A queda da moral -- moralidade e ambivalências em A queda, de Albert Camus

Autores

  • Maria Castanho Caú

Resumo

Ao versar sobre a estrutura da cidade, Zygmunt Bauman afirma que, apesar das diversas transformações ocorridas com o passar dos anos, um elemento se mantém: o fato de que nesse meio os desconhecidos se fazem o tempo inteiro presentes e se encontram sempre inescapavelmente próximos. Sendo um componente permanente da vida urbana, a presença perpétua e ubíqua de estranhos visíveis e próximos aumenta em grande medida a eterna incerteza das buscas existenciais de todos os habitantes. Essa presença, impossível de evitar senão por breves momentos, é uma fonte de ansiedade inesgotável, assim como de uma agressividade geralmente adormecida, mas que volta e meia pode emergir. (2004, p. 129) A ansiedade crescente e a esmagadora incerteza da vida urbana constituem o tema de A queda, novela de Albert Camus que traz como personagem principal o advogado Jean-Baptiste Clamence, que narra em um tom bastante confessional suas desventuras para aqueles que o ouvem -- um desconhecido num bar de Amsterdã e o leitor. A trama gira em torno das revelações íntimas do narrador, que reproduz o seu passado de glória merecida e ética sem fronteiras, assim como a série de eventos que desestabilizaram sua existência e o conduziram ao momento presente. O episódio mais significativo da obra é também aquele que lhe dá nome: a ocasião em que Clamence se confronta não apenas com a atitude extrema da mulher desconhecida que se atira de uma ponte, mas com sua própria hesitação em ajudá-la prontamente. Em face da queda, o protagonista não consegue agir e se coloca uma lista de desculpas para justificar tal omissão: a temperatura da água, a distância, o medo. Sua reação, no entanto, desencadeia um estado de ruptura, onde suas crenças são colocadas à prova, questionadas, escrutinadas. Inicia-se assim um julgamento do homem por si mesmo, que se estende também ao outro, aquele que reflete o meu crime. Nesse cenário, acompanhamos Clamence numa jornada de autoconhecimento, liberdade e amargura. A intenção fundamental é traçar aqui um perfil moral de Clamence, mapear suas conquistas e incoerências, até que se delineiem os contornos desse indivíduo e então se possa de fato, através de um exercício de identificação, observar os traços comuns, as experiências que sofremos juntos, as fraquezas que partilhamos, o bom-tom, o homem do dia, enfim, tal como se manifesta em mim e nos outros. Com isso, monto um retrato que é o de todos e o de ninguém. (Camus, s/d, p. 108).

Referências

BAUMAN, Zygmunt. Amor líquido. Rio de Janeiro: Zahar, 2004.

BEAUVOIR, Simone. “Pirro e Cinéias”. In: Por uma moral da ambiguidade. São Paulo:Nova Fronteira, 2005.

_______________. “Por uma moral da ambiguidade”. In: Por uma moral da ambiguidade. São Paulo: Nova Fronteira, 2005.

CAMUS, Albert. A queda. Rio de Janeiro: Record, s/d, 2ª edição.

____________. O estrangeiro. Rio de Janeiro: Record, 2008, 29ª edição.

FREUD, Sigmund. “O mal-estar na civilização”. In: Freud. Coleção Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1978.

KANT, Immanuel. Crítica da razão prática. Coleção Universidade. Rio de Janeiro: Edições de Ouro, s/d.

SARTRE, Jean-Paul. “O existencialismo é um humanismo”. In: Jean-Paul Sartre. Coleção Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1978.

Downloads

Publicado

2011-04-30

Edição

Seção

Artigos