Para os que ficam, saber que viver e não morrer fazem dois

Priscila Matsunaga

Universidade Federal do Rio de Janeiro

primatsunaga@gmail.com

Resumo: O texto apresenta um breve comentário sobre Os que ficam da Companhia do Latão. Interessa discutir o fluxo da peça em seus aspectos dramatúrgicos articulados a leitura e expectativa quanto à função da arte política. Nesse sentido, aproximamos o trabalho de Bertolt Brecht, Augusto Boal e da própria Companhia do Latão como expressões artísticas organizativas da cultura política, em tempos e lugares distintos.

Palavras-chave: teatro, dramaturgia, arte política

Abstract: This text is a small comment on Os que ficam, a play by Cia do Latão. We desire to discuss the play’s scenic flow in articulation with a interpretation on the expectation of art’s political function. In this sense, I understand both Cia do Latão’s work, as Augusto Boal’s and Bertolt Brecht’s as artistic expressions that organize a political culture in distinct times and places.

Keywords: theater, dramaturgy, political art

A revolução social do século XIX não pode tirar sua poesia do passado, e sim do futuro.

Não pode iniciar sua tarefa enquanto não se despojar de toda veneração supersticiosa do passado. As revoluções anteriores tiveram que lançar mão de recordações da história antiga para se iludirem ao próprio conteúdo. A fim de alcançar seu próprio conteúdo, a revolução do XIX deve deixar que os mortos enterrem seus mortos. Antes a frase ia além do conteúdo, agora é o conteúdo que vai além da frase.

Karl Marx

Exilado nos Estados Unidos em 1942, Brecht escreve em seu diário de trabalho no dia 24 de outubro: acostumado a extrair minha própria dignidade da dignidade da tarefa em execução, minha importância da importância que eu tenho para o povo em geral, minha energia das forças com que estou em contato, onde me situo se a tarefa é indigna, a atmosfera geral depravada, e nenhuma energia pode ser acumulada no meio em que me encontro? (p.152). A inquietação é essencial porque definiu um modo de trabalho, identificado por José Antonio Pasta Jr. como “classicidade” da obra brechtiana: um trabalho “que não se deixa perder na conflagração das contradições que aciona e dos embates que produz”; que organiza os embates e se organiza através deles, “espécie de objeto estável e conflagrado” (Pasta, p.38). Uma obra que foi planejada em sua duração, como uma reposição no tempo, visando uma intervenção no mundo1.

A análise da obra de Brecht feita por Pasta Jr. problematiza os riscos da intenção paradigmática quando mesmo a obra está em processo de composição, deixando rastros de sua incompletude, assumindo-os como registros de autorreflexão que se chocam para o intento primeiro de constituição de um campo organizativo da cultura. Questões que se impõem ao artista quando percebe que a realização de seu objetivo revolucionário é desfavorável em seu tempo e recorre à classicidade como um reconhecimento político.

Não nos mesmos termos e processos, o impulso em organizar a cultura se fez presente, também, no teatro brasileiro da década de 60. As obras dos Centros Populares de Cultura e do Teatro de Arena pareciam corresponder a uma exigência autoimposta de vanguarda revolucionária, estética e política; um trabalho de resposta imediata às condições do presente sem, contudo, a “pretensão clássica”. Na linha de frente do Teatro de Arena, representando com mais vigor o impulso organizativo da cultura, esteve Augusto Boal. O empenho na formação de artistas, como pode ser observado nas várias frentes de atuação do Teatro de Arena entre 1956 e 1964, e nos textos de intervenção que se transformaram os programas das peças teatrais, revela o desejo em identificar, reunir e aprofundar um repertório estético-político com vistas à intervenção na realidade brasileira. Tal impulso, ao que parece, permaneceu durante os seus primeiros anos de exílio, quando a produção teórica, conseqüência do isolamento, assumiu o primeiro plano. A obra exemplar é Teatro do Oprimido e outras poéticas políticas, traçando os mesmos riscos literários de Brecht, obra que registra o trabalho desenvolvido, principalmente, nos anos do Arena.

Entretanto, em 1978, exilado em Paris e já reconhecido pelo seu trabalho com o método do Teatro do oprimido, numa carta dirigida ao amigo Gianfrancesco Guarnieri, Boal desabafa: “é duro escrever no exílio”, assim como trabalhar, comer, dormir, viver. Como continuar trabalhando se toda a produção se pensou coletiva? Em contato direto com atores e público?

Estamos falando, então, de dois artistas que produziram parte de seu trabalho em condições adversas e buscaram, cada um a sua maneira, se situar em determinados horizontes históricos2. Brecht e Boal caminharam artisticamente em direções opostas: enquanto o dramaturgo alemão voltou-se com mais vigor para construção de peças que se fazem pela ficção, pois mais do que produzir um discurso sobre a distância entre obra e condições reais para a revolução, a obra brechtiana incorporou a distância como assunto (e nisso reside em parte o projeto clássico), Boal traçou o movimento contrário, numa espécie de recusa do teatro. Brecht buscou aprofundar a compreensão da distância pela peça; Boal, superar a distância pela aproximação com o espectador, tomando-o como dramaturgo em cena3.

Portanto, foi com interesse especial que nos voltamos para a peça Os que ficam4, feita com parte do elenco da Companhia do Latão, grupo reconhecido pela influência brechtiana, dirigido por Sérgio de Carvalho, a partir de fragmentos de uma peça de Augusto Boal, escrita em 1960, Revolução na América do Sul, quando ainda a busca pelas formas teatrais que expressassem a realidade brasileira não sofria a censura e a perseguição militar. Além disso, Os que ficam não se inspira apenas no texto de Revolução, e se sustenta na autobiografia Hamlet e o filho do padeiro, além de correspondências de Boal. O texto foi escrito, também, em colaboração com Julian Boal.

A peça - que ficou em cartaz em janeiro de 2015 no Rio de Janeiro, integrando as atividades da exposição dedicada a Boal no Centro Cultural do Banco do Brasil, e teve a estréia em São Paulo em julho, como parte das comemorações dos 18 anos de trabalho da Companhia do Latão -, aborda um período específico da ditadura civil-militar brasileira (1973) quando muitos combatentes foram expulsos e exilados.

O assunto da peça é a dificuldade em produzir teatro no início dos anos 70, quando a repressão sufoca qualquer tomada de posição diante da realidade, como observa Yan Michalski em texto que inspirou a Companhia:

A ação da censura chega em 1971 a um nível tão delirante que qualquer tomada de posição diante da realidade nacional por mais metafórica que seja, torna-se virtualmente impossível. Com todas as suas alternativas temáticas e formais praticamente riscadas do mapa, os grupos são reduzidos a um estado de impotência que os sufoca. E esta sensação de impotência, ao prolongar-se sem que nenhuma perspectiva de modificação apareça no horizonte, afeta inevitavelmente as suas capacidades e energias de resistência: conflitos muitas vezes irremediáveis vão minando a harmonia interna dos conjuntos, as pessoas piram com muita facilidade, a continuação de um trabalho baseado na consciência da existência e da importância de uma causa comum revela-se inviável (Michalski, 1989, p.48)

As personagens são os integrantes de um grupo teatral, atores, diretor e iluminador, com a participação do dramaturgo “à distância”, exilado - que aparece na leitura de cartas, interpretada por pessoas ligadas a Boal: Cecília Boal (viúva do dramaturgo), Julian Boal (filho) e Lauro César Muniz (dramaturgo) – tentando montar Revolução na América do sul. A linguagem da peça é heterogênea porque feita e inspirada em materiais e suportes diversos, o que promove um ritmo truncado, assim como o assunto: temos a cumplicidade da correspondência, a poesia das canções, o material teatral de Revolução, a discussão teórica de Boal sobre dialética, as confissões da autobiografia, o relato pessoal dos atores, tudo isso também dialogando com o modelo dramatúrgico de A compra do latão, de Brecht. O material não é harmonizado pela dramaturgia, o que eleva o grau de atritos e tensões no mesmo compasso do assunto.

O tema não é novo para a Companhia do Latão. O grupo interessado na reflexão sobre a realidade brasileira, como atesta a maioria de suas peças, abordou em Ópera dos vivos, montagem de 2010, o regime instalado pelo golpe civil-militar de 1964. A peça interpenetrou estudo teatral, estudo cultural e crítica anticapitalista, recuperando a história dos últimos 50 anos no Brasil. Utilizando para o primeiro ato um ensaio teatral, para o segundo o cinema alegórico, para o terceiro a sociedade do espetáculo e no último a encenação dos bastidores de uma produção televisiva, a composição cênica de Ópera dos vivos deixava à mostra os meios de produção artística. Na peça, o teatro como ferramenta artesanal, permitia ainda que os artistas se posicionassem quanto aos rumos de seu trabalho (ato que remete ao início dos anos 60, antes do golpe); o cinema, que ainda em Walter Benjamin foi pensado como uma força produtiva capaz de explodir as relações de produção, pela sua correlação com o primeiro ato, é demonstrado como um aparato acabado, muito mais como uma forma de inserção à indústria da cultura; a indústria da canção e a televisiva, como práticas mercadológicas, substituem sem muitos volteios os artistas e se reproduzem conforme as mercadorias à disposição. Neste estudo cultural, entretanto, a determinidade formal foi também problematizada. Os efeitos a que se refere o teatro épico, a alegoria trágica e a tropicalista são estudados em sua produtividade no passado histórico, como uma forma de recuperar seus sentidos políticos na trajetória das experimentações estéticas no Brasil, fazendo coincidir o mundo ficcional temporalmente posto ao expediente eleito, e por outro lado, de seus efeitos no presente, uma vez que pela dramaturgia cênica a atualização negativizada promovia um tensionamento constante à expectativa do espectador, incluído àquele que aderia respeitosamente ao questionamento proposto.

Os que ficam poderia muito bem encaixar-se como um “terceiro ato e meio”, entre o Privilégio dos mortos e Morrer de pé, terceiro e quarto atos respectivamente de Ópera dos vivos. Como exemplo, poderíamos pensar que é o grupo teatral do primeiro ato de Ópera dos vivos, já na década de 70, sem o seu dramaturgo, tentando buscar saídas para o teatro e para a vida. Vestígios do trabalho de Ópera dos vivos podem ser vistos em Os que ficam: a crítica quanto a indústria cultural do quarto ato, Morrer de pé, está inscrita entre as cenas 8 e 9 em Os que ficam (a atriz é a mercadoria da televisão assim como a mercadoria do supermercado), ou ainda os recursos teatrais se deslocam do interesse pelo outro - Sociedade mortuária em Ópera dos vivos - para a abertura energética grotowskiana.

Há, não obstante, diferenças: Os que ficam é a representação da desagregação, determinada pelo ponto de vista dos atores que ainda resistem, das formas mais tortuosas possíveis, diferente do ângulo de Privilégio dos mortos, daqueles que se acomodaram a uma nova “aventura cultural”. Parte da crítica de Os que ficam percebeu como a narrativa é permeada de afetividade – em oposição ao suposto revanchismo de Privilégio dos mortos - , identificando a emoção e compaixão pelo assunto e pelas personagens.5 Afinal, como é possível não se comover com a leitura das correspondências de Boal pela voz de Julian, ou ainda com a canção Tonteei? Penso que apenas um coração embrutecido não se empatizaria à essas figuras desoladas, arrancados de suas raízes, como o próprio dramaturgo ou os atores “arremessados vivos do rio”. Não porque a encenação promova, ou incite, uma “lagoa emotiva” que embaça as contradições; é a afetividade gerada pelo material cênico que traz a obra para o presente6. E nesse movimento a peça sugere uma identificação com os mortos.

Na crítica Rede de intenções de Renan Ji, publicada no portal Questão de Crítica7, há uma reflexão sobre a posição do espectador que espera uma resposta “luminosa”, que não se deixa mostrar na peça. Em algum momento o espectador, àquele que se identifica, que busca seguir em frente, se pergunta: onde eu me situo?

Espectadores como eu desejam realmente caminhos mais luminosos, e parece ser essa a intencionalidade mais cabível ao público do teatro político. Mas há uma dificuldade em descortinar esses caminhos politicamente mais claros em Os que ficam. É como se o elemento didático da peça se recusasse constantemente a resvalar para o didatismo, jogando dialética e constantemente com as ideias, as contradições e as posturas políticas em jogo. Desejaria eu um norte, um mentor, um herói? (Ji, 2015, p.68).

A discussão sobre o “herói” é posta em cena na famosa inversão de Boal sobre o texto de Brecht:

Fernando: Triste o país que precisa de heróis, Brecht.

Dino: O Brasil não é um país feliz, por isso precisa de heróis.

Irene: O Brasil precisa de construção coletiva. Eu quero te mostrar uma canção de uma peça.

A canção é Tempo de Guerra de Arena conta Zumbi, com letra retirada de poema de Brecht, de autoria de Boal e Guarnieri. A canção de combate é seguida por um discurso sobre o conflito entre os grandes interesses do capital e a possibilidade dos povos se organizarem. É um discurso combativo que logo é esmorecido. Irene, a atriz de teatro, trabalha agora na televisão. No diálogo com Fernando, mistura de Hamlet e Ofélia, a fala retoma a nova condição: as luzes que havia para nos guiar, estão cegas (..) vai, tateando. Irene respodem: sozinha. Da questão primeira, precisamos de heróis, passamos para a idéia da coletivização que como discurso é confrontado à situação das personagens.

Os recursos e materiais que a dramaturgia se vale são diversos, e neles reconhecemos muito do que vem sendo utilizado por um drama lírico. A correspondência e os relatos pessoais são expedientes privilegiados para conduzir a uma espécie de cumplicidade dramática entre público e cena. No caso de Os que ficam, penso, são recursos deslocados: os relatos pessoais falam da vivência dele com um outro. As correspondências são desencontradas e se não me engano, servem como consciência de que esse outro não existe mais. A forma é desconexa, assim como a realidade. Toda essa leitura dá conta de uma sensibilidade que reconhece uma configuração do passado que deixou suas marcas no presente, mas que também reconhece que o tempo das conexões acabou, como dito na cena 25: A cena final. Está acabando, não está? A peça e o tempo das conexões8.

No rastro da rede de intenções, o espectador deverá somar à sensibilidade primeira, que joga com o afeto e a impotência, ou nos termos de Ji, a procura por “um caminho luminoso”9, uma leitura que pense “acima do fluxo da peça” ao invés de pensar de dentro de seu fluxo, como Brecht disse sobre A ópera de três vinténs. (Williams, 2002, p. 251).

Dito de outra forma, o fluxo da peça demonstra as ambigüidades e contradições do trabalho artístico em uma época politicamente escura. Nele encontramos o tema basilar da Companhia do Latão, a crítica anticapitalista, e a autorreflexão como expediente teatral e político. A afetividade é o porto seguro em seu fluxo, que promove o reconhecimento dos impasses de hoje. E é ela que nos dá condição para “superarmos” a Revolução na América do Sul. Reproduzo o Epílogo de Os que ficam

Epílogos, Fugas e Permanências

(Eleonora caminha. Rebola um pouco e sai para o fundo)

Ator: Poema de Brecht, Ao Hesitante

Você diz: a nossa causa não vai bem

A escuridão aumenta, as forças diminuem.

Depois de tantos anos de trabalho,

Estamos em situação mais difícil do que no começo

O inimigo, porém, está mais forte do que nunca

Tomou um aspecto invencível.

Mas nós cometemos erros, não se pode negar.

O que está errado daquilo que dissemos?

Só alguma coisa, ou tudo?

Com quem contamos ainda? Nós, os restantes,

Somos arremessados do rio vivo?

Ficaremos para trás sem entendermos ninguém, sem que ninguém nos entenda?

Temos de ter sorte?

Assim você pergunta. Não espere outra resposta senão a sua!

Música Os que ficaram

Nós os restantes

Os que ficaram

Arremessados vivos do rio

Num entreato perdido

Sem entendermos ninguém

Sem que ninguém nos entenda

Nossas palavras antes precisas

Torcidas pelo inimigo

Atentemos para a descrição de “fugas e permanências” do Epílogo (esclarecimento do texto). Na última cena, a atriz-militante Eleonora fingiu ser a irmã chacrete famosa, Baby Bambam, ao ser confrontada pelos policiais que invadiram o ensaio de Revolução na América do Sul. A cena que encerra a peça, com grande teatralidade, diverte o público pelas saídas, diria fugas, dos artistas na caçada ditatorial. Mas a irrealidade esconde a dor: antes, ainda, a personagem se fez o questionamento, acompanhada do coro: quando foi que eu morri? No fluxo da peça, três repostas possíveis: morreu quando foi capturada novamente pelos policiais, morreu quando foi necessária a transformação em mercadoria para sobreviver, morreu quando a dimensão pública se tornou sufocante (coro). A consciência trágica do fim do tempo das conexões, transbordando afeto, resulta no fim das energias de resistência?

Necessária, então, pensar acima de seu fluxo: Os que ficam deveria ser tomada como um primeiro ato de outra Ópera dos vivos, numa espécie de espelho invertido. O que foi conteúdo na Sociedade mortuária é forma em Os que ficam. A aprendizagem, as personagens positivadas, o processo de organização estão, agora, em negativo, e cavam a própria realidade. As cenas que são solicitadas a Boal não podem ser escritas por ele. A peça retrata bem o sentimento da época de ontem e hoje. A dificuldade é a ausência do texto; conteúdos que não cabem na frase já conhecida, dita, feita. Nesse sentido é preciso confrontar o poema de Brecht “Ao hesitante” com a canção final “Os que ficaram”. Na busca pela resposta, será o acaso das circunstâncias ou uma predestinação que nos auxiliará? Bastará o reconhecimento de um passado de luta, antes do golpe de 64 e do desastre posterior, para que o teatro, e os artistas, assumam novamente o combate? Que o público se reconheça também na luta? De fato, o Latão explora as possibilidades da nossa época até seu limite, e no limite do próprio teatro. Aprendemos que a luta se faz na vida e, em parte, na arte.

Se conexões foram estabelecidas e há tempos o Latão (e grande parte da esquerda no Brasil) vem buscando construir essas conexões, o que faremos com o aprendizado, com o conhecimento sobre passado? As problematizações sobre os desacertos de 60 foram expostos: não é uma questão imperialista e sim anticapitalista (cena 3), não é mais farsa como a própria Revolução na América do sul (cena 25), não tem mais “povo” nem “revolucionário” (cena 10). E o que fazer?

Nesse experimento singelo, somado a atuação da Companhia do Latão em várias frentes artísticas e pedagógicas, percebemos um impulso organizativo da cultura política que assim como Brecht, organiza os embates e se organiza através deles. O trabalho do Latão atinge a dialética brechtiana por recusar o apaziguamento das contradições – uma condição extrateatral – e atualizar historicamente a forma estética.

A farsa de Boal, como ficou conhecida Revolução na América do sul, cede espaço para a tragédia e nesse sentido há uma espécie de reconhecimento de “uma ideia revolucionária que passou a impedir a própria revolução” (Williams, p. 264). O movimento é de recusa à alienação que a própria conexão com o passado engendra, ainda que tentativas de recomposição do teatro político se façam de inúmeras formas. Uma nova estrutura de sentimento se arquiteta e se deixa à mostra no teatro contemporâneo.

Referências

BRECHT, Bertolt. Diário de trabalho, volume 2. Org. Werner Hecht, trad. Reinaldo Guarany e José Laurenio de Melo. Rio de Janeiro: Rocco, 2005.

JI, Renan. Rede de intenções. In: Revista Questão de crítica. vol VII, nº 64, maio de 2015, pp. 59-70.

MICHALSKI, Yan. O teatro sob pressão: uma frente de resistência. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1989.

PASTA Jr., José Antonio. Trabalho de Brecht. breve introdução ao estudo de uma classicidade contemporânea. São Paulo: Ática, 1986.

WILLIAMS, Raymond. Tragédia moderna. Trad. Betina Bishof. São Paulo: CosacNaify, 2002.

Notas


  1. O texto foi apresentado no II Seminário Internacional Teatro e Sociedade em dezembro de 2015 na Universidade de Brasília, campus Planaltina. As questões que interessam aos integrantes do Seminário são expostas por Rafael Litvin em Desafios do teatro político contemporâneo, artigo presente no Dossiê. O título do trabalho refere-se a uma dedicatória de Antonio Abujamra a Sérgio de Carvalho, escrita em uma foto do Berliner Ensemble.

  2. Na carta para Gianfrancesco Guarnieri, Boal revela: e foi pensando assim que recolhi minhas raízes e fui procurar onde cravá-las. E como não achei terra firme, cravei minhas raízes no vento.

  3. Para uma discussão aprofundada sobre o Teatro do Oprimido, o leitor poderá recorrer aos ensaios de Sérgio de Carvalho, Aspectos da dialética no Teatro do Oprimido e de Julian Boal, Presenças do Teatro de Arena no Teatro do Oprimido, presentes neste Dossiê.

  4. Agradeço a Companhia do Latão pela gentileza na cessão do texto de Os que ficam, em especial a Bruno Marcos.

  5. A crítica publicada no blog Terceiro Ato e no jornal Folha de São Paulo destacam a afetividade na narrativa. A crítica do blog Terceiro Ato pode ser acessada em: http://jc.ne10.uol.com.br/blogs/terceiroato/2015/07/23/critica-quando-boal-e-o-latao-fizeram-panelaco e da Folha de São Paulo, de Nelson de Sá, em http: institutoaugustoboal.org.

  6. A ideia sobre a afetividade como um mecanismo de atualização da obra está presente no ensaio de Sara Rojo, Literatura dramática amordaçada no Chile ditatorial, texto que integra o presente Dossiê.

  7. Rede de intenções pode ser acessado em http://www.questaodecritica.com.br/wp-content/uploads/2015/05/QdC-Vol-VIII-n64-maio-de-2015-RENAN-JI.pdf.

  8. O leitor poderá ter uma reflexão mais aprofundada sobre o uso de expedientes teatrais, como o monólogo — ou no caso de relatos pessoais como o utilizado em Os que ficam - muitas vezes identificado como recurso “pós-dramático”, em contexto e função diversa, no artigo de Alexandre Flory, Monólogo épico em perspectiva dialética, texto que integra o presente Dossiê.

  9. Na crítica de Renan Ji, traços sobre um novo tempo de conexões é esboçado como argumento para refutar o que a própria peça define como o fim do tempo de conexões. Como o autor, também penso que outro tempo se abre.