A tradução e recriação de um conto em drama
Mario Rojas
Professor Emeritus | The Catholic University of America
rojas412@aol.com
Tradução de Ricardo Pinto de Souza
Teoria Literária | Universidade Federal do Rio de Janeiro
ricardopinto@letras.ufrj.br
Por que Rovinski decidiu adaptar o conto “The raid” [O ataque] vinte anos após John Steinbeck tê-lo escrito e por que, tendo terminado o manuscrito de Los agitadores desde 1964 nunca o encenou, e só o publicou em 2013, o ano de sua morte? | Ravinski
Por que Rovinski decidiu adaptar o conto “The raid” [O ataque] vinte anos após John Steinbeck tê-lo escrito e por que, tendo terminado o manuscrito de Los agitadores desde 1964 nunca o encenou, e só o publicou em 2013, o ano de sua morte?
Rovinski escreveu Los agitadores em um momento que ainda não desenvolvera sua poética – que denominaria teatro do imediato – com o qual se propunha uma mirada reflexiva sobre a realidade nacional e latino-americana e a busca de novas formas de escritura dramática, diferentes das tradicionais, tendo como referentes especialmente Erwin Piscator e Bertolt Brecht, que ofereciam recursos dramatúrgicos e cênicos inovadores, convidando o público a descobrir as contradições sociais e a questionar os sistemas sócio-políticos vigentes. Não sabemos se Rovinski, ao publicar Los agitadores em 2013 fez modificações sobre o texto de 1964 para ajustá-lo a seu modo de fazer teatro. Formalmente, diríamos que não, pois se trata de um texto em formato tradicional, com desenvolvimento da ação dramática em atos e cenas. No entanto, apesar disso, seu conteúdo, como em seus dramas posteriores, faz referências pontuais à realidade nacional (suficientes para provocar uma reação negativa dos aludidos), revelando uma consistente preocupação social que atravessa sua escrita desde seus inícios. Perguntamo-nos também por que Rovinski se interessou pelo conto “The raid” e não por outros textos narrativos de Steinbeck que a crítica indicava nesse momento como mais relevantes? Uma análise de “The raid” nos ajudará a responder a essas perguntas e outras, além de a entender melhor essa adaptação de Rovinski.
Rovinski e Steinbeck têm muito em comum, mas também diferenças. Ambos escreveram romances e dramas, mas, assim como o norte-americano se sobressaiu por sua narrativa, o costa-riquenho se destacou por sua escrita dramática. Ambos os autores tiveram uma atitude crítico-reflexiva sobre sua realidade, que em Rovinski pode ser apreciada não só em seu teatro, mas em seus romances, como Ceremonia de casta [Cerimônia de casta, 1976] e Herencia de sombras [Herança de sombras, 1993] em que, a partir de uma perspectiva temporal ampla reconstitui, em uma saga familiar que abarca três gerações, a história socioeconômica de seu país. Como dramaturgo Rovinski adquire notoriedade como obras como Las fisgonas de paso ando [As fofoqueiras de passo lento, 1971], uma comédia de costumes que atingiu um público numeroso e sem precedentes na história do teatro do país e que é com frequência montada por grupos escolares, amadores, profissionais e por grupos de outros países da América Latina. Em Gulliver dormido [Gulliver adormecido, 1985], Rovinski se inspira em Gulliver de Jonathan Swift para criticar figuras representativas de seu país, em especial para pôr em evidência sua falsidade ou a duplicidade do discurso de políticos e intelectuais. Sua montagem foi muito bem recebida pelo público de Costa Rica que conseguia identificar os referidos nessa farsa, mas, por outro lado, foi muito criticada por aqueles contra que suas setas se dirigiam. Outra peça de sucesso, desta vez em nível internacional, foi El martirio del pastor [O martírio do pastor, 1983], apresentado nos palcos de São José da Costa Rica, em Nova York e em Arlington, Virginia. Trata-se de uma obra centrada na vida de Oscar Arnulfo Romero, o carismático arcebispo salvadorenho que, enquanto oficiava uma missa, foi assassinado por militares que apoiavam à ultradireita no governo. Romero foi acusado de sustentar as comunidades eclesiais de base mantidas pela teologia da libertação, que seus oponentes criticavam como tendo orientação marxista. A crítica no fundo era causada por interesses econômicos. Outra obra importante de Rovinski é La víspera del sábado [A véspera de sábado, 1984] em que desenvolve um tema que lhe era mais familiar: os avatares de uma família de migrantes judeus e sua adaptação à cultura e costumes de um país estranho.
Como e quando se produz o primeiro encontro literário de Rovinski e Steinbeck? Em uma entrevista um pouco antes de sua morte, Rovinski dá a resposta:
[Steinbeck] me apresentou as greves e o comportamento dos grevistas dos EUA da década de 1930, e isso me motivou a escrever Los agitadores; para ver o que leva à luta operária e como os fura-greve rompem a irmandade dos grevistas. (Entrevista de Rafael Cuevas Molina com Samuel Rovinski, Suplemento, 75).
Como se conclui dessa citação, a intenção de Rovinski era estudar o comportamento dos trabalhadores em uma greve e os conflitos que se criam dentro e fora de seu círculo. Ainda que aborde o tema de uma perspectiva geral, aplicável a qualquer greve, alude também à situação de seu país e da América Latina que, então, vivia um cenário parecido ao descrito por Steinbeck. Essa referência à realidade foi, provavelmente, o que impediu Rovinski de publicar e montar seu drama.
John Steinbeck nasceu em Salinas, na Califórnia, em 1902, a adquiriu fama internacional em 1962 quando recebeu o prêmio Nobel de literatura. É possível que tenha sido isso que levou Rovinski a ler a obra do norte-americano e se encontrar com “The raid”. Como sabemos, esse prestigioso prêmio é outorgado a escritores que se sobressaem pela excelência literária, assim como pela dimensão humanista e pela projeção social de suas obras. O valor literário de romances como As vinhas da ira ou A leste do Éden (ambos adaptados para o cinema) é inquestionável, como também o foi sua vasta produção literária em que se contam também algumas peças teatrais. Entretanto, sua fama foi mais além do campo literário. Steinbeck chamou a atenção pelo realismo de suas obras na crítica ao capitalismo, cujos efeitos nefastos se viram ampliados durante a crise econômica conhecida como A Grande Depressão, catástrofe que afetou principalmente aos trabalhadores devido à abundância de mão-de-obra e à ausência de empregos. Além disso, o autor norte-americano se destacou por sua participação em alguns movimentos sociais de sua época, em especial na defesa dos direitos dos imigrantes trabalhadores agrícolas que chegavam à Califórnia a partir do México ou de outros lugares dos Estados Unidos. Eles viviam em condições deploráveis, eram mal pagos e reprimidos à força diante de qualquer tentativa de formação de uma associação que os protegesse dos abusos dos patrões. Por essa luta social, Steinbeck e os dirigentes sindicais agrícolas foram chamados de red rats [ratazanas vermelhas], o mesmo que os dirigentes dos trabalhadores na América Latina, acusados de serem títeres do comunismo. Apesar disso, e ainda que Steinbeck admirasse a capacidade organizativa do Partido Comunista, em “I am a revolutionary” [Eu sou um revolucionário], breve ensaio publicado em 1954, deixa claro seu distanciamento desse partido político que, segundo ele, coagia a liberdade do indivíduo: “I believe in and will fight for the right of the individual to function as an individual without the pressure from any direction” (I am a revolutionary”, p.89) [Acredito e lutarei pelo direito do indivíduo funcionar como um indivíduo sem a pressão de direção alguma]. A posição de Steinbeck deve ser entendida à luz do contexto político e social do seu tempo, quando nos EUA o comunismo era visto como inimigo número um. Muitos simpatizantes do comunismo abandonaram sua adesão ao partido para evitar serem perseguidos. Como muitos comunistas, Steinbeck apoiou os opositores da ditadura de Franco na Espanha e participou de várias atividades sindicais e culturais organizadas por aqueles. Formou com os comunistas, em 1938, o Comittee to Aid Agricultural Organization [Comitê de Ajuda à Organização Agrícola], criado para dar apoio financeiro e moral aos trabalhadores agrícolas da Califórnia e para formar um sindicato que lhes permitisse legalmente defender seus direitos. Surgiram muitos opositores à iniciativa, entre eles a poderosa Associated Farms of California [Associação das Fazendas da Califórnia], formada em 1934, tendo por objetivo a defesa de um “americanismo puro”. Para esse grupo de orientação fascista, os dirigentes de trabalhadores eram agitadores estrangeiros, vermelhos que deviam ser combatidos a “pau e bala”. Essa situação é descrita em “The raid”.
Rovinski não participou ativamente de movimentos sociais tal como Steinbeck, mas teve um importante papel nas políticas culturais de seu país. Como homem do teatro lutou para levar essa arte a setores populares além dos espectadores de elite. De 1972 a 1975 foi ministro conselheiro e adido cultural na França sob a presidência de José Figueires Férrer e Daniel Uduber, ambos do Partido de Liberação Nacional. Entre 2003 e 2007 ficou a cargo do Teatro Nacional de Costa Rica, como diretor. Além disso, exerceu a sub-gerência do Sistema Nacional de Rádio e Televisão de Costa Rica e a direção do Instituto Centroamericano de Educación Audivisual (ICEA). Em 1998, por seu trabalho destacado nas letras costa-riquenhas, Rovinski foi eleito membro da Academia Costa-riquenha da Língua, e seu discurso de aceitação foi sobre sua teoria e práxis teatral, sobre seu “teatro do imediato”. Pelo que podemos averiguar, não teve uma filiação política clara, mas, dos cargos de confiança que ocupou, se pode inferir sua simpatia ou, ao menos, sua proximidade, do Partido de Liberação Nacional. Em uma nota a propósito da morte de Rovinski, Ricardo Silva sustenta que, em um momento de sua vida, foi nomeado candidato de um partido político: “uma de suas facetas pouco conhecidas foi uma decisão de incursionar na política nacional como candidato a deputado de um partido encabeçado por Isaac Felipe Azoteifa” (diarioextra.com). Evidentemente se trata de um acontecimento isolado, o qual nos leva a concluir que tanto Rovinski como Steinbeck não militaram ativamente em partido político algum. Ambos foram simpatizantes de uma centro-esquerda. Essa tendência se reflete nos textos sob análise neste artigo.
O conto “The raid” foi publicado em 1934 e logo incorporado na coleção de contos The long valley, de 1938. Tem como protagonistas dois trabalhadores, Dick e Root, um dirigente sindical com experiência e outro um jovem novato nas lutas trabalhistas. O conto está dividido em quatro seções. Na primeira, sob um forte odor de fruta fermentada (possivelmente indício de uma greve em curso, não está claro) e a escuridão da noite, os dois homens se dirigem a um lugar onde se dará uma reunião clandestina. Na segunda parte, os homens chegam a um quarto abandonado e de aspecto lúgubre, e preparam material de doutrinação e ação: cartazes, panfletos e livros. Em uma parede põem um cartaz de cores vermelhas e negras, onde se destaca em primeiro plano um severo rosto rodeado de conhecidos símbolos do partido comunista. O retrato é, sem dúvida, de Karl Marx. Enquanto esperam os convocados, o jovem conta a seu mentor as desavenças com o pai, que o expulsou de casa por se unir, segundo ele, a grupos subversivos. Para o jovem, seu pai como outros trabalhadores aceita a desigualdade social como algo inquestionável e irreversível. Depois de uma longa e nervosa espera, surge um trabalhador apressado para advertir-lhes que foram delatados e devem fugir imediatamente antes de serem atacados por um comando anticomunista. Apesar da advertência, ambos decidem permanecer. O velho porque deve cumprir ordens superiores; já o jovem age por razões além das puramente doutrinárias. Na terceira parte, ambos esperam, nervosos e tensos, o ataque dos “vigilantes”, capangas mandados pela Associated Farms of California. O jovem expressa seu temor de ficar com o rosto deformado, como aconteceu com um correligionário. O velho o tranquiliza e assegura que não os matarão, apenas serão surrados. Mas, também, repete com firmeza que estão ali para cumprir uma ordem peremptória: “We're going to stay, Dick said woodenly, “We got orders to stay. We got to take it” (“The raid”, p.30) [“Nós vamos ficar, disse Dick sem expressão, “Nós temos ordem de ficar. A gente tem de aguentar”] Finalmente, os vigilantes aparecem com paus e cacetes. O jovem, em um eloquente discurso, trata de dissuadi-los: “Comrades… you are just men as we are. We're all brothers … Can't you see? It's all for you. We're doing it for you. All of it. You don't know what you're doing.” (“The raid”, p.304) [“Camaradas … vocês são homens como nós somos. Nós somos todos irmãos… Entendem? É tudo por vocês. Nós estamos fazendo tudo por vocês. Tudo. Vocês não sabem o que estão fazendo.”]. Seu discurso não tem efeito algum sobre os capangas que executa as ordens de quem os comanda: “Kill the red rats” [Matem as ratazanas vermelhas”]. Na última parte do conto, Dick e Root surgem no quarto de um hospital. O jovem está, como temia, com o rosto desfigurado pelos golpes. Apesar disso, diz, com voz quase inaudível, que não está arrependido e que se sente orgulhoso de sua ação: “It didn't hurt, Dick. It was funny. I felt all up … an good.” (“The raid”, p. 305) [“Não machucou, Dick. Foi divertido. Eu me senti forte … e bem.”] Assim o jovem atravessou o umbral de sal iniciação como dirigente e está preparado para as árduas lutas trabalhistas.
“The raid” é um conto com imagens, tanto visuais quanto sonoras, muito sugestivas, que captam uma atmosfera lúgubre envolvente que antecipa um desenlace fatal. O silêncio mágico da noite é rasgado pelo apitar agudo de um trem e pelos latidos lastimados ou furiosos dos cachorros. A sombra das árvores e edifícios enegrecidos pela noite é igualmente ominosa. O espaço interior a que chegam não é menos ameaçador. Em uma janela se vê uma teia de aranha, um ícone metafórico do iniludível aprisionamento e vitimização de que serão objeto só protagonistas. Outro elemento metafórico é o vento, que, antecipando a violência do ataque, irrompe no quarto fazendo voar revistas e panfletos e desprendendo com fúria o cartaz com a imagem de Karl Marx. Muitos desses recursos estilísticos serão incorporados por Rovinski em sua tradução e adaptação do conto de Steinbeck.
Em “Los agitadores”, Rovinski mantém o percurso narrativo do conto de Steinbeck. Faz as mudanças formais necessárias para transformar um texto narrativo em dramático. O gênero narrativo tem, em geral, como estrutura básica a fórmula “alguém conta algo a alguém”. Nele predomina a diegese sobre a mimese, o telling sobre o showing. Os sucessos surgem da palavra e do ponto de vista de um narrador (ou mais de um) que orienta seu leitor implícito. Na transposição a um drama, a narração é substituída por diálogos que se distribuem em atos, cenas ou quadros predispostos de acordo com o desenvolvimento e ritmo da ação dramática. Ao diálogo se agregam notas de montagem em que o dramaturgo que faz a adaptação propõe ideias para sua montagem, que podem ou não ser seguidas por um diretor teatral. Assim, no teatro os acontecimentos nos chegam de mímesis, diretamente, sem um intermediário (o teatro épico é uma exceção). “The raid” facilita sua transposição de uma narração e um texto teatral, porque o diálogo ocupa um importante espaço, algo similar à estrutura de uma obra teatral em que o conflito e a tensão dramática sem mantêm principalmente mediante a interação verbal dos personagens (ou dos atores em sua montagem). Assim, “The raid” reúne todas as condições para se transformar em um bom texto dramático e, acreditamos, assim o entende Rovinski.
O título de um texto pode ser bastante revelador, pode antecipar o conteúdo e/ou sua estrutura formal. Os títulos dos textos de Steinbeck e Rovinski são temáticos e descritivos, nos dão algumas chaves do que se lerá ou se verá representado. Por sua vez, formalmente, antecipam a sintaxe da narrativa: como e para onde se organizarão os acontecimentos. O conto de Steinbeck e o drama de Rovinski têm um nome genérico que nos refere a um protótipo de agente social facilmente identificado pelo leitor, associado não só a greves, como também com qualquer protesto público em que os atores sociais sofrem ataques de seus opositores, seja por interesses econômicos ou políticos ou pela polícia que executa suas ordens. Assim, ambos títulos criam no leitor a expectativa de que a história girará em torno de um conflito social e político.
Em seu título Rovinski acentua o protagonismo dos trabalhadores, mas ironicamente apresenta-os como agentes negativos, ou seja, como eram percebidos por quem se opunha a eles: como agitadores da ordem social. Sem o conto de Steinbeck a ênfase está no processo que leva a um fim, Rovinski se concentra mais no desenvolvimento sociológico, ético e moral do jovem dirigente, surgido de sua relação conflitiva com seu mentor sindical e com seu pai. A cena final do último ato da peça de Rovinski, distinto do conto de Steinbeck, termina com o ato que os capangas do Movimento Pátria Livre, de orientação ideológica muito parecida à da Associated Farms of California. Como se sabe, na América Latina abundaram grupos de ultradireita com nomes similares que, com a cumplicidade de seus governos, atacavam aos trabalhadores cada vez que se manifestavam publicamente para melhorar sua condição de assalariados.
Rovinski pôde sem problemas converter as seções do conto de Steinbeck em cenas, o que funcionara bem para o desenvolvimento e ritmo da ação dramática. No entanto, como o interesse do dramaturgo está mais no comportamento dos trabalhadores em greve mais do que no andar dos acontecimentos, se aprofunda nos conflitos interiores dos protagonistas e no modo como os trabalhadores reagem a pressões internas e externas. Steinbeck e Rovinski focam especialmente no jovem dirigente que é o único personagem dinâmico, que se transforma no decorrer da história. Após uma dura etapa de iniciação, como a do herói mítico ou a do Bildungsroman, o jovem está pronto para as desafiadoras tarefas sindicais. Na busca de uma identidade própria, Roberto se rebela contra seu mentor sindical e contra seu pai. Se, no conto de Steinbeck, os conflitos do jovem Root com seu progenitor são apresentados diegeticamente e de forma breve, Rovinski, diversamente, lhes dá espaço e desenvolvimento maior em cenas paralelas ao conflito principal. Nos textos de Steinbeck e de Rovinski, tanto o velho dirigente como o pai do protagonista são personagens estáticos e invariáveis, sempre presos por normas e códigos institucionais, sociais ou religiosos, que Root, no conto de Steinbeck, e Roberto, no drama de Rovinski, rechaçam energicamente.
O nome do protagonista de Steinbeck tem uma clara conotação simbólica. Root, em inglês, significa “raiz”, o que dá ao jovem uma dimensão conotativa especial, como alguém que reúne todas as qualidades de um dirigente ideal, para ser seguido como a um paradigma fundador. É honesto, reflexivo, solidário, qualidades que se podem esperar no drama pelas palavras do próprio protagonista desde o início. “[Roberto] quero provar que só o que me interessa é lutar pelo bem da justiça social, é pôr todos os meus esforços para que desapareçam os que exploram nossos irmãos...” (Los agitadores, 13)
Em Rovinski a conotação simbólica do nome do jovem, apesar disso, é menos evidente. Segundo sua etimologia, Roberto vem de “Hroberth”, composto por “Hrod”, glória, e “~berth”, que significa “brilhante”. Há alguns que relacionam o nome Roberto com um pensador original. Por muito arbitrária que resulte essa relação entre o personagem e seu nome, os atributos indicados coincidem com as qualidades que Rovinski atribui a Roberto. Quanto ao nome Pedro, originalmente vem do aramaico Kêfa, Cefas, que significa pedra. Foi o nome que Jesus deu ao apóstolo Pedro, simbolicamente o cimento sobre o qual se funda a igreja como uma entidade sólida e indestrutível. Tanto Pedro em Los agitadores quanto Dick em “The raid” formam parte de um sistema ao qual se submetem sem condições, de um modo similar aos que os católicos mantêm com o Vaticano. Dick e Pedro mostram sua adesão férrea ao comunismo, precisamente a fidelidade que fez que esse partido tenha se mantido. O pai de Root/Roberto tem outro tipo de convicção, crê em uma ordem divina que vá mais além da vontade do homem. A religião é o que lhe dá sentido à vida. Quanto ao nome genérico “dedos”, que dá ao trabalhador que acode em avisar do ataque, o interpretamos como uma sinédoque que se refere ao trabalhador anônimo, apagado pela história, que vale apenas por sua função e rendimento pelo trabalho manual que realiza. Rovinski, prolixo no uso das palavras, possivelmente descobriu e ponderou essas construções simbólicas para nomear e definir a seus personagens e para manter em sua tradução e adaptação teatral as características essenciais dos personagens de Steinbeck.
Los agitadores é composta por três atos, com três cenas no primeiro, seis no segundo e quatro no terceiro, estrutura que marca as etapas do desenvolvimento dos três conflitos inter-relacionados, um social, outro familiar e um terceiro de tipo geracional. Como dizíamos antes, ao nomearem seus textos o norte-americano e o costa-riquenho nos sugerem dois sistemas actanciais, com diferentes sujeitos da ação: os atacantes em Steinbeck e os dirigentes sindicais em Rovinski. Ainda assim notamos que ambos autores, no decorrer das situações dramáticas, põem o acento no protagonismo dos trabalhadores. O objetivo é a formação sindical e ser capaz de enfrentar poderosos oponentes, formados por patrões e seus capangas, a quem logo se agregam os seus próprios companheiros de trabalho que temem represálias, a perda de seus empregos e a consequente instabilidade familiar. Ainda que os dois textos dos trabalhadores não logrem seu objetivo imediato – a realização de uma reunião clandestina de doutrinamento e ação – fica latente a esperança de que seus esforços não sejam em vão com o advento de novos dirigentes como Root/ Roberto. Esta visão otimista de longo prazo vê-se de forma mais clara no conto de Steinbeck, quando Root, ao final do conto, depois de uma surra feroz, está decidido a continuar sua luta operária. No drama de Rovinski, a última parte do conto de Steinbeck é suprimida, acabando com um relato menos esperançoso, como a surra dos capangas do Movimento Pátria Livre, um grupo tanto ou mais poderoso que a Associated Farmers of California. De um ponto de vista estrutural, pensamos que Rovinski omitiu essa parte tendo em mente o progresso e a tensão da ação dramática, que, em “Los agitadores”, tem um final avassalador, que impacta ao espectador, criando nele empatia e identificação com os agitadores. Se Rovinski tivesse terminado com a cena do hospital como ocorre no conto de Steinbeck, teria enfraquecido a tensão climática e o efeito estremecedor do desenlace. Quanto ao conflito familiar, a relação entre pai e filho, Rovinski lhe dá uma maior importância que a que tem no conto do norte-americano. De ambos conflitos surge um terceiro, que se refere às distintas visões de mundo que separam a velhos e jovens. Vejamos em detalhe o esboço e o desenvolvimento dos três conflitos.
Pedro e Roberto desejam realizar uma reunião clandestina do Partido Comunista. Pedro tem a ordem de levar a cabo essa delicada missão, e, como membro obediente do partido, se compromete a cumpri-la mesmo contra o perigo que implica. “Eles me deram uma missão que termina às nove e meia e a cumprirei ao pé da letra, mesmo que acabe o mundo ou que me matem durante seu cumprimento. ” (Los agitadores, p. 72) Fá-lo não apenas por sua obrigação como membro do partido, senão como uma expressão de agradecimento, porque foi o partido que permitiu crescer como ser humano e como dirigente e a conseguir um trabalho estável. “Não só me deram de comer, mas me trataram como um igual. Eles me ensinaram tudo que eu sei hoje. Graças a eles tenho esse emprego, graças a eles tenho nome. Se mandam, obedeço porque sei que lhes devo muito mais do que posso pagar.” (Los agitadores, p. 79) Essa filiação política de Pedro é precisamente o principal obstáculo que deve enfrentar no cumprimento de seu objetivo, devido à impressão negativa e ao desprestígio criado contra o Partido Comunista em nível nacional e internacional, situação que serve de desculpa para ser objeto do ataque do Movimento Pátria Livre. Devido à insegurança que uma greve cria entre os trabalhadores, surgem detratores no interior de suas associações, tal como pressentia Roberto no começo do drama. “Tenho medo de que alguém nos tenha entregado… Se algum infeliz falar com eles, eles vêm bater na gente”. (Loa agitadores, p. 12) O temor de Roberto é confirmado quando Dedos os informa que os trabalhadores, convencidos por um delegado (suponhamos que ligado ao Pátria Livre ou ao governo), não irão à reunião. Dedos tenta convencer Pedro e Roberto a abandonarem o lugar. “Não virão. Prometeram ao delegado não assistir à reunião. E não é tudo. Sei de boa fonte que um deles foi denunciar vocês. Os da Pátria Livre sabem onde estão vocês”. (Los agitadores, p. 59) Frente a isso, Roberto, diferente de Root no conto de Steinbeck, decide se retirar com Dedos. “Para que ficar? Dedos tem razão, já não tem sentido ficar. A importância da missão era convencer a eles que deviam lutar por uma vida melhor...” (Los agitadores, p. 63) Pedro, no entanto, se nega e ameaça Roberto de que, se for embora, vai delatá-lo a seus superiores. “Os chefes vão saber disso. Vou te denunciar e vai ficar muito feio, garoto, eu garanto”. (Los agitadores, p. 68) Não obstante, Roberto retorna logo, não pelas ameaças de Pedro, senão porque “vi em Dedos a minha sombra, me vi tentando escapar (…) Agora vejo claro. Tem um dever a ser cumprido, um dever sagrado”. (Los agitadores, p.75) Apesar de estar consciente do que os espera, o jovem e o velho decidem encarar os atacantes. Roberto tenta, como Dick no conto de Steinbeck, dissuadi-los de sua ação, que sua luta também é por eles, mas sua tentativa é vã: “Trazemos a verdade para todos, somos os portadores do amor à justiça… (o capanga II desfere um golpe em sua cara. Roberto cambaleia)” (Los agitadores, p.98) O grupo de atacantes suspende a surra quando se ouve a sirene da polícia, que leva embora as provas de sua ação porque “o Movimento vai pagar bem por isso” (Los agitadores, p. 100) A peça termina com a polícia chegando ao lugar. A reunião clandestina é desbaratada e os “agitadores” castigados. A mensagem dos oponentes é clara, uma lição para quem se atreva a imitá-los, mas, por outro lado, inflama aos que compartilham dos ideais dos agitadores. A luta trabalhista será continuada por Roberto, mas não nos mesmos termos que conduziram a esse fracasso, o que está implicado no que o jovem diz a Pedro antes do ataque: “Não tenho recheio de mártir. A gente deve se defender com armas. Por que ser sempre a vítima?” (Los agitadores, p. 91)
Rovinski desenvolve o conflito familiar através de quatro cenas independentes, distribuídas como segue: cena II do primeiro ato, II e IV do segundo e cena II do terceiro. Nela se aprofunda o paulatino deteriorar-se da relação entre pai e filho. Roberto, como ocorre a muitos jovens das lutas trabalhistas de alto risco, devem enfrentar a oposição de seus familiares que tentam dissuadi-los de seus propósitos para afastá-los do perigo a que se expõem ou, simplesmente, porque não estão de acordo com suas intenções. Roberto deve lidar com seu pai, um velho trabalhador que, apesar de sua pobreza, aceita as coisas como são, porque foi assim que Deus as dispôs: “Somos pobres como Cristo. Nossa pobreza não é vergonha. Não deveria falar assim. Deus assim dispôs, filho meu, e o homem não poderá mudar.” (Los agitadores, p. 18) Como trabalhador, Roberto deve comportar-se como ele próprio não o fez: “É seu trabalho e tem obrigações, e você deve acatar as ordens dos seus superiores”. (Los agitadores, p. 41) O velho demonstra uma antipatia clara em relação ao Partido Comunista que, segundo ele, manipula e trata de inculcar falsos ideais nos jovens: “Você está falando de convicções e eu te digo que que não são outra coisa que lições decoradas, venenos que soltam na sua cabeça e seu coração para que você odeie gente decente. Você não escolhe o caminho: eles se encarregam de escolher”. (Los agitadores, p. 84) O conflito familiar se resolve, como o social, de maneira negativa. O velho expulsa ao jovem de casa, que busca refúgio e sustento no Partido, como Pedro. “Ele me expulsou a patadas da casa quando soube que andava metido com vocês… (amargurado) “Criar corvos, sim senhor, foi o que fiz. Corvos agitadores que sujam a gente decente. Foi isso que me disse o velho...” (Los agitadores, p. 16) Apesar do afeto que sente por seu pai, Roberto considera sua saída como uma forma de liberação. “Fica com tuas sombras, tuas pobres paredes! Eu serei livre. Você viverá acorrentado, como sempre esteve”. (Los agitadores, p. 87)
Em uma de suas discussões com Pedro, Roberto o compara a seu pai: “Agora você fala como o velho (…) Não tinha percebido. Pedro, mas você se parece muito com ele. Os dois têm muito em comum. Os dois me consideram o ingrato que não sabe apreciar os sacrifícios que fizeram por mim” (Los agitadores, p. 79) Este é um diálogo comum nas altercações entre membros de gerações distintas. Para os jovens, seus pais atuam como se o tempo parasse e as coisas permanecessem imóveis. Para Roberto, ambos, Pedro e seu pai, seguem atados a imposições que os coíbem e impedem de atuar livremente: “A dignidade do Princípio!… Em momentos difíceis você se sentirá forte se pensa que defende o Princípio” (Los agitadores, p.13) Mais adiante na discussão que mantém com Dedos (um trabalhador jovem também), ao acusado de teimoso e de que o que faz é uma tolice, lhe responde: “O Princípio é sagrado e merece todo sacrifício. Nada nele pode ser considerado uma tolice.” (Los agitadores, p.64) Em um diálogo posterior deixa clara sua diferença em relação a Pedro, que se deixa levar por sentimentos e não pela razão:
Pedro: Você é um desses que não aceita a autoridade de ninguém.
Roberto: Só aceito a autoridade dos argumentos que convencem. Creio que só assim se pode ser livre. Uma pessoa se sente satisfeita quando atua convencida de que as ordens recebidas são boas.
(Los agitadores, p.78)
Nas notas cênicas, tendo em mente uma cenografia em espaço teatral fixo, Rovinski segue muito proximamente a linguagem conotativa, metafórica e simbólica de Steinbeck para criar o ambiente onde sucedem as ações, que, mais que indicações cênicas, se parecem às de um narrador. “É noite e a luz que expele a lâmpada de mercúrio do único poste dá um tom sepulcral às transbordantes latas de lixo”. (Los agitadores, p.5) O vento, o uivo e o latido dos cães, como no conto de Steinbeck, se repetem como leitmotivs, que ajudam a criar a tensão dramática, são signos teatrais do perigo a que expõem Pedro e Roberto: “Escassos ruídos de uma cidade adormecida e um ou outro latido de cachorro se deixa escutar desde fora. O vento açoita de vez em quando a janela” (Los agitadores, p.2) “O ruído do vento, que golpeia a janela e o uivo de um cachorro perdido na noite pesam fatigosamente sobre seu ânimo”. (Los agitadores, p.69) “Um golpe de vento fecha a porta com violência. Os dois homens se olham assustados”. (Los agitadores, p.88) Como se pode ver, nos recursos ou signos cênicos que imagina para sua obra, Rovinski segue de perto a ambientação do conto de Steinbeck.
Quando um texto é publicado no formato de livro, se somam a ele uma série de textos adicionais provenientes de outras fontes que não o autor, como é o caso do visual da capa, decidido pelos editores do livro, geralmente sem a intervenção do autor. Esse tipo de texto paratextual faz parte do que Gérard Genette chama de peritexto editorial, com o qual se pode somar ou dar um novo valor semântico ao texto que acompanham. Assim, na foto de capa de Los agitadores, se vê uma estação de trens em estado de abandono, como era o lugar da reunião de Pedro e Roberto. Os lugares abandonados são favoritos dos grafiteiros, que usam uma forma de arte popular para expressar seu protesto contra políticas econômicas que, para eles, vão de encontro ao bem-estar do país. Em uma das paredes laterais da estação na capa lê-se: “A luta é nas ruas. Não ao TLC [Tratado de Livre Comércio]”. Com esse grafite os editores relacionam um feito histórico recente que levou a muitos costa-riquenhos, especialmente jovens, a expressar publicamente sua discordância em relação a um tratado comercial com os Estados Unidos. Com o fim da União Soviética e a queda do icônico Muro de Berlim, o comunismo deixa de ser uma desculpa para regimes totalitários. Nos tempos atuais os agentes sociais receberam outro título. Já não são chamados de comunistas, mas de terroristas. Ainda que a luta contra o terrorismo tenha uma razão de ser, é usada como desculpa para reprimir às mobilizações sociais. Aplica-se indiscriminadamente a protestos públicos que podem chegar a ser violentos, seja pela dinâmica criada por circunstâncias como a participação de agentes externos anarquistas ou por paus-mandados, ou pela imperfeição e ambiguidade das leis.
Tanto Steinbeck como Rovinski pareceram convidar os jovens a não se submeter a nenhum tipo de discurso diretivo que coíba sua liberdade de ação em sua luta por um ideal. Nesse sentido, seus textos são muito contemporâneos. O neoliberalismo econômico, que em muitas partes do mundo não permite as listas trabalhistas e o direito à greve, faz com que os trabalhadores enfrentem uma situação igual ou pior que em tempos da grande recessão econômica que afetou não só aos estados unidos, mas também à América Latina. Hoje os jovens seguem cada vez menos discursos administradores de conduta, optando por filiações mais à fim de suas visões de mundo particulares, a novas formas de identidade com as quais se sentem protagonistas, proativos e não meros pacientes de ordens que emanam de autoridades que perderam para eles toda forma de legitimidade. Desta perspectiva, Steinbeck e Rovinski são muito contemporâneas e estão dialogando com o mundo de hoje. E é esta, acreditamos, a razão pela qual o dramaturgo costa-riquenho, depois de tantos anos, decidiu publicar seu drama. E também a razão de por que atualmente a obra de Steinbeck está sendo revisitada.
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