ALGUMAS OBSERVAÇÕES SOBRE MODERNIDADE E MISTICISMO; REBELIÃO E PENSAMENTO ARCAICO
Claudio Willer
Poeta, ensaísta e tradutor
cjwiller@uol.com.br
Resumo: O presente ensaio retoma o que já escrevi sobre gnosticismo e poesia, e sobre poetas gnósticos. Examina o trânsito entre doutrinas aparentemente opostas, a gnose pessimista e aquela otimista do Corpus Hermeticum. Reconhece que há mais poetas gnósticos; que deveria ter sido dada mais atenção a Walt Whitman, entre outros. Apresenta a hipótese de que decadentistas, como Swinburne, são intrinsecamente gnósticos.
Palavras-chave: gnosticismo; poesia moderna; anarquismo místico; rebelião; pensamento arcaico
Abstract: This paper resumes what I have written about Gnosticism and poetry, and about gnostic poets. Examines the communication between seemingly opposing doctrines, the pessimist gnosis and that optimistic from Corpus Hermeticum. It recognizes that there are more gnostic poets; that I should have given more attention to Walt Whitman, among others. Presents the hypothesis that decadents, like Swinburne, are inherently Gnostics.
Keywords: Gnosticism; modern poetry; mystical anarchism; rebellion; archaic thought
No final de 2007, terminei minha tese de doutorado sobre gnosticismo e poesia no Departamento de Letras Vernáculas e Clássicas do curso de Letras da USP: Um obscuro encanto: gnose, gnosticismo e poesia moderna. Foi examinada e aprovada em março de 2008. Deu origem a um livro homônimo1. Meu propósito inicial, tratar de poesia e ocultismo. Contudo, resultaria em uma tese de mil páginas, ou mais. Circunscrevi ao gnosticismo, marco inicial de uma tradição esotérica e mística ocidental, reconhecido como tal por estudiosos. Por isso, capítulo primeiro de obras como as de Sarane Alexandrian2 e Kurt Seligmann3. Não obstante, cheguei a apresentar e publicar algo sobre o tema originário4; e pretendo retomá-lo.
Já havia comentado gnosticismo, ao tratar de Antonin Artaud e Hilda Hilst: essa religião estranha, tão plural, contraditória, parecendo, em relatos e outros documentos, um monoteísmo às avessas. Tive motivos adicionais, fortes, em favor da escolha. Um deles, meu gosto pela polêmica, por temas controversos. Gnosticismo é um deles, pelo modo como é reconhecido por autores, inclusive alguns com os quais me identifico de modo especial — André Breton, Allen Ginsberg, entre outros — e execrado por outros.
Interessou-me a divergência relativa à ligação com o cristianismo. Diversos estudiosos entendem gnosticismo como dissidência e, consequentemente, heresia da doutrina cristã. Ou, até mesmo, como expressão de um cristianismo primitivo, originário; como tal, mais fiel ao ensinamento de Jesus Cristo. Entre os mais qualificados que sustentam essa hipótese está Elaine Pagels5. Outros discutem a relação entre as duas doutrinas, como Henri-Charles Puech6. O pesquisador e organizador da publicação dos escritos encontrados em Nag Hammadi7 em 1945, James M. Robinson, sustenta que uma doutrina gnóstica, “setiana” (cujo avatar é Set e não Jesus Cristo) precedeu a versão cristã.
Pode haver uma dupla instrumentalização dessa associação do gnosticismo a um cristianismo primitivo. De um lado, por católicos progressistas, para fundamentar, justificando-a historicamente, a ideia de uma religião mais aberta, comunitária, dando maior valor à participação da mulher; de outro lado, por católicos tradicionalistas, os integristas, para fulminar como heresia gnóstica tal progressismo.
Em acréscimo, naquele início de milênio — quem sabe, como componente de um milenarismo, da inquietação que acompanha mudanças dos grandes marcos cronológicos — observei não apenas difusão do gnosticismo através de literatura qualificada, porém vulgarização e sensacionalismo. Referências à doutrina em obras de ficção cavaram um abismo com relação a um Herman Hesse ou Jorge Luis Borges. Exemplifiquei sensacionalismo através da edição brasileira de O Evangelho de Judas8, cuja chamada de capa anunciava “O texto perdido que revolucionou a história do cristianismo.” Mas O Evangelho de Judas havia sido comentado por heresiólogos desde o século II d.C., e sua descoberta e publicação apenas corrobora fontes indiretas. A doutrina coincide, em linhas gerais, com aquela exposta em maior detalhe na Pistis Sophia e outros textos conhecidos há séculos: e, como é exposto nos ensaios que acompanham O Evangelho de Judas, não revoluciona o cristianismo por não ser cristã, porém gnóstica. Boa parte do texto é a exposição, por Jesus, da cosmogonia e do mito de origem, ou de uma das cosmogonias e mitos de origem do gnosticismo,9 através de um procedimento típico daqueles tempos, atribuição do relato a uma fonte especialmente autorizada: Jesus Cristo, assim como poderia ter sido Zoroastro, Hermes Trismegisto, Enoch, Set, Esculápio, um dos apóstolos, Maria Madalena etc.
No tocante a essa discussão, devo, inicialmente, reconhecer minhas limitações como historiador das religiões. Concordo com o que afirmou Oswald Spengler em A decadência do Ocidente, em seu típico tom categórico: quem quiser estudar uma religião, deve primeiro conhecer a língua dessa religião. Portanto, para atribuir-me autoridade, teria que saber o dialeto siríaco do copta, além do grego. Escritos (ou “escrituras”10) do gnosticismo foram examinados em boas traduções para o português, inglês e francês. Apoiei-me em uma bibliografia qualificada. Encabeçada — conforme minha preferência — por Hans Jonas11 e Puech, além de Robinson, Bentley Layton12 e outros. Como bibliografia de apoio, histórias de doutrinas religiosas, principalmente de Mircea Eliade e Gershom Scholem, de quem adotei a ideia de misticismo como uma espécie de ligação direta com a esfera transcendental, um “salto sobre o abismo” criado por religiões institucionais. E de quem mais tarde, em outro ensaio13, incorporaria a ideia de um trânsito do misticismo ao antinomismo, aos cultos mais transgressivos: em Scholem, a ousada relação entre a cabala luriânica do século XVI — a meu ver, um gnosticismo judaico — e a rebelião religiosa encabeçada por Sabatai Zvi no século seguinte14.Contribuiu para minha interpretação da religiosidade e desregramento simultâneos em autores beat; especialmente, em Allen Ginsberg.
Reconheci a importância desse crítico literário, estudioso das religiões e em primeira instância polemista que é Harold Bloom, mas com os devidos cuidados (tenho-o por idiossincrático). Transcrevi sua sugestão, ou provocação, de que o estudo de correntes do misticismo como a cabala luriânica e a gnose valentiniana deveriam ter precedência, como paradigma, com relação às teorias propriamente literárias15.
Levei em conta autores de outros campos que trouxeram contribuições ao tema. Susan Sontag, ao falar em “atitude gnóstica” em seu ensaio sobre Antonin Artaud16. E observações de Ginsberg e André Breton sobre gnosticismo. Adicionei uma defesa da diversidade de paradigmas. Recorri bastante ao pensamento e citações de Octavio Paz. Citei narrativas e artigos de Jorge Luis Borges como se fossem um quadro de referência para ilustrar temas gnósticos.
Não obstante o diletantismo como historiador de religiões, tomei posição na discussão das relações entre cristianismo e gnosticismo; Inclusive, através de uma análise formal, um “close reading” de escritos gnósticos mais afins ao cristianismo: trechos de O evangelho segundo Tomé, que Layton relaciona ao texto “Q”, a Quelle, fonte da qual derivariam os evangelhos sinóticos17, e de O evangelho da verdade de Valentino. Confrontei-os com Mateus 18:1 (a parábola das crianças) e Mateus 18:12 (a parábola das ovelhas). Argumentei ser impossível os trechos atribuídos a Tomé e Valentino terem precedência com relação às escrituras cristãs. São reinterpretações por esoteristas, com acréscimos. Não apenas revisões, observei, porém reversões da doutrina cristã, alterando o sentido original.18 Na parábola da ovelha desgarrada, há uma numerologia estranha ao ensinamento evangélico. Afirmar isso equivale a confrontar Bloom, para quem aqueles escritos são uma expressão “mais autêntica” da doutrina cristã19; e Eliade, para quem o esoterismo, a doutrina iniciática e secreta, sempre estaria na origem das religiões.20 O historiador das religiões ainda sustenta a hipótese, a meu ver questionável, de uma formação de Jesus Cristo pelos essênios. Pelo que se sabe daqueles devotos quietistas, adotavam uma postura de isolamento do mundo; já o iniciador do cristianismo me parece, em contraste com outros profetas, canônicos ou não, um narrador realista, tratando do aqui e agora, do que observava a seu redor. Conforme observa David Flusser, a contextualização das narrativas evangélicas, o modo como os acontecimentos são situados em seu tempo e circunstância, são precisos21. Ademais, o uso da parábola leva-me a associá-lo a um incipiente talmudismo; e ao treino da argumentação no âmbito dessa corrente.
* * *
Na qualificação, houve preocupação com reducionismo. Foi-me perguntado, diretamente: “Baudelaire foi gnóstico?”. Disse que não pretendia classificar poetas, e nenhum deles havia participado daquelas antigas comunidades. Meu interesse consistia em mostrar relações. Além disso, atraia-me a diversidade, os inúmeros modos de poetas se relacionarem com doutrinas por sua vez plurais, sincréticas, desafiando critérios de consistência.
Os poetas examinados já haviam sido relacionados ao gnosticismo por outros estudiosos e críticos. Encontramos exemplos no que Jean-Luc Steinmetz observa sobre Gérard de Nerval na edição Pléiade de suas obras completas; ou Roberto Calasso sobre Lautréamont e Mallarmé22, Susan Sontag sobre Artaudetc. Alguns trataram de relacionar-se a si mesmos, como William Blake23, o mais invocado como exemplo de poeta gnóstico, pelo lado da crítica literária ou por aquele dos estudiosos de doutrinas religiosas (como Pagels e Smith); e Fernando Pessoa, que se proclamou “cristão gnóstico” em oposição à igreja católica.
Uma exceção é Hilda Hilst. Salvo engano, quem se antecipou ao qualificá-la como gnóstica fui eu. Na revista semanal Isto É, a propósito de Com os meus olhos de cão e outras novelas, reunião de suas prosas pela Brasiliense, de 1986, enxerguei rebelião religiosa e comentei o dualismo e a visão do mundo regido por um mau demiurgo, um deus abjeto. Retomei, em maior detalhe, em 1990, quando saiu Amavisse, obra de síntese, encontro da dicção lírica e daquela transgressiva, juntando exaltações do amor, elogios da loucura e imprecações contra Deus. Colaborava com o suplemento Ideias do Jornal do Brasil, no qual foi possível publicar um artigo mais extenso24. Ainda retomaria e expandiria, em novos artigos e palestras25. Não sabia, e soube apenas em 2010, através de Gutemberg Medeiros, jornalista que prepara uma biografia de Hilda: quando saiu a resenha na Isto É, mostrou-lhe; após ler, ela comentou: “É. Esse me entendeu”. Quanto ao artigo mais extenso de 1990, externou satisfação por escrito.
Houve ausências importantes em meu elenco de autores gnósticos de William Blake a Hilda Hilst, passando por Novalis, Nerval, Baudelaire, Rimbaud, Mallarmé, Lautréamont, Pessoa, Artaud e outros. Já no prefácio fui reconhecendo isso, especialmente com relação a Walt Withman e William Butler Yeats. Haveria muitos outros. Quanto gnosticismo a observar ainda entre simbolistas-decadentistas...! Swinburne, que débito com relação a esse grande excêntrico literário! Todo decadentista foi um gnóstico mais ou menos declarado, por enxergar-se em um mundo degradado. Mas já admitia isso ao dedicar algumas páginas a J-K. Huysmans, seu Às avessas, o “breviário da decadência” e Là-bas (devem-nos uma edição brasileira dessa obra sobre missas negras que causou tamanho furor entre nossos simbolistas, desde Cruz e Souza). Aqueles tidos como de segunda geração simbolista, ou simbolistas tardios — enormes simbolistas tardios, como Rainer Maria Rilke ou Stefan George, além de Yeats. Isso, para não falar de sombrios expressionistas. Exacerbação da ambição intelectual: uma enciclopédia de poetas gnósticos, ou em um dicionário de gnosticismo e poesia, com as dimensões do Dictionnaire Breton organizado por Henry Béhar26, com mais de mil substanciosas páginas. Sei que encontraria colaboradores.
Dos contemporâneos brasileiros, cheguei a comentar Celso Luís Paulini, um refinado pessimista, ora católico, ora gnóstico, caracterizado como tal por Dora Ferreira da Silva. Mas deixei de incluir bons poetas contemporâneos, além de tudo meus amigos: Rodrigo de Haro, em cuja poesia nada é inocente, nada é desprovido de valor simbólico; Péricles Prade, refinado, exímio em simbologia. E Roberto Piva; isso, apesar de sua epígrafe, citando Alexandrian e perfilando-se como “gnóstico moderno”:
A palavra Gnose é imortal e serve para designar, ainda hoje, uma tentativa de vanguarda. [...] Os gnósticos modernos são também aqueles que procuram os pontos de concordância de todas as religiões, que reivindicam uma moral anticonformista, uma tomada de consciência das instituições do pensamento mágico, enfim, todos os que propõem um método de salvação aos seres que se sentem “estrangeiros” neste mundo.27
Achei que não: solar, vitalista, cultuando paganismos para sexualizar o mundo. Seu maravilhamento constante diante da natureza, traduzido em um ambientalismo enfático, conflitaria com a gnose dualista; inclusive com versões contemporâneas como a de Hoeller28, que exclui expressamente a ecologia do campo da doutrina.
Contudo, poderia ter observado sua amizade com Hilda Hilst a partir da década de 1980 — designou-o como “meu amigo Roberto Piva” em Contos de escárnio, de 1990 onde também elogia os cátaros, gnósticos medievais, como “gente de primeiríssima”. Não estive naqueles encontros na Casa do Sol. Mas sei que pouco tratavam de suas obras, embora se respeitassem literariamente. O principal assunto: Óvnis, discos voadores. Ambos, ufólogos apaixonados. Piva frequentou grupos e chegou a tentar pesquisa de campo. O restante da paraciência, inclusive as gravações de vozes por Hilda, também o encantava. Poderia tê-los aproximado pelo viés do holismo, da ambição pelo conhecimento total: atitude gnóstica, como havia observado não só a propósito da própria Hilda, mas de Novalis e outros integrantes do grupo de Jena, que ambicionaram a síntese de ciência, paraciência, magia e filosofia: o conhecimento total, unificado pela poesia. Conforme Novalis, nos Fragmentos logológicos, “A forma perfeita dos diferentes ramos do conhecimento deve ser poética”29.
Mas, à medida que passa o tempo, evidencia-se como omissão mais clamorosa aquela de Walt Whitman. Pelo abalo que provocou, por constituir-se em marco, um antes e depois na história da literatura; por ter sido leitura decisiva para uma diversidade de autores que inclui García Lorca, Jorge Luis Borges, Fernando Pessoa; por partilhar conhecimento com os transcendentalistas Ralph Waldo Emerson, Henry David Thoreau e Amos Bronson Alcott, que por sua vez recebiam escritos de Blake compilados por Dante Gabriel Rossetti e obras da tradição hermética.
Isso, por um viés que fui corrigindo aos poucos, à medida que empreendia novas leituras e preparava mais alguns ensaios: aquele da identificação do gnosticismo a um dualismo radical. Adotando a distinção de André-Jean Festugière, o estudioso e tradutor do Corpus Hermeticum,30 entre gnose otimista — representada pelo hermetismo de Alexandria, reposto em circulação por Marsilio Ficino, com repercussões tão bem estudadas por Frances A. Yates31 — e gnose pessimista, entendi por gnosticismo ou doutrina gnóstica a gnose pessimista. Aquela cujos mitos constitutivos expressam a crença na criação do mundo pelo mau demiurgo; em uma humanidade condenada a existir sob cosmocratas opressores; um deus verdadeiro ausente ou exilado. E que professa uma reintegração mística radical, o reencontro com a unidade através da negação e abandono do mundo. Contrastaria com a gnose otimista, tal como expressa através do Corpus Hermeticum, cuja tônica dominante é o maravilhamento diante da presença divina no mundo das coisas, na vida terrena.
Admitida essa separação, Whitman seria o típico gnóstico otimista, capaz de ver o universo em cada folha de relva: “Creio que uma folha de relva não é menos que a jornada das estrelas”32. É a experiência da correspondência e harmonia de macrocosmo e microcosmo. Vislumbres dos hermetistas, assim como Jacob Böhme enxergou o universo em um prato de estanho. Emerson, Thoureau e demais transcendentalistas adotaram a crença na alma cósmica; acompanhou-os Whitman, que abriu Folhas de relva deste modo:
Eu celebro a mim mesmo,
E o que eu assumo você vai assumir,
Pois cada átomo que a mim pertence a você.33
E reafirma:
Disse que a alma não é maior que o corpo,
Disse que o corpo não é maior que a alma,
E nada, nem Deus, é maior que nosso verdadeiro eu.
Mas essa distinção entre dois campos, do otimismo e pessimismo gnóstico, não resiste ao exame dos textos legados por gnósticos e por hermetistas. Menos ainda, dos criadores literários que poderiam ser associados ao gnosticismo ou ao hermetismo: o próprio Whitman adotou um tom sombrio ao falar de Boston e da vida nas metrópoles que se formavam em seu país.
Por isso, o conjunto do que estudei revela, antes, profetas, místicos e doutrinadores em um dado período, e escritores em outro, bipolares; capazes de alternar proclamações da harmonia universal e da desgraça do mundo.
Dentre os estudiosos do gnosticismo, isso foi percebido com clareza por Jonas em The Gnostic Religion. Por isso, trata das modalidades de gnosticismo típico, mais ou menos afins ao cristianismo, ao zoroastrismo, a alguma interpretação do platonismo, pesadamente dualistas e pessimistas; e também do hermetismo, de um lado, e do maniqueísmo, de outro.
Os escritos de Nag Hammadi revelam uma diversidade extraordinária. Há evangelhos cristãos pseudo-epigráficos (prefiro esse termo a “apócrifos”, que significa “revelados”), outros da vertente setiana, a meu ver precedentes: gnósticos cristianizantes substituíram o enviado Set por Jesus Cristo (essa interpretação é adotada por Robinson). E mais: uma tradução de Platão, hinos, glossolalias, derivações do zoroastrismo, e essa maravilhosa expressão literária, que já me inspirou alguns artigos, “O Trovão — Intelecto Perfeito”, celebração da unidade e da precedência de um princípio feminino:
Pois eu sou a primeira: e a última
Sou eu a venerada: e a desprezada.
Sou eu a meretriz: e a santa.
Sou eu a esposa: e a virgem.
Sou eu a mãe: e a filha.
Eu sou os membros de minha mãe.
Sou eu a estéril: e a que tem muitos filhos.
Sou eu aquela cujo casamento é magnífico; e a que não se casou.
Sou eu a parteira: e a que não dá à luz; [...]
Sou seu silêncio incompreensível:
E pensamento posterior, cuja memória é tão grande.
Sou eu a voz cujos sons são tão numerosos:
E o discurso cujas imagens são tão numerosas.
Sou eu a fala: de meu próprio nome.34
Vejo diversidade e paradoxo também no Corpus Hermeticum, que segue misteriosíssimo. Seus autores, celebrantes e adeptos são desconhecidos. Chegou a nós como texto, com informações mínimas sobre adeptos e alguma base social. Daí haver sido caracterizado por Yates como “religião sem culto, nem templos, nem liturgia”35. Mas, apesar da distinção categórica por estudiosos como Festugière (que relacionou otimismo e pessimismo a períodos de estabilidade e crise das respectivas sociedades ou nações) e Jean Doresse, permite observar a falta de coerência doutrinária sob a ótica da ortodoxia, das teologias racionalistas. Começa (começa? mas quem o ordenou e editou?) pelo “Poimandres” ou “Pimandro”, texto celebrado como matricial por Fernando Pessoa e tantos outros esoteristas e místicos. Consiste em instruções de um avatar ao discípulo sobre a ascensão, a saída do mundo, abandonando a “matéria irracional” para chegar ao “intelecto”, ou seja, à gnose. Não adota o mito gnóstico da criação: o mundo foi criado por um bom demiurgo, replicando o Timeu de Platão. A terminologia, como observa Layton, é platônica36. Mas não deixa de ser um texto gnóstico, com Hermes desempenhando o papel que, em outros escritos, cabe a Set ou Jesus Cristo.
O texto final do Corpus Hermeticum é o Asclepius: o mais extenso, elaborado, certamente o mais tardio cronologicamente. Pode ter sido revisto e ganho acréscimos, a exemplo do que ocorreu com a Pistis Sophia; daí, talvez, seu caráter paradoxal. Desconfiemos, porém, da atribuição de inconsistências lógicas aos acréscimos e reelaborações. Lembro a boa argumentação de JAA Torrano, em sua tradução da Cosmogonia de Hesíodo37: inconsistências, como as musas engendrarem o mundo e ao mesmo tempo serem filhas de Zeus, não se devem a intromissões editoriais, porém a seus autores desconhecerem ou desconsiderarem a causalidade e o princípio da identidade e não contradição. Parâmetros ou paradigmas do mundo mítico são outros. Evoco a sábia caracterização da gnose por Layton, como “entendimento não discursivo” — desconsiderando, portanto, os princípios da identidade e não contradição. Para os antigos profetas e líderes religiosos, valia a revelação, mais que a reflexão; assim como, para os poetas modernos, dos românticos aos beats, à diferença de parnasianos e formalistas, vale a inspiração, mais que o plano, o argumento. Como declarou Jorge de Lima, outro dos meus grandes ausentes, “Nenhum poeta constrói com planta”.
No Asclepius, o mundo e o homem são maravilhosos, obras de Deus38. Ilustra a caracterização por Yates do “otimista gnóstico”, para quem “a matéria é impregnada do que é divino, a terra é viva, move-se como vida divina, as estrelas são imensos animais vivos, o sol brilha com poder divino e não há parte da natureza que não seja boa, pois tudo pertence a Deus”39
Não se fala, no Asclepius, em demiurgo ou potências opressoras. Há o trecho sobre homens poderem criar deuses40, além do elogio ao sexo como algo divino. Contudo, ao final é declarado que o bem é minoritário; que o Egito será “abandonado pelos deuses” e invadido por estrangeiros. Por isso, será destruído por Deus, para eliminar o mal. Começa, portanto, como exemplo de gnose otimista, para terminar com uma solução à qual nenhum maniqueísta objetaria.
É possível adicionar interpretações a esse paradoxo. Talvez, alguma sociologia. Não se trata apenas de desprezo pela lógica. Estamos em Alexandria: capital cultural, naquele momento, e também a capital da ambivalência. O lugar onde pesquisaram cientistas; onde estudaram e criaram suas obras filósofos que também foram homens santos, ascetas, os Plotino, Valentino, Filon e tantos outros. E também uma sede da licenciosidade, da confusão do sagrado e do profano, cuja vida foi retratada de modo plausível por um Pierre Louÿs em Afrodite, com seu percurso por bordéis e templos, mas sem uma fronteira entre as duas modalidades de comércio sexual, a ritual e a profana; menos ainda, com barreiras de gênero ou idade. Lembro o paralelo com outra capital cultural por Jules Monnerot em La poésie moderne et le sacré: comparou a Alexandria dos gnósticos à Paris dos surrealistas: “Tais épocas vêem nascer da ‘união do ceticismo e da nostalgia’ toda sorte de misticismos”.41
Procede, também, uma sociologia do próprio gnosticismo, observando seu caráter não-institucional. Conforme já observei,42 não houve Igreja gnóstica organizada, a exemplo do catolicismo, a não ser em alguns momentos: como marcionismo nos séculos II e III; como igreja oculta dos valentinianos; e com Bardaisan ou Bardesanes e sua escola do Apóstolo Tomé, por volta de 200 d. C. em Edessa (na atual Síria), no reino de Osrhoëne. Observa Hoeller: “Edessa foi muito provavelmente o primeiro estado cristão e o único estado gnóstico na história”.43 Ramificações do gnosticismo nas quais é possível ver a organização como igrejas viriam a ser o maniqueísmo — especialmente em seu início, de 242 a 273 d.C., quando foi religião oficial iraniana — e o mandeísmo, doutrina arcaica atribuída a João Batista, que subsiste até hoje no Iraque, enfrentando enormes adversidades44.
Daí a impossibilidade de traçar fronteiras precisas entre o que seria gnosticismo e uma quantidade de religiões estranhas que vieram à tona naqueles tempos de crise política e religiosa. Citei, inclusive, os cultos e doutrinas postas em cena por Flaubert, valendo-se de boas fontes, em A Tentação de Santo Antão.45 Desfile de horrores para o protagonista; fascinante material antropológico, sociológico e de história das crenças religiosas, para nós.
Inevitáveis os paralelos entre a diversidade gnóstica e aquela dos poetas que examinei — alguns dos “pós-iluministas”, na terminologia de Bloom. Afirmar que poetas são diferentes uns dos outros é um truísmo — se não o fossem, não apresentariam interesse. Mas, como se sabe, a diferença cresce como valor com o romantismo; com a criação entendida como expressão pessoal, do sujeito ou da subjetividade, em contraste com a “imitatio” clássica. E daí evolui, como bem mostrado por ensaístas do calibre de Edmund Wilson e Roger Shattuck, entre outros, para a identificação do valor, não apenas à expressão individual, mas à divergência da norma. Wilson, ao final de seu importante ensaio, interpretou o “afastamento dos poetas fin de siècle da vida geral de seu tempo” como recusa ou negação: “na sociedade utilitária que fora produzida pela revolução industrial e pela ascensão da classe média, parecia não haver lugar para o poeta”. Na belle époque, período denominado por Shattuck de o “grande banquete”,46 entre 1885 e 1918, o que, em décadas anteriores, foi comportamento de exceção dos Baudelaire e Nerval, passou a caracterizar um ambiente artístico e literário. Obras passaram a interessar, não mais como reprodução de uma norma, mas como desvio das normas, iniciando o primado vanguardista da experimentação. O artista deixou de ser quem eterniza a seu modo o cânone, o ideal estético à maneira do classicismo, ou quem retrata realidades: passou a ser aquele que rompe com esse ideal, afirmando-se como individualidade e diferença. Daí as proclamações identificando o novo ao valor: o “é preciso ser absolutamente moderno” de Rimbaud, e, antes, o final do poema de Baudelaire, “A Viagem”:
Queremos, tanto o cérebro nos arde em fogo,
Ir ao fundo do abismo, Inferno ou Céu, que importa?/
Para encontrar no Ignoto o que ele tem de novo!”47
Tal valorização da diversidade e divergência da norma já pode ser constatada em Novalis; por exemplo neste trecho particularmente visionário dos Fragmentos Logológicos:
A loucura comunal deixa de ser loucura e torna-se mágica. Loucura governada por leis e em plena consciência.
Todas as artes e ciências repousam em harmonias parciais.
Poetas, loucos, santos, profetas.48
É, portanto, quase um corolário dessas mudanças no valor o modo como Jules Monnerot comparou surrealismo e gnosticismo em La poésie moderne et le sacré: “os surrealistas estariam para a literatura ocidental como os gnósticos para a filosofia grega”.49 E refez o paralelo, dizendo que surrealistas estavam para os comunistas assim como os gnósticos para os cristãos, além de contextualizar, comparando a Alexandria dos gnósticos à Paris dos surrealistas.50
A essa mudança no valor e à exacerbação da diversidade, em meus poetas gnósticos e por extensão em boa parte da poesia moderna, corresponde a contradição aparente ou a inconsistência proposital na apresentação de visões de mundo. Blake foi o poeta do mundo regido por um mau demiurgo, Urizen; e da exaltação desse mundo em O casamento do Céu e do Inferno; em suas colossais viagens cósmicas, apresentou catástrofes e reconquistas do paraíso, ascensões e quedas. Nerval foi o autor dos sombrios “Anteros” e “El Desdichado” em As quimeras, porém adiciono-lhe um poema solar como “Versos dourados”. O livro já estava pronto para publicação, na gráfica, quando Nerval resolveu incluir seu correlato de “Correspondências” de Baudelaire. Esse, sem dúvida o que mais cultuou a ambivalência: não só em “Correspondências”, “A bela nau”, “O universo em uma cabeleira”, “Convite à viagem” e tantas outras exaltações da harmonia universal, que contrastaram com o exacerbado dualismo de “A tampa” e “O abismo”, e demais poemas e prosas poéticas em que o mundo é retratado como cenário de horror. Defendeu o direito de contradizer-se em seus escritos íntimos. E mais: criou poemas e prosas poéticas em que o maravilhamento e o horror se encadeiam com naturalidade.
Hilda Hilst foi outra grande cultora de ambivalência: as experiências do sublime em Da morte: Odes mínimas e Júbilo, memória, noviciado da paixão, o mundo mais degradado possível, o “samsara” não só em A obscena Senhora D, mas em Tu não te moves de ti, para mim didática exposição da gnose pessimista, ou em Fluxofloema, entre tantos outros exemplos possíveis.
Nesse meu elenco, vejo como exemplo de gnósticos verdadeiramente negativos a um Lautréamont, pela aliança com o Mal; Antonin Artaud, por seu ímpeto pela destruição do mundo; e, evidentemente, Georges Bataille.
Mas poderia, em contrapartida, ter examinado mais de Breton, como gnóstico solar, da outra ponta do espectro. Abri com suas observações, em “Flagrant délit”, sobre a importância do gnosticismo51; e fechei com a proclamação em favor de um “novo mito” em seus dois derradeiros manifestos. A última frase do último manifesto bretoniano é sobre alcançar a gnose através da intuição poética: “Somente ela nos fornece o fio que nos reconduz ao caminho da Gnose, enquanto conhecimento da realidade suprassensível, ‘invisivelmente visível num eterno mistério’”52. Também caberia tomar surrealismo em sua formação mais ampla, com todos os seus cultores do humor negro; com um pessimista radical como Gherassim Luca; e com o Salvador Dali das especulações sobre o método paranóico-crítico e sua proposta, no baudelairiano “L’âne pourri”, de “sistematizar a confusão e contribuir para o descrédito total do mundo da realidade”.53
E quanto a Piva, também poderia observar, em contrapartida a seu pleroma gnóstico localizado na Ilha Comprida, na Serra da Cantareira ou até mesmo em seu quarto, as representações da metrópole como kenoma, um inferno na Terra, desde Paranóia. Não lhe faltaram nem dualismo, nem ambivalência.
* * *
Tais paralelos, entre antigos rebeldes religiosos e poetas modernos, não revelam apenas sincronias. Penso haver observado relações genéticas, na diacronia; um trânsito ao longo do tempo de uma espécie de rebelião e outra. Outra...? Mas quantos místicos e rebeldes religiosos já não haviam criado poesia de qualidade, que aparece cada vez mais como precursora? À luz da nossa visão, do aparato crítico e capacidade de leitura de que dispomos, não crescem os Lao Tsé, Rumi, São João da Cruz...? Um exemplo, “O trovão — Intelecto perfeito”, do qual citei um trecho — e que se sustenta literariamente ao longo de suas oito páginas (na edição de Layton), não só pela criatividade de suas antinomias, mas por seu caráter precursor, com relação a expressões de místicos, barrocos e modernos.
Evidentemente, afirmar isso não equivale a um julgamento conclusivo sobre o valor literário dos textos deixados por aqueles gnósticos. Neles, encontra-se de tudo. Há glossolalias, fonemas não semantizados que ao mesmo tempo evocam expressões arcaicas, inclusive do xamanismo, e antecipam poetas do século XX. Ao mesmo tempo, há rebaixamentos, sob o ponto de vista literário, de evangelhos cristãos. Textos em tom de prédica, como os de Valentino. Inumeráveis relatos dos mitos gnósticos de origem, fascinantes, porém frequentemente enxundiosos. Suas marcas são, conforme observado, a diversidade e o sincretismo; daí as oscilações ao se projetar nossos parâmetros ou critérios do valor.
Houve prosseguimento do que representaram os gnósticos da Antiguidade tardia em rebeliões religiosas medievais, em um arco que vai dos cátaros aos adeptos do Espírito Livre. Ao contrário daquela visão dos tradicionalistas, da Idade Média como um mundo ordenado, harmônico, fervilharam dissidências. Tratei delas em um ensaio recente sobre a Geração Beat, Os rebeldes: Geração Beat e anarquismo místico54, resultado do meu pós-doutorado. Interessaram-me os paralelos entre o “anarquismo místico”, como o denominou Norman Cohn, dos adeptos do Espírito Livre e os integrantes do movimento beat. Entre outras razões, pelo desapego a bens materiais, que chegou a ser programático; pelo desenfreado pansexualismo de alguns, confundindo-se com religiosidade e misticismo (sob esse aspecto, Allen Ginsberg é típico); pelo compromisso com uma liberdade plena, intransitiva; com resgates do arcaico fundamentando uma modernidade radical, um ímpeto inovador. Entre outros exemplos possíveis, citei este poema de Diane di Prima, de suas Revolutionary Letters:
OLHEM PARA AS ‘HERESIAS’ DA EUROPA POR ANTEPASSADOS
(remanescentes da Europa pré-colonizada e pré-romana)
Insistente e esperançosa ressurgência de communards
amor livre & prazer: ‘em deus todas as coisas são em comum’
secreta celebração de antigas estações festas e luas
Re-escrevam o calendário.55
Insisti em um fundo gnóstico nos beats. Foi declarado por Ginsberg, que associou, a meu ver corretamente, gnosticismo e budismo. Aliás, o poeta de Uivo poderia ter ido mais longe, observando em ambos, gnosticismo e budismo, a pluralidade, a diversidade interna, do rigoroso ascetismo até a licenciosidade. Budismo me parece ser o gnosticismo que deu certo; que não se defrontou com uma ordenação imperial da religião como aquela promovida por Constantino e executada através dos éditos de Teodósio (apesar do banimento por brâmanes — mas tiveram para onde migrar, foram bem recebidos na China, Tibete, Japão e ultimamente em boa parte do restante do mundo).
Diversidade, sincretismo, oscilações, bipolaridade: é o que encontramos neste prismático Jack Kerouac. Sem dúvida um dualista, um pessimista expressando-se alternadamente como católico jansenista (citando Pascal, inclusive) e budista tradicionalista. Exemplo de seus paradoxos: foi capaz de relatar o mesmo retiro em um topo de montanha, o Desolation Peak, como experiência luminosa, de êxtase, no final de Os vagabundos iluminados, e de horror sombrio no início de Anjos da desolação: biograficamente, a versão real é aquela desse segundo livro, extensa justificativa de sua subsequente reclusão.
Ambos, Ginsberg e Kerouac, tiveram acesso a escritos gnósticos durante sua formação, através de professores que foram culturalmente relevantes: Raymond Weaver, que resgatou Moby Dick de Melville, e Alfred Kazin que preparou The Portable Blake.56
Encontrei constantes alusões gnósticas também em William Burroughs, além das citações de Hassam I Sabbah, o “Velho da Montanha”, líder dos “haxixin”, tida como variante gnóstica no campo muçulmano por Serge Hutin e estudada em maior detalhe como tal por Hakim Bey57. Contudo, tomava por metáforas suas reiteradas denúncias de um controle externo do mundo, e a caracterização da linguagem como algo imposto por uma entidade maligna. Vi o leitor de Spengler e adepto do relativismo linguístico. Cheguei a afirmar:
Burroughs exemplifica outra relação com religiões. Seu principal quadro de referências foi o relativismo linguístico: raciocinando como historiador e antropólogo, tendia a examiná-las como objeto de pesquisa. Contribuiu para tal haver sido leitor e estudioso de Oswald Spengler, de quem adotou o relativismo histórico e a consequente ideia do caráter contingente das categorias “do espaço, do tempo, do movimento, do número, da vontade, do matrimônio, da propriedade, da tragédia, da ciência”, posto que: “Para outros homens existem outras verdades. Para o pensador, todas elas são válidas, ou nenhuma”.58
Mas não: aquilo que tomava por metáforas pedia leitura literal. Na recente — e extraordinária — biografia do autor de Almoço nu por Barry Miles, Call me Burroughs — A Life59, logo na abertura é descrito um ritual xamânico para retirar o mau espírito que atormentava Burroughs, com a participação de Ginsberg, do próprio Miles e de amigos. Deve ter sido impressionante. O oficiante utilizou pedras aquecidas no fogo, as enfiou em sua boca e aplicou sobre o corpo dos participantes. Miles comenta:
Ele se sentia possuído, e havia consumido muito de sua vida tentando isolar e exorcizar esse demônio. Perguntado como descreveria sua posição religiosa, Burroughs respondeu: “Um ismaelita e gnóstico, ou um maniqueísta. [...] Os maniqueístas acreditam em uma luta real entre bem e mal, que não é uma luta eterna, pois um ou outro vencerá nesta área particular, mais cedo ou mais tarde.” Através da sua vida, Burroughs sentiu-se empenhado nesta luta contra o Espírito Feio. Desta vez [na cerimônia xamânica] ele estava determinado a vencer.
Esta crença literal não conflita, nem em Burroughs nem em outros autores que foram adeptos e praticantes — um deles, sem dúvida, Roberto Piva — com seu valor como metáforas. Nada obstava crer e ao mesmo tempo ser um estudioso de antropologia, Spengler e Alfred Korzybski, entre outros, além de cientificamente atualizado. Nisso diferindo da fé obtusa, esses campos somavam-se. É o que tenho qualificado como holismo, associado a uma mentalidade gnóstica.
* * *
As relações genéticas a que me refiro vão além de contemporâneos estudarem textos tradicionais; ou de serem influenciados por autores por sua vez em linha com o gnosticismo. Novalis ter sido leitor de Louis-Claude de Saint-Martin, o “filósofo oculto”, ou Nerval adepto dos “eleitos Cohen” de Martinez de Pasqually, isso se sabe.
Há mais, porém. Ao examinar a moldura ou quadro de referências neoplatônico nas insurreições religiosas medievais, Norman Cohn observa que, tomando ensinamentos de Plotino como ponto de partida, o extrapolaram.
Mas o historiador não chega a associá-los ao gnosticismo. E não parece dar-se conta, ao citar Plotino, de que a crítica daquele neoplatônico aos gnósticos era, justamente, pelo relativismo moral e licenciosidade, como expôs nas Eneadas.
Manifestando-se na Europa toda, o Espírito Livre viria, diz Cohn, da Espanha, onde se iniciaria por influência do sufismo; por sua vez, segundo especialistas (Hutin, Jonas, Doresse, entre outros), modalidade do gnosticismo no campo muçulmano. Mas, como hipótese alternativa ou complementar, a origem do Espírito Livre na Península Ibérica pode ser devida ao reaparecimento ou permanência subterrânea do priscilianismo, ramificação do gnosticismo: os adeptos do bispo dissidente Prisciliano, executado no século IV, adotavam a ideia de uma libertação e supressão do pecado após o contato com o Espírito Santo. No belo filme A Via Láctea de Luis Buñuel, de 1969, sobre a peregrinação a Santiago de Compostela, é mostrado um culto oficiado por Prisciliano, que se encerra com uma orgia, uma sessão de sexo coletivo; e, ainda, é declarado que a ossada lá sepultada é do bispo dissidente, e não do apóstolo Tiago. As duas hipóteses — de que o priscilianismo foi um gnosticismo licencioso e de que seu líder foi enterrado em Compostela — são adotadas por um estudioso do assunto, Fernando Sánchez Dragó60, que também acredita em sua permanência subterrânea, como sociedade secreta. Daí o pricilianismo voltar a ser condenado no Concílio de Braga de 567 e no de Toledo, de 683. E mais: “muitos séculos depois, entrando no décimo-sexto, ainda coleavam as doutrinas do herege nada menos que na Alemanha, onde foi preciso chamar um sínodo para condená-las”. É lícito, portanto, conectar priscilianismo e anarquismos místicos medievais; ou, melhor ainda, enxergar uma rede, um sistema de relações entre os retornos, no âmbito do cristianismo, de cultos arcaicos à natureza, orgiásticos; entre outros, aqueles dos celtas e druidas, como também argumenta Dragó.
Qualquer que fosse sua origem, sufita, gnóstica ou ambas, a heresia estendeu-se pela Europa toda, chegando até o norte da Alemanha, Galícia e Morávia. Seus difusores foram peregrinos autoflagelantes e os begardos e beguinas. Cronologicamente, ultrapassou a Idade Média, pois durou dos séculos XIII a XVII, considerando-se (como o faz Cohn) os ranters61 ingleses — uma fração radical dos movimentos que resultaram na destituição e decapitação de Carlos I e na ascensão de Cromwell — como extensão ou ramificação.
Blake tinha pleno conhecimento dos ranters, que se tornaram famosos; e, comprovadamente, de outras expressões e eclosões históricas da religiosidade divergente, heterodoxa e não-institucional, em uma grande síntese de mitologias e doutrinas místicas (uma diversidade de estudos, desde aquele pioneiro de Northrop Frye, passando por Kazin e Van Meurs, não permite dúvidas sobre a amplidão da cultura de Blake).
Pansexualismo combinado a panteísmo: aquilo que se observa no Espírito Livre e outras modalidades religiosas divergentes é o que se reencontra como recomendação em Blake, nos “Provérbios do Inferno” de O Casamento do Céu e do Inferno; especialmente no famoso “O caminho do excesso leva ao palácio da sabedoria” e neste lema: “Porque tudo o que vive é Sagrado.”
De Blake aos transcendentalistas e a Whitman; desse aos beats: temos aqui algo como um correio hermético ao longo de dois milênios, postado pelos gnósticos.
* * *
Vinha, desde ensaios anteriores, inclusive Um obscuro encanto, politizando o tema: tanto os gnósticos da Antiguidade tardia quanto rebeldes medievais, a exemplo dos adeptos do Espírito Livre, foram manifestação de resistência contra dominadores e opressores. Na falta das categorias políticas formuladas a partir dos séculos XVII e XVIII, expressavam-se através de categorias religiosas.
Posso acrescentar algo a essa interpretação. Principalmente, dialetizá-la. Rebeliões religiosas contemporâneas, como aquela representada por autores beats, não anulam as modernas categorias políticas, porém as ampliam. Vários dentre eles foram ou são anarquistas; porém de um anarquismo renovado, procurando somar os debates e a correspondente produção de ideias dos últimos trezentos anos a tudo o que havia sido pensado e praticado antes por rebeldes religiosos; e em seguida por poetas como Blake e os primeiros românticos ingleses e alemães, entre outros.
E ainda tenho uma interpretação final. Oscilar desse modo, alternar cosmovisões, luz e sombra, vida e destruição, é pensamento arcaico. Evoco minha releitura recente de Tristes Trópicos de Claude Lévi-Strauss — a meu ver, uma das grandes obras literárias do século 20, além da contribuição propriamente antropológica. Seus índios Bororo, por exemplo. Chamou-lhe a atenção como seu mundo era impregnado pelo sagrado, povoado por entidades, algumas boas e outras más, algumas alternadamente boas e más. A penetrante capacidade de observação de Lévi-Strauss ganha inumeráveis confirmações. Uma, de especial valor, por consistir em depoimento de um índio, e não mais de seus pesquisadores, o recente A queda do céu — Palavras de um xamã yanomami, de Davi Kopenawa e Bruce Albert, publicado agora, em 201562. Sabiamente, a epígrafe do livro — certamente posta por Bruce Albert, que compilou e organizou os relatos de Kopenawa — é um trecho de Tristes Trópicos.
O mesmo tipo de percepção registrado em incontáveis relatos sobre povos primitivos e sociedades arcaicas. E sobre civilizações complexas: lembro a ambivalência da cosmologia grega; Dionísio, por exemplo, um deus destruidor ou criador; Zeus um tirano ou justiceiro? O mesmo vale para teogonias como aquela da Índia: Kali da fertilidade e da morte.
Há uma modernidade poética, dos românticos aos beats e outros contemporâneos, que é paradoxal. Suas inovações confundem-se com a promoção do retorno do arcaico. A principal sincronia de gnósticos de outrora e poetas de hoje talvez consista nesse duplo movimento, de restauração do recalcado, do que ficou à margem da História, e que poderia contribuir para a transformação do presente.
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WILLER, Gnose, gnosticismo e a poesia moderna.↩
ALEXANDRIAN, História da Filosofia Oculta.↩
SELIGMANN, História da Magia.↩
“O Mago, Metáfora do poeta”; texto antes apresentado ao V Colóquio Internacional Discursos e Práticas Alquímicas (colóquio virtual, on line), portal Triplo V e Instituto São Tomás de Aquino, Lisboa, Portugal, em http://www.triplov.com/coloquio_05/index.html, dia 13 de maio de 2003.↩
Os Evangelhos Gnósticos, e outras obras também de ampla circulação.↩
Autor de En quête de la Gnose, e vários outros títulos.↩
ROBINSON; SMITH, The Nag Hammadi Library in English. Há edição brasileira – mas é um desastre.↩
KASSER; MEYER; WURST, O Evangelho de Judas.↩
Cf. meu Um obscuro encanto, p. 9.↩
Termos como “evangelhos” ou “escrituras” não se aplicam, penso, a essa enorme e tão diversificada quantidade de documentos associados ao gnosticismo. Não se vê uma organização, uma separação do que é ou não canônico, à exceção do que é atribuído a Tomé e Filipe. As características de conjuntos como aquele encontrado em Nag Hammadi são a diversidade e o sincretismo. Em seu conjunto, não constituem uma doutrina estruturada.↩
JONAS, The Gnostic Religion.↩
LAYTON, As Escrituras Gnósticas.↩
Os rebeldes: Geração Beat e anarquismo místico.↩
SCHOLEM, Sabatai Tzvi: o Messias Místico.↩
BLOOM, Poesia e Repressão, p. 25; cf. meu Um obscuro encanto, p. 30.↩
SONTAG, Sob o signo de Saturno.↩
As escrituras gnósticas, p. 445.↩
Cf. Um obscuro encanto, p. 87-90.↩
Jesus e Javé – Os Nomes Divinos, p. 33.↩
História das Crenças e das Idéias Religiosas, obra a meu ver extraordinária; no Tomo II, De Gautama Buda ao Triunfo do Cristianismo, p. 137-139.↩
FLUSSER, Jesus.↩
CALASSO, A Literatura e os Deuses – a meu ver, um ensaio sobremodo recomendável.↩
Conforme anotado por seu interlocutor Crabb Robinson e registrado em KAZIN, The Portable Blake.↩
“Pacto com o Hermético”, no Caderno Idéias do Jornal do Brasil, a 17/02/1990.↩
Um dos mais recentes:
https://www.academia.edu/14384940/Massao_Ohno_Hilda_Hilst_e_a_busca_da_poesia_total↩
BÉHAR, Dictionnaire André Breton.↩
História da Filosofia Oculta, p. 77; PIVA, Um estrangeiro na legião.↩
HOELLER, Gnosticismo: uma nova interpretação da tradição oculta para os tempos modernos.↩
NOVALIS, Philosophical Writings, p. 117.↩
Especialmente em FESTUGIERE, La Révélation d’Hermès Trismégiste.↩
Em Giordano Bruno e a Tradição Hermética.↩
WHITMAN, Folhas de relva, p. 97.↩
Idem, p. 45.↩
LAYTON, As Escrituras Gnósticas, p. 96 e 97.↩
Cf. meu Um obscuro encanto, p. 132.↩
LAYTON, op. cit. p. 535.↩
HESÍODO, Teogonia – a origem dos deuses.↩
HERMÈS TRISMÉGISTE, Corpus Hermeticum. Os trechos comentados a seguir vão da p. 296 a 355.↩
YATES, Giordano Bruno e a Tradição Hermética, p. 34.↩
Corpus Hermeticum, p. 325.↩
MONNEROT, La poésie moderne et le sacré, p. 83.↩
Conforme discuto em detalhe no capítulo 3 de Um obscuro encanto, cf. especialmente a p. 66 e seguintes.↩
HOELLER, op. cit, p. 114; também LAYTON, As Escrituras Gnósticas, p. 430.↩
Informação atualizada em FIORILLO, O deus exilado: breve história de uma heresia.↩
Conforme as notas de M. Guignebert para FLAUBERT, La tentation de Saint Antoine.↩
SHATTUCK, The Banket Years, The Origins of the avant-garde in France; na edição francesa, Les Primitifs de L’Avant-garde.↩
Charles Baudelaire, Poesia e Prosa, organizada por Ivo Barroso, tradução de As Flores do Mal por Ivan Junqueira.↩
NOVALIS, Philosophical Writings, p. 61.↩
À p. 88.↩
MONNEROT, La poésie moderne et le sacré, p. 83.↩
BRETON, La clé des champs.↩
BRETON, Manifestos do Surrealismo, p. 363.↩
DALÍ, “L’Âne pourri”, p. 185.↩
Porto Alegre: L&PM, 2014.↩
DI PRIMA, Revolutionary Letters, p. 76.↩
Mais a respeito em meu Geração Beat.↩
O interesse pelo estranho profeta de Alamut, o “Velho da Montanha”, é recorrente na prolífica produção de Hakim Bey. Por exemplo: http://hermetic.com/bey/secrets-assassins.html↩
Cf. meu Os rebeldes: Geração beat e anarquismo místico, p. 33.↩
Nova York: Twelve / Hachette Book Group, 2014. A citação a seguir, na p. 3.↩
DRAGÓ, Historia mágica del Camino de Santiago, p. 38.↩
A expressão ranters vem do verbo to rant: fazer um discurso sem sentido, delirar, expressar-se através de um palavrório.↩
São Paulo: Companhia das Letras.↩