Reoriente • vol.1, n.2 jul/dez 2021 • DOI: 10.54833/issn2764-104X.v1i2p177-191 185
(MARIÁTEGUI, 1994a, p. 864).
Numa palestra subsequente, proferida em outubro do mesmo ano, Exposição
e Crítica às Instituições do Regime Russo, da qual se preservam apenas as notas do
conferencista, foram apontadas algumas características do funcionamento do regime
soviético. Entre elas, para entender o problema que estou examinando, duas merecem
destaque: primeiro, as eleições dos delegados a cada três meses, as quais “podem
ser revogados a qualquer momento”; e, em segundo lugar, o exercício pelos soviets
de funções executivas e legislativas, de modo que o Conselho dos Comissários do
Povo (o governo) “[...] não passe de uma comissão‚ dirigente, um quadro de pessoal
da assembleia de sovietes” (MARIÁTEGUI, 1994a, p. 903). Certamente, Mariátegui
analisou o regime dos soviéticos nos primeiros anos de seu funcionamento, quando
ainda existia a democracia socialista. Por outro lado, em seus escritos não se encontram
vestígios da degeneração burocrática e despótica desses órgãos dos trabalhadores.
Penso, no entanto, que ele se manteve el à concepção original dos soviets e que ela
constituiu o quadro para suas reexões sobre o poder socialista no Peru.
Por outro lado, há um tema que se repete nos escritos de Mariátegui que lhe
permite completar sua visão do poder político socialista: a crise da democracia
liberal. A democracia liberal, para o analista da cena contemporânea, foi corroída pelo
fascismo e pelo socialismo. Para os trabalhadores, a democracia liberal havia perdido
sua legitimidade e se apresentava como o governo dos capitalistas, e por isso optaram
pela revolução socialista. Perseguida pela esquerda e pela direita, a democracia liberal
se mostrou incapaz de governar. A partir dessas ideias, Mariátegui concluiu que a
crise da democracia não era apenas um fenômeno europeu, mas afetava os países
latino-americanos, porque estavam integrados à civilização ocidental.
No entanto, Mariátegui não reduziu a democracia à experiência liberal. No artigo A
crise da democracia, ele estabelece a distinção entre “democracia pura” e a “forma liberal-
burguesa” de democracia. Embora a análise seja breve, ela tem implicações que são
úteis para a compreensão do problema com o qual estou lidando. Lá, ele argumentou
que os defensores do “estado demo-liberal-burguês” reconheciam o esgotamento da
democracia como uma forma política, mas não como uma ideia. Ele considera esse
argumento inconsistente, pois indica a impossibilidade de separar a forma da ideia.
“Una forma política constituye, en suma, todo el rendimiento posible de la idea que la
engendró” (MARIÁTEGUI, 1994a, p. 503). Nessa discussão, um princípio metodológico
fundamental é levantado para Mariátegui: a historicidade dos conceitos. A democracia
não é um conceito abstrato, ela corresponde a uma realidade historicamente determinada,
a do capitalismo competitivo. E, como todas as formas sociais, é provisória. Mariátegui,
consequentemente, conrmou o esgotamento da democracia liberal. Agora, alguém