QUEM SALVARÁ A AMÉRICA?
Sandra Luna
Universidade Federal da Paraíba
lunasand@uol.com.br
Sandra Luna é Professora Associada do Departamento de Letras Estrangeiras Modernas, Docente e Pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Letras da UFPB. Tem Doutorado e Pós-Doutorado em Teoria e História Literária (UNICAMP), Mestrado em Literatura Anglo-Americana (UFPB) e Graduação em Letras - Inglês, Francês e Português (UFPB).
Klara Schenkel
Universidade Federal da Paraíba
klaramarias@gmail.com
Klara Schenkel possui Graduação em Letras e Mestrado em Linguística pela UNICAMP, sendo também Mestre em Ciências das Religiões (UFPB) e Doutoranda em Letras (UFPB).
Resumo: Nos Estados Unidos do pós-guerra, a afirmação do capital consolidou uma cultura hegemônica, consumista, individualista, dessacralizada. Em reação ao establishment, a Beat Generation, um grupo de jovens poetas, inaugura uma nova estética pautada na transgressão. Peregrinos em busca de alimento espiritual numa “Terra Devastada”, percorreram as estradas do país, enquanto buscavam na mística a “salvação” possível. Este estudo examina a influência do Gnosticismo e do Budismo Tibetano na Beatitude.
Palavras-chave: Beat Generation; Gnosticismo; Budismo Tibetano; Mística; Literatura e Mística
Abstract: In the USA, after the Second World War, the rise of capitalism consolidated an hegemonic, individualistic, materialistic, desacralized culture. Reacting against the Establishment, the Beat Generation, a group of young poets, ventures on a new aesthetics. Pilgrims in search for spiritual comfort in a “Wasteland”, they travelled the country’s roads, as they reached for “salvation” in mystic experiences. This study examines the influence of Gnostcism and Tibetan Buddhism in their Beatattitude.
Key-words: Beat Generation; Gnostcism; Tibetan Buddhism; Mystics; Literature and Mystics
No trajeto civilizatório do ocidente, a Segunda Guerra faz-se corolário fatídico a um processo de desencantamento do mundo levado a efeito pelo projeto da Modernidade. Se, em sua origem, a Modernidade confiara-se ao poder da razão com vistas à construção de um universo sociocultural que se pretendia libertador, a consolidação desse projeto por via dos ideários Iluministas não escapou às deformações resultantes da cooptação do liberalismo pelo capitalismo. Fato é que, se, nos primórdios da Modernidade, a fé, a ciência e a arte reverenciavam a racionalidade como meio de libertação, à medida que avança o capitalismo, a razão verga-se à ciência, a ciência à técnica, a ética à lei e a estética às leis do mercado. Esse processo histórico, certamente longo e tortuoso, corre por muitas vias, mas converge para assentir o que, desde o pós-guerra, prenuncia a falência ou o fim da Modernidade.1
Não é difícil discernir fraturas no processo civilizatório da Modernidade que favorecem o acolhimento à mística como resposta ao desencanto do mundo. Já no período do capitalismo liberal, o “progresso” científico-tecnológico, ao fazer avançar a Revolução Industrial, deixa marcas sombrias nas cidades encobertas por fumaça e cinzas, que os Românticos tentariam com entusiasmo dissipar, por meio de sua sapienza poetica. O idealismo Romântico seria, sob essa perspectiva, a última fronteira, ou a última trincheira, na salvaguarda de um mundo do qual o encanto, o sonho, a magia, a sacralidade teimavam em fugir. Nesse momento, não apenas a mística penetrou a arte, mas a própria arte fez-se mística. William Blake, o mais notável dos poetas místicos românticos, dedicou sua arte à fome do espírito, assim como outros tantos artistas de sua época, que fizeram precipitar em formas o desassossego do tempo. Golpe severo a esses anseios do espírito seria dado em breve, quando a arte se rende ao Realismo e a filosofia proclama “a Morte de Deus”.
É assim que, no ocidente, no contexto das sociedades europeias e norte-americana, a passagem para o século XX se dá como perda e luto. O progresso da ciência e as conquistas do capital não chegam a compensar o vazio existencial que se manifesta por toda parte. Não se pode esquecer que a ascensão da burguesia nas décadas subsequentes às revoluções liberais se deu a par de toda a problemática de uma vida social na qual as antigas referências já não mais serviam e a nova ordem permanecia radicalmente instável, permeada por conflitos econômicos, políticos e sociais, com implicações severas para a condição existencial. A Primeira Guerra (1914-1918) abalaria radicalmente as bases dessa Modernidade que se quis racionalmente redentora. Nas palavras de Terry Eagleton:
Em 1918, a Europa estava em ruínas, devastada pela pior guerra da história. Na esteira daquela catástrofe, uma onda de revoluções sociais varreu o continente [...] a ordem social do capitalismo europeu havia sido abalada em suas raízes pela carnificina de guerra e por suas truculentas consequências políticas. As ideologias das quais essa ordem habitualmente dependera, os valores culturais pelos quais era governada, também se encontravam em estado de profunda agitação. A ciência parecia ter-se encolhido a uma posição estéril, a uma obsessão míope pela categorização de fatos; a filosofia dividia-se entre o positivismo, de um lado, e um subjetivismo indefensável de outro; predominavam formas de relativismo e irracionalismo, e a arte refletia essa espantosa perda de referências. (EAGLETON, 2006, p. 83)
No contexto norte-americano, embora as perdas humanas com a Primeira Guerra tenham sido expressivamente inferiores ao número de mortes de combatentes europeus, a entrada, ainda que tardia, dos Estados Unidos nesse conflito mundial resultou no que historiadores consideram um processo de “perda da inocência”, exílio espiritual da Terra Prometida, que se faz agora, na expressão de Walt Whitman, uma “Terra Devastada”. Não parece ser por acaso que os Anos 20, os Roaring Twenties, sejam singularmente eufóricos, hedonistas, como se o prazer pudesse suplantar o vazio existencial reinante numa sociedade cujo enriquecimento se dera às custas da indústria da guerra. Não tardaria muito para que os puritanos cobrassem dessa “Geração Perdida” o preço do afastamento de Deus. Quando a Grande Depressão, deflagrada pela queda da Bolsa de Nova York em 1929, arruinou o país, a mentalidade puritana associou a crise que devastou os Estados Unidos nos anos 30 à ira divina.
O cenário de desolação material e espiritual da Grande Depressão, no entanto, não seria modificado pelo Deus dos Puritanos. Fatidicamente, a crise financeira que arruinou o país na década de 30 somente teria fim com a adesão dos Estados Unidos à Segunda Guerra Mundial, cujo desfecho, mais uma vez, introduziria o hedonismo como condição de superação aos traumas de guerra. A questão é que, desta feita, a busca pelo prazer como negação ou superação ao luto correrá sob os auspícios de um boom industrial e de uma cultura midiática nascente que farão do consumo de bens materiais a condição de retorno ao paraíso perdido.
O acentuado consumismo nos Estados Unidos do pós-guerra enquadra-se como resposta ao assombroso vazio existencial deixado por uma guerra terrível cuja vitória se deu pela destruição sem precedentes, causada pelas bombas atômicas lançadas pelos Estados Unidos sobre o Japão. É possível imaginar o devastador efeito moral suscitado pela culpa, noção cristã profundamente introjetada numa sociedade enraizada no Puritanismo, cujos princípios doutrinários não perdem de vista a maldade dos homens, eternamente configurada na queda de Adão, cujo pecado macula toda a humanidade — in Adam’s Fall, we sinned all, refrão entoado pelos puritanos no cantar dos séculos. Não fosse a culpa, assombra também o povo norte-americano o medo do novo inimigo — a União Soviética, que passaria a confrontar os Estados Unidos numa Guerra Fria.
É assim que o fetichismo da mercadoria se legitima com poder avassalador, num tempo em que as ideias de Marx já não podem alcançar a nova onda de alienados consumidores. Enquanto a vida feliz passa a ser pautada na aquisição de bens de consumo, a apologia à propriedade privada favorece a propaganda ideológica que demoniza o marxismo, não por meio de conscientização política, mas pela aclamação irracional aos deuses do capital.
É nesse contexto de culto exacerbado ao consumo que se dá a restauração da ordem social fraturada no pós-guerra. O desejo de consolidar a ordem faz com que as tradições e os valores puritanos retomem seus assentos na vida familiar. A autoridade paterna volta a ser exercida sem embargos e a dona de casa, empoderada nos tempos de guerra, obrigada como foi a comandar a casa na ausência do marido, reassume o papel submisso de “rainha do lar”, após o retorno dos combatentes. Consolida-se, assim, e com relativa rapidez, o que se chamaria daí em diante de “o estilo de vida americano”, the American way of life. Centrado na imagem da família de classe média branca, esse modelo de núcleo social combina o mais alienado consumismo a uma religiosidade traduzida em artificialismos e comportamentos hipócritas. Como diria Terry Eagleton, se agora os norte-americanos buscavam a salvação, o caminho para o céu seria feito de Cadillac. E ninguém ousaria esquecer de levar ao paraíso a parafernália de eletrodomésticos que, naquele momento, tanto preenchia o vazio da vida, quanto elevava a autoestima da população, já que o carro, a geladeira, a TV, a máquina de lavar, o aspirador de pó e outras tantas tralhas eram não apenas usadas pelos americanos, mas eram produzidas nos Estados Unidos, Made in the USA.
Face à materialidade grosseira desse ideal de sociedade e cultura firmado hegemonicamente no pós-guerra, parece óbvio que as reações contra ele esboçadas seriam tão mais impactantes quanto mais conseguissem confrontar o conjunto de valores sobre os quais se assentam as novas formações ideológicas que alimentam o “Sonho Americano”. Quem salvaria a América?
É justamente contra essa cultura hegemônica que se insurge a Beat Generation. O poema America, de Allen Ginsberg, um dos expoentes da geração Beat, pode ser tomado como emblema da insatisfação e da revolta de um grupo de jovens contestadores representativo do movimento de contracultura que haveria de desferir golpes certeiros para denunciar a decadência espiritual do pós-guerra:
América eu te dei tudo e agora não sou nada.
América dois dólares e vinte e sete centavos 17 de janeiro de 1956.
América não aguento mais minha própria mente.
América quando daremos fim à guerra humana?
Foda-se com sua bomba atômica
Eu não me sinto bem não me encha o saco.
Não escreverei meu poema enquanto não estiver bem.
América quando você será angelical?
Quando tirará suas roupas?
Quando olhará pra si mesma através do túmulo?
Quando você será digna de seus milhões de trotskistas?
América por que suas bibliotecas estão cheias de lágrimas?
América quando você mandará seus ovos para a Índia?
Estou farto de suas demandas insanas.
Quando poderei ir ao supermercado e comprar o que preciso só com minha boa aparência?
América afinal você e eu é que somos perfeitos e não o outro mundo.
Sua maquinaria é demais pra mim.
Você me faz querer ser santo.
Deve haver algum jeito de resolver isso [...].2
O poema acima, do qual citamos apenas uma parte, consubstancia-se com as marcas todas da vida social do pós-guerra: os traumas (“foda-se com sua bomba”; “suas bibliotecas estão cheias de lágrimas”; “quando você olhará pra si mesma através do túmulo?”); as mazelas e cobranças (“as demandas insanas”; “eu te dei tudo e agora não sou nada”;); a crítica ao capitalismo (quanto vale alguém que tem “dois dólares e vinte e sete centavos”?; “quando poderei ir ao supermercado comprar o que preciso só com minha boa aparência?”). Por tudo isso é que o poeta Beat quer fazer-se santo. Não se trata, no entanto, de busca da santidade em qualquer sentido tradicionalmente pensado pelas religiões institucionalizadas, mas por vias alternativas e ecléticas, convergindo para o que o estudioso dessa geração, Claudio Willer, considerou como um “misticismo da transgressão”.
Para sinalizar as estradas pelas quais os “vagabundos iluminados” trilharam a Beatitude, Willer (2010) recupera o trajeto místico-poético dos Românticos. Se a crítica racionalista forneceu o alicerce da Modernidade, considere-se que, além da crítica leiga à religião, houve uma forte crítica religiosa em reação ao mundo dessacralizado já no século XVIII. Nesse contexto de “curiosidade universal” iluminista, renasce o interesse por uma disciplina há muito empurrada para as margens da heresia das grandes religiões ocidentais: o Gnosticismo. Segundo Willer, para os enciclopedistas e racionalistas, os textos gnósticos serviriam como prova de que o Cristianismo era apenas cópia condensada de várias mitologias; ou como prova de que, se existisse de fato um Criador, por absurdo, ele só poderia ser mau. Os argumentos antirreligiosos derivados do Gnosticismo ficariam restritos ao período do debate dos racionalistas com os cristãos. Já a vertente romântico-religiosa, segundo a qual os mitos constituem fontes de conhecimento enquanto tais, fez com que o arsenal gnóstico se consolidasse e se ampliasse nos dois séculos seguintes e, através da literatura, começaria a se instaurar uma “nova” sacralidade. Ao tomar a rota traçada por místicos e poetas dessa última vertente, Allen Ginsberg e Jack Kerouac tiveram como principal tutor o professor Raymond Weaver, da Universidade de Columbia, estudioso de Hermann Melville, da tradição gnóstica ocidental, do transcendentalismo americano e do Zen Budismo japonês e chinês.
Doutrina geralmente descrita como dualista, que apresenta uma mitologia complexa acerca da Criação, às vezes compreendida mais como “sensibilidade religiosa” do que como uma religião propriamente dita, o Gnosticismo influenciou (e tem influenciado) muitos escritores, desde os românticos até a contemporaneidade, e pode ser considerada, ao lado do Budismo Mahayana, uma das peças basilares da Mística Beat. Certamente o distanciamento da nossa perspectiva “ocidental” face ao vasto corpus de ensinamentos produzidos pelo Gnosticismo, e sobretudo pelo Budismo em sua história milenar3, nos compele a revisar em linhas gerais suas concepções, para evitarmos incorrer em estereótipos, como a própria dicotomia “ocidente/oriente” há muito criticada por Edward Said (2007).
Assim como o Cristianismo e outras grandes religiões mundiais, o Gnosticismo e o Budismo são compostos por diversas correntes, às vezes divergentes. A tradição gnóstica mais antiga surgiu nos primeiros séculos da Era Cristã, e foi assim nomeada posteriormente pelos heresiologistas para designar um tipo de abordagem do Cristianismo que destoava da ortodoxia paulina. As duas maiores vertentes são a Escola Persa e a Escola Sírio-egípcia. Embora haja controvérsias a esse respeito4, o Gnosticismo é considerado uma doutrina dualista, que se utiliza tanto de materiais cristãos (geralmente considerados apócrifos ou heréticos), como de outras tradições místicas dualistas muito próximas ao universo do Cristianismo primitivo, como a Cabala judaica, o Corpus Hermeticum, textos do Zoroastrismo, além de dialogar fortemente com o Platonismo. A vertente persa, dada sua proximidade com o Zoroastrismo, tem uma orientação dualista mais facilmente demonstrável. O Gnosticismo contemporâneo incorporaria ainda ensinamentos bramânicos e budistas ao seu corpo doutrinário, configurando-se como uma vertente místico-religiosa fronteiriça, entre o mundo “ocidental” e o “oriental”; divisão esta, aliás, que se perde sensivelmente quando investigamos as origens do Cristianismo.
Eliade e Couliano (1999) esclarecem que, para as religiões dualistas, existem dois princípios antagônicos que polarizam a Criação em todos os níveis (ético, antropológico, ou mesmo cosmológico). No “dualismo radical”, tais princípios são “coeternos” e corresponsáveis pela origem de tudo. No “dualismo atenuado” (ou “monárquico”), primeiro surge um Criador Supremo. No entanto, a partir de algum tipo de erro do sistema iniciado por esse Criador primordial, nasce um segundo princípio da Criação, isto é, um co-criador do mundo. Geralmente, o papel desse criador coadjuvante é desempenhado pela figura de um “trapaceiro” (trickster), que introduz os males no mundo e traz consequências terríveis para a obra do Criador Supremo.
Os referidos autores identificam duas versões do mito dualista fundador do Gnosticismo: a) a deusa Sophia, filha do Criador original, produziu um desastre que culminou na criação do mundo (uma trapaceira feminina); b) o Demiurgo, um aborto de Sophia (trapaceiro masculino), cria o mundo a partir da água (uma “substância ignóbil”), ou a partir de resíduos dos sonhos do verdadeiro Criador. Para algumas correntes gnósticas, o Deus do Velho Testamento é o Demiurgo (orgulhoso, vingativo, louco), e o Criador verdadeiro é o Deus do Novo Testamento (compassivo e amoroso). Em outras, essa interpretação pode se inverter. De toda forma, o Gnosticismo nega dois princípios afirmados por Platão e pela Bíblia: a) uma inteligência superior e benévola criou o mundo (princípio da inteligência ecossistêmica); b) o mundo foi criado para os seres humanos, e vice-versa (princípio antrópico). Se o Demiurgo que criou o mundo é ignorante, o mundo só pode ser mau. No entanto, os seres humanos carregam ainda a centelha divina, herdada do verdadeiro Pai, bom e distante, e a finalidade de todo aquele que conhece essa verdade (gnōsis) deve ser, portanto, evadir-se do mundo. Kerouac anotaria essa lição da seguinte forma:
Este mundo é mau. Uma natureza sinistra, que fez Jacó pregar o Senhor em torno de um bando de bodes fedorentos, sucumbiu à arte sinistra, que enterra homens em minas, explode passantes inocentes (na guerra) e afunda almas marinheiras nas perfídias do sal com todo seu aço inútil.
Meu objetivo é encontrar o bem. Não irei encontrá-lo num mundo como este, para o qual não fui feito; acredito que encontrarei o bem no outro mundo. (KEROUAC, 2012 b, p. 441)
A citação acima, de um dos diários de Kerouac, expressa claramente sua adesão às ideias gnósticas acerca da maldade mundana, assim como da existência de outro mundo onde habita o Bem absoluto. Willer (2010, p.18), no entanto, considera William Burroughs o mais gnóstico da famosa tríade beat (Ginsberg, Kerouac, Burroughs); a visão negativa da sociedade e do mundo é patente em seu mais famoso romance, Naked Lunch: “vivemos em uma realidade controlada por entes sinistros. Equivalentes aos demiurgos e arcontes gnósticos”. Ginsberg, por sua vez, enveredou pelo Budismo Tibetano ao longo dos anos; fez-se discípulo, participou de retiros, conheceu o Tibete. Kerouac parece tê-lo acompanhado até certo ponto, mas não chegou a migrar totalmente de religião.
Para os budistas, não há explicação racionalmente válida para reconstituir a verdade sobre o ato da Criação, ou comprovar a existência de um Criador. A cultura indiana do período bramânico, que viu surgir o Budismo, habita um cosmo eterno, cuja origem não se pode alcançar, pois o tempo cósmico não progride em linha reta, mas em ciclos de expansão e contração com duração de bilhões de anos. Se houver, portanto, um ponto em que se deu a origem cósmica, não somos aptos para localizá-lo ou compreendê-lo. Portanto, sofremos:
Ou seja, sofremos porque não percebemos completamente as implicações do que significa ser humano num mundo em fluxo. Apegamo-nos a certas sensações agradáveis e tentamos fazer com que durem para sempre. Depois recuamos um diante do outro, tentando nos afastar. Os dois instintos, apego e aversão, são compreensíveis, mas erram o alvo. Nunca encontraremos paz verdadeira até realmente entender como nos sentirmos em casa num mundo onde nada dura para sempre. (MORRIS, 2010, p. 60)
Por não trazer felicidade duradoura, a existência mundana é insatisfatória. A noção indiana do eterno retorno para a “Roda do Samsāra” (do sânscrito, “perambulação”, o fluxo contínuo) — ou Bhavacakra (“Roda da Vida”) — é um dos principais pilares da metafísica budista, e sublinha a repetição das mesmas dores existenciais ad infinitum, tornando aterradora a ideia da prisão perpétua à tal roda. Há um longo debate entre as escolas budistas acerca do karma (os frutos que são gerados a partir das ações no mundo) e dos renascimentos. Podemos afirmar com alguma segurança que a vertente tibetana do Budismo se aproxima mais de uma compreensão “reencarnacionista” em relação ao retorno à Roda da Vida, devido a algumas características peculiares de sua formatação. Primeiramente, consideremos que o Budismo praticado no Tibete guarda fortes reminiscências da antiga tradição xamânica daquela região (a religião Bön), que não deixou de coexistir com a “nova religião” dos gurus indianos, isto é, os ensinamentos do Budismo Mahāyāna (“grande veículo”, do qual também deriva o Zen) e o Budismo Tântrico (ou Vajrayāna, “veículo diamantino”). Ao invés de banir as crenças e ritos populares, os budistas tibetanos trataram de incorporá-los às suas práticas litúrgicas.
Todavia, há uma diferença cabal da abordagem budista em relação às igrejas espiritualistas ocidentais: não há propriamente “reencarnação”, mas sim, conforme apontamos, “renascimento”. Não se trata, portanto, de um “ego” que morre e depois assume um novo invólucro de carne, mas de um tipo de existência, o qual gera condições (positivas ou negativas) para que um outro tipo de existência venha a surgir no futuro. Porém, entre muitos adeptos leigos do Budismo Tibetano, acredita-se literalmente na possibilidade de “reencarnar” como barata, rato, formiga ou, na melhor das hipóteses, como ser humano, a depender do carma acumulado. Aliás, nascer humano é um fato precioso, dádiva cármica extremamente difícil de ser alcançada, pois apenas sob essa forma de existência é possível conhecer e praticar o Dharma (“lei” ou ensinamento) de Buddha (“aquele que despertou”). A “salvação” (ou iluminação) budista não opera a partir da Graça divina, mas a partir de ações conscientes para que se consiga sair definitivamente do perpétuo ciclo de renascimentos e mortes. O primeiro passo nessa direção é a aceitação das “Quatro Nobres Verdades”: a) o sofrimento existe; b) se existe, é porque foi causado; c) se tem uma causa, também pode cessar; d) se pode cessar, existe, portanto, um modo de fazê-lo cessar. A vertente mahayanista compreende que a primeira consequência dessa aceitação é a desconstrução da ignorância, ou da visão dualista: não há separação entre o observador e o mundo por ele observado. Esse tipo de separação é uma “delusão”, que deve ser rompida para que se perceba a “vacuidade” (śūnyatā) das formas mundanas da existência, conforme uma das estâncias mais famosas do Prajñāpāramitā Hrdaya Sūtra: “forma é vazio e vazio é forma”5.
Assim como Buda encontrou o caminho para sair da Roda do Samsara, todos possuímos uma “natureza búdica” potencial (buddha dhātu ou tathāgata garbha), e sairemos da ignorância se exercitarmos os mesmos passos percorridos pelo grande Guru. Uma palavra-chave para iniciar esse caminho é o desapego aos prazeres, assim como aos desprazeres e, principalmente, à noção de “eu” (uma ilusão necessária apenas para possibilitar nossa interação no mundo). Mas o que faz com que se percorra o trajeto rumo ao despertar mais rapidamente, segundo os mahayanistas, é a compaixão (karunā). Parte-se da premissa de que a Roda da Vida só cessará de girar quando todos os seres tiverem conseguido sair da mesma. Portanto, o Mahayana preza pelo voto do bodhisattva: um ser que, movido pela compaixão, gerou bhodicitta (capacidade de atingir o estado búdico) e que, mesmo tendo condições de adentrar o Nirvāna (o “sopro” ou o estado de total indiferenciação), retorna para o Samsara para ajudar os demais seres a encontrar a saída da roda.
A história do surgimento daquilo que se convencionou chamar de literatura Mahayana, textos que não constam no tradicional Cânone Páli, todavia, também não deixa de ser controversa. De todo modo, o Mahayanismo foi uma espécie de onda reformista, que surgiu entre os séculos I a.C. e IV d.C. O turning point do movimento Mahayana foi justamente a interpretação sobre a vacuidade e a natureza búdica. O Budismo Vajrayana (aquele que, como uma lâmina de diamante afiada, pode cortar qualquer ilusão de dualidade), surgiria por volta do século VII d.C.6 Sua literatura versa sobre técnicas tântricas que acelerariam o despertar espiritual, a ênfase no poder do ritual e no papel fundamental do guru para a iniciação do discípulo. Para a abordagem tântrica, o corpo, permeado por vários canais de circulação de energia, não é “impuro” em si; se corretamente exercitado através de práticas de Yoga, o corpo pode desenvolver poderes que transcendem a visão dualista e transformar-se em poderoso veículo de ascese:
O Guhyasamaja Tantra, composto no início do século VIII, é o primeiro texto Vajrayana conhecido a conter imagens explicitamente sexuais, simbolizando a tentativa de transcender o dualismo através da fusão entre as energias masculina e feminina. Sua aparição foi seguida por uma explosão de textos semelhantes que mostravam diferentes técnicas de ioga sexual. Este período também assistiu ao surgimento dos maha-siddhas ou “grandes iniciados”, personagens pitorescos e excêntricos, como Padmasambhava (mais conhecido como Guru Rimpoche), que ajudou a propagar os ensinamentos tântricos na Índia para o Tibet e que tinha a reputação de possuir poderes místicos extraordinários. (MORRIS, 2010, p. 94)
Há a hipótese de que o Budismo Vajrayana tenha se desenvolvido entre iogues não ortodoxos, fora do ambiente monástico. Apesar de sua clara proposição de superação da(s) dualidade(s), de um vasto instrumental — mandalas, práticas avançadas de Yoga, mudras, mantras, visualizações etc. — e de um amplo repertório de textos complexos, a tradição tântrica ainda hoje é compreendida pelos ocidentais de modo caricatural, quase sempre reduzida a um tipo exótico de intercurso sexual apenas. Lembremos também que, nas primeiras décadas do século XX nos Estados Unidos, muito do que se dispunha acerca da literatura budista eram publicações em inglês editadas por sociedades gnósticas, ou textos traduzidos pela Sociedade Teosófica de Madame Blavatsky. Para grande parte dos gnósticos americanos de então, o Budismo talvez fosse compreendido como mais um pilar de sua própria orientação místico-filosófica. Por ocasião do pós-guerra, muitos iogues indianos e monges budistas fixaram residência em solo norte-americano e estabeleceram centros de ensino. Alan Watts publica The Way of Zen em 1957, Shunryu Suzuki chega a São Francisco em 1959 para liderar o centro zen Sokoji; e uma série de outros eventos marcam a popularização das religiões de matriz indiana, bem como a passagem do Budismo étnico para o Budismo de conversão no ocidente. Sem dúvida, outro dado importante para a mística beat é a descoberta dos famosos Manuscritos do Mar Morto - um corpus com nada menos que quarenta e oito textos gnósticos em língua copta, isto é, mais de setecentas páginas - desenterrados em Nag Hamadi, no Alto Egito, em 1945. Portanto, nos anos cinquenta, Budismo e Gnosticismo eram temas “quentes” no campo religioso; não só para aqueles que buscavam novas formas de suprir o vazio existencial, mas sobretudo para aqueles que queriam estudá-los cientificamente. Nesse sentido, a geração de Ginsberg, Kerouac e Borroughs, conforme Willer (2014, p. 46), foi beneficiada pelos estudos da história das religiões e pela antropologia, disciplinas que viviam um momento bastante profícuo. Mas o reencontro entre a ciência e a mística também gerou produtos no mínimo exóticos, como a Cientologia, espécie de “religião científica”, ou tentativa de explicar fenômenos espirituais através do método científico, da qual Borroughs fora adepto.
O desconhecimento sobre o Budismo Vajrayana, não raro, conduz a uma crítica sobre a produção poética de Allen Ginsberg muito afastada do sentido de sua conversão budista. Willer (2014, p. 24), por exemplo, demonstra a importância central de Ginsberg para a Beat Generation, como poeta e ideólogo de uma mística transgressora, ao mesmo tempo em que diz ser possível apontar em sua trajetória indícios de “obsessão religiosa” e “furor místico”, “mas de um misticismo frequentemente expressando-se através de obscenidades”; ou ainda, que em sua obra geralmente “manifestações de piedade e devoção alternam-se com referências diretas ao sexo”. Gostaríamos, nesse ponto, de tecer algumas considerações.
Primeiramente, o que esperar de um adepto do Budismo Vajrayana, senão a tentativa de transcender os dualismos? Dito de outra maneira, ao invés de alternar pares contrários (x “ou” y), o poeta beat (e vajrayana) precisa ir além da mera justaposição desses pares (x “e” y), para alcançar a fusão dos mesmos, transformando-os em opostos complementares (x “&” y): bem & mal; sagrado & profano; linguagem alta & linguagem baixa; masculino & feminino; êxtase místico & prazer carnal; espírito & corpo; lucidez & embriaguez etc. Nesse sentido, a transgressão apontada por Willer se dá sob o ponto de vista judaico-cristão ou do puritanismo norte-americano; mas não necessariamente sob o ponto de vista vajrayana. Esse tipo de poética da transcendência diamantina, digamos, se faz evidente nos poemas que compõem a coletânea publicada por Ginsberg em 1973, A Queda da América, dedicada a Walt Whitman. O livro pertence a uma fase posterior ao florescimento da Beat Generation, nele Ginsberg formula uma profunda revisão de si, daqueles que se fizeram seus companheiros de jornada, e do que fora feito da América até então. Espécie de diário de viagens e memórias, apesar de oferecido a Whitman, seus verdadeiros homenageados são Jack Kerouac, Neal Cassady, Gary Snyder, e todos os “vagabundos iluminados”. Os poemas apresentam cenas fragmentadas, falas entrecortadas, ondas sonoras de rádio e TV que nos atravessam sem pedir permissão, pensamentos incompletos, destroços do sonho americano suturados com fiapos de mantras, de preces e êxtases, tudo num fluxo contínuo cuidadosamente desordenado. Nessa obra, Ginsberg também exercita com vigor sua verve vajrayana: parece sorrir ao apenas observar o girar incessante da Roda do Samsara, sem se prender a ela. Vejamos um breve excerto da tortuosa “Poesia estradeira Los Angeles — Albuquerque — Texas — Wichita”, escrita entre 28 e 29 de janeiro de 1966:
Recostado no banco do carro,
pálpebras pesadas
pernas abertas apoiadas na mesa,
Ah se eu fosse jovem outra vez e as pregas do meu ânus róseas,
“La Illaha El I’ll Allah De Quê?”
Por fim entediado,
No alto de um morro, cantando Raghupati Raghava Raja Ram
(GINSBERG, 2014, p. 32)
O cansaço, a passagem do tempo, o vigor sexual dissipado, “não há deus, exceto Allah”7 (“De Quê?”. Allah tem 99 nomes na recitação do Corão, e nenhum sobrenome, nenhuma pertença), o tédio, o canto devocional indiano entrecortado no alto de um morro (a parte final do tradicional bhajan, omitida pelo poeta, afirma que o nome do casal divino, Sita e Rama, é Deus ou Allah)8, esses são os tons desbotados (ou “vajrayanamente” debochados) de uma paisagem interior, do poeta beat que envelhece recostado na beira da estrada. São poucos versos que podem movimentar um turbilhão de ideias, aparentemente desconexas, mas que retratam perfeitamente a arte de apenas observar o fluxo samsárico. Enxergamos a olho nu tanto aquilo que Willer qualifica como um misticismo obsceno (“as pregas do meu ânus róseas”/ “La Illaha El I’ll Allah De Quê?”) — que preferimos entender como perspectiva não-dualista vajrayana (não há, na leitura tântrica da fisiologia humana, qualquer parte do corpo que seja mais ou menos impura, mais ou menos sagrada) — quanto o que chama de “heresia total” de Ginsberg (“La Illaha El I’ll Allah De Quê?”/ Raghupati Raghava Raja Ram, o monoteísmo islâmico ou o dualismo hindu, qual é a verdadeira face de Deus?).
Ao comentar o poema “Krahl Mahales” (de 1965)9, Willer observa: “É a religião total: o culto a todos os deuses de todas as crenças. E também a heresia total, sob o ponto de vista das religiões institucionais, oficiais”. (WILLER, 2014, p. 26). O autor ainda nos informa sobre a frequência com que Ginsberg se vestia como devoto de Krishna (Kṛṣṇa) e de sua profunda simpatia pelas entidades da “Santeria” cubana, especialmente por Xangô, que conheceu por ocasião de sua visita à ilha comunista (de onde também fora convidado a se retirar). De fato, Ginsberg pode ser considerado um herege sob a perspectiva de muitas instituições religiosas, porém, não esqueçamos que o Budismo Tibetano — nascido da confluência do mahayanismo, do tantrismo e do xamanismo Bön — é absolutamente diversificado no que se refere aos seus rituais: além das tradicionais meditações silenciosas e práticas iogues, ajudam a compor sua liturgia uma variedade de exorcismos, oráculos, amuletos auspiciosos etc. Reza a lenda que o iogue Padmasambhava caminhou da Índia ao Tibete, exorcizou “demônios” (divindades locais), mas, ao invés de expulsá-los, transformou-os em “guardiões do Dharma” (protetores dos ensinamentos budistas). Se os pés do “Guru Rimpoche”, ao invés do Tibete, o tivessem levado à Nigéria, através de suas avançadas práticas tântricas, Padmasambhava provavelmente teria feito o mesmo acordo com Xangô.
Isso não significa que não haja heresias budistas, restrições em relação a determinadas formas de culto, ou de decoro no trato social. Ingerir álcool e outras substâncias psicoativas em demasia, por exemplo, é altamente condenável pelos budistas tibetanos, pois a consciência, obscurecida por tais substâncias, ativa os “três venenos da mente” (a ignorância, isto é, a fixação no “eu”; a aversão e o desejo/apego). Porém, a pior de todas as transgressões budistas talvez seja o desejo de manter-se preso à individualidade do “eu”, pois isto significa manter-se atado à visão equivocada e dualista do mundo, isto é, manter-se na ignorância (avidyā, representada na iconografia da Roda do Samsara como um cego a vagar)10.
Concordamos com Willer (2014, p. 14), quando afirma que a matriz filosófica compartilhada pelos integrantes da geração Beat consiste na crítica, ou numa “dupla crítica”, imanente e transcendente: imanente “por dirigir-se contra a ordem estabelecida e os poderes vigentes”, e transcendente e metafísica “por expressar uma cosmovisão segundo a qual a realidade imediata, sensível, é falsa, devendo ser substituída por um mundo melhor, mais justo e harmônico”. A afirmação se aplica completamente à obra de Kerouac, conforme veremos a seguir. Porém, devemos vê-la com ressalvas em relação a Ginsberg, por conta de sua forte adesão ao Budismo Vajarayana, uma vez que não há, segundo essa abordagem, qualquer tipo de “mundo melhor” a ser alcançado, não há Brahman, nem Ātman (“eu primordial”), ou qualquer tipo de experiência que supere a extinção do “eu”, o Anātman (o “não-eu”). Há, sem dúvida, um tipo de milenarismo budista, que os japoneses denominam “Era de Mappô”, época apocalíptica que remonta ao conceito pan-indiano de Kali Yuga (“Idade Negra”, “do Vício” ou do “demônio Kali”, que encerra o ciclo de quatro Yugas), que estaríamos vivenciando agora. Mesmo assim, a doutrina dos Yugas enfatiza um tempo cíclico, ela é o Samsara potencializado ao máximo e, quando superarmos Kali Yuga e retornarmos para um Yuga mais luminoso, ou “mais harmônico”, isso significará apenas um recomeço do girar da roda, e não uma vitória definitiva do espírito.
Jack Kerouac, apesar de sua empatia com as ideias budistas, jamais deixou de ser cristão católico. O que ele parecia buscar na vertente específica do Budismo Tibetano eram as linhas de força que a aproximassem de sua crença de origem. Diferentemente do poeta marxista Ginsberg, o romancista católico Kerouac talvez nunca tenha conseguido abraçar de fato o ateísmo budista, e sequer ousou chegar ao “vazio zen” através da parede branca dos seguidores de Alan Watts. Mas certamente refinou sua ideia de salvação (pelo amor incondicional de Cristo) através da lente da compaixão dos bodsatvas tibetanos:
Kerouac claramente amava o aspecto da compaixão, aquilo que os tibetanos chamam de ‘linhagem dos efeitos magníficos’, que descende de Maytreya e Asanga. Ele amava os cães, e eles o amavam. Os tibetanos têm uma tradição, talvez proveniente da famosa história de quando Asanga encontrou Maytreya na forma de um cachorro, de que o futuro Buda Maytreya manifesta-se generosamente na forma de cães, antes de sua encarnação como Buda no futuro distante, a fim de encorajar pessoas deprimidas e assustadas a superarem seus medos e desenvolverem confiança e afeto por outro ser senciente. (THURMAN, Robert. In KEROUAC, 2012 a, p. 8)
A compaixão ensinada pelos budistas tibetanos se assemelha ao amor católico e franciscano pelos animais ou pelos pobres, desvalidos e doentes; mas se estende, com os mil braços de Avalokiteśvara — o grande bodsatva não-nascido, que emana a pura compaixão — a todos os seres sencientes, sem restrições ou julgamentos de valor. Do mesmo modo, para cada um dos seis reinos da “Roda da Vida” budista, nos quais a existência possa em algum momento se manifestar, haverá sempre ali um Buddha; inclusive no reino dos fantasmas famintos ou no reino dos infernos. Esse é, sem dúvida, um indício que nos permite ver de outra perspectiva a simpatia de Kerouac pelo universo dos marginalizados: não é por acaso que negros, imigrantes latinos, pobres, garotas e garotos de programa, viciados, trapaceiros, bêbados, homossexuais, mães solteiras, operários, isto é, toda a sorte de desajustados da sociedade WASP (White, Anglo-saxon and Protestant) são fundamentais, a seu modo, para pavimentar as vias da revelação mística nas páginas de On the Road. Encontramos o seguinte registro em um dos cadernos de memórias de Kerouac:
Que ruas desoladoras... que vidas desoladoras... que falta de futuro & destino infeliz. Milhares de bêbados nos bares. Mas dessa ruína ergue-se um Cleo — um verdadeiro Cleophus — o “Neal Negro” que conheci ali esse fim de semana — na verdade, é em essência um “Allen Negro”. Ele diz que Cristo está nos ombros de cada um de nós, e tudo está bem. Pega um copo d’água e me ensina a provar a qualidade da água pela “primeira vez” — (claro que fiz isso como um menino me imaginando no deserto). O futuro dos Estados Unidos está na espiritualidade e na força de um Negro como Cleo... Agora eu sei... e em todos aqueles que o compreenderem e receberem. Os operários que moram em Larchmont e vão todos os dias para seus trabalhos já são coisa do passado. É simplicidade e força bruta, erguendo-se do solo americano, que irão nos salvar. Seremos salvos. (KEROUAC, 2012 b, p. 335)
Quando anotou tais impressões no dia 25 de fevereiro de 1950, o jovem escritor ainda lutava arduamente para encontrar a alma de On the Road, obra que o lançaria definitivamente ao hall da fama em 1957. Havia, no entanto, uma clara diretriz no projeto do texto: de que as idas e vindas de Sal Paradise (alter ego de Kerouac) e Dean Moriarty (inspirado em Neal Cassady, a quem Kerouac alude através desse “Neal Negro”) pelo vasto território americano, não poderiam ser reduzidas a aventuras heroicas, ou tentativas desesperadas de fuga da realidade, mas sim a um modo de romper com o véu ilusório daquilo que chamamos “real”. Se “a vida é uma viagem na estrada, do útero ao final da noite, esticando a corda prateada até arrebentar em algum lugar do caminho... talvez perto do fim, talvez só no final; talvez no início da jornada” (KEROUAC, 2012 b, p. 440), deveria existir algo, além do hedonismo cru e niilista, para inspirar e dar sentido às sagas dos viajantes. Se a estrada é a metáfora da busca pelo sentido da vida sobre a Terra, o único modo de “despertar” para a finalidade última da mesma (isto é, a morte) talvez seja lançar-se no fluxo vibrante de todas as experiências possíveis que a jornada terrena possa proporcionar sem, no entanto, apegar-se a essas experiências ou deixar-se iludir por elas, tomando-as como “a Realidade” em si mesma.
Kerouac, todavia, também crê na existência de uma Realidade supramundana, que nos pode ser revelada se ultrapassarmos a experiência terrena (indo até o fundo da mesma) e “despertarmos” para esse “outro mundo”: “Quando digo que quero queimar e quero sentir e quero ser uma ponte desta vida para outras, isto é o que eu quero dizer: ir para o outro mundo, ou seja, manter contato com ele até eu chegar lá.” (KEROUAC, 2012 b, p. 271). Nesse sentido, são muito contundentes os exemplos do “despertar” de Sal Paradise e Dean Moriarty que o romance nos proporciona: o êxtase místico de Moriarty através de um solo de jazz e a rememoração de vidas passadas de Paradise a partir da privação do alimento (apesar de não ter feito espontaneamente voto algum de pobreza ou jejum, o narrador-protagonista vive um momento de ascetismo radical e consegue, através desse expediente, ter acesso ao seu carma, herança de outras existências) são dois momentos, entre vários possíveis, que deixam evidente o modo como Kerouac concebia a Beatitude. Já um dos episódios que melhor expressa o olhar compassivo cristão-budista de Kerouac se dá quando, depois de passados alguns anos, já não tão jovem, com alguns filhos e casamentos desfeitos, Dean Moriarty é execrado pela turma de amigos, que outrora o louvara como um autêntico príncipe da transgressão, das aventuras e dos prazeres intensos:
Então um silêncio pesado caiu sobre a sala; em vez de falar, como teria feito antigamente, Dean silenciou também, mas permaneceu em pé na frente de todos, esfarrapado, alquebrado, abestalhado sob a luz das lâmpadas nuas, com o rosto ossudo coberto de suor, as veias dilatadas, repetindo “sim, sim, sim”, sem parar, como se as revelações terríveis o estivessem apunhalando, e estou convencido de que realmente estavam, e os outros também suspeitaram disso e ficaram amedrontados. Ali estava um BEAT — a raiz a alma da Beatitude. Quais seriam seus profundos conhecimentos? Ele estava tentando me dizer, com todas as suas forças, o que ele estava sabendo, e era exatamente isso que eles invejavam em mim, a posição que eu ocupava ao lado dele, defendendo-o e sorvendo sua sabedoria como outrora eles haviam tentando fazer. [...]
Lá estava ele, sozinho no limiar da porta, curtindo a efervescência da rua. Amarguras, recriminações, conselhos, moralidade, tristeza — tudo lhe pesava nas costas enquanto à sua frente descortinava-se a alegria extasiante e esfarrapada de simplesmente ser. (KEROUAC, 2015, pp 238-240)
Vale lembrar que a misericórdia de Cristo ou a compaixão de Buda são diametralmente opostas à piedade filantrópica das respeitáveis damas americanas, dos chás beneficentes e dos salões da sociedade WASP. Sal poderia sentir até pena de Dean diante de seu rebaixamento, de seu apedrejamento pelo grupo de amigos. No entanto, ao invés disso, Sal não se coloca acima em nenhum momento, porém ao lado (talvez até abaixo) daquele que não considera em absoluto um coitado, um desvalido, mas antes um sábio, um iluminado: Dean é o único que lhe poderia ensinar a “simplesmente ser” (exercício fundamental da prática de meditação transcendental). Através dele, Paradise consegue “sorver” um tipo de sabedoria que somente quem lançou-se, sem medo, no fluxo da vida poderia conquistar. Dessa perspectiva, qual cordeiro de Deus, Dean Moriarty carrega a cruz e expia os pecados do rebanho, ao mesmo tempo em que é um Buddha a iluminar o reino daqueles fantasmas famintos da Costa Oeste. Em 28 de fevereiro, Kerouac anotaria:
Também vou expressar mais e registrar menos em On the Road — vou apontar direções em vez de descrever caminhos. — Hoje vi uma foto de Bob Giroux em Portugal no Daily Mirror com os romeiros católicos que iam para Roma. Uau! — “Eles conclamam todos a seguirem em peregrinações” [do prólogo de The Canterbury Tales]. Bob está em uma romaria na igreja do mundo, a jesuíta. A minha é uma romaria na igreja do Paraíso. Ela não tem nome. Da mesma forma nós buscamos juntos, e somos irmãos de espírito. (KEROUAC, 2012 b. p. 338)
A “igreja do Paraíso” de Kerouac (cujo sumo sacerdote, ou principal profeta, poderia ser Sal, ou melhor, Salvatore Paradise), sem dúvida deveria ser, por definição, absolutamente inclusiva e agregadora; todos merecem ser salvos, sobretudo aqueles que aparentemente são os menos merecedores. Diferenças metafísicas à parte, tanto a compaixão do Budismo Mahayana quanto a misericórdia do Cristianismo surgem na mesma época da história eurasiana, conforme nos recorda Thurman, “num tempo em que impérios estáveis e universais geraram uma nova forma de reinado imperial mais zelosa, mais paternal; num tempo em que a divindade foi reimaginada e passou a equilibrar seus aspectos mais terríveis com o interesse amoroso pelos indivíduos” (In KEROUAC, 2012 a, p. 11).
Se os gnósticos foram considerados cristãos hereges, o Mahayanismo também esteve no limite da heresia em relação aos budistas clássicos (apelidados pejorativamente pelos mahayanistas como hinayāna, “pequeno veículo”), para os quais o conceito de vacuidade, do qual deriva a ideia de natureza búdica, configurou-se num tipo de transgressão de difícil aceitação. Do Gnosticismo e do Budismo Tibetano, Kerouac migraria para sua “igreja” essa noção de que, apesar do mundo conter apenas sofrimento (e prazeres, que geram mais sofrimento), todos os seres carregam consigo uma “centelha divina” ou uma “natureza búdica”. Essa ideia — de uma potência divina que habita todos os seres humanos — se tornaria possível em função do docetismo (do grego dokein, “aparecer”, conceito encontrado tanto nos Evangelhos Apócrifos, quanto no Mahayanismo), segundo o qual o corpo de Cristo, cuja realidade celestial ou divina é insuperável, é mera “aparência”, uma máscara que se modifica conforme a “mentalidade” de quem a vê. Paralelamente aos primeiros séculos da Era Cristã, o Mahayanismo se desenvolvera na Índia e formulara a “aparência” do(s) corpo(s) de Buda de modo semelhante, ou seja, Cristo ou Buda não são homens que alcançaram a iluminação, mas a própria iluminação manifesta “na forma de um mestre” para libertar os homens de suas “ilusões resultantes do desejo universal da vida e do medo da morte”. Desta forma, “Deus não se torna Homem; mas o homem, o próprio mundo, é conhecido como divino, uma esfera de profundidade espiritual inesgotável” (CAMPBELL, 2004, p. 298).
Os momentos de pausa entre uma romaria e outra pelas rodovias e estradas de ferro, quer seja curtindo os bares das cidades, o jazz, o sexo da “grande noite da América”, ou até mesmo batalhando alguns trocados em algum subemprego, serviriam para o peregrino Kerouac como oportunidade de contemplação tanto do modo vida hipster, quanto do vazio e do desapego que deveria praticar em relação ao mesmo e, principalmente, do sagrado que habita todos os seres, o qual pode revelar-se quando e onde menos se espera. E revela-se, sobretudo, na face extática dos loucos — “loucos para serem salvos, que querem tudo ao mesmo tempo agora, aqueles que nunca bocejam e jamais falam chavões, mas queimam, queimam, queimam como fabulosos fogos de artifício” (KEROUAC, 2015, p. 25) — como Ginsberg, Cassady e todos os místicos hereges do Cristianismo. Datado de 26 de julho de 1950, em Richmon Hill, Kerouac intitularia como “A Lua de Sariputra” o seguinte registro:
[...] Digo a Carolyn [companheira e Neal Cassady], “Você se dá conta de que é Deus!” Trabalho no estacionamento por algumas semanas, me divertindo, jogando xadrez no barraco com Neal e ficando doidão na velha tarde — Toda noite depois do jantar vou me sentar sob a árvore perto dos trilhos da Western Pacific em um campo, uma grande e envolvente árvore com o poder de iluminar & medito por uma hora sob as estrelas — às vezes em meio aos cactos sento-me & ouço o ronco dos ratos do campo — A lua de Sariputra brilha sobre mim e a longa noite da vida está quase terminada. — Adoração aos Budas! (KEROUAC, 2012 b, p 436).
Kerouac imita a cena do lendário despertar de Buda, ao sentar-se sob uma árvore para meditar. A lua, signo budista da iluminação, recorda que Śāriputra (discípulo direto de Buda), ao ouvir Avalokteśvara recitar o Prajñāpāramitā Hrdaya Sūtra, compreendeu que não há nada para ser alcançado quando se transcende a dualidade. O mantra contido no sutra (om gate gate pāragate pārasamgate bodhi svāhā) “é o mantra insuperável, o mantra que torna igual o que é desigual”, o mantra que diz “atravesse, atravesse com confiança para a outra margem”. Ao atravessar para a outra margem do rio que separa a “visão ignorante” da “visão correta”, não precisaremos mais de nenhum barco, nenhum Cadillac, nenhum “veículo” pequeno ou grande, nenhum corpo, nenhuma religião, nenhuma doutrina, nenhum dharma, pois a grande jornada terá chegado ao fim. Sal Paradise deveria saber que a compaixão seria sempre o motor mais potente para impulsioná-lo através dos vastos caminhos da América.
A peregrinação de todos os Beats, sua busca incessante por um modo de atravessar para a outra margem, cair na estrada e sair desse mundo de eterna insatisfação do espírito (mas o único possível à vida do corpo), consubstanciou-se no apelo poético eloquente ao que poderíamos chamar de uma “mística da salvação”, sem dúvida transgressora, porém compassiva. Mesmo quando a ideia de ir para “outro mundo mais elevado” parece absurda, como em Ginsberg, a Beatitude não se dissocia de um locus que reforça, por vias diversas, que o entendimento dualista da existência é mera ilusão forjada por um trickster; motivo pelo qual a vida na América reclamaria uma espada diamantina, único meio de decepar, como um raio, o longo braço de Uncle Sam.
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As discussões sobre a Modernidade e seu esgotamento são amplas e controversas, mas os debates divergem basicamente quanto a já ter se esgotado ou não ter ainda se cumprido o projeto racionalista. Nossa síntese pauta-se na centralidade do projeto Iluminista e em sua cooptação pelo capitalismo, conforme atestam, dentre outros, EAGLETON (1997, 2006), HABERMAS (1997), JAMESON (1991), BOAVENTURA SANTOS (1997). Para estudos mais específicos sobre o contexto histórico norte-americano, cf. CINCOTTA (1994), TINDALL & SHI (1989) e SELLERS et al (1990).↩
Tradução revista por Sandra Luna, a partir da versão de Claudio Willer em Uivo e outros poemas. LP&M, 2006.↩
Ver ROYER (2012).↩
Ver SCHOEDEL (1980) e PAGELS (1989).↩
Tradução em português do Prajñāpāramitā Hrdaya Sūtra por Phurbu Tsering (Pema Chime Dorje) e Lama Padma Samten disponível em <http://www.nossacasa.net/shunya/default.asp?menu=1325>, acesso em 06/04/2016↩
Ver PEACOCK (2005) e NINA (2006).↩
lā (não, nenhum); ilāha ( deus, deidade, objeto devocional); illā (mas, exceto); allāh (Allah). Verso do Corão que conclama os fiéis para as preces diárias.↩
raghupati rāghav rājārām/ patit pāvan sītārām/ sītārām, jai sītārām,/bhaj tū pyāre sītārām/ īśvar allāh tero nām,/ sab ko sanmati de bhagavān// (chefe da casa de Raghu, senhor Rama/ Os que elevam os decaídos, Sita e Rama/ Sita e Rama, Sita e Rama/ Amado louvado Sita e Rama/ Deus ou Allah é seu nome/ Abençoa a todos com sabedoria, Senhor//).↩
“e eu sou o Rei de Maio, naturalmente, pois eu sou de descendência eslava e um judeu budista/ que cultua o Sagrado Coração de Cristo o corpo azul de Krishna as costas retas de Ram/ as contas de Xangô, o nigeriano, cantando Shiva Shiva em um modo que inventei” (GINSBERG, apud WILLER, 2014 p. 26). Ginsberg teria escrito esses versos num avião, depois de ter sido coroado “rei de maio” (“kral mahales” em tcheco) e expulso da Tchecoslováquia por comportamento escandaloso.↩
Iconografia (Bhavacakra) disponível em :<https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Bhavacakra.jpg>, acesso em 06/04/2016. Ver também SAMTEN (2010).↩