, operacionalizando uma profunda integração entre os elementos não-estéticos e estéticos. Portanto, nem a realidade aparece mais “apenas” como realidade, assim como a forma deixa de ser apenas um recurso técnico do artista: uma passa a revelar algo da outra (CANDIDO, 2010, p. 9).↩
A maioria dos filmes de Lumière se dedica a registrar a vida cotidiana em seus movimentos livres e inconscientes, a exemplo do que se vê em L’arrivée d’um train. Já o estilo de Méliès era mais narrativo e imaginativo, abrindo espaço para o fantástico e o ficcional, como em Le voyage dans la lune.↩
O comentário é feito em uma nota de rodapé, mais especificamente, a de número dezesseis.↩
No primeiro caso é possível abarcar uma série de modelos diferentes de “realismos”, pois se considera que a forma é realista quando a disposição estética se mostra capaz de internalizar a dinâmica do processo sócio-histórico (WAIZBORT, 2007, p. 12-13). Segundo esse ponto de vista, tanto Machado de Assis quanto Oswald de Andrade alcançaram certo tipo de realismo. O segundo caso diz respeito à tendência estilística de se dedicar à exposição dos detalhes do objeto, da cena ou do personagem descrito, na maioria das vezes, com um objetivo moralizante. Machado de Assis, ao escrever um texto crítico sobre o romance O Primo Basílio, define esse tipo de realismo de maneira bastante ilustrativa e irônica: “pois que havia de fazer a maioria, senão admirar a fidelidade de um autor, que não esquece nada, e não oculta nada? Porque a nova poética é isto, e só chegará à perfeição no dia em que nos disser o número exato dos fios de que se compõe um lenço de cambraia ou um esfregão de cozinha” ( MACHADO DE ASSIS, 2008, p. 128).↩