Primeiras considerações sobre o problema do erro em Espinosa: imaginação, inadequação e falsidade

Autores

  • Marcos André Gleizer UERJ

Palavras-chave:

Espinosa, imaginação, inadequação, falsidade, error, inadequate knowledge, imagination,

Resumo

Espinosa propõe uma solução para o problema do erro fundada essencialmente na noção de privação de conhecimento. Essa solução, no entanto, suscita duas grandes dificuldades de interpretação: (i) uma dificuldade acerca do sentido exato, da legitimidade e da eficácia do uso espinosista da noção de privação; (ii) uma dificuldade acerca das consequências que decorrem de sua solução para a determinação do valor de verdade das ideias inadequadas da imaginação. Com efeito, Espinosa demonstra que o conhecimento imaginativo é a única causa da falsidade, mas afirma em várias passagens da Ética que este gênero de conhecimento, considerado em si mesmo, não é falso nem contém erro algum, embora jamais o caracterize como verdadeiro. Como devemos entender esse estatuto cognitivo ambíguo da imaginação, isto é, de um gênero de conhecimento que, na medida em que tem algo de positivo, não é em si mesmo falso, mas que, no entanto, propicia o advento da falsidade e do erro no seio da verdade? O objetivo do artigo é oferecer uma solução para essa questão. Para tal, ele examina inicialmente alguns elementos acerca da origem e da natureza inadequada do conhecimento imaginativo com o intuito de evidenciar a articulação de seu estatuto cognitivo ambíguo com a duplicidade referencial constitutiva das ideias das afecções do corpo. Essa duplicidade permite encontrar diferentes conteúdos nos quais ancorar diferentes valores de verdade. Em seguida, ele procura determinar quais são os dois valores que essas ideias podem adquirir e por que a verdade está excluída deles. Para tal, o artigo mostra como só a compreensão da originalidade da teoria epistêmica da verdade formulada por Espinosa permite iluminar de modo satisfatório o problema das relações entre inadequação, falsidade e erro, de modo a tornar inteligível como as ideias inadequadas da imaginação podem, em certas circunstâncias, causar a falsidade e o erro e, em outras, ser simplesmente ideias não-verdadeiras que indicam positivamente como as coisas nos aparecem.

 

Abstract

Spinoza proposes a solution to the problem of error based essentially on the notion of privation of knowledge. This solution, however, raises two major difficulties of interpretation: (i) a difficulty about the exact meaning, legitimacy and effectiveness of Spinoza's use of the concept of privation, (ii) a difficulty concerning the consequences that follow from his solution for determining the truth-value of inadequate ideas of imagination. Indeed, Spinoza demonstrates that imaginative knowledge is the only cause of falsity, but affirms in several passages of the Ethics that this kind of knowledge, considered in itself, is not false nor contains any error, although he never characterizes ideas of imagination as true. How should we understand this ambiguous cognitive status of imagination, that is, of a kind of knowledge that, insofar as it has something positive, is not false in itself, but which provides, nevertheless, the advent of falsity and error within truth? The aim of this paper is to offer a solution to this issue. To do this, the paper first examines some elements concerning the origin and the inadequate nature of imaginative knowledge in order to display the articulation of its ambiguous cognitive status with the referential duplicity constitutive of ideas of the affections of the body. This duplicity allows us to find different contents in which anchor different truth-values. Then, it tries to determine the two truth-values that these kind of ideas can acquire and why truth is not included among them. To this end, the paper shows how only the understanding of Spinoza's original epistemic theory of truth allows us to clarify satisfactorily the problem of the relations between inadequacy, falsity and error, and renders thus intelligible how inadequate ideas of imagination can, in some circumstances, cause falsity and error, and in others, just be non-true ideas that positively indicate how things appear to us.

 

 

Recebido em 08/2014

Aprovado em 09/2014

Referências

Alquié, F. Le Rationalisme de Spinoza; col. Épiméthée, Paris: PUF, 1981.

Bennett, J. A Study of Spinoza's Ethics; Indianapolis: Hackett, 1984.

Bennett, J. Learning from six Philosophers, vol. 1; Oxford: Oxford University Press, 2001. doi:10.1093/0198250916.001.0001.

Bennett, J. “Spinoza sur l'erreur”; Studia Spinoza; vol.2: Spinoza's epistemology, Walther & Walther Verlag, 1986.

Chauí, M. “Fidelidade infiel: Espinosa comentador dos Princípios da Filosofia de Descartes”. Revista Analytica, vol. 3, n° 1, 1998.

Chauí, M. A nervura do real: imanência e liberdade em Espinosa. São Paulo: Companhia Das Letras, 1999.

Curley, E. Spinoza's Metaphysic's: An Essay in interpretation; Cambridge: Harvard University Press, Cambridge, Mass., 1969.

Deleuze, G., Spinoza et le problème de l'expression. Paris: Les Editions de Minuit, 1968.

Descartes, R., Méditations Métaphysiques ; édition F. Alquié, Vol.2, Paris: Garnier, 1973.

Dummett, M. Philosophie de la Logique. col. Propositions, Paris: Les Editions de Minuit, 1991.

Garrett, D. (ed.). The Cambridge Companion to Spinoza; Cambridge: Cambridge University Press, 1996. doi:10.1017/ccol0521392357

Gilson, E. Etudes sur le rôle de la Pensée Médiévale dans la Formation du Système Cartésien; Paris : Vrin, 1984.

Gleizer, M. A. Verdade e Certeza em Espinosa, Porto Alegre: ed. L&PM, 1999.

Gleizer, M. A. Imaginação, Verdade e Falsidade na Ética de Espinosa; dissertação de mestrado defendida no departamento de filosofia da UFRJ; Rio de Janeiro, 1987 (inédita).

Gleizer, M. A. Metafísica e Conhecimento: Ensaios sobre Descartes e Espinosa; Rio de Janeiro: Eduerj, 2014.

Gueroult. M. Spinoza: L'âme. Paris: Aubier, 1974.

Jaquet, C. “L'erreur dans les Principes de la Philosophie de Descartes de Spinoza, I, XV”. Revista Analytica, vol.13, n.2, 2009.

Jaquet, C. (ed.), Les pensées métaphysiques de Spinoza; Paris: Publications de la Sorbonne, 2004.

Landim, R. "La notion de vérité dans l'Ethique de Spinoza". Groupe de recherches spinozistes n°2, Paris: P.U.F., 1989.

Landim, R. "A interpretação realista da definição nominal da verdade". Manuscrito, volume VI, nº 2, abril 1983.

Landim, R. “Significado e verdade”. Síntese, nº 32, dezembro 1984.

LeBuffet, M. From Bondage to Freedom: Spinoza on Human Excellence; Oxford: Oxford University Press, 2010.

Parkinson, G.H.R. “Truth Is Its Own Standard: Aspects of Spinoza's Theory of Truth”. in: Shahan and Biro (eds.): Spinoza: New Perspectives, University of Oklahoma Press, 1978.

Della Rocca, M. Representation and the Mind-Body Problem in Spinoza; Oxford: Oxford University Press, 1996.

Spinoza, B. Traité de la Réforme de l'Entendement. trad. de A. Koyré, Paris ; J.Vrin,1984.

Spinoza, B. Ethique; présenté et traduit par Bernard Pautrat. Paris: Éditions du Seuil, 1999.

Spinoza, B. Ética; Edição bilíngue Latim/Português. tradução de Tomaz Tadeu, Autêntica, 2008.

Spinoza, B. Correspondance; trad. Maxime Rovere, Paris: GF, 2010.

Spinoza, B. Spinoza Opera; Carl Gebhardt, Heidelberg: Carl Winters Universitätsbuchhandlung, 1924.

Wilson, M.D. Ideas and Mechanism: Essays on Early Modern Philosophy. New Jersey: Princeton University Press, 1999.

Downloads

Publicado

2014-04-06