Cacio José Ferreira1
Universidade Federal do Amazonas (UFAM)
caciosan@ufam.edu.br
Norival Bottos Júnior2
Universidade Federal de Goiás (UFG)
nonobottos@gmail.com
Introdução
Nosso objetivo neste trabalho é o de refletir sobre a relação entre certos grupos de aparições míticas e seus possíveis significados como forma de interpretação através da hermenêutica simbólica sobre algumas características observadas na novela Morte em Veneza, de Thomas Mann. Os mitos, assim como grande parte da literatura antiga e atual, desde os primórdios da humanidade são utilizados por nós como uma forma de despertar para uma consciência mais profunda do ato de viver. Os mitos podem nos servir de guia, nos comprometemos com eles no duro aprendizado da vida porque sempre precisamos de guias capazes de nos mostrar o caminho a ser tomado, através de narrativas que evidenciam sempre o modo de agir de certos heróis, que chamaremos aqui de heróis culturais, os elementos que nos forneçam uma senda segura, um caminho capaz de nos mostrar qual a possibilidade que temos de vencer os obstáculos da vida cotidiana. Ou seja, os mitos estão presentes em nossas vidas, principalmente em seus momentos mais decisivos, desde o nosso nascimento até a morte. Mito e literatura nos oferecem a possibilidade de ultrapassar a noção de conhecimento; eles são antes experiências sobre a vida, são as diretrizes que nos ligam à comunhão com o cosmos. Literatura e mito buscam, em sua essência, harmonizar o ato de viver. Para Joseph Campbell:
Não seria demais considerar o mito a abertura secreta através da qual as inexauríveis energias do cosmos penetram nas manifestações culturais humanas. As religiões, as filosofias, artes, formas sociais do homem primitivo e histórico, descobertas fundamentais da ciência e da tecnologia e os próprios sonhos que nos povoam o sono surgem do círculo básico e mágico do mito. (CAMPBELL, 1995, p. 15)
O mito mantém, de fato, a experiência mais profunda com a arte. Para Eleazar Meletinski:
[...] os escritores do século vinte utilizam os mitos tradicionais com um novo tratamento, capaz de expressar uma nova situação do homem, abandonado na sociedade burguesa, ao passo que na Antiguidade e nas sociedades primitivas os mitos exprimiam pensamentos e sentimentos coletivos, sociais. [...] Isso levou a que os mitos se transformassem em antimitos. Por outro lado, a ideologia do século vinte continua, no fundo, mitológica, mesmo a ideologia comunista, que é anti-religiosa, antimitológica, e ao mesmo tempo repete a estrutura do mito: o tempo da revolução comunista é o tempo mitológico, Lênin e Stálin aparecem como heróis civilizados, os congressos comunistas são festas, o Partido Comunista é nossa igreja e seus adversários são hereges, etc. (MELETÍNSKI, 1999, p. 45)
A primeira motivação mítica estudada será o simbolismo do demonismo. A esse respeito, Joseph Campbell nos diz que:
[...] essas forças podem permanecer insuspeitadas ou, por outro lado, alguma palavra casual, o odor de uma paisagem, o sabor de uma xícara de chá ou algo que vemos de relance pode tocar uma mola mágica, e eis que perigosos mensageiros começam a aparecer no cérebro. Esses mensageiros são perigosos porque ameaçam as bases seguras sobre as quais construímos nosso próprio ser [...]. Mas eles são, da mesma forma, fascinantes, pois trazem consigo chaves que abrem portas para todo o domínio da aventura, a um só tempo desejada e temida do eu. (CAMPBELL, 1995, p. 19)
O demonismo está presente de forma veemente em três aparições misteriosas ao longo da narrativa e paira, em outras passagens do enredo, sobretudo nos sonhos de Aschenbach, de forma a criar uma tensão concomitante sobre o protagonista. As forças demoníacas são representantes de forças irracionais, das forças abissais do caos primordial. No caso do quinquagenário Aschenbach, são capazes de deslocar os eixos centrais de uma vida dedicada ao regramento e à “verdade”. Nesse sentido, segundo Nietzsche em O nascimento da tragédia:
A verdade dionisíaca toma para si todo o reino do mito como simbolismo de seu conhecimento e enuncia este conhecimento, em parte nas práticas secretas das celebrações dramáticas dos Mistérios, mas sempre sob o antigo invólucro do mítico. (NIETZSCHE, 2005, p. 45)
O conhecimento, antes de se tornar serviçal do pensamento lógico de Sócrates, fora autêntica forma de culto religioso. As festas religiosas dos gregos antigos eram, como se sabe, devotadas ao deus Dioniso, e não permitiam nenhuma hierarquia social: o escravo e o grego livre estavam livres para o amor orgiástico, as mulheres se misturavam tanto entre si como entre os homens mais estranhos. O culto dionisíaco era indiferente às diversas formas de repressão social e religiosa que tanto adoecem, em nosso tempo, as relações humanas. Mesmo não tendo inventado a psicanálise, os gregos antigos intuíam que o organismo e a psique humana precisam se libertar. A repressão social, assim como de todos os impulsos da vontade, eram sabiamente liberadas e extravasadas pelos cultores de Dioniso.
[...] foi o mito, e não a filosofia, que abriu o caminho do conhecimento, quando intuir era superior a pensar e saber era uma aventura que se bastava na simplicidade de uma narrativa despretensiosamente simbólica. Quando aqueles antigos gregos lançaram seu olhar para o mundo, cosmos, physis, psiché e tantos outros termos gregos alicerçavam a trilha do conhecimento, sem qualquer intenção ou suspeita de que ele alcançaria seu apogeu e seu cárcere no logos no domínio da razão. (HARIDAS, 2011, p. 35)
Nas construções arquetípicas o caos pode ser representado pelas mais variadas formas demoníacas. É possível encontrar um repertório extenso, que vai desde figuras propriamente demoníacas, mas que pode se estender também para outras figuras representativas das forças grotescas do caos, como o gigante, a bruxa, os trapaceiros “tricksters” e outros espíritos maus. Mas o ponto de partida capaz de ligar a novela de Thomas Mann ao mito do demonismo é o poder aferido à ideia de que todo artista burguês provém em algum grau de maus genitores. Para Eleazar Meletínski:
[...] o herói pode sucumbir ao poder de um dêimon, por iniciativa deste ou de outrem, como, por exemplo, dos maus genitores, mas que isso pode igualmente ocorrer por vontade própria ou casualmente. Entretanto, mesmo quando se trata de causalidade, percebe-se facilmente uma mistura subliminar entre a vontade do dêimon e dos maus genitores [...]. (MELETÍNSKI, 2002, p. 132)
Como notado anteriormente, os protagonistas de Thomas Mann são em sua maioria artistas, outra característica recorrente é o exotismo atribuído à ascendência de matriz não-germânica pelo lado materno. Há duas constantes proposições nesse caso. Primeiramente, Mann ironiza os conceitos de biologismo vigentes na época, demonstrando que a natureza humana não se limita ao puro biologismo, já que não podem tocar outros aspectos, como a espiritualidade e as emoções. Nesse caso, o próprio repertório mitológico é um indicativo de crítica à ideia dominante na época. Em seguida, a recorrência de “maus genitores” pelo lado materno também aproxima suas narrativas da possibilidade de usar todo o aparato mítico-conceitual, algo em desuso na Alemanha de Mann, e por que não dizer em quase toda a Europa. O aspecto mítico da arte em sua mais autêntica formação, é isto que temos em Morte em Veneza. Como é regra na maioria dos enredos mannianos que tratam da figura do artista como papel central da narrativa, somos informados pelo narrador que Gustav Von Aschenbach não pertence ao tipo físico do alemão tradicional, certamente por influência da miscigenação entre seu pai, um alto magistrado de família burguesa tradicional alemã e sua mãe, o lado “exótico” por ser filha de estrangeiros:
[...] sangue mais agitado e sensual viera acrescentar-se à família na geração precedente, por intermédio da mãe do escritor, filha de um mestre de capela tcheco. Dela ele herdara as características de uma raça estrangeira patentes em sua aparência. A fusão de uma escrupulosidade profissional austera com impulsos ardentes e obscuros fez surgir um artista, este artista especial. (MANN, 2010, p. 16)
Embora todos estejam ligados às figuras estrangeiras e essencialmente exóticas em relação ao tipo alemão comum, é possível notar que este “tipo especial de artista”, só aparentemente representa a decadência moral ou fisiológica de seu povo. Na verdade, seguindo as noções nietzschianas de vontade de potência, o inverso dessa proposição se ajusta melhor à ironia manniana, pois é justamente a inversão do que entendemos por “saúde” e “doença”, na esfera da arte, o que Mann busca criticar de modo bastante enfático. Se considerarmos como termos que vão muito além do simples biologismo, se pode intuir que são estes, na verdade, termos espirituais. Nesse caso, teremos a ligação verdadeira entre o exotismo do sangue estrangeiro, o sangue fraco, com a força espiritual daí decorrente, esse artista especial, segundo Mann (1995, p. 195): “Porque sempre, companheiro do homem na jornada que penosamente o conduz a si mesmo, a arte atinge primeiro o objetivo”.
Mesmo sendo bruxas, dragões ou mesmo criaturas grotescas, as forças demoníacas são entidades que podem ser facilmente ligadas às forças ctônicas da natureza e nos remetem facilmente à ideia de ameaça do Mal sobre o Bem. Vejamos o que nos diz Mircea Eliade:
A concepção do adversário sob a forma de um ser demoníaco, verdadeira encarnação das forças do mal, sobreviveu igualmente até aos nossos dias. [...] imagens míticas que ainda hoje animam o mundo moderno, mostrar-nos-á talvez em que medida projetamos nos “inimigos” aos nossos próprios desejos de destruição. (ELIADE, 1979, p. 38)
Evidentemente, se observados de forma atenta, tanto em Morte em Veneza como em qualquer outra obra literária ou qualquer outra forma de representação alegórica, o significado simbólico do demonismo nas diferentes culturas nos atestam que o motivo mítico por trás das provações e tentações perpetradas pelos demônios possui relação profunda com o ressurgimento e ameaça do Caos primordial. É uma ameaça às forças positivas e ordenadoras do grande Cosmos, como atesta Mircea Eliade (1999, p.79): “Todo aquele que, no mais profundo de si, tiver deixado perecerem as raízes da Vida cairá em poder do espírito negador”.
Como já se observou repetidas vezes, há um paradoxo no ritual mitológico do demonismo que está longe de se efetivar como simples representação das forças negativas, aliás, é importante ressaltar que tanto a novela em questão como a maioria da produção literária e ensaística de Mann depende intrinsecamente dessa noção de ambiguidade das forças contrárias que se interagem e se complementam. Tudo vai depender do modo como o ritual mítico será interpretado, aspecto que torna a obra em grande medida independente das intenções iniciais do autor, como afirma, por exemplo, o mitólogo Claude Lévi-Strauss:
Deve existir, e existe de fato, uma correspondência entre a mensagem inconsciente de um mito – o problema que ele procura resolver – e o conteúdo consciente, isto é, a trama que ele elabora para chegar a este resultado. Mas tal correspondência não é necessariamente uma reprodução literal, ela também pode ter o aspecto de uma transformação lógica. Se um mito coloca seu problema de modo direto, quer dizer, nos termos em que a sociedade donde provém o percebe e procura resolvê-lo, o enredo, o conteúdo patente do mito, pode tirar diretamente seus motivos da própria vida social [...]. (LÉVI-STRAUSS, 2002, p. 824)
Apesar de representar um contingente sempre pertinaz de forças corruptoras dos princípios modelares de cada civilização e cultura, o elemento demoníaco – seja ele na forma de dragão, de deuses pagãos, do diabo cristianizado, da bruxa ou de vários modelos de criaturas abomináveis que a própria tradição literária perpetrou ou mesmo ajudou a recriar – quando assume o poder de alguma forma sobre o homem, algo de paradoxal se lhe introduz de modo indelével, que é a noção de que o mal é sempre necessário, o que acaba por fazer bem e não mal propriamente, pois ficam enfraquecidas ou mesmo excluídas essas forças tão contrárias ao sistema de crenças do herói. Sem que existam forças malignas operando contra a vontade do homem não pode haver vontade de Vida, portanto, é bastante comum que o homem apenas veja necessidade de lutar pela vida se houver algum obstáculo para o resultado positivo da empreitada; a vontade de poder necessita de seu oposto, a transcendência divina para sobreviver como fogo íntimo, como a chama do conhecimento. Mas Aschenbach, um herói nietzschiano, acaba por demolir essa ideia recorrente das construções arquetípicas que veem no herói aquele que é capaz de superar as forças do mal; mesmo sendo um autêntico representante do romance de formação, o bildungsroman, Aschenbach se deixa abalar e acaba cedendo às forças ctônicas do Caos primordial, sem a menor vontade de se elevar contra elas. Quem vence a batalha é Dioniso via Nietzsche.
Desse modo, quando o mal parece negar a possibilidade de vida ele está atuando ironicamente de modo a fortalecer, num grau de paroxismo impossível de ser comparado fora do plano do ritual mítico, a ausência da verdade como o mundo ocidental pós-socrático passou a ver a questão. O mal, as forças ctônicas do abismo, a noite ameaçadora, são todos eles, portanto, necessários ao homem e ao ordenamento do Cosmos, são forças “exóticas” e “estrangeiras”, mas apenas em relação à moral do homem fraco, do homem que capitulou perante a beleza da vida autêntica.
Malgrado a insistência da influência platônico-aristotélica na repressão de seus atos, Aschenbach aos poucos deixa de se recriminar por perseguir, talvez a olhos vistos, o jovem Tadzio pelas ruas e canais de Veneza. O que era um ato de indiscrição acaba se efetivando como força reveladora da vontade e do “sim” à vida através das forças do mal que o atraem com força redobrada sempre que ele vislumbra a beleza perfeita do “deus encarnado”.
Aschenbach fracassa como o “cavaleiro” capaz de defender as forças e ideais de conduta morais e éticos do mundo burguês e cristão, o mal que surge simbolicamente com o cólera é a ameaça que subverte os padrões ordenados da sociedade sadia. Nesse caso é preciso lembra que as flechas de Apolo podiam causar doenças aos homens.
A noite e seu correlato mais próximo, o abismo, são a condição amplamente vital para se alcançar a plenitude da experiência de vida e da arte, algo que cala profundamente na experiência literária de Thomas Mann e que está condensada em Morte em Veneza. O realismo socialista é uma farsa porque vive dentro do capitalismo. O realismo quer que tudo seja dito de forma clara em literatura, que não haja dúvida, é o lema, mas os sentidos da arte não são jamais explícitos.
Um elemento ligado à conduta pouco aceitável é a da semi-divindade chamada de trickster. Na cultura dos povos do norte da Europa denota sempre as características de travessura e molecagem. É uma figura demoníaca que podemos associar às aparições carregadas de estranheza que permeiam a narrativa de Morte em Veneza. Para Meletínski:
Na mitologia de muitos povos do mundo o herói cultural tem um irmão, ou mais raramente, uma série de irmãos, que ora o ajudam, ora os prejudicam. [...] É igualmente frequente a representação de dois irmãos – um “sábio” e o outro “idiota” – que correspondem ao herói cultural e ao trickster. Este último, ou imita de forma desajeitada o herói cultural, ou perpetra intencionalmente uma série de malfeitos. (MELETÍNSKI, 2002, p. 94)
O homem ruivo no cemitério é a primeira aparição demoníaca ou trickster. Seus traços físicos, no entanto, serão repetidos em outros personagens igualmente enigmáticos ao longo da narrativa. Abaixo segue o exemplo que compara a semelhança física entre eles. Primeiramente o estrangeiro no cemitério, sua função parece residir em “despertar” o escritor de seu “sono profundo” e irromper nele o desejo pelo exótico, pelo sul, pela sensualidade e pelas cores, em suma, pela própria arte. Notemos primeiramente, então, a aparência física do estrangeiro ameaçador, depois comparemos com o gondoleiro também ameaçador (característica do demonismo que arranca o herói de seu estágio inicial de tranquilidade) e comparemos, finalmente, com a última e mais ameaçadora aparição demoníaca, o músico bufão, dono de uma música instintiva, crua, horripilante, mas ao mesmo tempo envolvente como a morte que se alastra por toda a ilha:
De estatura mediana, magro, sem barba e com um nariz incrivelmente rombudo, o homem era do tipo ruivo, a característica pele leitosa e sardenta. Ao que tudo indicava, não era bávaro, a começar pelo chapéu de palha de abas largas e retas que lhe cobria a cabeça, emprestando à sua aparência um ar estrangeiro, de alguém vindo de terra distante. [...] De cabeça erguida, de modo que o pomo de adão se destacava forte e nu no pescoço magro, a despontar da camisa esporte frouxa, ele perscrutava atentamente o horizonte com os olhos descoloridos, franjados de cílios vermelhos e separados por duas rugas verticais enérgicas, numa combinação curiosa com o nariz levemente arrebitado, [...] sua postura tinha um quê de dominadora altivez, arrogância ou mesmo ferocidade, pois, talvez ofuscado, franzia o rosto para o sol poente, ou, talvez por uma deformidade fisionômica perene, seus lábios pareciam curtos demais, arreganhados, expondo até as gengivas os dentes brancos. (MANN, 2010, p. 9-10)
Agora, o gondoleiro, personagem sinistro e enigmático, se recusou a levar Aschenbach para o destino indicado, assumindo, desse modo, uma postura afrontosa:
Era um homem de fisionomia desagradável, brutal mesmo, vestindo roupa azul de marinheiro, com uma faixa amarela enrolada na cintura e um chapéu de palha já sem forma, cujo trançado começava a desfiar, atrevidamente caído de lado. O formato do rosto, o bigode louro e crespo sob o nariz curto e arrebitado faziam com que não parecesse de modo algum italiano. Embora de constituição mais para o franzino, a ponto de não parecer especialmente indicado para aquele ofício, manejava o remo com grande energia, empenhando todo o corpo em cada remada. Por vezes, o esforço fazia com que contraísse os lábios, expondo seus dentes brancos. Com as sobrancelhas ruivas franzidas, olhava por cima do seu passageiro ao responder num tom decidido, quase grosseiro: – O senhor vai para o Lido. (MANN, 2010, p. 35)
E, na última aparição demoníaca, temos o músico bufão. Trata-se do personagem mais enigmático e ameaçador dentre as três aparições demoníacas, os traços de hostilidade nele assumem um grau de paroxismo apenas superável, como veremos no capítulo seguinte, pela cena brutal de iniciação ritualística em que Aschenbach sonha com o próprio deus Dioniso. A partir dessa aparição o protagonista estará preparado para se defrontar com o contágio final do cólera, símbolo do contágio e da morte, as três aparições formam um de quadro iniciação, ou seja, a morte está ligada à condição de destruição de um estágio da vida, seguida do renascimento para o mundo sagrado, para o mundo dos deuses. No caso de Aschenbach, para o encontro com o deus Dioniso:
De corpo franzino e rosto não menos magro e chupado, ele estava de pé sobre o cascalho, afastado dos seus, o chapéu de feltro surrado tombado para trás, de modo que um tufo de cabelos ruivos escapava sob a aba, numa pose de atrevida arrogância, [...]. Não parecia ser veneziano, mas antes descender da estirpe dos cômicos napolitanos, meio rufião, meio comediante, brutal e ousado, perigoso e divertido. [...] Do colarinho mole da camisa esporte que usava, de resto, com um terno citadino, despontava um pescoço magro, com um pomo-de-adão surpreendentemente avantajado e nu. Seu rosto pálido, sem barba, de nariz rombudo, e que não sugeria qualquer idade definida, parecia lavrado por vícios e caretas, e as duas rugas que se desenhavam obstinadas, imperiosas, quase ferozes entre as sobrancelhas ruivas compunham uma estranha combinação com o esgar trocista da boca, que se remexia sem cessar. (MANN, 2010, p. 92-93)
A aparição do músico pode ser considerada como o estágio final da suprema iniciação que se aproxima. Em uma palavra, simboliza o começo de uma nova existência espiritual. Mais ainda: geração, morte e regeneração (renascimento) foram compreendidas como os três momentos de um mesmo mistério, o da jornada iniciática e da entrega total do herói ao mundo da noite e do caos.
O simbolismo e o ritual iniciático comportam, ao mesmo tempo, a junção dos mitos heroicos e das mitologias da morte. É a morte que leva à recriação. O que temos em Morte em Veneza é o simbolismo da ascensão invertida parodicamente, pois, malgrado o fato de termos o desfacelamento de uma situação de estagnação iniciais, a erupção interna em Aschenbach torna possível a possibilidade de uma passagem para um outro modo de ser. Dessa forma, é a morte que se avizinha nas aparições demoníacas que revelam a Aschenbach a possibilidade redentora da liberdade, de acabar com a letargia de uma vida de aparências, isto é, de mudar de situação, de abolir um sistema de condicionamento. A doença pelo cólera que o músico bufão mimetiza em sua performance musical é também uma possibilidade de mergulho numa nova condição de vida autêntica:
Para curar o doente, é preciso fazê-lo nascer mais uma vez, o modelo arquetípico do nascimento é a cosmogonia. [...] Penetrar no ventre do monstro – ou ser simbolicamente “enterrado” ou fechado na cabana iniciática – equivale a uma regressão ao indistinto primordial, à Noite cósmica. (ELIADE, 1979, p. 94)
A morte pode ser considerada como a suprema iniciação, a possibilidade de uma nova existência espiritual. Se os detalhes físicos nos revelam em todos eles as mesmas semelhanças, as características grotescas tanto do gondoleiro sinistro quanto do violeiro bufão reforçam a ideia de que o mal, como uma doença colérica, se espalha também pelo interior de Aschenbach.
Podemos atribuir a semelhança física entre eles ao simbolismo do demonismo, mas é preciso ir mais além, ou seja, perceber que efeitos essas aparições refletem no interior do escritor apolíneo e cansado por uma vida excessivamente ordeira. Estas três aparições simbólicas nos remetem à tentação, sempre presente na caminhada do herói em busca de autoconhecimento, claro está que a noção de autoconhecimento em Mann é extremamente irônica posto que autodestrutiva, e é essa visão irônica o princípio mesmo de se auto escutar, uma ironia profunda e redimensionada por Thomas Mann que levará seu herói Aschenbach a abraçar com total fascinação os encantos ao mesmo tempo da beleza e da morte, de Eros e Tanathos, da razão e da sensibilidade. São extremamente variados os exemplos de heróis tentados por forças demoníacas nas literaturas de todo o mundo. Na tradição alemã, de modo mais específico, temos a tentação do Diabo no mito de Fausto, história arcaizante sobre o fascínio do caos sobre o homem, tema, aliás, do último romance de Mann, Doutor Fausto, e mesmo de outros romances cujo tema da tentação demoníaca se efetiva de forma menos explícita, como na figura do intelectual iluminista Nafta, de A montanha mágica, ou mesmo na figura do melhor amigo de Tonio Krueger, na novela homônima, ou seja, são figuras arquetípicas que, de modo abrangente, dão o tom geral das motivações estéticas e filosóficas de Mann.
Os demônios são as criaturas que cumprem o papel de antagonistas e representantes do caos e do abismo. Temos as tentações que sofreram Jesus, na tradição cristã, e Buda, na tradição oriental. Ambos passam por uma série de três tentações até encontrar a verdade pela resistência às forças da escuridão. Neste sentido, podemos identificar também no herói Aschenbach uma parodização das características do herói cultural que deve voltar pra casa depois de um longo período de aventuras e provações. Na visão irônica de Mann, o herói deve sucumbir ao mal para encontrar a si mesmo, não mais como homem, mas como artista, como impostor demoníaco, como mascarado e farsante. Os demônios que tentam Aschenbach representam os servos do deus Dioniso.
Todos os três demônios apresentam aparência visivelmente grotesca e ameaçadora. Trata-se de uma oposição à aparente busca do herói pelo objeto sagrado, a saber, a noção de belo na arte. Sua posterior negação à metafísica socrática está profundamente ligada às provas de tentação demoníaca que o herói não consegue resistir. Neste caso, ao contrário de Ulisses, Aschenbach não resiste ao canto da sereia e sua respectiva entrega à sensualidade da arte não mimética é a própria representação arquetípica dessa descida ao abismo e às verdadeiras forças abissais da arte e da vida.
Quando os demônios incitam Aschenbach a abraçar o mundo como única verdade e potencialidade criadora, concomitantemente ele passa a recusar a noção clássica das formas eternas, a renegar a noção de que o único mundo verdadeiramente belo é o mundo suprassensível. Abandonar-se à vontade de viver também significa abandonar-se ao gozo de todas as sensações terrenas, à noção de que se o limite entre o mundo das ideias e mundo das aparências é intransponível à experiência humana, então, trata-se de efetuar o último triunfo de quem não pode vencer a batalha contra o inimigo mais forte, em outras palavras, o que resta é a liberdade plena de viver e de escolher o destino que lhe é mais propenso, exercendo, assim, como para os existencialistas como Sartre e Heidegger, a suprema liberdade de viver. Em suma, o sentido da vida é se entregar ao devir que leva à morte. Sintetizadas no arquétipo do andrógino, cuja expressão máxima se converte no jovem Tadzio, como analisaremos mais adiante, Thomas Mann busca inverter a noção platônica de que a “a alma cria asas” e dá seu primeiro passo rumo ao abismo, se deixando abandonar livremente.
Sabe-se que em Morte em Veneza nenhuma palavra é empregada por acaso. Seguindo essa linha de pensamento, podemos concluir que a repetição de motivos próprios do demonismo mítico na esfera da narrativa manniana deve ter alguma significação que mereça um olhar sempre atento. Evidentemente, se observados de modo atento, esses motivos míticos nos mostram que a tentação demoníaca possui relação intrínseca com a erupção do caos como símbolo da ameaça às forças positivas do cosmos, como nota Eliade (1999, p. 79): “Todo aquele que, no mais profundo de si, tiver deixado perecerem as raízes da Vida cairá em poder do espírito negador”.
Como já se observou várias vezes, há um paradoxo no mito do demonismo que desafia a contumaz tendência de ligá-lo a motivações estritamente negativizantes. Apesar de representar forças malignas, corruptoras de todos os princípios éticos, morais e mesmo estéticos, o demoníaco no homem acaba por lhe fazer bem, pois, sem as forças do mal operando contra a vontade de viver, o homem não vê necessidade de lutar por ela. Assim, o mal apenas aparentemente é capaz de negar a vida; em seu íntimo, o mal está incumbido de fortalecê-la. O mal, portanto, é absolutamente necessário ao homem e ao Caos, embora represente uma força diametralmente oposto a tudo que há de positivo na experiência da vida plena. Por trás da fusão entre o prazer da vida plena e sensual do amor há que se pagar com a morte. O androginismo é ponto fulcral na análise dos mitos em Morte em Veneza. A ideia central desse mito reside no fato de que ele representa a união dos opostos e a totalidade advinda dessa união à figura do andrógino é capaz de reverter, pelo modo ritualístico, o próprio princípio da oposição primordial entre os princípios de oposição. Segundo Mircea Eliade:
A coincidentia oppositorum ou o mistério da totalidade é discernível tanto nos símbolos, nas teorias e nas crenças referentes à realidade última, ao Grund da divindade, quanto nas cosmogonias que explicam a criação pela fragmentação de uma Unidade primordial, nos rituais orgiásticos que perseguem a inversão dos comportamentos humanos e a confusão dos valores, nas técnicas místicas da união dos contrários, nos mitos do andrógino e nos ritos de androginização. (ELIADE, 1999, p. 82)
Uma das características do mito e de seus rituais que salta aos olhos do homem da contemporaneidade é que, por trás dessa visão poética e fantástica, há uma unidade oculta e potencialmente mais complexa que escapa à noção de totalidade e de qualquer apelo à explicação lógica. No mito da união entre o bem e o mal, pode-se vislumbrar a concepção idealizadora da noção de soma das qualidades, onde o homem precisa renunciar à experiência puramente imediata repleta de tensões e fragmentações tão típicas da era moderna, alcançando, desse modo, a plenitude da união mítica dos princípios opostos. Trata-se, nesse caso, de uma inversão dos mitos tradicionais, mas nunca uma superação desse modo de ver e refletir sobre a natureza humana e o mundo.
Entre a segunda metade do século XIX e início do século XX, os ficcionistas souberam se valer do complexo cultural dos mitos tradicionais adicionando um novo tratamento. Invertendo suas concepções tradicionais, esses escritores buscaram no mito algo que pudesse expressar de forma contundente essa nova situação do homem, abandonado na sociedade burguesa. Ao passo que na Antiguidade e nas sociedades primitivas os mitos exprimiam pensamentos e sentimentos coletivos, sociais. Pode-se vislumbrar nesse aspecto uma grande diferença no tratamento que a literatura dá ao mito na modernidade. Essa inversão dos padrões de conduta mitologizante do mundo levou a uma situação extremamente coerente com o mundo vertiginoso da contemporaneidade, fazendo com que os mitos se transformassem em antimitos. No entanto, a ideologia do século XX continuou sendo, no fundo, contando com uma base mitológica.
Palavras finais
A consciência mitológica no mundo moderno sobreviveu graças a sua capacidade de mudar suas formas e estruturas de acordo com a época e o ambiente social. Mesmo em se tratando de ideologias modernas e profundamente arraigadas em concepções abertamente antirreligiosas, como a ideologia comunista, declaradamente antimitológica, o que se verifica é a manutenção do mito e não sua supressão, pois não há regime capaz de conseguir fugir do mundo mitologizante; ao contrário, pois ao mesmo tempo em que nega uma função social ao mito acaba repetindo a estrutura do mito. Desse modo, podemos perceber que o tempo da revolução comunista é o tempo mitológico, seus líderes aparecem como heróis, os congressos são festas rituais, o Partido Comunista é uma igreja, enquanto que seus adversários são vistos como criaturas demoníacas representantes do mal.
Eliade considera que no mito, a coincidentia oppositorum é perfeitamente compreendida e assimilada nas culturas arcaicas, algo próximo da suspeita nietzschiana a respeito da incompreensão moderna do mito e do ritual dionisíaco:
Os mitos e as lendas referentes à consanguinidade de Deus e de Satã, ou do santo e da diaba, embora tenham surgido de uma inspiração erudita, tiveram enorme sucesso nos meios populares, o que prova que correspondiam a um desejo obscuro de penetrar o mistério da existência do Mal ou o mistério da imperfeição da Criação Divina. [...] O folclore religioso sempre comporta um ensinamento. É o ser humano inteiro que está em jogo quando se ouvem esses mitos e lendas; conscientemente ou não, sua mensagem acaba sempre sendo decifrada e assimilada. (ELIADE, 1999, p. 82-83)
O mito do andrógino está presente em inúmeras divindades orientais, como Dioniso, que, inicialmente, apresentava características puramente masculinas, como nas representações onde o deus aparece com barbicha de bode. Nas versões mais tardias, o deus do vinho e da sensualidade é retratado como andrógino. A semelhança entre a noção do “além do homem” de Nietzsche e o mito do andrógino como símbolo de totalidade resulta em Dioniso. Ainda seguindo Eliade:
Os esforços feitos pelos homens para superar os contrários levam-no a sair de sua situação imediata e pessoal e a alçar-se a uma perspectiva transubjetiva; em outros termos, a atingir o conhecimento metafísico. Na sua experiência imediata, o homem é constituído por pares de contrários. [...] Superar os contrários é, sabe-se, um leitmotiv da espiritualidade hindu. Pela reflexão filosófica e pela contemplação e meditações [...] chega-se a transcender as oposições e até a realizar a coincidentia oppositorum no próprio corpo e no próprio espírito. (ELIADE, 1999, p. 96-97)
O andrógino é capaz de levar o homem a forçar os limites, a acreditar na possibilidade da reinvenção de si, é o modelo do homem sagrado e perfeito. Em Morte em Veneza, o momento em que Aschenbach vislumbra o jovem Tadzio representa o princípio do despertar do artista perante o verdadeiramente belo transcendental. Como se pode notar no trecho a seguir, o encontro é de extremo impacto para o herói manniano:
[...] um rapazinho de cabelos longos, de catorze anos talvez. Aschenbach notou com espanto que o rapaz era de uma beleza perfeita. Seu rosto pálido, graciosamente reservado, emoldurado por cabelos anelados cor de mel, o nariz reto, a boca adorável, a expressão de seriedade afável, digna de um deus, lembravam uma escultura grega do período áureo, sendo que à mais pura perfeição da forma aliava-se um encanto pessoal tão exclusivo que o observador acreditava jamais ter encontrado, quer na natureza quer nas artes plásticas, algo que aproximasse de um acabamento tão feliz. (MANN, 2010, p. 40)
O personagem Tadzio é um menino polonês dono de uma beleza andrógina. Está de férias com a família em Veneza e, quando avistado por Aschenbach, se torna alvo da admiração do artista e, assim, surge o início de sua trajetória iniciática sob a influência da beleza perfeita do menino estrangeiro. Tadzio é pintado pelo narrador como completamente diferente do resto dos mortais; ele é a própria concepção do belo transcendido em toda sua plenitude. Ele representa, destarte, a experiência do amor verdadeiro, pois não se trata do amor de uma mulher nem de um homem, mas um conjunto de ambos, em suma, é a experiência total, a plenitude do ser no humano.
O andrógino é basicamente o único ser que sobrevive à herança da queda do homem e do fim do mito do paraíso terreno do Éden. O mito está presente em grande parte da literatura dos séculos XIX e XX. Serafita de Balzac é o exemplo clássico desse motivo mítico ancestral em quase todas as culturas do mundo. O sentido metafórico do símbolo do andrógino é a fusão de dois sexos e o florescimento de uma nova possibilidade de completude para a humanidade. Esse é o símbolo que Mann alegoriza com a figura do belo Tadzio. Também estão presentes esculturas da antiguidade que evidenciam a idealização espiritual do mito do andrógino e da plenitude mágica de seus rituais.
Seria importante, por fim, prestarmos atenção para outra construção mitológica do andrógino: o mito de Jacinto. O belo menino foi amado simultaneamente por duas divindades, Apolo e Zéfiro. A tradição mitológica conta que Apolo se apaixonou perdidamente pelo menino, abandonando todas as suas obrigações. Deixou de atender o oráculo em Delfos, onde sempre fora requisitado, também cessou de empunhar suas armas. Com extrema inveja de Apolo, o deus Zéfiro discute com ele e decide por matar o jovem Jacinto. A rosa de Jacinto, como nos chegou a lenda, cresceu do sangue desse jovem.
Podemos notar que Aschenbach assume todas as características de Apolo nesse mito. Assim como o deus, ele também negligencia seus afazeres e sem rodeios acaba seduzido e sucumbe à própria experiência de adorar o menino polonês:
Lá estava ele sentado, o mestre, o artista dignificado, o autor de Um miserável, que em tão exemplar pureza de forma recusara a boemia e as profundezas turvas, negara qualquer simpatia pelo abismo e reprovara o réprobo; ele que subira tão alto, que, senhor de seu conhecimento e liberto de toda ironia [...] lá estava sentado, as pálpebras cerradas, sob as quais se esgueirava por vezes um olhar oblíquo, irônico e perplexo, que logo tornava a se ocultar, e seus lábios frouxos, revelados por cosméticos, articulavam palavras desconexas, retiradas do discurso que seu cérebro semi-adormecido compunha, seguindo a estranha lógica dos sonhos. (MANN, 2010, p. 110)
A beleza andrógina de Tadzio enlouquece o velho escritor porque é a representação mítica da beleza perfeita. Ele representa a própria beleza clássica encarnada e condensa em si o arquétipo platônico de beleza. A inversão irônica de Mann legitimiza de modo mordaz a versão platônica de que a arte é maléfica porque corrompe a dignidade e a moral da sociedade. Thomas Mann vê nos perigos da arte, a saber, da sensualidade e do desejo de alcançar as formas divinas, um mergulho profundo nas experiências terrenas e obscuras.
Referências bibliográficas
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Resumo: Nosso objetivo aqui se configura como uma tentativa de apreender a noção de arte impregnada nas motivações míticas observadas com certa recorrência no percurso da obra Morte em Veneza de Thomas Mann, bem como na maior parte do conjunto da obra do referido autor. Interessa-nos perceber como se dá a síntese da união dos elementos opostos do apolíneo e do dionisíaco, que representam simbolicamente a separação dos princípios de caos e ordem e que, como podemos perceber nas mais diferentes manifestações míticas de culturas antigas, podem ser unificados pela síntese do andrógino, o ser que se apresenta como projeção mítico-ritualística da união dos opostos, e que, em Morte em Veneza, é representado pela figura alegórica do jovem Tadzio.
Palavras-chave: Mito; demonismo; hermafrodita; arte.
Abstract: Our objective here it is configure and to apprehend the notion of art that is impregnated by mythical motivations observed with a certain recurrence along the short story written by Thomas Mann, called Death in Venice, and probably along on the rest of his works. We are interested in take notice of how it works as a kind of synthesis of union of the opposite elements, usually knew as apollonian and dyonisiac. These elements represent symbolically the separation of principles excess and the principle of order. As we can notice in the most variety of manifestations by old cultures, they can be unified for the synthesis of the androgyny, this special kind of human being represents symbolically a projection of mythical rituals union of the opposite. In the Thomas Mann`s short story it is configured by the allegorical image of the young Tadzio.
Keywords: Myth; demonism; hermafrodit; art.
Recebido em: 05/04/19
Aceito em: 07/09/19
1 Professor da UFAM) e doutorando em Estudos Literários Comparados (UnB). Possui Graduação em Língua e Literatura Portuguesa e Japonesa (UnB), Especialização em Linguística Aplicada e Mestrado em Literatura (UnB). Coordena o projeto: Estudos de haicai: lirismo, haicaístas e campo literário. Organizou com a professora Rita Barbosa de Oliveira o livro Casulos de Imagens: a poesia japonesa no Amazonas.↩
2 Doutor em Literatura e Estudos Comparados pelo PPG em Letras e Linguística da Universidade Federal de Goiás, UFG. Mestre em Literatura e Crítica Literária (PUC-GOIÁS). Possui graduação em Letras Português e Inglês (CAJ-Jataí). Atualmente desenvolve pesquisas sobre literatura contemporânea, especialmente a obra de Milton Hatoum, António Lobo Antunes e Dante Alighieri.↩