O quarto de Ceci: paisagem, natureza-morta e desejo em O Guarani, de José de Alencar

Autores

Resumo

Este artigo explora duas linhas contrastivas e complementares de representação da natureza em O guarani (1857), de José de Alencar, que são a paisagem e a natureza-morta, em especial esta última. Gênero que atinge seu clímax no século 17 nos Países Baixos, a natureza-morta passa ao primeiro plano da pintura ao valorizar características como a domesticidade, o apego ao detalhe e, sobretudo, a repressão do desejo, conforme apontam os estudos de Svetlana Alpers, Meyer Schapiro e Jacqueline Labbe. Do ponto de vista formal, o objeto representado necessita ser retirado de seu contexto original e inserido em uma nova teia de relações. Ora, todos esses aspectos estão presentes na descrição do quarto de Ceci no capítulo inicial, onde a atenção às “coisas mínimas” e às “miniaturas”, para retomarmos os termos de Araripe Jr., imprime tamanha força ao desejo que ele se irradia para todo o romance e se torna elemento central para movimentar sua engrenagem narrativa.

Biografia do Autor

Marcos Flamínio Peres, Universidade de São Paulo São Paulo, SP

É professor na área de Literatura Brasileira da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. Tem pós-doutorado em Literatura Comparada pela Universidade de Chicago (EUA), sob a supervisão de Thomas Pavel. É autor de As minas e a agulheta: ficção e história em As minas de prata, de José de Alencar (Editora da Universidade Federal de Minas Gerais, 2015) e A fonte envenenada: transcendência e história em Gonçalves Dias (Nova Alexandria/Capes, 2003).

Referências

ALENCAR, José de. O guarani. Obra completa, v. II (romance histórico). Org. M. Cavalcanti Proença. Rio: José Aguilar, 1958, p. 27-406.

ALPERS, Svetlana. The art of describing: Dutch art in the seventeenth century. Chicago, London: The University of Chicago Press, 1984.

ARARIPE JR. “José de Alencar – perfil literário”. In: BOSI, Alfredo (org.), Araripe Jr.: teoria, crítica e história literária. São Paulo: Edusp, 1978, p. 35-96 (“Sob o signo de Alencar”).

BARTHES, Roland. “Le monde-objet”. In: Essais critiques. Paris: Seuil, 1964, p. 19-28.

BLANCHARD, Marc Eli. On still life. Yale French Studies, n. 61, p. 276-298.

BOURNEUF, Roland, OUELLET, Réal. “O espaço”. In: O universo do romance. Trad. José Carlos Seabra Pereira. Coimbra: Almedina, 1976, p. 130-168.

BOSI, Alfredo. “Um mito sacrificial: o indianismo de Alencar”. In: Dialética da colonização. 3a. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p. 176-193.

BROOKS, Peter. “Narrative desire”. In: Reading for the plot: design and intention in narrative. Cambridge/London: Harvard University Press, 1992, p. 37-61.

BRYSON, Norman. Looking at the over looked: four essays on still life painting. Cambridge: Harvard University Press, 1990.

BUTOR, Michel. “O espaço no romance”. In: Repertório. Trad. Leyla Perrone-Moisés. São Paulo: Perspectiva, 1974, p. 39-46.

DUBY, Georges. “A vida privada nas casas aristocráticas da França feudal - Convívio”. In: DUBY, Georges (org.), História da vida privada: da Europa feudal à Renascença, vol. 2.Trad. Maria Lúcia Machado. São Paulo: Companhia das Letras, 2009, p. 52-94.

FREYRE, Gilberto. “Reinterpretando José de Alencar”. In: Vida, forma e cor. Rio de Janeiro: Record, 1987, p. 119-139.

FRIEDLÄNDER, Max. J. Landscape, portrait, still-life: their origin and development. Translated from German by R. F. C. Hull. Oxford: Bruno Cassirer, 1949.

LABBE, Jacqueline M. Romantic visualities: landscape, gender and Romanticism. London: Palgrave Mcmillan, 1998.

LUKÁCS, Georg. “Narrar ou descrever?” In: Ensaios sobre literatura. Tradução de Leandro Konder. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1965, p. 43-94.

MCCOUBREY, John W. Studies in French Still-Life painting, theory and criticism: 1660-1860. Dissertation in the Department of Fine Arts, University of Michigan, Ann Arbor, March 1958.

RYAN, Marie-Laure. “Space”. In: The living handbook of narratology. Disponível em: <http://www.lhn.uni-hamburg.de/article/space>. Acessado em 12 de setembro de 2018.

SCHAPIRO, Meyer. A arte moderna: século XIX e XX – ensaios escolhidos. Trad. Luís Roberto Mendes Gonçalves. São Paulo: Edusp, 2010.

SIMMEL, Georg. “Philsophie du paysage”. In: La tragédie de la culture et autres éssais. Traduction S. Comille et P. Ivernel. Paris, Marseille: Rivages, 1988, p. 369-375.

SOUSA, Gabriel Soares de. Tratado descritivo do Brasil em 1587. Francisco Adolpho de Varnhagen (Org.). Rio de Janeiro: Laemmert, 1851.

SÜSSEKIND, Flora. O Brasil não é longe daqui. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.

Downloads

Publicado

2019-10-23

Edição

Seção

Artigos