RAYMOND CHANDLER: DETECÇÕES DA REALIDADE

Luís Otávio Hott1
Universidade Federal do Rio de Janeiro
lohott2510@gmail.com

Raymond Chandler, um estilista da literatura que reproduziu a vida americana em sua forma mais crua, possui um lugar único na literatura, parte da cultura de massa e da cultura modernista, seu detetive Philip Marlowe, incorporando a heroica figura do detetive americano, aparece pela primeira vez em The Big Sleep, de 1939, revelando um mundo de decadência do american way of life, uma personagem profundamente pessimista e irônica que, narrando sua própria trajetória, quebra a barreira entre a ficção popular e a alta literatura, desta forma Chandler penetra no panteão dos grandes autores do século XX. Chandler não apenas reconfigura todo o gênero ao qual pertence, como também ultrapassa o estereótipo e introduz problemáticas inéditas. Suas personagens desoladas revelam o vazio existencial do pós-guerra, enquanto tentam se apegar desesperadamente à materialidade do capitalismo, estes personagens são atraídos para um vácuo, uma ausência transcendental. Em Raymond Chandler, o hard-boyled se transforma no mistério metafísico.
A ficção de detetive do gênero hard boyled, de Raymond Chandler, é a resposta a uma transformação eminente das estruturas do mundo, o período pós-guerra é marcado por um vácuo existencial e pelo surgimento de um novo modelo de sociedade. Chandler não inventou o gênero do policial hard boyled, mas deu a ele uma dimensão humana e psicológica que lhe faltava e uma forma nova de se escrever romances policiais, com personagens mais complexos e intrincados em suas próprias problemáticas existenciais, poucos autores conseguiram explorar um gênero já exaurido e reinventá-lo por completo como Chandler, e ainda, transformar um gênero parte da cultura de massa em grande literatura. Os esforços de Chandler, tanto como escritor quanto como ensaísta foram essenciais para que o gênero policial fosse gradativamente perdendo seu estigma que o afastava do cânone literário.
Raymond Chandler começou a carreira literária em 1933, quando publicou o conto “Chantagistas não atiram”, na revista de Dashiell Hammett, Black Mask, uma pulp magazine, revistas baratas responsáveis pela popularização dos gêneros noir e hard boyled, embora estas revistas servissem primeiramente à atividade de entretenimento
das massas, de acordo com Ernest Mandel em Delícias do crime: a história social do romance policial, essas revistas também serviam para a “conscientização das massas sobre a natureza das atividades criminosas” (1988, p. 63). A série noir, de Marcel Duhamel, publicada na França nas décadas de 40 e 50, é essencialmente feita a partir de traduções de romances e contos da revista Black Mask.
Chandler colaborou na revista em diversas ocasiões, sua motivação, ele não escondia, era financeira, após perder o emprego numa companhia petrolífera, durante a Grande Recessão, o autor decide então ganhar a vida como escritor, aos 50 anos. Porém, para Chandler, o romance policial representava algo mais do que um mero produto comercial, produzido para o propósito do entretenimento popular. The Big sleep, publicado em 1939, é o primeiro romance de Chandler, o escritor demorou cerca de dez anos aperfeiçoando sua escrita através dos contos, que ele mais tarde iria incorporar ao romance. Nesses contos, Chandler aprendeu como ao mesmo tempo, agradar o púbico leitor popular e produzir uma obra de refinamento estético. Em uma carta escrita em 7 de maio de 1948, Chandler relembra o modo como encontrou a forma estética que definiria seu trabalho:

Muito tempo atrás, quando eu estava escrevendo para as revistas pulp, escrevi numa história um trecho assim: “Ele desceu do carro e caminhou pela calçada batida de sol até que a sombra do toldo que cobria a entrada caiu sobre o seu rosto como um banho de água fresca”. Eles publicaram o conto, mas cortaram esse trecho. Os leitores da revista não gostavam desse tipo de coisa, que serviam apenas para retardar a ação. E eu me mobilizei para provar que eles estavam errados. Minha teoria era de que eles apenas pensavam que não ligavam para nada além da ação; mas que na verdade, embora não soubessem, eles ligavam muito pouco para ação. As coisas com que eles realmente se importavam, e eu mesmo me importava, era a criação de emoção através do diálogo e da descrição (2016, p. 299-300).

Porém, The Big Sleep, não foi bem recebido no ambiente literário dos Estados Unidos na época, mesmo recebendo elogios, ele não foi aceito pelo establishment da critica literária, nem fez sucesso junto ao grande público. Bem diferente dos contos de Chandler, esse romance apresenta ao público Philip Marlowe, um protagonista com uma consciência jamais vista no gênero, que faz comentários sarcásticos sobre tudo o que o cerca, desde pessoas à lugares, seu cinismo distanciado destoa da seriedade dos detetives comumente apresentados no gênero. Philip Marlowe é um investigador particular que encarna o heroico detetive americano, profundamente pessimista, ele se abstém de relações pessoais e forma o seu próprio código moral, seguindo uma busca inabalável pela verdade, mesmo vivendo em uma sociedade corrompida, decadente de
valores e esvaziada de sentido, nesse cenário o detetive não pode esperar a solução completa do crime, nem a restauração da ordem.
O detetive de Raymond Chandler, Philip Marlowe, se configura como sujeito em crise, mergulhado em um mundo moralmente corrupto, destruído pelo “verdadeiro crime” que é o capitalismo. O hard boyled apresenta um novo tipo de ficção de detetive, no qual a falência do racionalismo e da sociedade burguesa tornam-se evidentes, configurando a emergência de um novo tipo de sociedade, onde as instituições são corruptas e apenas o capitalismo sobrevive como forma de controle social. O ponto central, estruturador e fundamental para esse tipo de ficção de detetive é a crítica ético- político-social. Através de seus detetives e das tramas em eles se envolvem, nos mostram o quanto o mundo do crime tem em comum com a sociedade capitalista. Nessa ficção, o mundo do crime se transforma numa reprodução, em estrutura e detalhe, da moderna sociedade capitalista da qual ele faz parte. O detetive ao penetrar no mundo do crime nos leva a perceber as contradições do mundo em que vivemos, o mundo do crime se transforma numa alegoria da própria sociedade.
Utilizando o mundo do crime como metáfora da nossa sociedade, Chandler denuncia a falência das instituições burguesas, a corrupção, a falsa moralidade. O motor do hard-boyled é o dinheiro, é por ele que se mata, que se vive, que se investiga, ele é a estrutura central da sociedade. Nesse sentido, todas as ideologias são abandonadas em nome do completo niilismo capitalista do dinheiro. O detetive e sua investigação deixam de ser o elemento que introduz a ordem no caos da sociedade, ele próprio duvida da lei, da justiça, todas instituições são corruptas, esse detetive está sozinho em sua busca por justiça.
Ao contrário da ficção de detetive tradicional, cujo principal objetivo é revelar o enigma, no hard boyled norte-americano o principal aspecto representado é o problema social, este tipo de ficção revela os vícios e as ambições da sociedade capitalista, uma sociedade onde o dinheiro e a busca por poder aparecem como os verdadeiros interesses das relações humanas. Do hard boyled se origina a ficção Noir, em geral sem detetive e cujo protagonista é um fracassado, quando não um criminoso, que tenta sobreviver nas trevas morais da sociedade urbana. Boileau e Narcejac apontam que a América era o terreno propício para o surgimento do noir:

Temos um faroeste, marcado por xerifes que defendem a lei de maneira desembaraçada [...] tem-se ainda, na tradição do Oeste, os policiais treinados para atirar primeiro, caçadores de prêmio que, para prender a caça, usam todos os artifícios, legais e ilegais, morais, imorais ou amorais. Com o crescimento das cidades norte-americanas, prospera- ram todos os tipos de vícios sociais, tais como a prostituição, os jogos, as drogas, as extorsões. Mais ainda, há a política que, num espaço corrupto, também assim se torna. Sendo assim, é possível manipular os eleitores pela ameaça, pelo terror e pelo dinheiro. Por esse expediente, o poder pertence ao mais forte. Assim temos o poder centrado nas mãos do submundo, a lei controlada por grupos corrompidos. A polícia, nesse caso, é comprada e surge o particular, ou seja, os mandantes e os mandatários, figuras ambíguas que vivem num limiar invisível a separar ou fundir a ordem e o caos, num discurso de promoção da vida pela morte, da paz pela violência, esta, necessária, mesmo que contraditória àquela. (BOILEAU; NARCEJAC, 1991, p. 58).

O novo detetive que nasce desta sociedade não é mais uma “máquina de pensar”, ele se torna passional, cruel, violento. O detetive do hard-boiled é um homem duro que sai às ruas à procura dos criminosos, não tem tempo para deduções e análises, tem seus próprios métodos adequados à sociedade corrupta em que vive: suborno, ameaças, extorsão. Seu código moral não é o mesmo do detetive tradicional, ele às vezes atua como justiceiro. É um homem solitário, desencantado com a vida, moralmente flexível, na sociedade em que vive é um perdedor, sua situação econômica é quase sempre desfavorável, por isso cobra honorários por seus serviços. Philip Marlowe é um detetive falho, que vivem em mundo onde não existem regras definidas, moral ou ética a seguir. Trata-se de um mundo em falência dos valores, um mundo em ruínas, onde as pistas não significam nada. Essa nova narrativa detetivesca emerge por completo no mundo do crime, diferentemente da anterior, onde Dupin e Holmes resolviam os enigmas sentados no conforto de suas poltronas, Marlowe se mistura aos criminosos, investiga, interroga, interage com as vítimas, testemunhas e criminosos.
Em “A simples arte de matar”, artigo publicado em 1944, Chandler critica a história de detetive clássica: “Imagino que o principal dilema da história de detetive tradicional, clássica, exclusivamente dedutiva, ou baseada na lógica e na dedução, é que para ser perfeita ela requer uma combinação de qualidades que nunca estão juntas na mesma mente” (2016, p. 278). Para o autor, o “detetive lógico e sisudo transmite tão pouco senso de atmosfera quanto uma prancheta” (2016, p. 278), o “detetive científico tem um laboratório novo e reluzente, mas lamento, não consigo me lembrar do rosto dele” (2016, p. 278). Para Chandler, o autor de romances policiais deve ser “politicamente comprometido”, sobretudo, pois:

Não é um mundo muito perfumado, mas é o mundo em que você vive, e certos escritores com mentes corajosas e um calmo espírito de distanciamento podem criar tramas interessantes e até divertidas a partir dele. Não é engraçado que um homem seja assassinado, mas, às vezes, é engraçado que seja assassinado por tão pouco, e que sua morte seja moeda vigente no que chamamos de civilização (2016, p. 292).

Philip Marlowe, o detetive de Raymond Chandler, que aparece pela primeira vez em “O sono eterno” (1939), e figurou em oito romances, é sentimental e um perdedor consumado, como diversas vezes afirmou Chandler, ele movimenta-se por uma Los Angeles corrupta e misteriosa, parte de um país em um período de pós-recessão, repleto de incertezas, com um grande número de desempregados apenas tentando sobreviver, um meio em que o crime surge como última saída para alguns e como modo de vida para outros. No primeiro parágrafo de “O sono eterno”, Philip Marlowe surge, pela primeira vez, diante do leitor através da seguinte descrição:

Eu estava usando meu terno azul-claro acinzentado com camisa azul-escura, gravata, lenço dobrado no bolso, sapatos pretos, meias de lã pretas com bordados azuis. Estava limpo, impecável, barbeado e sóbrio, e não estava ligando se alguém percebia. Eu era tudo o que um detetive particular de boa aparência devia ser. Eu estava batendo à porta de quatro milhões de dólares (2015, p. 21).

Desde o primeiro momento, Chandler estabelece seu personagem como um homem “limpo, impecável”, um “detetive particular de boa aparência” (2015, p. 21), uma espécie de paladino da justiça em uma sociedade corrompida e decadente pelos valores materiais com os quais ele não se importa, “batendo à porta de quatro milhões de dólares” (2015, p. 21), para Marlowe, a única coisa que importa é a verdade, seguindo seu próprio senso de justiça e sua moral inabalável, ele busca desmascarar os criminosos, os golpistas, os assassinos, mesmo aqueles que pertencem à classe endinheirada de Hollywood.
Marlowe é um investigador particular diferente, apto à violência, astuto, porém, um homem real, não um racionalista, mas um sentimental, que conhece literatura, embora expresse sempre uma atitude irônica em relação ao mundo literário, um detetive que descreve o mundo como vê, que não precisa de um assistente ou mesmo um narrador para descrever suas façanhas, ele mesmo as descreve à sua própria maneira. Marlowe possui um humor autodepreciativo, um orgulho meio canastrão, um desprezo pelos desonestos e covardes, sua ironia se dirige tanto para seus adversários quanto para o mundo, nas críticas que murmura sem nunca interromper a narração, zomba da própria inteligência e conhece o mundo em que vive, ao invés de se sentir deslocado nesse mundo da ganância e da desonestidade, toma para si a difícil, quase impossível, tarefa de corrigi-lo.
Para Chandler, a arte deve sempre pensar em termos da possibilidade daquilo que no momento presente pode parecer impossível, ele afirma que: “Em tudo o que pode ser considerado arte é visível certa qualidade de redenção” (2016, p. 292). Dessa forma, seu detetive Philip Marlowe se configura como essa ridícula, às vezes, cínica, porém, sempre crítica “qualidade de redenção”, para ele, como aponta em “A simples arte de matar”:

Por essas ruas sórdidas deve caminhar um homem que não é sórdido, um homem que não tem medo nem mácula. O detetive, nesse tipo de história, deve ser esse homem. Ele é o herói, ele é tudo. Ele deve ser um homem completo, um homem comum e ainda assim ser um homem diferente. Ele deve ser, para usar uma expressão já desgastada, um homem de honra, instintivamente, inevitavelmente, sem pensar nisso, e certamente sem dizê-lo. Ele deve ser o melhor homem para o seu mundo e um homem suficientemente bom para qualquer mundo [...]. É um homem relativamente pobre, ou não seria um detetive. É um homem comum, ou não poderia conviver com pessoas comuns. É um bom avaliador de caráter, ou não saberia exercer sua profissão. Não aceita dinheiro desonesto de ninguém e não sofre insolência de quem quer que seja sem uma vingança justa e desapaixonada. Ele é um homem solitário, e seu orgulho consiste em que você deve tratá-lo como um homem que tem amor-próprio, ou vai se arrepender de ter cruzado seu caminho. Fala como falam os homens do seu tempo, ou seja, com uma espirituosidade rude, um senso agudo do grotesco, desprezo pelo que é falso, e irritação contra o que é mesquinho. A história é a sua aventura em busca de uma verdade oculta, e não seria uma aventura se não acontecesse a um homem preparado para aventura. Ele tem uma percepção ampla das coisas que pode deixar você surpreso, mas isso lhe pertence por direito natural, porque pertence ao mundo onde ele vive. Se houvesse mais homens como ele, acho que o mundo seria um lugar mais seguro para se viver, e ao mesmo tempo não seria um mundo tão chato que não valesse a pena (2016, p. 293).

Fica óbvio, neste retrato, a ingenuidade ou o romantismo cínico da descrição que Chandler dá de seu detetive. Porém, esse herói assim construído, o é para que ele seja suficientemente forte para lutar contra todo o sistema de poder da sociedade na qual está inserido. Sendo o culpado quase sempre um milionário ou político, figuras de grande influência na cidade de Los Angeles. Trata-se de uma reencenação do antigo conflito modernista do confronto do sujeito individual com a sociedade. Esse detetive particular duro, cínico e sentimental perseguirá os criminosos através de obstinados interrogatórios e não através da cansativa análise de pistas através de um método analítico. Para Ernest Mandel, a “ênfase neste processo de perseguição é em si uma pista sobre a mudança de valores burgueses refletida na revolução do romance policial clássico” (1988, p. 65). Dessa forma, o detetive deixa de ser um aristocrata excêntrico e se torna uma espécie de profissional burguês, assim, para Mandel, a “ideologia de Chandler é ainda basicamente burguesa” (1988, p. 65). Philip Marlowe não trabalha em casa, mas em um escritório, número 615, em Cahuenga Boulevard, um lugar sujo e empoeirado, com uma mesa de recepção vazia, sem secretária, onde ele aparentemente vive, um lugar onde passa o tempo quando não está investigando e onde recebe clientes.
Philip Marlowe, descreve a si mesmo da seguinte maneira: “Tenho trinta e três anos, já estive na universidade e ainda sou capaz de falar inglês caso seja necessário. Na minha profissão, isso não acontece muito [...]. Sou solteiro, porque não gosto de mulher de policial” (2016, p. 27). Marlowe corresponde ao ideal de um homem moralmente inflexível, apesar de seu pessimismo, nesse sentido, o romantismo de Chandler é característico de sua época e manifesta uma atitude presente ainda hoje, principalmente, na cultura de massa contemporânea. Vivian representa uma mulher que age segundo seus próprios interesses, ela é uma socialite afetada, mas também uma mulher que não se submete aos desejos da sociedade na qual se insere, embora continue submissa ante o machismo cansado de Marlowe. Nesse sentido, Chandler é um homem de seu tempo, embora as mulheres de suas histórias possuam mais profundidade e personalidade melhores definidas do que as dos outros escritores de hard boyled, como Dashiell Hammett, elas permanecem objetos de fetiche, como é descrita Vivian Regan, por exemplo:

Sentei na borda de uma poltrona fofa e confortável e olhei para a sra. Regan. Ela valia uma olhada. Ela era um perigo. Estava reclinada numa chaise longue modernista e tinha descalçado os chinelos, de modo que vi suas pernas cobertas por meias de seda. Pareciam ter sido preparadas para que alguém as olhasse. Eram visíveis do pé até o joelho. Os joelhos tinham covinhas, não eram ossudos nem pontudos. As pernas eram belas, os tornozelos longos e esguios e com melodia bastante para um poema sinfônico. Ela era alta e esbelta e parecia ser forte. A cabeça apoiada numa almofada cor de marfim. O cabelo era negro, crespo e repartido ao meio e ela tinha olhos negros ardentes. Uma boca agradável e um queixo agradável. Os lábios tinham uma curva amuada, e o inferior era bem carnudo (2015, p. 35).

A postura de Vivian é de desafio, porém, sua atitude se converte em fetiche para criar uma tensão sexual crescente entre ela e Marlowe. Quando se encontra com o detetive ela lhe diz: “Então, você é detetive particular [...]. Não sabia que eles existiam de verdade, fora dos livros. Ou então achei que eram homenzinhos sujos que andam pelos hotéis espionando” (2016, p. 34). Porém, Marlowe apresenta uma atitude de indiferença em relação à sua provocação: “Não havia nada para mim naquilo tudo, então deixei que o vento levasse” (2016, p. 34). Marlowe claramente se enquadra no papel do detetive machão, no estereótipo do homem duro, um brutamontes rude, insensível e indiferente, ao mesmo tempo um conquistador, um sedutor das donzelas com moral questionável. Antes de questionar Raymond Chandler, cobrando dele uma perspectiva mais de acordo com as pautas atuais, devemos questionar por que esse estereótipo de comportamento continua sendo reproduzido na cultura da contemporaneidade. Filmes como Blade Runner, de 1982, e sua sequência Blade Runner 2049, de Ridley Scott, apresentam uma reinterpretação dos gêneros policiais noir e hard boyled, porém, eles mantém essa estrutura da submissão feminina ao machismo do detetive heroico.
Um dos objetivos desse estudo é o desenvolvimento de uma poética histórica da ficção de detetive que nos permita enxergar como as práticas culturais, como a ficção de detetive, interagem com os valores hegemônicos. A hegemonia, nesse caso, refere-se ao processo através do qual os grupos dominantes subordinam outros grupos. Dentro deste quadro, a cultura de massa desempenha um papel crucial, fundamental, ela existe na esfera pública, onde acontecem os processos políticos no âmbito da cultura. A cultura de massa se torna então uma das arenas cruciais para a resistência, aceitação e incorporação de valores hegemônicos. Desta forma, a hegemonia revela como a ideologia mescla elementos da cultura dominante e da cultura subordinada, este processo mostra como, ao contrário do que a crítica afirma – até mesmo a crítica marxista, que possui uma tendência a interpretar a cultura de massa como ideologia dominante comodificada – porém, para além da matéria reificada. A cultura de massa se desenvolve como uma forma cultural e histórica sensível e complexa, com uma poética própria, com preceitos formais próprios, modos de funcionamento que vão além da “Indústria Cultural” de Adorno, de Hollywood, e da televisão, formas de submeter o indivíduo ainda mais profundamente ao seu adversário: “o poder absoluto do capital” (ADORNO, 2016, p. 99). A “Indústria Cultural”, cujo objetivo é o “controle da consciência individual” (2016, p. 100), através da “disseminação de bens padronizados para satisfação de necessidades iguais” (2016, p. 100), que “levou apenas à padronização e à produção em série, sacrificando o que fazia a diferença entre a lógica da obra e a do sistema social” (2016, p. 100). O conceito de Adorno se refere à uma forma de cultura específica, e não pode ser aplicado genericamente à toda cultura de massa. Em carta a seu agente, em 1951, Chandler critica a “Indústria Cultural”:

As pessoas que se preocupam demais com o que pode acontecer a nossa civilização se todo mundo começar a jogar bombas atômicas deviam ser obrigadas a assistir à televisão durante quatro horas, todas as noites, por um espaço de, digamos, duas semanas. Então podiam começar a se preocupar com uma coisa na qual podem influir se quiserem porque é bastante óbvio que a degradação da mente humana causada pelo fluxo ininterrupto de propaganda fraudulenta não é uma coisa trivial. Existe mais de uma maneira de conquistar um país (2015, p. 249).

A literatura de detecção é um gênero de literatura moderna e mais ainda, uma expressão da própria modernidade, cujo nascimento e desenvolvimento ela acompanha. A literatura modernista é fascinada com a descoberta, a investigação, a decodificação, a revelação. A visão de mundo modernista supõe uma verdade escondida, uma pista oculta da existência, uma sensação de que a experiência é codificada, um código existente, uma narrativa compreensível, estável, coerente. Embora a maior parte da literatura modernista também expresse sérias dúvidas quanto às possibilidades de ter sucesso em encontrar a pista oculta da existência e de ser capaz de lhe conferir uma ordem escondida, esse desejo hermenêutico permanece como uma dialética fundamental dentro do modernismo. Isso implica que a literatura modernista e a narrativa de detecção compartilham uma forma epistemológica análoga: ambas supõem que as aparências disfarçam uma verdade mais profunda, ambas tentam decodificar e resolver o mistério da existência.
Em conjunto com outras formas comumente associadas à cultura de massa, a ficção de detetive se tornou, de acordo com Jon Thompson, a “progênie ilegítima” (1993, p. 5), do alto modernismo: nascida da mesma experiência da modernidade que deu origem aos grandes modernistas, como Joyce, Kafka e Proust, a ficção detetivesca produzida por Poe, Conan Doyle e Hammett, recebeu um status subliterário, de acordo com uma série de críticos que viram nesse tipo de ficção uma erosão estética do alto modernismo, porém, esta avaliação é problemática, uma vez que o modo como essa discriminação é frequentemente utilizada como base de julgamentos sobre valor cultural: em última instância, estas avaliações se configuram como formas historicamente consumadas de se fazerem julgamentos, influenciados por diferentes valores e ideologias.
Por fim, a teoria dos gêneros leva à uma consideração sobre a questão do valor literário. Porém, além de outras coisas, o argumento tradicional sobre a ficção de gênero não pode ser mantido, antes de tudo, porque toda ficção é ficção de gênero; toda ficção pertence a um gênero no sentido de que toda ficção adquire uma identidade através da incorporação a um gênero. Essa abordagem diferencia-se daquela que tradicionalmente se destina à análise do gênero, pois, não diferencia entre ficção popular e erudita, “alta” e “baixa” cultura modernista. A definição de “alta” cultura, parte do alto modernismo, frequentemente envolve a estigmatização da cultura popular. Esta visão se deve particularmente ao fato de que, para uma análise da ficção de detetive desde o seu surgimento até a atualidade, devemos superar tais obstáculos, visto que, apesar de esta divisão poder ser sustentada no período do primeiro modernismo, sobretudo em se tratando do afastamento do mercado que configura o “alto” modernismo, já no segundo momento, não mais podemos fazer tal distinção. A ficção de detetive que possui um escopo metafísico quebra a barreira da cultura de massa e se apresenta como uma das mais fortes manifestações da cultura em geral.
Raymond Chandler faz parte de uma segunda geração do modernismo americano, surgida nos anos 40 e 50, do qual fazem parte Vladimir Nabokov, Raymond Carver, John Cheever, Norman Mailer, entre outros. Esse tipo de modernismo, marcado por um formalismo exacerbado que acometeu a arte norte-americana nos anos 50, foi útil às políticas reacionárias do senador McCarthy que perseguiu os intelectuais e os artistas de esquerda. O modernismo de primeira geração foi, em certa medida, uma reação contra a narração, contra o enredo, suas obras que se configuravam como quebra-cabeças de linguagem organizaram uma nova forma de expressão. Em certa medida, da mesma forma, Chandler como um pintor da vida americana, não cria modelos narrativos em larga escala da experiência que a grande literatura muitas vezes oferece, em Chandler podemos ver uma América fragmentada, percepções fragmentadas constroem a representação de uma estética negativa, a presença de uma ausência transcendental, a falta de sentido e a profunda infelicidade da vida no capitalismo, um paradoxo formal que muitas vezes é inacessível à literatura modernista séria.
As descrições de Chandler, como em O sono eterno, descrevendo uma mansão de um bilionário do petróleo: “O saguão principal da mansão Sternwood tinha dois andares. Por cima da entrada, que poderia dar passagem a uma tropa de elefantes indianos, havia um largo vitral colorido” (2015, p. 21); “Depois da garagem viam-se árvores decorativas tão bem tosadas quanto cachorrinhos poodle” (2015, p. 22); “A sala era grande demais, o teto era elevado demais, as portas eram altas demais, e o tapete branco que ia de parede a parede parecia uma camada recente de neve em volta do lago” (2015, p. 33); “Os Sternwood tinham se mudado para a parte alta da colina, não precisavam mais sentir o cheiro de petróleo ou de água estagnada, mas ainda podiam se debruçar na janela e ver o que os tornara ricos. Se quisessem. Imaginei que não queriam” (2015, p. 37).
Estas percepções, cheias de cinismo e ironia, ao mesmo tempo em que não possuem o preciosismo linguístico que a grande literatura preza, porém, as descrições de Chandler, dependem do olhar de um observador fatigado, ao qual nada mais pode impressionar, um homem gasto numa sociedade superficial: sua própria essência é ser inessencial. Por exemplo, quando analisando as obras de Joyce ou Proust, a observação da epifania Joyceana, que adota um momento como o centro do mundo, como algo ao qual se dá diretamente um significado, um momento precioso que através da percepção aguda do autor dá sentido ao insignificante. Chandler, ao contrário, dá insignificância ao que tem sentido, na moldura organizacional da história de detetive tudo o que deve possuir significância são as pistas, não é permitido desperdiçar o tempo do leitor, toda e qualquer descrição possui um objetivo definido, transmitir emoção e informação útil. Dessa forma, Chandler demonstra que em literatura, aquilo que não é dito, importa tanto quanto aquilo que é dito, a ausência é tão importante quanto a presença.
Em Chandler, o que está presente é um pessimismo em relação ao american way of life, a noção de que a prosperidade prometida no sonho é uma ilusão, de que a América é a terra do capitalismo, uma sociedade esvaziada de sentido, e na qual a vida se transforma em uma commodity. A ficção de detetive hard boyled de Raymond Chandler prefigura o mundo da totalidade do capitalismo, – cuja cidade de Los Angeles, uma megalópole distribuída desigualmente em bairros e distritos que comportam mundos privados, nos quais as diversas classes perderam contato umas com as outras, devido ao componente do isolamento geográfico – é um microcosmo, não apenas do capitalismo, mas do próprio país Estados Unidos da América. Los Angeles é uma cidade que desmantela a estrutura social, cria mônadas que sobrevivem de forma isolada, leva ao extremo o isolamento monadológico do indivíduo na sociedade capitalista. O sono eterno, apresenta reflexões que desnudam a verdade por detrás da máscara do país:

Não se pode esperar qualidade de pessoas cujas vidas são uma sujeição à falta de qualidade. Não se pode ter qualidade com produção em massa. Não se deseja isso porque demoraria muito a chegar. Portanto, para substituir isso há o estilo. Que é um logro comercial com a intenção de produzir coisas obsoletas e artificiais. A produção de massa não poderia vender seus produtos no ano que vem a não ser que faça o que vendeu este ano ficar fora de moda. Temos as cozinhas mais brancas e os banheiros mais brilhantes do mundo. Mas na adorável cozinha branca a dona-de-casa americana média não consegue cozinhar uma refeição boa de se comer, e o adorável banheiro brilhante é sobretudo um receptáculo para desodorantes, laxativos, soníferos e produtos desta quadrilha de vigaristas que se chama indústria de cosméticos. Nós fazemos as embalagens mais bonitas do mundo, Sr. Marlowe. O que está lá dentro é, na maior parte, lixo (2016, p. 253).

Philip Marlowe transita entre estes mundos monadológicos da grande Los Angeles, ele transita entre as classes, bairros, interligando aquilo que não mais pode ser compreendido como uma totalidade, a sociedade americana. Como não é mais possível compreender a estrutura social como uma totalidade, o detetive deve ser aquele para o qual as pistas criam conexões ocultas que atam os nós da sociedade. Em Chandler, a vida americana é representada como um simulacro, pessoas sem rosto ocupam as ruas: “Nós olhamos um para o outro com a inocência singela dos olhos de um par de vendedores de carros usados” (2016, p. 223); “Fora dos apartamentos, vemos mulheres que deveriam ser jovens mas tem rostos como cerveja estagnada” (2016, p. 225); “policiais com rostos de granito” (2016, p. 227); “pessoas que não se pareciam com nada em particular e sabiam disso” (2016, p. 221).
Além da massa ou da multidão, estando mais próximos do “homem unidimensional” de Herbert Marcuse, seres sem espírito, sem coração, sem identidade ou personalidade, sem espiritualidade, sensibilidade ou dignidade, pessoas carentes de conflito, sobre eles Marcuse afirma: “O povo se autorealiza no seu conforto; encontra sua alma em seus automóveis, seus conjuntos estereofônicos, suas casas, suas cozinhas equipadas” (apud BERMAN, 2013, p. 40). Essas pessoas não são mais seres humanos, mas simulacros de pessoas, cópias “idênticas de algo cujo original jamais existiu” (JAMESON, 1997, p. 45). Surge já em O sono eterno, de 1939, o simulacro como realidade da vida americana, estas pessoas vivem na superfície branca e reluzente do mundo das mercadorias, mais real do que a própria realidade, para assim atrair a atenção dos consumidores. Numa sociedade tão opressiva quanto a americana dos anos 40 e 50, suas necessidades, suas ideias, seus dramas não são deles mesmos, suas vidas são completamente administradas, programadas para produzir exatamente aqueles desejos que o sistema social pode satisfazer, nada além disso. A América do Welfar State, do bem-estar social é uma sociedade totalitária, um Estado da administração total.
O outro lado da vida americana, que Marlowe entra em contato, é o oposto disso, eles estão acima da opressão estatal, eles controlam o Estado, com seus servos, mordomos, camareiras, secretárias, choferes, protegidos por diversas instituições, clubes privados, polícia privada, políticos privados, um mundo onde não existe moral, lei, Estado: o milionário do petróleo Sternwood descreve assim suas duas filhas: “Nenhuma das duas tem mais senso moral do que um gato. Nem eu. Nenhum Sternwood já teve” (2015, p. 30). Tratam-se de pessoas endinheiradas, que usufruem do melhor que o dinheiro pode oferecer, porém, eles também são seres esvaziados, mas não pela falta, e sim pelo excesso. Essa América, que mantém a ideologia do conservadorismo e do liberalismo, dos políticos carismáticos de fachada, é corrupta e imoral por baixo dos panos, seu sucesso está condicionado a um sistema opressivo e totalitário:

Nós vivemos no que se chama de democracia, regida pela maioria do povo. Uma ideia ótima se chegasse a funcionar. O povo elege, mas são as máquinas partidárias que nomeiam, e as máquinas partidárias, para serem eficientes, precisam de muito dinheiro. Alguém precisa dar este dinheiro a eles e este alguém, seja um indivíduo, um grupo financeiro, um sindicato ou o que você quiser, espera alguma coisa em troca (CHANDLER, 2016, p. 252).

Nesse sentido o detetive pode ser percebido como um órgão de percepção, uma membrana que quando irritada devido à sua sensibilidade serve para mostrar a natureza do mundo ao seu redor. Por isso, o detetive deve ser honesto, somente assim, ele é capaz de sentir a resistência das coisas, o modo como seu caminho é o tempo todo bloqueado pela iniquidade da sociedade onde vive. A jornada do detetive é episódica devido à natureza fragmentária, atomística da sociedade onde ele se move, a forma de Chandler reflete a separação das pessoas umas das outras na sociedade americana, sua única conexão é através de uma força externa, nesse caso, o detetive. Somente ele é capaz de conectar as peças do quebra-cabeças dessa sociedade fragmentada por uma força invisível que age sobre todas as pessoas. Os contatos entre as pessoas são sempre hostis, involuntários, o próprio detetive Marlowe é um homem constantemente irônico, cínico, rude e hostil. Quando questionado por seus modos, ele responde: “Não ligo se não gosta dos meus modos. Eles não são grande coisa. Sofro muito quando penso neles durante as longas noites de inverno” (2015, p. 35). Ao que Vivian Sternwood, uma socialite filha de um milionário do ramo do petróleo responde: “Ninguém fala assim comigo” e ainda diz: “Meu Deus, você é um belo brutamontes! Eu deveria jogar meu Buick em cima de você” (2015, p. 36).
Os romances de Chandler, não tem uma forma definida, eles operam em dois padrões distintos, um que é objetivo e um subjetivo, a estrutura rígida da história de detetive e um sistema de eventos pessoais, percepções sensíveis da sociedade e das coisas em geral. Chandler coloca em jogo uma ilusão, seus livros que se configuram como o mistério de um assassinato, na verdade, são descrições de uma busca, na qual o assassinato está envolvido. A solução do mistério obedece ao rígido padrão de um quebra-cabeça, com permutações entre possibilidades simétricas: o detetive, contratado para encontrar uma pessoa, descobre que a pessoa desaparecida está morta, e que o cliente que o contratou é o assassino, ou a pessoa desaparecida é o assassino e o corpo encontrado é de outra pessoa, ou alguém próximo do cliente é o assassino e a pessoa desaparecida não está realmente desaparecida, e assim por diante. Porém, a descoberta do assassino é apenas metade de uma revelação muito mais complicada, que acontece após o clímax onde se revela o assassino. A busca é por outra coisa, além da revelação possível, nesse sentido, o mistério serve apenas como revelação simbólica. Desta forma, o hard boyled se transforma no mistério metafísico.
Chandler opera uma desmistificação da morte violenta, o assassinato se torna um ponto abstrato que é feito para carregar significado e sentido ao convergir sobre si toda a estrutura do romance. O assassinato no final se mostra em sua própria essência como um acontecimento acidental, sem nenhum significado transcendental, revelando o vazio da existência, é assim que Philip Marlowe termina O sono eterno:

Que importa onde você jaz, depois que está morto? Num poço fétido ou numa torre de mármore no alto de uma colina? Você está morto, está dormindo o sono eterno, e não se importa mais com coisas desse tipo. Óleo e água são a mesma coisa que vento e ar, para você. Você acabou de mergulhar no sono eterno, sem se importar mais com a sordidez da sua morte ou do lugar onde você tombou. Eu, bem, eu era parte da sordidez agora. [...] No caminho para o centro da cidade parei num bar e tomei dois uísques duplos. De nada adiantaram (2015, p. 224).

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RESUMO:Raymond Chandler, um estilista da literatura que reproduziu a vida americana em sua forma mais crua, possui um lugar único na literatura, parte da cultura de massa e da cultura modernista, seu detetive Philip Marlowe, incorporando a heroica figura do detetive americano, aparece pela primeira vez em The Big Sleep, de 1939, revelando um mundo de decadência do american way of life. Uma personagem profundamente pessimista e irônica que, narrando sua própria trajetória, quebra a barreira entre a ficção popular e a alta literatura, desta forma, Chandler penetra no panteão dos grandes autores do século XX. Chandler não apenas reconfigura todo o gênero ao qual pertence, como também ultrapassa o estereótipo e introduz problemáticas inéditas. Suas personagens desoladas revelam o vazio existencial do pós-guerra, enquanto tentam se apegar desesperadamente à materialidade do capitalismo, estes personagens são atraídos para um vácuo, uma ausência transcendental. Em Raymond Chandler, o hard- boyled se transforma no mistério metafísico.
Palavras-chave:Raymond Chandler; Romance policial; Modernismo; Cultura de massa.

ABSTRACT: RAYMOND CHANDLER: DETECTIONS OF REALITY
Raymond Chandler, a literary stylist who has reproduced American life in its crudest form, has a unique place in literature, part of mass culture and modernist culture, his detective Philip Marlowe, incorporating the heroic figure of the American detective, appears for the first time in The Big Sleep, 1939, revealing a world of decadence of the American way of life. A deeply pessimistic and ironic character who, narrating his own trajectory, breaks the barrier between popular fiction and high literature, in this way Chandler penetrates in the pantheon of the great authors of the twentieth century. Chandler not only reconfigures the whole genre to which he belongs, but also transcends the stereotype and introduces unprecedented problems. His desolated characters reveal the existential emptiness of the postwar, as they try to cling desperately to the materiality of capitalism, these characters are drawn into a vacuum, a transcendental absence. In Raymond Chandler, the hard-boyled becomes the metaphysical mystery.
Key-words: Raymond Chandler; Police novel; Modernism; Mass-culture.

  • 1 Doutorando em Teoria Literária pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Mestre em Teoria da Literatura e Literatura Comparada pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Graduado em Letras pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG). Atualmente se concentra no estudo de Teoria Crítica da Sociedade, Literatura norte-americana e Ficção de detetive.