A EDUCAÇÃO DO CAMPO CONTA ZUMBI

Anna Esteves1

UNIRIO

annaesteves_@hotmail.com

Roberta Lobo2

UFRRJ

roberta.lobo@gmail.com

Resumo: O presente ensaio aborda a experiência inacabada de uma releitura contemporânea de Arena conta Zumbi, de Augusto Boal, Gianfrancesco Guarnieri e Edu Lobo, encenada pelo Teatro de Arena em 1965. Experimento realizado pelos sujeitos da Licenciatura em Educação do Campo da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. A educação do campo como herdeira da educação popular carrega desafios de inventar diante da crise civilizatória em que vivemos o fio da meada perdido entre teorização da vida social, experiência de autoformação estética e prática comunitária.

Palavras-chave: Educação Popular; Educação do Campo; Arena Conta Zumbi.

Abstract: This essay discusses the unfinished experience of a contemporary rereading of "Arena conta Zumbi", by Augusto Boal, Gianfrancesco Guarnieri and Edu Lobo, staged by the Teatro de Arena in 1965. The rereading was undertaken by Rural Education ("Educação do Campo") students at the Rural Federal University of Rio de Janeiro. Rural education, drawing from the Popular Education heritage, faces the challenge of seeking the lost connection between the theorization of social life, auto-transformation and community praxis amid the current civilizational crisis.

Keywords: Popular education; Rural education; Arena Conta Zumbi

A atual crise do capital4 provoca uma desestruturação na dinâmica da sociedade, atravessando os processos de integração/desintegração nas esferas do trabalho, da educação, da cultura e dos movimentos sociais. A aparente ausência de meios para o enfrentamento objetivo e subjetivo frente à crise da civilização burguesa nos arrasta violentamente para o fatalismo, onde a adesão subjetiva5 ao nada mais pode ser feito nos retira não apenas da ação direta e coletiva, mas do compromisso de buscar compreensões mais autênticas e dialéticas do real, há tempos em ruínas como nos alertara Walter Benjamin nas suas Teses sobre a História (1994).

Para quais espaços sociais se dirigiu a beleza dos projetos coletivos? Nossa atenção centra-se na dimensão estética e política da filosofia da educação popular. Se a contemporaneidade apresenta a deformação das classes populares através de uma intensa precarização da vida humana, da massificação de uma subjetividade plasmada pela lógica de reprodução do capital, uma imaginação rarefeita, sem o vigor dos afetos e da cognição da sensibilidade, do esgarçamento dos laços sociais, desgarradas de um projeto político que permita percepções de um outro coletivo que lhe toca enquanto materialidade concreta, como alavancar movimentos de cultura e educação popular que interfiram diretamente na ação política das classes populares pautada por uma autonomia frente ao mercado, Estado e organizações políticas presas a velhas formas?

Diante deste real, a Educação Popular que nos interessa se apresenta como uma construção teórico-prática das classes populares nos processos de luta social, que reflete sobre as batalhas históricas travadas e suas derrotas, incorporando nas suas atividades políticas um material explosivo necessário às lutas do presente e do futuro. Sendo assim, ao nos lançarmos sobre o passado o tornamos tão atual quanto o presente, ao mesmo tempo o presente deixa de ser só o contemporâneo e passa a ser visto como um processo que acumula um histórico de lutas, resistências, derrotas, ou seja, experiências de todo tipo que estão ocultas na história oficial (LOWY, 2005).

As Licenciaturas em Educação do Campo são o resultado do processo histórico de luta dos movimentos sociais para o reconhecimento das experiências pedagógicas dos sujeitos do campo e a inclusão destas nas políticas públicas6. O reconhecimento da Pedagogia da Alternância como metodologia e sistema educativo7 nos permitiu a condição de sermos herdeiros da educação popular, atualizando fundamentalmente as experiências das décadas de 1950 e 1960, ou seja, as experiências de um país curiosamente inteligente e criativo8, bem como as experiências que vieram no rastro da redemocratização do país, em especial as primeiras administrações do PT nos anos de 1990 e as experiências de formação política e de educação do MST até a inauguração da Escola Nacional Florestan Fernandes, em 2005. Estas são experiências-fontes do processo de estruturação e realização do curso de Licenciatura em Educação do Campo/LEC da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro/UFRRJ. Cumpre acrescentar que mesmo sendo negligenciadas pela esquerda brasileira, as experiências anarquistas de educação assumem um papel importante na construção do PPP da LEC/UFRRJ, em especial no que diz respeito às experiências de autoformação estética e as atividades do Laboratório de Arte, Mídia e Linguagens.

O desafio de realizar a Educação Popular por dentro da Universidade Pública é grande. Nossa transição democrática trouxe no pacote a diluição da disputa de projetos políticos no interior da Universidade. A primeira década do século XXI demarcou a hegemonia do projeto político onde a produção do conhecimento não problematiza e tensiona a forma mercadoria e sua lógica de organização social. Apesar da reestruturação do ensino superior implementada a partir de 2006, tendo como evidência a curto prazo a expansão das universidades públicas brasileiras, o projeto político da Licenciatura em Educação do Campo, que vincula a produção do conhecimento às práticas comunitárias, é visto com muita estranheza por nossos pares acadêmicos. E como tudo que é estranho e diferente nesta sociedade do quantitativamente igual deve ser eliminado9.

Outra grande dificuldade é o salto do tigre sobre as teorias marxistas coisificadas que não respondem às exigências do período histórico em que vivemos. Há no conjunto dos movimentos sociais de esquerda, bem como na esquerda institucional, uma resistência em fazer autocríticas, colocando sob questionamento formas de compreensão e ação que não dão mais conta de apreender os fenômenos contemporâneos do capitalismo, com o propósito da transformação radical. As crenças no desenvolvimento da nação, ainda que no auge e declínio do capitalismo tardio, acarretam na prática alianças políticas que reforçam a domesticação da luta de classes, fenômeno apontado por Marcuse já na década de 1970 (MARCUSE, 1981). O resultado destas escolhas de horizonte teórico-político é o mesmo de sempre: o imperativo da política institucionalizada e burocratizada sobre a produção do conhecimento, um rebaixamento da teorização da experiência social ao pragmatismo nosso de cada dia10.

Nenhuma experiência isolada avança na alteração qualitativa dos processos de formação humana. Nosso esforço é pensar a totalidade social que são processos contraditórios de formação nos movimentos sociais, nas universidades e na realidade concreta de cada território dos sujeitos da educação do campo. Territórios estes marcados pela dinâmica da desterritorialização imposta pelo capital e seus processos de luta que se materializam em diversas formas sociais como os assentamentos da reforma agrária, as comunidades quilombolas, as comunidades caiçaras, as comunidades ribeirinhas e as aldeias indígenas.

O que vamos registrar aqui é uma experiência particular, inacabada que se insere no conjunto de outras atividades também experimentais que antecederam a releitura do Arena Conta Zumbi pelos sujeitos da Licenciatura em Educação do Campo da UFRRJ.

Na LEC/UFRRJ foram muitas as portas e janelas abertas pelo Laboratório de Artes, Mídias e Linguagens. Na primeira etapa (setembro a novembro de 2010) foi organizada uma pequena mostra com o tema da cultura popular. Os educandos além de assistirem e debaterem os documentários elaboravam uma pequena síntese do que sentiram sobre os mesmos. Foram vistos três documentários entre os dois meses da etapa: Ave Poesia, sobre o poeta Patativa do Assaré, Capoeira Iluminada, sobre o Mestre Bimba e João do Vale, Muita Gente Desconhece, sobre o poeta maranhense João do Vale. Esta atividade foi coordenada pela aluna de pós-graduação Monique Lima.

Outra porta que se manteve aberta nestes três anos foi o viver o teatro como ato que nos constitui. O aprendizado com o teatro na LEC/UFRRJ se coloca de forma intuitiva, como necessidade dos próprios educandos e atividades do Laboratório de Artes, Mídias e Linguagens, acumulando vivências com o Théâtre du Soleil, os diálogos com a Cia do Latão/SP e a Cia Ícaros do Vale/MG e as experimentações teatrais próprias, encenações sobre o preconceito em três distintas estéticas teatrais e, por fim, a interpretação da LEC Conta Zumbi, uma releitura inconclusa do texto de Augusto Boal, Gianfrancesco Guarnieri e Edu Lobo de 1965.

Na segunda etapa (março a maio de 2011), recebemos para uma apresentação única a Companhia do Latão11 com o espetáculo Ópera dos Vivos12. No Auditório Gustavo Dutra, o Gustavão da UFRRJ, foi apresentado o ATO I, justamente o ato que trata das Ligas Camponesas e do dilema da professora que alfabetiza trabalhadores de uma comunidade rural. Antes da apresentação da Cia do Latão, iniciamos a etapa com Cabra Marcado para Morrer (1981) de Eduardo Coutinho e a leitura do Fio da Meada (1987) de Roberto Schwarz. Deste modo intencionamos combinar diversas fontes para a compreensão desta difícil e complexa derrota da esquerda brasileira.

Ao longo desta segunda etapa foi trabalhado com os educandos a possibilidade deles construírem três esquetes teatrais, tendo como referências a forma épica, a forma aristotélica e a forma do teatro do oprimido. O tema escolhido pelos educandos foi o preconceito e o exercício era mostrar como o preconceito impactava na vida dos militantes sociais e no universo cotidiano de suas famílias, no ambiente de trabalho, na universidade. Assim, o preconceito foi representado em três esquetes diferentes. O primeiro esquete tratava do preconceito sobre a mulher e a violência que sofria no ambiente doméstico. O segundo esquete tratava do preconceito em pequenas situações diárias, sendo a pergunta norteadora Qual o preconceito que existe dentro de você?. Foi apresentado o preconceito contra o gay, a feia, o gordo, o negro, a velha e o assalariado. E por fim, o último esquete tratou do preconceito que a turma sofreu na homenagem dos 100 anos da UFRRJ. Os esquetes foram dirigidos por Monique Lima, Carol Piltzer e Angela d' Moraes Santana (educanda da LEC).

Na terceira etapa (agosto a setembro de 2011), houve a intervenção política-poética do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto do Rio de Janeiro chamando a atenção para o fato de que os sem-teto querem não apenas moradia, mas a vida e não a morte. Foi apresentada uma performace teatral com base nas poesias de Carlos Drummond de Andrade e nas músicas de Cartola e Adoniran Barbosa. Outra atividade foi a apresentação da banda Corisco, banda anarquista da ocupação Quilombo das Querreiras/Centro da Cidade do Rio de Janeiro na festa de confraternização da LEC.

Na quinta etapa (outubro a dezembro de 2012), tivemos a apresentação do espetáculo Terra- A História de João Boa Morte Cabra Marcado para Morrer com a companhia teatral Ícaros do Vale do Jequitinhonha/MG, comemorando seus 15 anos de existência. Com um texto original, a apresentação retomou o tema da terra e da luta pela vida que atravessa a história dos trabalhadores rurais deste país. O grupo vivenciou o dia a dia do alojamento com os educandos e realizou momentos festivos com muita cantoria e estórias da região mineira. Nesta etapa também foi retomada das oficinas de audiovisual com os alunos da Pós-Graduação em Educação, Contextos Contemporâneos e Demandas Populares, Fabrício Amador e Maria Silva.

Na última etapa, retomamos o diálogo com a Companhia do Latão através de debate sobre a atualidade de Brecht, realizado no Centro do Teatro do Oprimido no início de junho de 2013, bem como através do espetáculo O Patrão Cordial, encenado pela Companhia no final de junho no Centro Cultural Banco do Brasil. O interessante foi que após o espetáculo, a Companhia abriu um debate com a turma e o público presente, retomando questões a respeito da cultura política brasileira e de como somos herdeiros, a permanência da vida precária dos trabalhadores imposta pela dialética do favor e da violência, própria da cordialidade que nos forma e deforma.

A importância das experiências da LEC/UFRRJ com a Companhia do Latão esteve na pergunta O que o teatro dialético de Brecht nos ensina?, pergunta que atravessou a autoformação estética do sujeito coletivo da turma: "Brecht nos ensina a pesquisar formas de concretizar negativamente o processo social de coisificação. Ele procura uma atitude de inteligibilidade, sem facilitações em relação a um mundo confuso." (CARVALHO, 2009, p.16).

O que de fato a Companhia do Latão nos ensinou foi que em Brecht, esta junção entre experimentação, arte e política, já estava presente e atravessou toda a sua obra. O teatro épico e a dramaturgia do comportamento gestualmente contraditório, imagens do desengano, a representação da sociedade capitalista e suas implicações na formação social brasileira foram elementos de compreensão do real que marcaram a formação estética da LEC/UFRRJ.

Por fim, vale destacar o curso de extensão Construção de instrumentos de percussão afro-brasileiros ministrada pelo Prof. Jaime Rodrigo. Este curso teve um papel importante na união da turma. Finalizado o curso básico (Etapas 1, 2 e 3), os educandos foram divididos em duas turmas de acordo com a escolha de suas habilitações. Com isto, um certo distanciamento foi gerado com a ideia da turma de 'Agroecologia e Segurança Alimentar' e a turma de 'Ciências Sociais e Humanidades'. O objetivo principal do curso de extensão foi mostrar a prática da percussão como uma forma ancestral de manifestação cultural, relacionando a nossa herança rítmica com os toques originários dos tambores africanos. O curso durou os dois meses da etapa. Devido ao alto custo, visto que a produção dos instrumentos foi financiada pela LEC/Pronera, ou seja, compra de cabaças, peles de cabrito, martelos, cordas, ferros, linhas, furadeira, etc, oferecemos apenas 25 vagas. Dez para cada habilitação da LEC e 5 convidados da Universidade. Como a disputa foi grande, criamos a ideia de tambores compartilhados13, educandos convidando colegas da turma para construírem os tambores juntos. Enfim, a oficina que seria nas quartas-feiras das 19h às 21:30h terminava geralmente depois das 24h, tamanho o envolvimento emocional dos educandos. Utilizávamos o espaço do Grupo de Capoeira Angola do Mestre Angolinha que nos permitia guardar as ferramentas e ficar no espaço até mais tarde. O fato é que a oficina não terminava na quarta, durante a semana os educandos continuavam a trabalhar nos seus tambores, seja pintando, seja costurando, deixando de molho o couro, etc. Esta oficina nos chama a atenção sobre a importância da cultura como práxis na sua potência estética, ou seja, como momento de criação e de desenvolvimento da sensibilidade.

Pois bem, depois de tudo isto, chegando ao final do curso, como se surgido de um banho de mar que nos anima a ousar, brilha nos olhos de duas sonhadoras, as autoras, a possibilidade de realizar com os educandos da LEC/UFRRJ uma releitura contemporânea do "Arena Conta Zumbi".

A Lec conta Zumbi foi uma experiência política, estética e pedagógica, realizada parcialmente, na última etapa do percurso formativo da turma Oséias de Carvalho14, no período de junho a agosto de 2013. Desenvolvida na etapa denominada Tempo Escola, a atividade inseriu-se no momento de finalização dos três anos dedicados à Pedagogia da Alternância.

Partimos do texto Arena conta Zumbi, de Augusto Boal, Gianfrancesco Guarnieri e Edu Lobo, encenado pelo Teatro de Arena em 1965, para a Licenciatura em Educação do Campo contar Zumbi em 2013. Com isso, buscamos uma prática-movimento de crítica de uma concepção de conhecimento centrada na “excelência do saber” e na produção de sujeitos abstraídos do conjunto das relações sociais, bem como um conjunto de ações ético-político-educativo que alia universidade e territórios (tratado como relações sociais, produzidas num tempo histórico determinado, e não como um pedaço inerte de solo ou terra). Perseguimos, assim, um objetivo de fundo: fomentar uma pesquisa coletiva das potencialidades, desafios e limites da arte e da política na realidade brasileira atual. Cabe registrar que os educandos-militantes estavam localizados em 15 territórios, subdivididos em cinco Regionais (Metropolitana, Sul Fluminense, Médio Paraíba, Norte Fluminense e Itapeva/SP) e integrados às duas habilitações oferecidas pela LEC: ‘Ciências Sociais e Humanidades’ e ‘Agroecologia e Segurança Alimentar’.

O propósito era de apresentarmos o resultado na formatura da turma, bem como nos territórios rurais e urbanos dos movimentos sociais de que faziam parte os militantes recém-formados, exercitando, dessa maneira, a ousadia do nosso envolvimento em uma educação sistêmica (ROSNAY, 1975) - aquela que ultrapassa a instituição universitária e alcança a experiência cotidiana das comunidades15.

Se a luta dos movimentos sociais é matriz pedagógica na LEC, o teatro, aqui, já nasce articulado e comprometido com a luta política. Teatro organicamente envolvido com uma Educação Popular, perpassando uma pedagogia plana na direção de uma pedagogia no espaço e no tempo, num momento em que uma práxis transformadora com alcance radical não está mais na ordem do dia (porém, precisa estar). Trata-se, portanto, de um caminho que concebe a produção do conhecimento como um processo inseparável das experiências culturais, valorativas de sujeitos históricos, que se constituem em relações sociais e territoriais.

Num primeiro momento, foi apresentado à turma o projeto de contarmos coletivamente a história de Zumbi, na esteira da herança do Teatro de Arena e de toda efervescência das lutas populares, articuladas com uma profunda renovação da cena teatral brasileira16. Mas, com um diferencial: em cena, os atores do Arena se vestiam de operários e camponeses, com figurinos autênticos num corpo que não os habitava (BOAL, 2000), e os atores17 da LEC, num corpo que os habitava. Para tanto, além da alteração do título da peça, fundamental para destacar quem está com a palavra, quem vai contar “a” história — no caso, os sujeitos da LEC —, houve a necessidade de acrescentar em texto e imagem a atualização da violência social brasileira, do extermínio em curso das classes populares na cidade e no campo, da criminalização dos movimentos sociais, buscando unir três dimensões: a teorização crítica sobre a experiência social, o processo da autoformação estética e a relação com a prática comunitária18.

Quando falamos em imagem, nos referimos não apenas às imagens como material de cena, tais como uma fotografia ou um fragmento audiovisual, mas também às imagens “esculpidas” pelos corpos dos atores no espaço teatral. Essas “esculturas” foram criadas com fundamento no teatro-imagem de Augusto Boal (1991, p.159) pela sua extraordinária capacidade de sintetizar “a conotação individual e a denotação coletiva”. Essas imagens serviram à cena para “tornar visível o pensamento” acerca da violência social brasileira, do extermínio de homens e mulheres pauperizados do campo e da cidade, da criminalização das nossas lutas, da exploração e opressões capitalistas na contemporaneidade. Mas também para “tornar visível o pensamento” sobre as possibilidades de construção de novas formas sociais que ainda não estão postas na realidade vigente.

Logo, projetamos contar Zumbi na direção contra-hegemônica de representação da realidade, visto que os atores são militantes de movimentos sociais e o teatro que nos interessa praticar é de caráter popular, cuja finalidade é a luta política. A adjetivação popular, aqui, deve ser identificada e compreendida também como uma dimensão educativa que resgata elementos importantes da concepção de educação popular e, ao mesmo tempo, os atualiza, repolitiza e avança nas formulações e práticas direcionadas a um público específico: indígenas, caiçaras, quilombolas, assentados do MST19, da FETAG20, CPT21, e ocupações urbanas, dado que no Rio de Janeiro como 94% da população é urbana não teria sentido um curso de educação do campo não incluir os movimentos sociais urbanos.

O teatro que buscamos experimentar na LEC procura potencializar a imaginação criativa para construção estética e política de respostas coletivas a problemas, conflitos, contradições inerentes à lógica da mercadoria e a sua sustentação por via do Estado. Nada tem a ver com a “valorização cultural” do que também é denominado de teatro de caráter popular, hoje, que pode, por exemplo, ter como conteúdo a favela, mas esvaziado da função social de participar das reivindicações por reforma urbana, ou seja, uma forma de teatro apartada de um processo efetivo de luta por reforma urbana. Trata-se de um componente da lógica cultural do capitalismo tardio (Jameson, 2007), que por via de estetizações do popular e seus territórios conseguem encontrar nichos de mercado cultural pós-moderno (demarcados pela indústria cultural), fomentando o (auto)empreendedorismo dos pobres e, com isso, fortalecendo (pelo menos ideologicamente) os fundamentos da propriedade privada dos meios de produção, da exploração do trabalho e de seus valores (ideológicos) básicos, como a “livre-iniciativa” e a “livre-concorrência”.

Partimos da dinâmica da realidade em que vivemos. É tão somente com os pés neste chão que experimentamos organicamente a nossa autoformação estética relacionada a um processo de transformação das condições objetivas a contrapelo dos efeitos perniciosos propagados pela cultura hegemônica que dispõe do monopólio simbólico dos meios de representação da “realidade”. O teatro que experimentamos está vinculado a dimensão emancipatória humana na busca de outras (novas) possibilidades de relações sociais.

Importante ressaltar que a educação popular, em sua origem, indica a necessidade de reconhecer o movimento das classes populares em busca de direitos como processo formador, e também de voltar a reconhecer que a vivência organizativa e de luta é formadora. Para a educação popular, o trabalho educativo, tanto na escola quanto nos espaços não formais, visa formar sujeitos que interfiram na realidade para compreendê-la e transformá-la. Deste modo, a Educação Popular se constituiu, ao mesmo tempo, como uma ação cultural, um movimento de educação popular e uma teoria da educação (FREIRE, 2001; 2005).

Iná Camargo Costa (2006, p.5) aponta que o MST já desenvolve há alguns anos a luta mais sistematizada na frente teatral, da organização das brigadas de teatro e das suas pautas específicas, pois seus militantes entenderam que o seu combate exigia a construção de suas próprias formas de representação estético-política da experiência social e a invenção de suas próprias formas de ação cultural contra-hegemônica. Com isso, a LEC conta Zumbi, impulsionada pelas demandas concretas dos movimentos sociais que a compunham, bebeu dessa farta colheita estética, política e pedagógica da história da articulação do teatro com a as lutas políticas sociais.

III. Esboços de uma releitura contemporânea

O presente ensaio não comporta um registro de todas as cenas trabalhadas por nós. Fizemos, então, um recorte com destaque para algumas cenas-chave. Refletimos sobre o processo experimental das concepções e pressupostos22 de forma e conteúdo das mesmas, bem como nossas referências teóricas que colocamos em “jogo”. As cenas não foram transcritas na íntegra, mas apenas alguns poucos fragmentos para dar certa materialidade sobre o que estamos compartilhando. E para colaborar com a leitura, apresentamos sempre como referência a passagem do texto original Arena conta Zumbi. Nesse dialético experimento em que nos lançamos para contar Zumbi, texto e imagem que não compunham originalmente a dramaturgia do Arena foram acrescentados. Assim, buscamos criar outras possibilidades de “leituras” da cena.

A primeira cena seria os atores se apresentarem para a plateia cantando A LEC conta ao invés de O Arena conta, utilizando os tambores confeccionados de modo artesanal, na oficina supracitada, com roupa comum, do cotidiano. Em cena, já estariam alguns objetos que simbolizassem a luta de cada território integrante. O ritmo e a escrita gestual da cena foram experimentados de diversas maneiras até que se fixasse uma melodia para se seguir. Uma vez fixada a música de abertura da história a ser narrada coletivamente, distribuímos alguns versos para serem cantados apenas por determinados atores, e cada um criou sua própria escrita corporal para preencher o espaço enquanto a música era executada por todos.

Havia um começo combinado, escolhido e ensaiado por todos, e a partir dessa marca cênica transcorria certa espontaneidade para variações do gestual formulado previamente por cada ator. Os tambores ressoavam uma memória ancestral que ganhava corpo e voz no presente. A performance23 dos educandos tinha a finalidade de provocar no público a opção política de “fazer junto” a história atual e os elementos utilizados eram os pontos de atenção, o direcionamento de um olhar vibrante que nos convidava a criar outras (nossas) imagens junto com os atores, o silêncio preenchido por um objeto ou uma lembrança que mesmo não sendo íntima da nossa história se colocava como imperativo de luta. Na transição da música Zambi no Açoite para o texto que narra o horror da violência contra Palmares e apresenta Zumbi como um emblema da resistência aos poderes de controle e repressão do Estado, inserimos um fragmento do artigo Será Guerra? que atualiza os dados de extermínio de negros pauperizados, moradores de periferias urbanas e rurais no Brasil.

O número de mortos na campanha de Palmares — que durou cerca de um século — é insignificante diante do número de mortos que se avolumam, ano a ano, na campanha incessante dos que lutam pela liberdade. Ao contar Zambi prestamos uma homenagem a todos aqueles que, através dos tempos, dignifica o ser humano, empenhados na conquista de uma terra da amizade onde o homem ajuda o homem24. (...) os ecos da escravidão ainda retumbam implacavelmente no quadro brasileiro de homicídios: em 2002, foram assassinados 46% mais negros do que brancos, em 2008 essa proporção saltou para 103%-isto é, para cada três mortos no Brasil, dois eram negros. Na Paraíba, são mortos 1.083% mais negros do que brancos; em Alagoas, essa proporção é de 974% e, na Bahia, 439,8%. Até mesmo os suicídios ecoam a escravidão, na medida em que, entre os negros, tiveram um aumento de 51,3% e, entre brancos, de 8,6%.25

Além das pequenas alterações no texto, o que fazia sentido para os atores era que cada um dava o que podia dar, seja o canto afinado ou a imaginação afiada. A criação das cenas acontecia conforme as condições espaciais26 e temporais postas27. Este nível de liberdade deixava todos momentaneamente felizes, ainda que com algum nível de frustração, visto que o desejo de finalizar a releitura esbarrava nas inúmeras exigências institucionais de conclusão do curso.

A morte de Zambi foi um momento emblemático para nossa constituição como sujeito coletivo posto em cena. Primeiro se destacou um casal de negros, ele, homem em plena fase adulta, morador e lutador da Ocupação Urbana Quilombo das Guerreiras28 e ela, uma jovem ainda em formação do Assentamento Terra Prometida29. Ambos com sua presença altiva e capacidade extraordinária de canto comovia a todos. Parecia que estávamos cara a cara com todo o processo de escravidão por qual passou este país. O horror estava ali na nossa carne, vivo e atuante. Quando Zambi vai morrendo, montamos um corpo único na forma de círculo e conforme a cantoria ia confirmando a morte de Zambi nossos corpos iam descendo como se a dor tomasse conta de toda a história dos negros até chegar ao chão. E, de repente, um salto em grito estridente, dissonante, revelava a revolta e a força de lutar pela liberdade.

Vem filho meu, meu capitão.

Ganga Zumba, liberdade, liberdade

Ganga Zumba, vem meu irmão.

É Zambi morrendo, êi, êi, é Zambi

É Zambi, tui, tui, tui, tui, é Zambi

Ganga zumba, êi, êi, êi, vem aí

Ganga zumba, tui, tui, tui, é Zambi.

A cena MERCADO — MERCADOR APREGOA SEU PRODUTO é introduzida com a fala do mercador por uma atriz negra que, com um deboche sutil, dizia o texto como se fosse uma vendedora do programa Shoptime, que vende quaisquer mercadorias, durante 24 horas na TV, de modo a buscar certa empatia e identificação como o telespectador perseguindo uma única finalidade: fazê-lo consumir!

MERCADOR: olha o nego recém-chegado. Magote novo, macho e fêmea em perfeito estado de conservação. Só vendo moço e com forças. Para serviço de menos empenho tenho os mais fracos e combalidos, pela metade do cobrado. Quinze mil réis o são, sete mil e quinhentos os estropiados. Escravo angolano purinho. Olham o escravo recém-chegado, magote novo, macho e fêmea cantador.

Esse “desencaixe” entre forma e conteúdo causou, num primeiro momento, risos soltos e muita brincadeira entre os atores. Num segundo momento, com a repetição da cena, o deboche sutil da atriz, como se fosse uma vendedora de um programa de televisão, com o olhar procurando as supostas câmeras (ao invés de olhar para os outros atores e para o público), gerou um grande desconforto e constrangimento em grande parte do coletivo. O material trabalhado nessa cena nos exercitou o pensamento crítico de que o consumidor não tem o hábito de tratar com antagonismos, visto que a própria relação de consumo é a da universalização e harmonização das diferenças. Mais ainda: espectadores não estão acostumados a desconfiar do que vêem, visto que a mercantilização geral da vida faz com que o espectador contemporâneo em alguma medida esteja impregnado de uma atitude de consumidor, a qual precede e conforma qualquer outra relação crítica que venha a estabelecer com uma obra de arte (COSTA, 2008, p.16).

A cena seguinte tem como indicação no texto Arena conta Zumbi que três atores revezam-se na descrição científica, slides ilustrativos são manipulados por um quarto ator; um quinto arranja a tela. Esta cena buscava ilustrar com imagens dos objetos de tortura utilizados nos negros a fala descritiva dos atores acerca dos atos de resistência e seus respectivos castigos. Decidimos substituir as imagens ilustrativas desses objetos de tortura, tais como o tronco, viramundo, cepo, libambo, gargalheira ou golinha, bacalhau, máscara de folha de Flandres, anéis de ferro, dentre outros, por imagens não ilustrativas de torturas atuais. Para isso, pensamos em algumas possibilidades: utilizar slides como sugere Arena conta Zumbi-, usar os corpos dos atores para “dizer” os “castigos” exercitados pelo nosso Estado em represália às atuais lutas e resistências populares, ou apresentar colagens e/ou algum fragmento audiovisual. Pouco importava o tipo de imagem, material de cena que utilizaríamos para potencializar o conteúdo do texto original. O que importava era a pesquisa coletiva acerca da atualização da violência e o entendimento dos educandos por essa opção formal de provocar o “descolamento” entre a descrição e a sua respectiva ilustração. E mais, os atores responsáveis pelas descrições deveriam fazê-las com um límpido sorriso nos rostos, e para alcançarmos essa ideia, nos referenciamos na “competente” dupla do Jornal Nacional, William Bonner e Patrícia Poeta.

1 Se desagradava ao branco

2 Tronco.

3 Pescoço, pés e mãos imobilizados entre dois

grandes pedaços de madeira retangular.

2 Se houvesse ofensa mais grave.

3 Viramundo.

1 Pequeno instrumento de ferro que prendia pés e

mãos do escravo forçando-o a uma posição incômoda

durante vários dias.

Apesar de todas as condições adversas, o auge de nossa experimentação foi o momento da formatura, no dia 13 de setembro de 2013. Um fragmento de todo o nosso processo foi elaborado e apresentado pelos atores-sujeitos dos movimentos sociais do campo e da cidade, numa síntese de tudo que realizamos como sujeito coletivo neste desafio de fazer a releitura. O momento da entrada no salão do auditório Gustavo Dutra do Prédio Principal do Campus Seropédica, cada um com suas roupas marcadas pela diferenciação que nos é própria, turbantes, batas coloridas, colares, tambores construídos por nossas mãos e a cantoria em alegria, tudo para marcar naquele espaço da Universidade a presença da nossa ancestralidade negra, indígena, a nossa origem popular. Florestan Fernandes dizia que uma das coisas mais difíceis em sua vida foi se manter fiel à sua classe de origem. Podemos dizer que manter-se fiel às nossas origens de classe é princípio dos sujeitos da LEC e contar Zumbi mostrou ser parte desta fidelidade. Não como algo meramente moral, mas como escolha consciente de um passado que não pode ser esquecido, revigorado pelas forças do presente. Arena Conta Zumbi e os sujeitos das Licenciaturas em Educação do Campo fazem parte deste salto inacabado da luta pela liberdade e da compreensão do significado das sucessivas derrotas da esquerda brasileira. Sendo assim, é neste processo descontínuo, escavando as ruínas do esquecimento, que não nos furtamos em contar a história dos oprimidos de ontem e de hoje.

Referências

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Notas

1. Formada como atriz pela Escola de teatro Martins Pena (2003). Mestre em Artes Cênicas pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (2007). Doutora em Artes Cênicas pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (2012) e Doutora em Letras, Línguas e Espetáculos pela Université Paris Ouest Nanterre la Défense (2012). Pesquisadora vinculada ao Projeto Integrado um Estudo sobre o Cômico da UNIRIO (2005/2007) e do Grupo de Estudos de Teatro Político no Centro do Teatro do Oprimido (GETP/CTO 2012/1013). Atualmente participa como pesquisadora do Laboratório de Estudos do Espaço Teatral e Memória Urbana (UNIRIO), do CRILUS - Centre de recherches interdisciplinaires du monde lusophone - (NANTERRE) e do Projeto de pesquisa Pensamentos marginais e práticas divergentes: um olhar sobre o corpo e suas relações com a sociedade, coordenado pela Prof. Viviane Narvaes (UNIRIO).Última publicação: As (des)potencialidades da estética e política na cena teatral contemporânea, no Caderno de resumos / 2ª JORNADA NACIONAL ARQUITETURA, TEATRO e CULTURA, coord. Geral: Evelyn Furquim Werneck Lima, Rio de Janeiro, Brasil, UNIRIO, Laboratório de Estudos do Espaço Teatral e Memória Urbana, 2014.83p. Ultima produção artística: atuou como atriz e confecção do cenário da peça Maria Lira (2008/2009), da Cia Ícaros do Vale, do Vale do Jequitinhonha/MG, sob direção de João das Neves.

2. Professora de História e Filosofia do Departamento Educação do Campo, Movimentos Sociais e Diversidade da UFRRJ. Defendeu seu Mestrado em História Social na UFRJ em 1999 com a dissertação A Imaginação Estética em Visão do Paraíso: A Escrita da História em Sérgio Buarque de Holanda. Seu doutorado foi realizado na Universidade Federal Fluminense, onde defendeu em 2005 a tese A Dialética do Trabalho no MST: A construção da Escola Nacional Florestan Fernandes. Atualmente pesquisa sobre os (des) caminhos da Educação Popular no Brasil Contemporâneo, dando ênfase à potencialidade educativa das experiências estéticas nos processos de formação humana. Coordena o Grupo de Pesquisa Filosofia e Educação Popular da UFRRJ/CNPq. Livros Publicados: Lobo, Roberta; Teixeira, Luiz. Educação e Formação do Humano. SP: Edições Loyola, 2007; Lobo, Roberta.(org.) Educação e Crítica da Imagem. Reflexões sobre a contemporaneidade. RJ: Editora da EPSJV/FIOCRUZ, 2010; Hussak, Pedro; Lobo, Roberta; Rizzo, Gabriela (orgs). Reflexões sobre Educação e Barbárie. RJ: EDUR, 2010. Lobo, Roberta; Perruso, Marco Antônio (orgs). Educação do Campo, Movimentos Sociais e Diversidade: A experiência da UFRRJ. Brasília: F&F Editora, 2014.

3. Sobre a mudança da percepção do tempo e da história na contemporaneidade ver: Arantes, Paulo. O Novo Tempo do Mundo: e outros estudos sobre a era da emergência SP: Boitempo, 2014.

4. Sobre a crise do capital ver: Mandel, E. (1985, 1990); Kurz, R. (1992; 1998); Botelho, M. (2010); Menegat, M. (2012)

5. Sobre a adesão subjetiva à barbárie Ver: Batista, Vera Malaguti (2012).

6. Este processo teve início em meados da década de 1990 e se estendeu ao longo da primeira década do século XXI com a crescente e definitiva institucionalização destas experiências pelo Ministério da Educação. Expressão deste processo são as leis de reconhecimento da Educação do Campo como modalidade da educação básica, bem como a política educacional do PRONACAMPO anunciada pela Presidenta Dilma Roussef em março de 2012.

7. Ver: Gimonet, Jean-Claude. “L’Alternance en Formation. ‘Méthode Pédagogique ou nouveau système éducatif?’ L’experiénce des Maisons Familiales Rurales”. In: DEMOL, Jean-Noel et PILON, Jean-Marc. Alternance, Developpement Personnel et Local. Paris: L’Harmattan, 1998, pg. 51-66. Tradução de Thierry De Burghgrave.

8. Schwarz, Roberto. Cultura e Política. SP: Paz e Terra, 2005.

9. Em novembro de 2009, quando estávamos iniciando a construção do Projeto Político Pedagógico da LEC/UFRRJ/PRONERA/INCRA, os Colegiados do Curso de História e Filosofia apresentaram uma Carta se opondo à existência da LEC na UFRRJ. Diversos eram os argumentos, dentre eles: a Universidade não é lugar para os movimentos sociais fazerem formação política; a organização por áreas de conhecimento e habilitações é um retrocesso comparável aos tempos da ditadura militar; etc.

10. Sobre o imperativo da política sobre o conhecimento e seu inverso Ver: Konder, Leandro. A Derrota da Dialética. RJ: Campus, 1988.

11. O grupo teatral Companhia do Latão surgiu em 1996 e desde então vem atualizando o teatro dialético no Brasil. Para além do estudo e das montagens das peças de Bertolt Brecht, a Cia do Latão elabora uma reflexão crítica sobre a sociedade brasileira, tendo como referência a teoria crítica, em especial Marx, Benjamin, Adorno e seus aliados 'nacionais' Roberto Schwarz, Paulo Arantes, Jorge Grespan, Marildo Menegat. Para melhor aprofundamento ver: Carvalho (2009)

12. Ópera dos Vivos vai fazer uma leitura da história do Brasil Contemporâneo, do pré-1964 aos dias atuais. A narrativa teatral com experiementos audiovisuais ressalta o momento pré-revolucionário antes do golpe civil-militar de 1964, as Ligas Camponesas, o movimento cultural intenso, o golpe e o papel do empresariado, o início do fortalecimento da indústria cultural no Brasil até a hegemonia total da forma-mercadoria no âmbito da produção cultural.

13. Num dos dias do curso tratamos um pouco da história dos tambores falantes e as organizações africanas nagô e jejê criadas por negros que chegaram ao Brasil no final do século XVIII. Os tambores falantes anunciavam as revoltas e as festividades na linguagem Iorubá. Ver: Barros, José Flávio. O banquete do rei. Olubajé: uma introdução à música sacra afro-brasileira. RJ: Pallas, 2009.

14. Oséias José de Carvalho foi militante da luta pela terra na Baixada Fluminense/RJ e assassinado no dia 19 de março de 2009, quando participava da ocupação 17 de Maio, em Nova Iguaçu/RJ. A homenagem da turma a Oséias de Carvalho foi decidida em assembleia pelos educandos da LEC.

15. A resistência exige “um pé na escola e um pé na sociedade”, nos espaços de organização dos trabalhadores. É a resistência à lógica do capital que amplia as possibilidades de repensar a nova sociedade, a nova educação e a nova escola (CALDART, 2000).

16. Faz-se possível a viabilização desse processo devido ao surgimento de grupos como o próprio Arena, o CPC, o MCP em Pernambuco, o Grupo Opinião no Rio de Janeiro, entre outros. Importante ressaltar também que, é nesse momento que a recepção de Brecht se põe no campo de possibilidades de suas experimentações, precisamente por uma necessidade concreta brasileira, social, política e cultural.

17. Toda vez que nos referimos à atuação dos educandos da Licenciatura e Educação do Campo, será de acordo com a definição de ator para Augusto Boal. “Atores somos todos nós, e cidadão não é aquele que vive em sociedade: é aquele que a transforma!” (Mensagem de Augusto Boal sobre o Dia Mundial do Teatro, em 27 de Março de 2009, www.ctorio.org.br). Portanto, ator, sujeito coletivo, (militantes) educandos, atores-sujeitos, todas essas denominações apresentadas nesse ensaio, comportam o mesmo significado defendido pelo autor.

18. Cumpre ressaltar a atualidade da força social do texto "Arena conta Zumbi", pois mesmo com o esforço das sonhadoras/autoras na apresentação dos materiais: jornais, revistas, fotos, livros, músicas, os educandos pouco se apropriaram da história do Teatro de Arena, da tarefa política e do impacto da montagem do "Arena Conta Zumbi" em 1965 e suas consequências até o ano de 1968. Mas é inegável a apropriação do texto e das músicas, cantaroladas nos quartos dos alojamentos da residência estudantil da UFRRJ, mantendo com vigor o sonho "de uma terra da amizade, onde o homem ajuda o homem".

19. Merece destaque o protagonismo do MST. No atual momento histórico brasileiro, é esse movimento, sem dúvida, o que mais tem contribuído na discussão e efetivação de experiências de processos não formais, a chamada formação política, e de uma nova educação e uma nova escola, que resgatam os lineamentos centrais da educação popular (CALDART, 2000).

20. Embora o engajamento do MST na luta pela Educação do Campo seja uma fenômeno político-educacional evidente desde a metade da década de 1990, a Federação dos Trabalhadores da Agricultura/FETAG vem participando do processo de institucionalização da Educação do Campo ao longo desta primeira década do século XXI.

21. Vale ressaltar que a Comissão Pastoral da Terra (CPT) criada em 1975 pela ala progressista da igreja católica ainda possui uma forte atuação no Norte Fluminense, abrindo possibilidades para os jovens dos assentamentos da reforma agrária se integrarem na luta pela Educação do Campo.

22. Preliminarmente, esse conceito deve ser usado com responsabilidade, pois é um conceito central no pensamento dialético e só pode ser considerado pressuposto o que, de fato, aconteceu antes ou durante o fenômeno que está sendo examinado, mas ele tem uma relação tal que o fenômeno que está sendo examinado fica inexplicável sem esses outros. E são esses outros fenômenos o pressuposto do fenômeno em questão (Iná Camargo Costa em palestra “Brecht e o teatro épico”, realizada no Teatro Fábrica, em 03/05/2005).

23. Paul Zumthor, em A letra e a voz (1993), insere a voz e a performance como princípios constitutivos da “literatura” medieval, enquanto uma teatralidade viva. O foco do autor está no conceito de performance em relação ao sentido de coexistência de temporalidades, isto é, ao fazer a passagem da letra (memória) para a voz (corpo), por meio da performance, discute-se a possibilidade de uma atualização, de uma rememoração do passado. É no exato momento da transmissão oral, onde a palavra viva se põe enquanto manifestação cultural, no ato de percepção de um texto, relacionando os homens do passado com os homens de hoje, que se mostram as oposições definidoras da vocalidade.

24. Aqui, finaliza o texto de Augusto Boal e Gianfrancesco Guarnieri.

25. Brito, Felipe; Blank, Javier; Villar, André. Será Guerra? In: BRITO, Felipe & ROCHA DE OLIVEIRA, Pedro (orgs.). Até o último homem - Visões cariocas da administração armada da vida social. Rio de Janeiro e São Paulo: Boitempo Editorial, 2013.

26. Os ensaios aconteciam no espaço gentilmente cedido pelo Grupo de Capoeira Angola do Mestre Angolinha que há 15 anos atua dentro da UFRRJ na formação dos jovens universitários. Oficinas de Fotografia, de construção dos Tambores e a releitura do Arena Conta Zumbi, todas realizadas neste espaço. Salve o Mestre Angolinha!

27. Ressalta-se aqui o momento final do Curso, conclusão de disciplinas com inúmeros trabalhos a serem entregues e defesa das monografias. A experimentação com o texto do Arena fazia parte da nossa irracionalidade de nos mantermos vivos diante das exigências formais de avaliação dos indivíduos abstraídos da sua realidade.

28. A ocupação urbana Quilombo das Guerreiras ocorreu em 2005 na Rua Alcindo Guanabara no.20, Cinelância, Centro do Rio de Janeiro. Despejadas no dia seguinte as famílias em luta por moradia mantiveram-se organizadas e ocupam em seguida o prédio da Rua Estrela no. 64, no bairro do Rio Comprido. São novamente despejadas. O prédio fechado há 15 anos permanece assim até os dias de hoje. A terceira tentativa de conquistar um teto para morar ocorreu em outubro de 2006 ocupando um prédio abandonado da Companhia Docas, na Av. Francisco Bicalho, no.49, centro da cidade do Rio de Janeiro. Com uma base de 80 famílias, esta ocupação manteve como princípio a autogestão dos trabalhadores sem teto, sem interferência de partidos, sindicatos ou personalidades, apesar de apenas um grupo se definir pelos princípios anarquistas. A assembléia era a única instância de decisão da ocupação. A biblioteca popular, as aulas de reforço escolar, as atividades teatrais com base na metodologia do Teatro do Oprimido, a criação da banda Corisco, as festas populares como festa junina, festa das crianças, festa de Natal com Teto, karaôke, as festas de comemoração de aniversário da ocupação eram realizadas com base na relação direta com militantes e simpatizantes denominados como apoios da ocupação. No início de 2013, a presidenta Dilma tranfere todos os prédios públicos federais para a Prefeitua, onde a CDURp (Companhia de Desenvolvimento e Urbanização da Região Portuária) passa a ser responsável pela administração do prédio da Cia das Docas. Neste processo, a prefeitura começa os despejos na região portuária, fiel ao seu proejto de revitalização e a própria CDURp desloca as famílias despejadas para atrás do prédio da Cia das Docas. A ocupação Quilombo das Guerreiras foi cedendo espaços do prédio para as duas comunidades despejadas, comunidades sem qualquer tipo de organização política, intituladas de Bairro 13, que remete a um bairro da Cidade de Deus. Com a intensificação dos conflitos, a perda de quartos, de espaços coletivos, a pressão destas comunidades desorganizadas, porém legitimadas pelo tráfico, além das tentativas de despejo pelo judiciário, no final de 2013 torna-se impossível a convivência pacífica entre as famílias da Ocupação Quilombo das Querreiras e as comunidades despejadas. Atualmente as famílias organizadas recebem o chamado aluguel social na espera da Prefeitura terminar a construção de um prédio no bairro da Gamboa. Ver: Santana, Ângela de Moraes. Resistência a contrapelo. A autogestão no Rio de Janeiro, monografia de conclusão de curso. LEC/UFRRJ, 2013.

29. A primeira ocupação do grupo de famílias do Assentamento Terra Prometida foi em Pasleme. Posteriormente essas famílias foram para Santa Cruz, zona oeste do Rio de Janeiro, onde ocuparam uma área de 905 hectares de terra em nome da Comissão de Energia Nuclear (CNEM), do Governo Federal, onde cultivavam alimentos e construíram casas. Em 2006, a partir de uma negociação envolvendo Governo Federal, Estadual e capital alemão, as terras se tornaram alvo da ThyssenKrupp Companhia Siderúrgica do Atlântico (TKCSA). Para implementação de uma das maiores Siderúrgicas do Brasil, houve uma pressão para que as famílias deixassem a região. A partir daí as famílias foram transferidas para 2 fazendas localizadas nos bairros: Parque Estoril e Piranema pertencentes aos municípios de Nova Iguaçu e Duque de Caxias. Entretanto ainda não era o local adequado, pois a terra não era boa para o cultivo, em toda sua extensão, além de ser área de preservação ambiental, periodicamente alagar e com solo compactado devido anos de criação bovina. Em consequência dessas dificuldades muitas famílias acabaram desistindo de seus objetivos, ao enfrentar obstáculos, que são muitos e podem perdurar anos. In: Projeto de Extensão do Território Terra Prometida, LEC/UFRRJ/2011, organizado pela Prof. Marília Campos.