Estratégias de poder e o discurso da corte inquisitorial de Pamiers - por uma abordagem histórica da linguística forense nos processos das cortes inquisitoriais da baixa Idade Média

Autores

  • Leonardo Vichi UFSCar

DOI:

https://doi.org/10.55702/medievalis.v10i1.45447

Palavras-chave:

Análise do Discurso, Linguística Forense, Tribunais Inquisitoriais na Baixa Idade Média

Resumo

Em 13 de julho de 1320, Baruch, um judeu de origem alemã fora levado à presença do Inquisidor de Pamiers, o bispo Jacques Fournier. A acusação era que este havia sido batizado, tendo sido convertido ao cristianismo, mas que, posteriormente, retornara ao judaísmo. Para a Igreja, Baruch tornara-se um herege. Meses antes, em maio, na cidade de Toulouse, onde residia, Baruch havia sido batizado à força, sob ameaça de morte, durante a perseguição empreendida pelo grupo conhecido como Les Pastoureaux. Deixara a cidade, mudando-se para Pamiers, e, no caminho, foi instruído a considerar que seu batismo teria sido inválido, posto que realizado à força. Chegou até mesmo a submeter-se a rituais religiosos judaicos visando purificar-se, limpando os locais onde foi ungido com os óleos unciais. Embora aquele parecesse um dos muitos casos semelhantes a de outros judeus batizados à força e que retornaram aos hábitos culturais e religiosos de suas comunidades locais, vivendo mais ou menos disfarçados, aquele não era o caso de Baruch. Identificando-se como estudioso da Lei Mosaica, o réu transformaria seu depoimento perante o Tribunal do Santo Ofício em uma batalha em que poderes, mesmo que um tanto assimétricos, se digladiavam entre si. Para Fournier, inquisidor minucioso, implacável e que futuramente se tornaria o papa Bento XII, estavam em jogo seu zelo religioso e o desejo de salvar a alma de Baruch contra aquilo que considerava herético, enquanto para Baruch importava lutar para provar que seu batismo tomado à força era inválido e assim salvar sua própria vida. O primeiro tinha à sua disposição a violência do braço secular, o segundo proclamava que seu poder não era pouco entre os seus, mas, perante à corte inquisitorial, as armas que estavam desembainhadas eram suas estratégias discursivas. Este artigo visa analisar o processo da Corte Inquisitorial de Pamiers contra Baruch sob a ótica da Análise do Discurso e da Linguística Forense objetivando a depreensão das estratégias discursivas empregadas por seus personagens.

Biografia do Autor

Leonardo Vichi, UFSCar

Coordenador do Núcleo de Estudos Estratégicos em Defesa e Segurança do Departamento de Física da Universidade Federal de São Carlos. Doutor em História Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro com estágio doutoral realizado na Freie Universität Berlin; Mestre em História Comparada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e Bacharel em Letras Português – Alemão pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Website: www.leonardovichi.com e-mail: contato@leonardovichi.com

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Publicado

2021-08-06

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Artigos