UM ROSTO EM FUGA: O AUTO-RETRATO CARDOSIANO EM DIÁRIO COMPLETO

Autores

  • Odirlei Costa dos Santos UFRJ

Resumo

A personalização a que Lúcio almeja é a de ser múltiplo sem deixar de ser um. A construção de seu auto-retrato não abrange os moldes tradicionais, pois ele não é uno, fixo, estável e aparenta difusas contradições. Está mais próximo de um painel fragmentado, composto por peças de um mosaico que nunca esboça uma imagem definitiva. É relevante ressaltar, porém, que em Diário completo não é apresentado um personagem puramente imaginário, tal qual é possível encontrar em uma autobiografia ficcional. A imagem do sujeito empírico, no entanto, é sobrepujada pelo domínio do eu poético em sua prosa diária. As multiformes imagens do eu cardosiano geram distintas indagações ontológicas de seu estar-no-mundo, a partir do moto perpétuo que é o seu pensamento em torno da vida e da morte. Estas imagens não são instintivas ou descritas a esmo, mas advindas de um profundo processo de introspecção, como diz Lúcio a respeito de sua identificação pessoal: “Há uma inércia, uma estabilidade em mim que impede o meu arrolamento na hierarquia dos valores manuseáveis; não sou bom senão como medida do desequilíbrio e desconforto” (DC, 104). Diário completo traduz as perspectivas literárias que permitem ao autor acionar uma gama de reflexões ontológicas que circundam a imagem de si: “Todo o meu ser é uma aventura impossível de sonho e de extermínio” (DC, 177).

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Publicado

2007-06-30

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Artigos