Um co(r)po meio cheio: uma leitura de Copo vazio, de Natalia Timerman

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Resumo

Francisco Moretti (2003) defende que “a narrativa não é feita apenas de grandes cenas” (p.65). O romance Copo Vazio, da escritora Natalia Timerman vai ao encontro da defesa de Moretti. Aparentemente, estamos diante de um fato banal, corriqueiro das relações líquidas do mundo contemporâneo: uma curtida em rede social, encontros corriqueiros, sexo consensual sem compromisso, desistência. Imersos em um mundo repleto de recursos tecnológicos e possibilidades de escolhas, nos deparamos com a legitimação da individualidade em detrimento do cuidado com o outro. A história dos personagens Mirela e Pedro é apenas mais uma entre tantas outras semelhantes em nossa sociedade tecnológica, conectada e distraída. Porém, o que a torna consistente o suficiente para se tornar uma narrativa de ficção? Talvez a resposta esteja em outra pergunta: a vida de cada um é um conjunto de grandes cenas ou de pequenos acontecimentos? O que nos motiva mais intimamente: uma desilusão amorosa ou o cenário político nacional? A partir das vivências de Mirela e, por que não dizer, da própria experiência da autora, a história dá materialidade ao ghosting, fenômeno recém-nomeado no mundo contemporâneo. Diana Klinger (2014) defende a ideia de que, talvez, a tarefa política da escrita seja “embaralhar os fios da linguagem” (p. 51), tendo em vista a necessidade de percebermos “a escrita como um ato que reverbera na vida, na própria e na dos outros” (p.52). A história contada por Natalia Timerman embaralha os fios da linguagem e encontra reverberação em sua vida e na de outras pessoas e nos leva a pensar que os verdadeiros grandes temas são aqueles que nos mobilizam enquanto sujeitos, que nos afligem profundamente no cotidiano e que podem ser parte de toda nossa vida, ainda que ninguém saiba ou se dê conta.

Biografia do Autor

Glaucia Moreira Secco, UFRJ

Doutoranda em Literatura Comparada do PPGCL/UFRJ

Referências

BAUMAN, Zygmunt. Amor líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de Janeiro: Zahar, 2003.

Copo vazio: uma conversa com a psiquiatra e escritora Natalia Timerman. Entrevistada: Natalia Timerman. Entrevistadora: Fabiane Secches. Revista Cult. Publicação online. 29 de janeiro de 2021. Disponível em: < https://revistacult.uol.com.br/home/natalia-timerman-copo-vazio/>. Acesso em: 03 set. 2022.

KIFFER, Ana. “A escrita fora de si”. Expansões contemporâneas: literatura e outras formas. Editora UFMG: Belo Horizonte, 2014.

KLINGER, Diana. Literatura e ética. Rocco, RJ: 2014.

MORETTI, Francisco. “O século sério”. O romance. Cosac Naif, SP: 2003.

SCHOLLHAMER, Karl E. Ficção brasileira contemporânea. Civilização brasileira, RJ: 2009.

SILVA, Francisco V. & BARBOSA, Maria S. M. F. "Até que o ghosting os separe: a produção de subjetividade em discursos sobre o amor virtual". Calidoscópio. V.14, n. 2, p.265-275, mai/ago 2016. Unisinos - doi: 10.4013/cld.2016.142.09.

TIMERMAN, Natalia. Copo Vazio. Todavia: São Paulo, 2021.

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Publicado

2023-09-15