E a noite roda, de Alexandra Lucas Coelho: o problema da habitação
DOI:
https://doi.org/10.35520/metamorfoses.2017.v14n1a10543Resumo
Ciente da duplicidade do pacto que selamos com a terra, a retórica do alongamento desenvolvida por Ana Blau, a jornalista catalã “em processo de catarse pós-retirada” (Coelho, 2012: 127) de León Lannone, o amigo desaparecido, produz um efeito de anacrónica derivação de sentido -- porque Ana escreve “para que a história comece” (Ibidem: 11), mas também “para acabar com a história” (Ibidem: 11), como quem lança terra sobre um nome que morreu, sabendo, todavia, que é ainda à terra que imputamos o segredo da involuntária germinação. Morte e vida, noite e dia, porque, se a noite roda, também a morte gira sobre o seu próprio fim, resgatando do fundo da treva a luz salvífica da escrita, do entendimento e de uma memória afinal incorruptível. Assim, o romance E a noite roda, de Alexandra Lucas Coelho, não é apenas uma lápide com um nome gravado em cima, mas um buraco negro cavado na terra pela dolorida argúcia de Ana, num susto contínuo de pedra e sangue. No vasto silêncio dos anos, León jaz morto mas não arrefece, está surpreendentemente vivo na cal mordente da escrita, no ouro entorpecido da memória -- finitude e imortalidade, como na mítica lição de Gilgamesh que, em forma de explícita convocatória ao leitor (ou ao próprio amante em fuga) a narradora evoca noinício do texto: “esquece a morte e segue-me” (Ibidem: 11). Enquanto leitores, só nos resta seguir o fio translúcido desta escrita poderosa, vibrátil no seu quase descarnamento porque saída do músculo mais atento da alma, sem nenhuma concessão ao excesso a fazer perigar o aprumo das costuras.
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2017-06-07
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Seção
Artigos
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