Ciência aristotélica e matemática euclidiana
Resumo
O notável comentário de Pochat prova que a definição aristotélica de ciência é consistente, sistemática e construída gradativamente e que a ciência aristotélica é um sistema consistente e ordenado que supõe um modelo matemático. No texto a seguir, quero somente sugerir alguns desenvolvimentos às idéias centrais de Porchat. Por que a ciência aristotélica e, em geral, a ciência grega buscaram sua realização na forma axiomática? Tento responder a esta questão confrontando o programa epistemológico aristotélico de axiomatização das ciências nos Segundos Analíticos com sua efetivação nos Elementos de Euclides. Resulta que os diferentes primeiros princípios de Euclides seguem à linha os requisitos aristotélicos. Mas o inverso não é verdadeiro. Mais ainda, contrariamente à aposta de Porchat, não vejo como se possa tirar um conceito coerente de primeiros princípios dos Segundos Analíticos. Sugiro que se pode resolver ambas as dificuldades com uma mesma suposição. A constituição histórica de um sistema dedutivo faz-se a partir de procedimentos formalizados de transmissão de conhecimento no discurso de um professor ideal (aquele que conhece tudo) dirigindo-se a um aluno ideal (que nada sabe). O sistema dos primeirosprincípios nos Segundos Analíticos fica assim intermediário e instável entre dois sistemas coerentes. O primeiro comporta termos a serem compreendidos (definições) e proposições tomadas como verdadeiras, ou necessariamente (axiomas) ou contingentemente; estas, por sua vez, podem ser ainda divididas em hipóteses e postulados, em função do assentimento ou dissentimento do ouvinte. O segundo sistema comporta axiomas que enunciam propriedades que não podem ser provadas, definições de termos e hipóteses de existência. Deste modo, os Segundos Analíticos buscam reconciliar os dois conceitos gregos de ciência. Segundo o primeiro conceito, ciência é um sistema de transmissão interlocutiva; de acordo com o segundo, é um sistema de conhecimento objetivo. Os Elementos de Euclides estão no final do desenvolvimento histórico da axiomática antiga.
Abstract
Porchat's outstanding commentary proves both that Aristotle's definition of science is consistent, systematic and gradually constructed, and that an Aristotelian science is a consistent and systematic system which supposes a mathematic model. In the following text, I only want to suggest some developments of Porchat's great ideas. Why did Aristotelian science, and more generally Greek science, searched for its own achievement in the axiomatic form? I try to answer this question by confronting Aristotelian epistemological program of axiomatisation of the sciences in Posterior Analytics with its realisation in Euclid's Elements. It appears that the different Euclidean first principles fit quite exactly Aristotelian requirements. But the converse is not true. Moreover, contrary to Porchat's challenge, I cannot find it possible to draw a coherent concept of first principles from the text of Posterior Analytics. I suggest that it is possible to resolve both types of difficulties by a single assumption. The historical constitution of a deductive system stands from formalised procedures of transmission of knowledge in the discourse of an ideal teacher (who knows everything) talking to an ideal pupil (who knows nothing). The system of first principles in Posterior Analytics is thus unstable and intermediate between two coherent systems. The first one comprises terms to be understood (definitions), and propositions held to be true, either by necessity (axioms) or contingently; these, in turn, can further be divided into hypotheses and postulates, depending on assent or dissent of the hearer. The second system comprises axioms stating unprovable properties, definitions of terms and hypotheses of existence. Thus, Posterior Analytics seek to reconcile the two Greek concepts of science. According to the first one, science is a system of interlocutive transmission; according to the later one, it is a system of objective knowledge. Euclid's Elements are at the end of this prehistorical development of ancient axiomatic.
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