ASPECTOS DA DIALÉTICA NO TEATRO DO OPRIMIDO
Sérgio de Carvalho
USP/ Companhia do Latão
vintém@uol.com.br
Resumo: O texto examina aspectos gerais do trabalho dialético de Boal, sobretudo o ligado à fase do Teatro de Arena de São Paulo, procurando discutir seus vínculos com dramaturgia, atuação e pedagogia.
Palavras-chave: trabalho dialético, dramaturgia, atuação, pedagogia.
Abstract: This text examines Boal’s dialectic work, especially his Teatro de Arena’s fase, looking for discuss his links to playwriting, acting and pedagogy.
Keywords: dialectical work, playwriting , acting, pedagogy
Há 40 anos Augusto Boal publicou seu livro mais importante e conhecido, o Teatro do Oprimido1. Foi finalizado em Buenos Aires e publicado no exílio, no tempo da ditadura no Brasil. Como se sabe, o nome Teatro do Oprimido foi dado pelo editor Enio Silveira, a partir de um dos principais capítulos do livro, aquele que relata uma experiência de teatro popular no Peru, ocorrida em 1973, quando Boal contribuiu com as jornadas de alfabetização empreendidas pelo governo revolucionário. A associação com o trabalho do pedagogo brasileiro Paulo Freire tornou-se, a partir daí inevitável. E esta proximidade crítica de fato existe, a despeito do batismo indesejado: no centro do projeto do Teatro do Oprimido está a convicção de que aprender é se tornar sujeito da história — tendo em vista a transformação do mundo.
O título original do livro de Boal, Poéticas Políticas, não ficou esquecido, mas tornou-se apenas subtítulo. Ele era, no entanto, mais claro quanto ao objetivo central do autor: assumia que aquele conjunto de textos era uma reflexão que nascia de um movimento histórico anterior. E que sua principal orientação poética era a dialética entre arte e sociedade. E que por trás daqueles vários experimentos teatrais, estava em jogo a perspectiva de uma revolução anticapitalista.
Nesses tempos atuais de conformismo crítico, nunca é demais lembrar que o trabalho com Teatro do Oprimido só tem sentido como prática política e cultural que seja ao mesmo tempo dialética e anticapitalista.
Quarenta anos após a publicação do livro, porém, estas expressões parecem distantes. O nome Teatro do Oprimido ganhou repercussão internacional, muito além da América Latina. Grupos de teatro do oprimido se espalharam por mais 70 países. As técnicas inventadas por Boal se multiplicaram de modo impressionante, inclusive no Oriente. E movimentos políticos e contestadores de todas os tipos ainda hoje procuram a obra de Boal quando se trata de aproximar arte e luta social. Não há dúvida, portanto, de que seu trabalho foi a última grande referência para o teatro político no mundo.
É preciso dizer, entretanto, que alguns desses grupos de Teatro do Oprimido tornaram-se, infelizmente, apenas reprodutores de um conjunto técnico vazio. Outros deles passaram a ser apenas comerciantes de uma marca ideológica. E aquilo que era no passado um meio para a emancipação política — tornou-se um fim em si mesmo: também o teatro do oprimido — quando difundido sem conteúdos ou metodologia crítica, corre o risco de se tornar um mecanismo reprodutor de si próprio como qualquer mercadoria. É triste dizer isso, mas muitas das técnicas do teatro do oprimido são hoje negociadas como fetiches para a sustentação profissional dos próprios grupos.
Na brevidade deste comentário, quero levantar algumas razões sobre o esvaziamento do trabalho de Boal, para que se entenda, por outro lado, sua enorme força potencial para a atualidade. Não me interessa aqui o esvaziamento gerado de fora, no plano de sua valoração social, pela ignorância dos estudiosos do teatro contemporâneo, que perderam o interesse pelo mundo e se confinaram no esteticismo acadêmico das categorias pós-modernas. Esse é um debate que exigiria mais tempo. O fato de Boal não ser tema de estudos hoje nas universidades do Brasil tem razões variadas. Quero discutir as questões internas dessa tendência ao formalismo que ameaça o projeto do Teatro do Oprimido. Interessa-me aqui examinar duas dimensões cuja substância se rarefaz. Sem eles, acredito que o Teatro do Oprimido perde seu sentido: a da orientação dialética do projeto, e o fundo histórico da luta de classes, que alimentava de contradições e força simbólica aquele conjunto de técnicas.
Boal desde muito jovem foi um artista dialético. Seu interesse pelas formas em trânsito, pela mobilidade das coisas e idéias, pelas situações de ambiguidade, atravessam seu trabalho desde o início como diretor convidado do Teatro de Arena de São Paulo, até os últimos escritos sobre a Estética do Oprimido.
Seu livro mais pessoal, sua memórias imaginadas, se chama Hamlet e o filho do padeiro. Ali diversas vezes ele se refere à peça de Shakespeare, a mais amada e nunca encenada, Hamlet. O autor se define em comparação com o príncipe melancólico da Dinamarca: “A tragédia de Hamlet não é ser ou não ser: é ser e não ser. Hamlet é os dois (...) e só não sabe ser ele próprio. Sou especialista nessa dicotomia.”, diz Boal.2
Esta compreensão de que o ser só é não sendo, de que os movimentos nascem das contradições, são fundamentais em seu pensamento. Para Boal, radicalizar o teatro obrigava a negar o teatro. E sua visão dialética enfatizava a temporalidade das coisas: tinha uma atenção toda especial à vida em fluxo. Mas também sabia que era preciso examinar as imagens ambíguas, as formas estáticas da dialética.
Boal se decide pelo teatro nos anos 1950, após concluir os estudos de Química. Todo o seu interesse pela metamorfose das substâncias e pelos compostos fundamentais parece ter sido transmitido ao teatro. Nos primeiros trabalhos importantes que realizou no Teatro de Arena de São Paulo, Boal procurava uma certa sistematização científica do teatro. Não é à toa que usou a forma dos chamados laboratórios teatrais para transmitir seus conhecimentos ao elenco daquela companhia de atores onde ingressou em 1956, recém chegado dos Estados Unidos.3
Pouca gente que pratica o Teatro do Oprimido dá a devida atenção ao fato de que a grande maioria das técnicas descritas nos livros dos anos 70 foram criadas anos antes, a partir dos anos 1950, nos laboratórios de teatro profissional do Arena. Naquele momento inicial, eram dois os principais horizontes de estudos do grupo e de Boal: o trabalho de atuação e o de dramaturgia — tendo em vista a escrita de novas peças brasileiras e politizadas.
Quando morou nos Estados Unidos, Boal conheceu de perto do trabalho do Actors Studio. Em parte, os Laboratórios de Atuação do Arena recriavam aquele ambiente. Mas ao conhecer melhor a fonte do método norte-americano, Boal passou a adaptar uma série de exercícios inspirados no trabalho de Stanislavski. O objetivo era “desmecanizar” a interpretação convencional, empostada e retórica, ainda comum no teatro brasileiro, em favor de uma vivência mais verdadeira, realista e íntima do papel. Procurava, ao mesmo tempo, coletivizar o estudo da história: o papel passava a ser consequência do estudo geral da peça. Rigorosamente, Boal foi um diretor stanislavskiano. Mas procurava adaptar o método a seu modo de ver: passou então a descrever — com objetivos pedagógicos — uma espécie de estrutura dialética interna à interpretação, em bases hegelianas: a personagem não age apenas por uma vontade unitária, ela tem também uma contra-vontade que dificulta o próprio ato. Esse atrito entre vontade e seu contrário não é apenas uma oposição simples: o querer versus o “não querer”. A contradição se modifica conforme o ator se relaciona com o outro ator-personagem. Assim, Hamlet não contém em si amor e ódio por Ofélia, ele sim pode “odiar amar” a moça quando percebe que ela está sendo usada por Polônio. Diante dos elementos em luta, o ator estuda a interação problemática entre esses processos, que só pode ser compreendida através do que ele chamava de eleição de uma “dominante”. É claro que Boal sabia ser impossível capturar e fixar o movimento fugidio de uma relação entre personagens, mas queria oferecer ferramentas didáticas para que os atores pudessem gerar ações contraditórias, e não apenas estados emocionais abstratos. Em suas palavras: “O que me parece realmente importante é que o ator tenha tempo para ensaiar cada uma das suas vontades e contra-vontades isoladamente, a fim de melhor as compreender e sentir — como um pintor que primeiro escolhe as cores isoladas e depois as mistura na tela. (...) Por isso fazíamos tantos exercícios de "motivação isolada", "contravontade", "pausa artificial" "pensamento contrário", "circunstâncias opostas" etc. Todos tinham por objetivo proceder a essa análise. (...) Mas por mais que se voltem para dentro, as personagens vivem para fora. Por isso, a "inter-relação" é fundamental.”4
A análise, portanto, é necessária para que se dê uma síntese em movimento. E a escolha do aspecto dominante na cena depende da relação com o outro ator. Por isso Boal dizia também que a personagem não nasce “de dentro”, mas de fora: ela vem da outra personagem, e entra pelo olho do ator. Em suas palavras: “Para mim, é este o alicerce de todo espetáculo: dois atores se olham. O olho é a parte mais vulnerável do corpo humano. Por isso procuramos, recatados, esconder nossos olhos em momentos de emoção. Ou oferecê-los em momentos de amor. O ator deve oferecer seu olhar. É no olhar que nasce o personagem. (...) A personagem não entra no ator, ela sai. Sai pelos olhos. O ator entra sim na personagem dos outros. Entra pelos olhos.”5
Os Laboratórios de Atuação do Arena produziram os mesmos exercícios que depois — no Teatro do Oprimido — seriam transmitidos a camponeses e operários quando Boal vai procurar transformar a função do espectador, que deve deixar de ser passivo no fenômeno teatral, para se tornar sujeito da ação dramática.
A segunda contribuição fundamental de Boal para o Teatro de Arena e para toda uma geração ocorreu no campo da dramaturgia. Boal passou a sistematizar um método dialético de análise e escrita de peças, muito semelhante ao que propunha aos atores.
Da mesma forma que ele observava aos seus atores que o drama não acontece no ato, mas sim nas hesitações, nas dificuldades, nas tensões internas anteriores à decisão dramática, ele pedia aos jovens dramaturgos que pesquisassem estruturas de conflito internos e externos às personagens, de modo a que esses conflitos gerassem contradições e mudanças de estado.
O ator deve “distanciar-se, voluntaria e emocionalmente, o mais possível do ponto de chegada”.6 Deve trabalhar a contra-preparação do que vai acontecer. Do mesmo modo, o dramaturgo deve estar atento à luta entre vontade e contra-vontade que antecede o ato, e à interação contraditória entre uma personagem e as outras. É preciso, enfim, que esse sistema de conflitos subjetivos e objetivos se mova, quantitativa e qualitativamente.
Esse estrutura aparentemente esquemática de uma possível dialética dramática (contradições internas de uma personagem entram em interação com contradições internas de outra, e a relação se intensifica quantitativamente até o salto qualitativo) inspirou muita gente que viu aí a possibilidade de encenar assuntes sociais e políticos que nunca tinham entrado no teatro brasileiro. Combinando esquemas de dialética marxista, ainda que sem maior perspectiva materialista, ao modelo dramático hegeliano, Boal criou um padrão de “estrutura” transmissível (eram assim que Chico de Assis se referia ao modelo), o que abriu as portas para que uma geração escrevesse algo que se pode chamar de drama social brasileiro moderno. Evidentemente Boal viu que esse esquema era insuficiente quando os dramaturgos tinham interesse em representar questões mais abstratas, ligadas à economia política, ou a processos da alienação social ou psíquica, que ultrapassam o campo de possibilidades das ações conscientes de indivíduos. Em outros termos, Boal percebeu que em grande parte das situações da vida, a vontade individual não determina nada, somos antes agidos do que agentes, que não se pode ser sujeito da história.
Passou a desenvolver, então, o estudo prático de formas épicas do teatro, para além da dialética dramática hegeliana, tendo Piscator e Brecht como referências centrais. Passava a criticar assim, os próprios princípios idealistas de sua visão dialética. Essa reflexão aparece no livro O Teatro do Oprimido quando discute personagens que não são sujeitos da ação dramática, mas sim objetos dela, personagens que não tem condições de agir pela vontade, em que as necessidades sociais falam mais alto. São esses os casos em que a forma teatral não pode mais ser absoluta, fechada em si mesma, em que o dialogismo intersubjetivo será tensionado. A visão teatral precisa então — nas palavras de Boal — “mostrar-se não como um "conflito de vontades livres", como pretendia Hegel, mas sim como uma "contradição de necessidades sociais", tal como é explicado pelo materialismo histórico.7 O marxismo, enfim, aparecia no seu trabalho como orientação da pesquisa formal.
Como escritor de teatro, Boal poucas vezes tratou dessas figuras objetualizadas pelos processos sociais. A melhor peça escrita por ele no período do Arena, Revolução na América do Sul, de 1960, se afasta do padrão do conflito das vontades. Zé da Silva é um morto de fome, que não chega a compreender o sistema econômico que o explora e o leva à morte. Boal não faz dele nem um herói nem uma vítima. A estrutura em quadros irônicos está mais próxima dos números de palhaços em circo do que do drama. É uma peça negativa. Boal dialoga, mais do que nunca, com o teatro épico-dialético de Brecht.
Mas ao contrário de Brecht que orientou toda sua dramaturgia para a desmontagem ideológica do teatro, e que preferia ver os processos gerais em homens coisificados, Boal acreditava ser importante destacar o papel dos indivíduos na luta de classes. Triste do país que precisa de heróis, dizia Brecht. Boal nunca deixou de acreditar que a heroificação era, em algum medida, necessária em situações como a da América Latina.
Mesmo sendo um agudo crítico do “sistema coercitivo” de Aristóteles, parece ter resistido a abrir mão da convicção de que uma personagem teatral é feita de caráter (ethos) e pensamento (dianoia), devendo viver sempre numa relação de relativa consciência sobre seu processo dramático.
Brecht lamentava qualquer idealização, sabendo que não podia fugir dela. Dizia: “Quando virá um tempo em que será possível um realismo do tipo que a dialética poderia proporcionar. Somos a todo instante obrigados a idealizar, e portanto fazer propaganda.”8
Boal, por sua vez, era um idealista dialético atento ao mundo, e que parecia confiar nas idealizações como categorias de transição, como ferramentas para ação. Talvez se sentisse, nos tempos do Brasil da cultura de esquerda, inevitavelmente, obrigado a idealizar.
O surgimento do projeto do Teatro do Oprimido deve ser compreendido a partir dessas coordenadas. De qualquer modo, tanto Boal como Brecht, viam no teatro a possibilidade de estudar a relação contraditória entre indivíduos e classes, e procuraram aprofundar a pesquisa teatral para negar o próprio teatro. Para ambos, os critérios estéticos deviam nascer da luta social. E seu teatro nascia do desejo de interferir no tempo histórico. 9
Quando foi obrigado ao exílio, e se viu em contato com uma nova possibilidade de teatro popular junto aos camponeses, era este o fundamento utilizado pelo Teatro do Oprimido: um conjunto de experimentos laboratoriais de dramaturgia e atuação dialética, voltados para o mundo, e animados pela cultura política de uma época em que os artistas se entendiam como participantes da luta de classes.
O Teatro do Oprimido nasceu assim de um acúmulo anterior e de uma crítica aos limites do próprio teatro profissional. Porque o teatro tem de ser "revolucionário", é preciso revolucionar o próprio teatro. E isso acontece quando o povo deixa de ser apenas o inspirador e o consumidor de arte e passa a ser o produtor. O livro O Teatro do Oprimido abre com a avaliação da tradição central do drama ocidental, a aristotélica, com a verificação que ela se baseia na intimidação poética e política do espectador. Como Boal apenas esboçou romper com essa tradição por dentro do drama, imaginou o passo maior: romper com o teatro em seu funcionamento social. Seria, portanto, preciso ir além e ativar literalmente o público: “O espectador, ser passivo, é menos que um homem e é necessário re-humanizá-lo, restituir-lhe sua capacidade de ação em toda sua plenitude.” Em outros termos, é preciso que alguém diga pare — stop — e o próprio espectador suba ao palco e conte sua versão da história, como ocorre na técnica que Boal batizou depois de Teatro Fórum.
A proposta revelou desde cedo sua força, ainda que se baseie na simplificação teórica de dizer que o ato de espectação é necessariamente passivo. Como bom dialético, Boal sabe que exercer a imaginação, o senso crítico e a sensibilidade são também atividades produtivas. Depende do modo como a relação teatral se configura.
Mas Boal nunca deixou de estar atento a essa ideologia da ação contida no projeto. E o Teatro Forum é apenas uma das técnicas do Teatro do Oprimido, que no meu entender precisa ser combinada a outras. A mesma fórmula que simplifica a questão, entretanto, garante a sua circulação.
O convite do Teatro Forum a que a plateia represente sua própria versão da história, esse simbolismo de um ato possível, depende muito de uma cultura política e de uma atitude dialética do mediador do debate, o coringa, sem a qual o jogo pode ser tornar psicologizante ou auto-referente. Boal estava atento ao fato de que a oposição opressor-oprimido pode acabar por mentir sobre o próprio processo de opressão, ao individualizar demais o caso e ocultar as pressões sociais. Mas parecia acreditar na capacidade das pessoas de conectar o caso particular a uma questão mais geral. De fato, nos anos 70, em tempos de maior politização, ele não precisava insistir para que os casos de opressão pessoal discutidos fossem também exemplares socialmente: eram os próprios camponeses, operários e estudantes politizados que davam lições de dialética aos coringas sobre a “sobrevivência anacrônica e desumana da propriedade privada dos meios de produção” que tanto determina rituais de posse, obediência, caridade e resignação. Boal não precisava criticar em demasia as tendências ao psicologismo que criam de pronto visões moralistas sobre os comportamentos — porque a maioria de seus interlocutores julgava que “somos o que somos porque pertencemos a uma determinada classe social, cumprimos determinadas funções sociais e por isso temos que desempenhar certos rituais sociais” opressivos, que também se cristalizam no nosso corpo. Daí o sentido da sua confiança na idéia que “libertar-se é transgredir”. Hoje, entretanto, quem diz isso em abstrato parece estar bem distante de qualquer posicionamento politico, por mais que se possa dizer o contrário.
Quem hoje se aproximar das ferramentas do Teatro do Oprimido, precisa portanto, recuperar seus conteúdos politizados e sua vocação dialética, sem os quais o conjunto técnico pode se tornar uma forma vazia. Precisa ainda enfrentar aquilo que é a força e o limite de certas técnicas como a do Forum: a simplificação dos processos sociais para que possam ser representados numa cena realista permite a interferência do espectador-ator, mas pode criar ilusões sobre as possibilidades da ação individual, quando não há por perto um mediador capaz de estimular a reflexão sobre as imagens do mundo que estão sendo construídas. É evidente que Boal sabia disso.O que talvez não pudesse avaliar é o quanto o mundo regrediu do ponto de vista crítico. Seu trabalho, porém, segue sendo grande fonte de movimento, bastando que façamos as conexões históricas. O que não se pode esquecer, em tempos formalistas, é que o Teatro do Oprimido nasceu para, através da arte, explicitar “os mecanismos da luta de classes” e nos ajudar a imaginar caminhos possíveis para a mudança social.
BRECHT, Bert. Diário de Trabalho: 1941-1947, volume 2. São Paulo: Rocco, 2005.
BOAL, Augusto. Teatro do oprimido e outras poéticas políticas. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1975.
—————. Duzentos Exercícios e Jogos para Ator e Não-Ator com Vontade de Dizer Algo através do Teatro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1991.
—————. Hamlet e o filho do padeiro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000.
BOAL, Augusto. Teatro do oprimido e outras poéticas políticas. Rio de Janeiro. Civilização Brasileira. 1975. Este texto foi lido, em sua versão original, no Primer Coloquio de Homenaje a Teóricos de la Estética y el Arte, dedicado a la Estética del Oprimido y a su creador, Augusto Boal, em Puebla, México, 08 de maio de 2014.↩
BOAL, Augusto. Hamlet e o filho do padeiro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000, p.127.↩
Reproduzo neste parágrafo ponto de vista esboçado em estudos anteriores.↩
BOAL, Augusto. Duzentos Exercícios e Jogos para Ator e Não-Ator com Vontade de Dizer Algo através do Teatro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1991, p. 55.↩
BOAL, Augusto. Hamlet e o filho do padeiro, op.cit., p.143.↩
BOAL, Augusto. Duzentos Exercícios e Jogos para Ator e Não-Ator com Vontade de Dizer Algo através do Teatro. Op. Cit., p. 57.↩
Ver a este respeito o capítulo “Hegel e Brecht: personagem sujeito ou personagem objeto?” em Teatro do Oprimido e Outras Poéticas Políticas, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1975 e Duzentos Exercícios e Jogos para Ator e Não-Ator com Vontade de Dizer Algo através do Teatro, p. 108 e115.↩
BRECHT, Bert. Diário de Trabalho: 1941-1947, volume 2. São Paulo: Rocco, 2005, p. 75↩
Mesmo no último grande momento laboratorial de Boal no Brasil, que ocorreu em torno do Teatro Jornal, feito pelo Núcleo 2 do Teatro de Arena, o que estava em jogo era a experimentação dialética: explorar a contradição com o pensamento dominante. O noticiário do dia era encenado em perspectiva crítica à noite. Não era só o assunto jornalístico que o público via, mas uma técnica transmissível que qualquer um poderia reproduzir para ter acesso a outras imagens da realidade. Boal procurava retomar uma técnica de agitprop aliado ao conceito da multiplicação de células. A ferramenta deveria ser capaz de se adequar à mão de quem usa. A vida real organizava a estética.↩