DIALOGANDO COM OS MORTOS: HEINER MÜLLER E O DESENTERRAMENTO DA HISTÓRIA
Resumo
Pode-se argumentar que, em termos freudianos, muitas vezes o esquecimento de acontecimentos vem a reboque do recalque de lembranças desagradáveis, seja no âmbito íntimo, seja no coletivo. É fato que o resgate da memória, além de um produtivo, porém doloroso, processo de desrecalque, implica, por conseguinte, em uma imprescindível estratégia no sentido de uma tomada crítica de consciência. É, nesse aspecto, que, contrário à cauterização de feridas, ou ao simples esquecimento, o teatro do dramaturgo e poeta alemão Heiner Müller busca a intensificação dos conflitos e das contradições, recusando, com isso, mesmo em nome de algum bem comum desenvolvimentista, o enterramento de conflitos ainda presentes e não resolvidos. Como exemplo disso, reporto-me aqui a relação entre o fenômeno da desnazificação ocorrido na Alemanha do pós-guerra, suas conseqüências reais para a sociedade alemã como um todo, e as investigações de Theodor Adorno acerca da sobrevivência do nazismo na democracia.
Referências
ADORNO, T. Educação e emancipação. P. 49.
MAAR, Wolfgang Leo. “À guisa de introdução: Adorno e a experiência formativa”, in ADORNO, T. Educação e emancipação. P. 12-13.
Interessante expressão usada pelo encenador alemão Christoph Nel por ocasião de uma discussão sobre a montagem de uma peça de Müller chamada Mauser, esta por sua vez uma releitura da peça A Decisão, de Brecht. NEL, C., TROLLER, U., BILABEL et alli. Über die Schwierigkeit zu sagen, was die Revolution ist. Der Beginn der Arbeit an Mauser am Schauspiel K¶ln im Januar 1980. In: STORCH, Wolfgang (org.). Explosion of a Memory Heiner Müller DDR: ein Arbeitsbuch. P. 122-33.
FREUD, Sigmund. Os pensadores. P. 35. “Exatamente os componentes do instinto sexual se caracterizam por essa faculdade de sublimação, de permutar o fim sexual por outro mais distante e de maior valor social. Ao reforço de energia para nossas funções mentais, por essa maneira obtido, devemos provavelmente as maiores conquistas da civilização. A repressão prematura exclui a sublimação do instinto reprimido; desfeita aquela, está novamente livre o caminho para a sublimação.”
PAZ, O. Signos em rotação. P. 74.
ARENDT, H. Sobre a revolução. P. 275.
RÖHL, R. “ Heiner Müller na Pós-Modernidade”, in: KOUDELA, I.Heiner Müller: o espanto no teatro. P. 34
SANTOS, L. Tempo de ensaio. P. 102-3.
Ibidem. P. 104.
MÜLLER, H. „Necrofilia é amor ao futuro: entrevista concedida a Frank Raddatz“, in: Vintém: Companhia do Latão. P. 33.
MÜLLER, H. Gesammelte Irrtümer: Interviews. P. 149. “... die condition humaine sich in den letzten Jahrhunderten ganz wenig verändert hat.” (tradução minha)
MÜLLER, H. Gesammelte I rrtümer: Interviews. P. 138: „Jeder neue Text steht in Beziehung zu einer ganzen Menge älterer Texte, von anderen Autoren, und verändert auch den Blick auf sie. Mein Umgang mit alten Stoffen und Texten ist auch ein Umgang mit einer Nachwelt. Es ist, wenn Sie so wollen, ein Dialog mit Toten.” (tradução minha)
RÖHL, R. O teatro de Heiner Müller. P. 28.
BENJAMIN, W. Magia e técnica, arte e política. P. 123-4.
MÜLLER, H., “Shakespeare eine Differenz”, in: HÖRNIGK, F. Heiner Müller Material. P. 105-6. „Dazwischen liegt, für meine Generation, der Lange Marsch durch die H¶llen der Aufklärung, durch den Blutsumpf der Ideologien. Hitlers geografisches Lapsus: Genocid in Europa statt, wie gewohnt und Praxis heute wie gestern, in Afrika Asien Amerika. (…) Der lidlose Blick auf die Wirklichkeit der Arbeits- und Vernichtungslager. (…) Wir sind bei uns nicht angekommen, solange Shakespeare unsre Stücke schreibt.“
AGAMBEN, G. L'homme sans contenu. P. 150. “Il est facile d'observer que la fonction d'extranéation des citations est l'exact correspondent critique de l'extranéation effectuée par le ready-made et le pop-art. Ici aussi, un objet dont le sens était garanti par l' “autorité” de son usage quotidien, perd brusquement son intelligibilité traditionnelle pour se charger d'un inquiétant pouvoir traumatogène”.
MÜLLER, H. “Cinq minutes d'écran noir”, in: Théâtre/Public no 176. P. 82.
ARENDT, H. Homens em tempos sombrios. P. 166.
MÜLLER, H. Guerra sem batalha: uma vida entre duas ditaduras. P. 121.
KOUDELA, I., op. cit, p. 98.
MÜLLER, H. Quatro textos para teatro: Mauser, Hamlet-máquina, A missão, Quarteto. P. 32.
Downloads
Publicado
Edição
Seção
Licença
Autores que publicam nesta revista concordam com os seguintes termos:
- Autores mantém os direitos autorais e concedem à revista o direito de primeira publicação, com o trabalho simultaneamente licenciado sob a Licença Creative Commons Attribution que permite o compartilhamento do trabalho com reconhecimento da autoria e publicação inicial nesta revista.
- Autores têm autorização para assumir contratos adicionais separadamente, para distribuição não-exclusiva da versão do trabalho publicada nesta revista (ex.: publicar em repositório institucional ou como capítulo de livro), com reconhecimento de autoria e publicação inicial nesta revista.
- Autores têm permissão e são estimulados a publicar e distribuir seu trabalho online (ex.: em repositórios institucionais ou na sua página pessoal) a qualquer ponto antes ou durante o processo editorial, já que isso pode gerar alterações produtivas, bem como aumentar o impacto e a citação do trabalho publicado (Veja O Efeito do Acesso Livre).