Boutwerk, Balthazar Barbosa, Willaschek e os Paradoxos da Filosofia do Direito de Kant
DOI:
https://doi.org/10.35920/arf.2018.v22i2.1-27Palavras-chave:
Kant, Willaschek, Balthazar Barbosa, Direito, Lei, Paradoxos, exeundum, statu naturali.Resumo
O artigo tem por objeto o exame de três registros de gritantes e distintos paradoxos na Doutrina do Direito de Kant. Registros feitos em tempos e contextos históricos diferentes por Friedrich Bouterwek, Marcus Willaschek e Balthazar Barbosa Filho. Bouterwek atribuiu a Kant a mais paradoxal das proposições jamais enunciadas por qualquer autor, a de que a mera ideia de soberania deve obrigar-nos a obedecer como a nosso inquestionável senhor a quem quer que se haja estabelecido como tal, sem que caiba indagar quem lhe deu o direito de comandar-nos. Willaschek aponta a incompatibilidade de duas teses centrais da doutrina kantiana: a do caráter externo dos vínculos jurídicos e a da incondicionalidade obrigacional do direito positivo, pois não é possível entender como é possível termo-nos como obrigados por imperativos jurídicos e, ao mesmo, vermo-nos internamente isentados do dever de obedecê-los. O ponto crítico de Balthazar é alegar que não pode haver na filosofia kantiana uma crítica da razão político e jurídica, simplesmente porque o conceito de imputação, base da normatividade própria dessas esferas, pressupõe uma pluralidade de agentes livres que, justamente, só pode ser uma pressuposição, pois nosso acesso à normatividade prática só pode ter lugar em primeira pessoa. No exame a que o artigo submete essas alegações, o artigo argumenta, em objeção à tese de Balthazar, que o caráter universal e categórico da força que vincula o sujeito quando confrontado com a lei moral em primeira pessoa necessariamente se desvaneceria se, ao mesmo tempo, ele não fosse tomado pela evidência de que a realidade objetiva dos princípios morais é não só instanciável, mas assegurada pela múltipla instanciação. Com relação às dificuldades levantadas por Willaschek e Bouterwek, o artigo argumenta que o princípio exeundum e statu naturali, enquanto norma metapositiva, anterior à divisão do domínio prático entre doutrina do direito e doutrina da virtude, permite ao mesmo tempo compreender a exigência de obediência ao poder constituído e a restrição das obrigações jurídico-políticas exclusivamente ao foro externo.
Abstract
The object of the article is to examine three claims about three distinct and allegedly blatant paradoxes in Kant's Doctrine of Right. These three critical points had been made in distinct times and contexts by Friedrich Bouterwek, Marcus Willaschek e Balthazar Barbosa Filho. Bouterwek attributed to Kant the most paradoxical of all paradoxical propositions, the statement that by the mere idea of sovereignty we are obliged to obey as our lord who has imposed himself upon us, without questioning from where he got such right. Willaschek points out the incompatibility of two main theses of Kantian doctrine of right: the claims
that the legal bounds are of external character and that they are the source of unconditional obligations, since it seems impossible to understand how it would be possible to be obliged by juridical norms and decisions and at the same time to be exempted of the internal duty of compliance. The radical objection of Professor Balthazar is the claim that in the context of Kantian Philosophy it is impossible to admit a critique of the juridical and political reason because the concept of imputation, ground of the normativity in these domains, requires not only the presupposition of free agents, but a true and secure epistemic access to them, which is, according to him, impossible considering that the moral law and the other practical principles are accessible for us only in the first person. In the course of the appraisal of such claims, the article contest that objection arguing that the universal and categorical force of the normative bound experienced by the subject when confronted with the moral law in the first person would ineluctably vanish if, at the same time, he had not been taken by the evidence that the objective reality of the moral principles is secured by multiple instancing. Regarding the difficulties raised by Willaschek and Bouterwek, the article argues that the principle exeundum e statu naturali, as a norm of meta-positive character, prior to the division of practical domains between the doctrine of right and the doctrine of virtue, is the cue both to the understanding of the requirement of unquestioning obedience to the constituted power and to the restriction of the validity of this requirement only in foro externo.
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