Priscila Matsunaga
Ciência da Literatura | Universidade Federal do Rio de Janeiro
primatsunaga@gmail.com
Este número da Terceira Margem é dedicado à reflexão sobre teatro e processo social. Reunimos textos que dissertam sobre aspectos diversos dessa relação: o artigo de Roberta Lobo e Anna Esteves, A educação do campo conta Zumbi, discorre sobre a experiência do curso em Licenciatura em educação do campo, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, e promove um debate sobre educação popular e projetos coletivos a partir da releitura de Arena conta Zumbi, peça de Augusto Boal e Gianfrancesco Guarnieri.
Augusto Boal e o Teatro do Oprimido configuram, ainda, a discussão de Sérgio de Carvalho e Julian Boal nos textos Aspectos da dialética no Teatro do Oprimido e Presenças do Teatro de Arena no Teatro do Oprimido, ambos interessados na reflexão sobre as possibilidades e limites do Teatro do Oprimido, quer pela conformação neoliberal, como aborda Julian Boal, ou pela tensa relação em cena de uma abordagem idealista da realidade, como aponta Sérgio de Carvalho. O trabalho de Augusto Boal também é mencionado em Para os que ficam, saber que viver e não morrer fazem dois, texto de minha autoria, que discute a peça Os que ficam da Companhia do Latão e a relação entre Bertolt Brecht, Boal e a próprio grupo de teatro paulista. A crítica teatral também está presente no artigo de Alexandre Flory, Monólogo épico em perspectiva dialética: morro como um país, da Kiwi Companhia de Teatro e aborda aspectos da encenação como também da dramaturgia, recusando a estabilidade da forma teatral.
O interesse na literatura dramática está presente nos artigos de Sara Rojo, Literatura dramática amordaçada no Chile ditatorial, com a apresentação de um conjunto de artistas que abordam a ditadura chilena em obras que tensionam o particular e o geral, o passado e o presente e de Mario Rojas, “The raid”, de John Steinbeck e Los agitadores de Samuel Ravinski: a tradução e recriação de um conto em drama, com a discussão sobre o neoliberalismo econômico atual.
Olivier Neveux contribui com artigo Políticas do teatro pós-dramático: teatro e pós-modernismo, e confronta o pensamento de Fredric Jameson e Hans-Thies Lehmann para pensar o teatro contemporâneo e o teatro político, tema debatido por Rafael Litvin Vilas-Boas em Desafios do teatro político contemporâneo e a relação de coletivos teatrais, movimentos sociais e universidade. O autor tece comentários sobre a construção de uma Rede Internacional Teatro e Sociedade, ideia que surgiu em várias frentes de trabalho, entre elas no I Seminário Internacional Teatro e Sociedade, evento realizado em São Paulo em setembro de 2014, organizado pela Companhia do Latão.
Nesse evento, contamos com a presença do professor Roberto Schwarz em uma conversa sobre a peça A lata de lixo da História: chanchada política. A conversa foi gravada e transcrita para compor o presente dossiê.
A tessitura dos textos é diversa, como o leitor poderá perceber: dois artigos são fruto de intervenções em seminários acadêmicos; há artigos com discussão teórica aprofundada convivendo com relatos de experiências. A diversidade no trato do material que inspirou o Dossiê Dramaturgia, Teatro e Sociedade sugere as possibilidades de abordagem quando trabalhamos a relação teatro e processo social e também expressa um anseio coletivo: que o interesse pela reflexão sobre o fazer teatral reflita, também, o interesse pelas imagens do mundo em construção; que o pensamento seja, também, intervenção.